INFLUÊNCIA DE EL NIÑO SOBRE A CHUVA NO NORDESTE BRASILEIRO. Alice M. Grimm (1); Simone E. T. Ferraz; Andrea de O. Cardoso

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1 INFLUÊNCIA DE EL NIÑO SOBRE A CHUVA NO NORDESTE BRASILEIRO Alice M. Grimm (1); Simone E. T. Ferraz; Andrea de O. Cardoso (1) Grupo de Meteorologia - Universidade Federal do Paraná Depto de Física Caixa Postal CEP Curitiba Paraná Fax: (041) grimm@fisica.ufpr.br RESUMO A influência de eventos El Niño sobre a precipitação da Região Nordeste é verificada através da análise de dados de 667 estações, obtendo-se a distribuição espacial e temporal do impacto destes eventos ao longo de todo o seu ciclo e uma avaliação da sua consistência. ABSTRACT The influence of El Niño events on the precipitation over Northeast Brazil is verified through the analysis of data from 667 stations. The spatial and temporal distribution of this influence along the cycle of these events and an assessment of its consistency is obtained. Palavras-chave: Previsão de tempo e clima, El Niño, Nordeste do Brasil. 1. Introdução Eventos El Niño (EN) tem sido associados à ocorrência de estações chuvosas deficientes na Região Nordeste do Brasil (e. g. Alves e Repelli, 1992). Contudo, não tem havido consenso a respeito da consistência das secas durante esses eventos. Também não se conhece a distribuição espacial e temporal do impacto destes eventos ao longo de todo o seu ciclo. No presente trabalho a influência de eventos EN sobre a precipitação da Região Nordeste é avaliada com base num amplo conjunto de dados. A estação chuvosa do Nordeste está concentrada no período de fevereiro a maio, quando a zona de baixas pressões próxima ao equador (e a zona de convergência intertropical associada (ZCIT)) atinge sua posição mais ao sul, juntamente com a zona de maior temperatura da superfície do mar (TSM). Quando o gradiente da TSM é enfraquecido ao norte, a zona de baixa pressão e a ZCIT são deslocadas para norte, produzindo seca no Nordeste. Os alísios no Atlântico Norte são enfraquecidos, enquanto no Atlântico Sul são acelerados, aumentando o fluxo que cruza o equador para o norte. Portanto, a variabilidade da precipitação no Nordeste está sujeita à forte influência das anomalias de TSM no Oceano Atlântico e à posição da zona de convergência intertropical (ZCIT). A influência das anomalias de TSM no Oceano Pacífico associadas a EN pode ocorrer de duas maneiras: através da modificação da circulação de Walker, com a intensificação de movimento subsidente sobre o Nordeste devido à convecção anômala no Pacífico tropical central e leste e (ou) através de anomalias de TSM no Atlântico associadas às anomalias no Pacífico. Há evidências de que ocorrem anomalias de TSM no Atlântico tropical durante o outono do ano seguinte a EN, principalmente ao norte do equador (Enfield e Mayer, 1997). Estas anomalias podem favorecer a ocorrência de uma estação chuvosa deficiente no Nordeste, pois enfraquecem os alísios de nordeste no Atlântico Norte e fortalecem os de sudeste no Atlântico Sul.

