Variabilidade espaço-temporal dos quantis de precipitação mensal no Estado de São Paulo durante o verão no período de 1901 a 2007 Luciana F. Prado 1, Augusto J. P. Filho 1, Teresinha de M. B. S. Xavier 2 1 Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas Universidade de São Paulo Rua do Matão, 1226 Cid. Universitária São Paulo SP Brasil, lfprado@model.iag.usp.br, apereira@model.iag.usp.br 2 Academia Cearense de Ciências Rua Oswaldo Cruz, 176/400 (Meireles) Fortaleza CE Brasil ABSTRACT: The spatial-temporal variability of rainfall at São Paulo State during Summer was studied by means of quantiles methods. Analysis from 1901 to 2007 showed spatial differences in rainfall distribution among Summer months. The influence of topography was observed in all months, but in January and February it was more outstanding. February showed smaller extreme conditions variability, and the opposite was observed to January. Palavras-chave: Precipitação, quantis, Estado de São Paulo 1 INTRODUÇÃO São Paulo é o Estado mais populoso do Brasil, com 40 milhões de habitantes, detendo um dos maiores parques industriais e econômicos do País. Suas atividades econômicas de destaque incluem a energética (hidroelétricas e biocombustíveis) e agronegócios, cujo insumo básico é a água. Por ser um recurso natural finito, a água se torna um fator limitante ao desenvolvimento econômico e social. Desta forma, o monitoramento e prognóstico das condições climáticas e estado hídrico das bacias hidrográficas são de grande importância para o gerenciamento dos recursos hídricos. A influência orográfica sobre o volume de precipitação é marcante no Estado de São Paulo e um dos fatores da grande variabilidade espacial da precipitação. Prado et al. (2007) verificaram que índices pluviométricos maiores tendem a ocorrer em regiões de maior elevação, como nas Serras do Mar e da Mantiqueira. Barros et al. (1987) atribui tais valores altos de precipitação ao efeito da brisa marítima, à circulação vale-montanha e orientação da costa paulista. Este trabalho visa estudar a variabilidade espaço-temporal da precipitação mensal no período de verão por meio do método dos quantis (Pinkayan, 1966; Xavier, 2001) para avaliar os quantis inferior e superior da precipitação, de ordens 0,15 e 0,85 durante os meses do verão austral. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Dados Utilizaram-se os dados de precipitação acumulada diária medida pelo DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo), num total de 1122 estações pluviométricas no Estado de São Paulo, no período de 01 de janeiro de 1947 a 31 de dezembro de 1997. Além disso, utilizaram-se os dados de precipitação acumulada mensal estimada pelo GPCC (Global Precipitation Climatology Centre) (Schneider et al., 2008), com resolução espacial de 1ºx1º, de janeiro de 1901 a dezembro de 2007. As séries de dados de precipitação com falhas não foram utilizadas.
2.2 Método dos quantis A precipitação foi tratada como uma variável aleatória X, com distribuição de probabilidade própria. Desta maneira, define-se o quantil Q p para todo número real p entre 0 e 1 como: Pr ob X Q p (1) p onde p é a ordem quantílica associada ao quantil Q p. Neste trabalho, utiliza-se a metodologia de Xavier (2001) para caracterização de períodos secos e chuvosos, desenvolvida por Pinkayan (1966), onde as ordens quantílicas calculadas são p = 0,15 e 0,85. Tais valores de p caracterizam as caudas da distribuição de probabilidades, sendo p = 0,15 correspondente à cauda inferior, e p = 0,85 referente à cauda superior. Assim, podem-se caracterizar cada período como: MUITO SECO (MS) para p i 0,15 MUITO CHUVOSO (MC) para p i 0,85 onde p i é a ordem quantílica correspondente a cada valor X i de precipitação. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Análise exploratória A confiabilidade da série do DAEE foi verificada em trabalhos anteriores (e. g. Prado et al. 2007), junto à referência existente (Setzer, 1972). Para expandir o período de estudo, verificou-se a série do GPCC contra a série de médias anuais e mensais do DAEE, no período de intersecção de ambos os conjuntos de dados, por meio de testes estatísticos. A Fig. 1 mostra grande semelhança entre as duas séries, apesar de algumas diferenças em alguns períodos, como na primeira metade dos anos 1950. Plotou-se a dispersão das séries, e notou-se o comportamento linear ( Fig. 1b) ao qual foi ajustado uma reta, e calculado o coeficiente de correlação de Pearson (Wilks, 2006), obtendo e p DAEE = -47,56 + 1,02p GPCC e r= 0,96, respectivamente. Figura 1 (a) Série temporal de precipitação acumulada anual (mm), de 1947 a 1997. A linha preta se refere aos dados do GPCC e, a vermelha, ao DAEE. (b) Ajuste linear entre as séries de acumulados anuais do GPCC e DAEE, no período de 1947 a 1997. A correlação foi testada pelo teste t-student (Bussab e Morettin, 1987), para nível de significância =5%. Obteve-se a região crítica RC=]- ;-2,01[U]+2,01;+ [, e t=23,04, o que leva a t RC. Desta forma, a correlação é válida. Calculou-se o intervalo de confiança para tal coeficiente, resultando em IC(r=0,960)=]0,478;0,997[. Para valores mensais, calculou-se o ciclo anual para as duas séries, e posteriormente subtraiu-se a série GPCC da DAEE. Tal diferença foi normalizada pelo maior valor, e mostra que os valores da série DAEE tendem a ser maiores que GPCC (Fig. 2a), exceto nos meses de maio, julho, agosto e outubro.