2 2. Dados e metodologia Foram utilizados totais mensais de precipitação de cerca de 667 estações no Nordeste do Brasil, cujas séries abrangem pelo menos 5 eventos EN. Estas séries provém principalmente de estações da ANEEL e INMET. Os dados foram submetidos a uma análise prévia para verificação de dados duvidosos e dados faltantes. Os eventos considerados neste estudo (Tabela 1) são aqueles utilizados em Grimm et al. (1998). TABELA 1. Lista de eventos El Niño incluídos neste estudo Episódios El Niño 1911,1913, 1915, 1918, 1923, 1925, 1930, 1932, 1939, 1941, 1944, 1951, 1953, 1957, 1963, 1965, 1969, 1972, 1976, 1979, 1982, 1986, Para ter um quadro geral do impacto desses eventos sobre todo o Brasil, foi utilizada a mesma metodologia de Grimm et al. (1998b), baseada em Ropelewski e Halpert (1987), resumida abaixo. Os primeiros três passos fornecem a estrutura espacial das anomalias de precipitação e dos três últimos passos resulta sua distribuição temporal e consistência. 1) Em cada estação, os totais mensais de chuva são representados como percentis de ordem. Composições destes percentis para eventos EN são formados para o período de 24 meses de julho (-) (ano anterior) a junho (+) (ano seguinte a um episódio). 2) O primeiro harmônico de Fourier de cada composição é representado por um vetor (amplitude e fase). A fase dos vetores refere-se ao máximo do primeiro harmônico. 3) Regiões de anomalias de chuva coerentes durante esses episódios são selecionadas, através da maximização de um índice de coerência, que é dado pela razão entre o módulo do vetor soma e a soma dos módulos dos vetores para todas as estações numa região. 4) Os totais mensais de precipitação para cada estação são transformados em percentis de distribuições gama ajustadas aos dados de cada mês do ano. Uma correção é introduzida nas distribuições gama quando há várias ocorrências de zeros nas séries. 5) Composições para eventos EN são formadas a partir dos percentis de precipitação para cada estação para o período de 36 meses de janeiro (-) a dezembro (+) e uma média de todas essas composições é formada para cada região coerente. Esta composição agregada é usada para identificar os períodos dentro do ciclo de EN com as maiores anomalias médias. 6) Séries temporais de precipitação sobre trimestres móveis no período de 36 meses centrados num evento são analisadas para avaliar a significância estatística da relação entre eventos EN e anomalias de precipitação, conforme explicado em Grimm et al. (1998b). 3. Resultados e discussão Não há no Nordeste regiões coerentes muito abrangentes. Os vetores do primeiro harmônico ajustado às composições de percentis tem grande dispersão e só é possível traçar regiões coerentes esparsas. Os efeitos dos eventos EN sobre a precipitação no Nordeste variam, devida aos diferentes regimes de precipitação e à interação com a topografia local. Embora as regiões apresentem consideráveis diferenças entre si, alguns aspectos comuns sobressaem da análise da Tabela 2. Nesta tabela são dados os níveis de significância (em %) do teste da hipótese de que as anomalias são consistentemente secas (s) ou úmidas (u) durante eventos EN, sem consideração pela magnitude das anomalias. Quanto maiores os valores, mais consistentes as anomalias. As regiões mais ao sul são regiões de transição, que conservam algumas características do norte da Região Sudeste (Grimm et al., 1998c), como a tendência a anomalias secas na primavera (0), embora já tenham incluído alguns aspectos típicos do Nordeste. Esses aspectos podem ser percebidos através de uma análise geral da Tabela 2. A estação chuvosa do Nordeste tende a ser mais úmida no ano (-) e mais seca nos anos (0) e (+). A tendência à seca