(a) (b) Figura 2 (a) Diferença normalizada entre os ciclos anuais calculados entre 1947 e 1997, para as séries DAEE e GPCC. (b) Ajuste linear entre as séries dos ciclos anuais do GPCC e DAEE, no período de 1947 a 1997. A reta de ajuste (Fig. 2b) dos dados obtida foi p DAEE = 2,75 + 0,96p GPCC, e coeficiente de correlação r=0,9991, com r 2 = 0,9982. O teste t-student para =5% resultou na região crítica RC=]- ;-2,23[U]+2,23;+ [, e t=75,56, o que leva a t RC. O intervalo de confiança obtido foi IC(r=0,9991)=]0,9861;0,9999[. O IC para os valores do ciclo anual se mostrou mais estreito do que para os acumulados anuais, o que significa que no primeiro caso os resultados são mais confiáveis. No entanto, não se pode generalizar este resultado para as outras regiões do globo, ou para valores fora do intervalo temporal de 1947 a 1997. Os resultados obtidos a seguir utilizaram o banco de dados GPCC. 3.2 Climatologia e análise de quantis A Fig. 3 mostra a climatologia dos meses de verão para o Estado de São Paulo. Maiores valores pluviométricos (até 270 mm/mês) são observados na região da Serra da Mantiqueira, enquanto que os menores do que 190 mm mensais ocorrem no sudoeste do Estado. Durante os meses de janeiro (Fig. 3b) e fevereiro (Fig. 3c) se nota influência da Serra do Mar, a sudeste. (a) (b) (c) Figura 3 Precipitação climatológica mensal (a) dezembro, (b) janeiro e (c) fevereiro. A Fig. 4 mostra o quantil MS (15%) para os meses de verão. Nota-se uma variabilidade espaço-temporal, sendo janeiro (Fig. 4b) o mês que apresenta os maiores valores para o quantil 15, e fevereiro (fig. 4c) os menores valores. Isto significa que um acumulado mensal de 200 mm está na cauda inferior da distribuição do mês de janeiro, mas não para fevereiro. Assim, dezembro e janeiro são classificados como MS se o acumulado mensal for inferior a 190 mm. Essa condição ocorre para o mês de fevereiro quando o total de precipitação não ultrapassa os 130 mm/mês. Nota-se a influência da topografia na precipitação mensal, principalmente em janeiro e fevereiro. É interessante observar que o quantil MS apresenta maior homogeneidade espacial durante o mês de fevereiro.
(a) (b) (c) Figura 4 Quantil inferior de precipitação (MS), (a) dezembro, (b) janeiro e (c) fevereiro. O quantil 85 (MC) é mostrado na Fig. 5. Observa-se o mesmo comportamento do quantil 15, com maior efeito orográfico nos meses de janeiro (Fig. 5b) e fevereiro (Fig. 5c). O sudoeste do Estado de São Paulo é o que apresenta menores valores, enquanto que o nordeste e leste do Estado são as regiões mais chuvosas. O mês de janeiro é considerado MC para totais mensais acima de 260 mm, enquanto que esta condição é observada nos meses de dezembro e fevereiro para precipitação acumulada maior que 220 mm/mês. (a) (b) (c) Figura 5 Quantil superior de precipitação (MC), (a) dezembro, (b) janeiro e (c) fevereiro. 4 CONCLUSÕES A análise climatológica mensal mostra que durante os meses de verão, a variabilidade espacial da precipitação é dada principalmente pela orografia e pela proximidade do Oceano Atlântico. Assim, regiões de topografia mais elevada possuem totais mensais maiores, concordando com Barros et al. (1987) e Prado et al. (2007). Ainda, durante os meses de verão, o gradiente dos quantis de precipitação no Estado de São Paulo é orientado na direção sudeste-nordeste. Por possuir valores dos quantis 15% (inferior) e 85% (superior) mais próximos entre si, em relação aos outros meses, fevereiro é o mês que apresenta a curva de distribuição com menor espalhamento e, portanto, menor variabilidade. A situação oposta ocorre para o mês de janeiro que, por ter curva de distribuição mais espalhada apresenta maior variabilidade pluviométrica. Isto significa que as condições extremas ( MC ou MS), e também os quantis intermediários, variam menos em intensidade no mês de fevereiro do que em janeiro ou dezembro. 5 - AGRADECIMENTOS: À CNPq pelo suporte ao primeiro autor e ao segundo autor (301724/2008-3). 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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