3 é mais significativa no ano (0). Contudo, esta tendência não é absolutamente uniforme e consistente sobre todo o Nordeste e nem sequer sobre o setor norte da região. A resposta a eventos El Niño e La Niña é menos linear que no Sul do Brasil, embora haja um significativo componente linear (comparar com Grimm et al., 1998c). A tendência bianual da Oscilação Sul revela-se nas anomalias resultantes. Como existe um grande número de eventos La Niña precedendo eventos El Niño, é possível que as anomalias úmidas na estação chuvosa do ano (-) sejam devidas à ocorrência de eventos LN. Contudo, as anomalias úmidas na estação chuvosa (0) de LN não são significativas, ao contrário daquelas da estação chuvosa (-) de EN. Também as anomalias negativas na estação chuvosa (-) de LN tem o mesmo sinal que as da estação chuvosa (0) de EN. Contudo, as anomalias nos anos (+) de ambos os tipos de eventos não se encaixam como anomalias (0) do evento oposto. Deve-se lembrar que esses pares não ocorrem consecutivamente, de modo que o segundo evento pode durar mais e anomalias associadas podem desenvolver-se no Oceano Atlântico. Segundo Uvo et al. (94), a precipitação no setor norte do Nordeste durante a estação chuvosa apresenta mais relação com TSM no Atlântico tropical que no Pacífico tropical, sendo especialmente significativa com as áreas centrais do dipolo do Atlântico tropical. Contudo, a relação entre EN/LN e a ocorrência do dipolo não é significativa, segundo Enfield e Mayer (1997). A relação significativa é com a temperatura no Atlântico tropical norte, não implicando na formação do dipolo com anomalias opostas no Atlântico tropical sul. Contudo, a anomalia no Atlântico tropical norte também pode influir nas chuvas sobre o Nordeste, através da alteração dos alísios e da posição da ZCIT. O fato de que regiões coerentes com anomalias significativas são relativamente esparsas no Nordeste explica resultados de estudos anteriores que não apontavam significativo efeito de eventos EN sobre a precipitação média em grande regiões ou em algumas estações. Há alguns aspectos nas anomalias de precipitação durante os 36 meses centrados num evento EN que impedem afirmações conclusivas sobre seus mecanismos. Elas não se devem apenas a um efeito das anomalias de TSM no Pacífico sobre a circulação atmosférica, como ocorre no Sul do Brasil. É muito difícil separar os efeitos das anomalias de TSM no Pacífico das anomalias associadas no Atlântico, pois várias vezes ocorrem simultaneamente. Também não é simples explicar porque a consistência de anomalias secas é maior na estação chuvosa do ano (0), visto que as anomalias de TSM no Pacífico ainda não são muito intensas, em média, nesta época. As anomalias de TSM são mais fortes durante a pré-estação chuvosa (0+) e início da estação chuvosa (+) e, além disso, as anomalias no Atlântico ocorrem no ano (+). Referências Bibliográficas Alves, J. M. B. e C. A. Repelli, 1992: A variabilidade pluviométrica no setor norte do nordeste e os eventos El Niño-Oscilacão Sul. Rev. Brasil. de Meteorologia, 7, Enfield, D. B. e D. A. Mayer, 1997: Tropical Atlantic sea surface temperature variability and its relation to El Niño-Southern Oscillation. J. Geophys. Res., 102, Grimm, A. M. e S. E. T. Ferraz, 1998: Sudeste do Brasil: uma região de transição no impacto de eventos extremos da Oscilação Sul. Parte I: El Niño. Anais do X Congresso Brasileiro de Meteorologia. Sociedade Brasileira de Meteorologia. Grimm, A. M., S. E. T. Ferraz e A. O. Cardoso, 1998a: Influência de La Niña sobre a chuva no Nordeste brasileiro. Anais do X Congresso Brasileiro de Meteorologia. Sociedade Brasileira de Meteorologia Grimm, A M., S. E. T. Ferraz and J. Gomes, 1998b: Precipitation anomalies in Southern Brazil associated with El Niño and La Niña events. J. Climate (aceito, em publicação). Ropelewski, C. H., and S. Halpert, 1987: Global and regional scale precipitation patterns associated with the El Niño/Southern Oscillation. Mon. Wea. Rev., 115, Uvo, C. B., C. A. Repelli, S. E. Zebiak e Y. Kushnir, 1998: The relationship between tropical Pacific and Atlantic SST and northeast Brazil monthly precipitation. J. Climate, 11,

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5 Regene01 Regene02 Regene03 Regene04 Regene05 Regene06 Regene07 Regene08 Regene09 Regene10 Regene11 Jan(-) a Mar(-) 50,53 u 83,72 u 82,67 u 36,73 s 40,89 u 74,74 u 95,91 u 95,26 u 86,53 u 40,97 u 43,48 u Fev(-) a Abr(-) 54,86 u 83,05 u 89,61 u 90,63 u 61,52 u 92,82 u 97,01 u 92,14 u 75,28 u 62,77 u 53,68 u Mar(-) a Mai(-) 98,36 u 95,11 u 96,06 u 94,47 u 82,52 u 98,55 u 98,47 u 94,06 u 82,35 u 73,22 u 63,48 u Abr(-) a Jun(-) 72,26 u 47,12 u 78,65 u 68,64 u 42,00 u 77,95 u 61,06 u 93,65 u 77,15 u 62,77 u 33,38 u Mai(-) a Jul(-) 27,66 u 49,15 s 65,77 u 44,99 u 58,99 u 55,09 s 59,10 u 40,80 s 67,31 u 62,77 u 61,78 u Jun(-) a Ago(-) 91,45 u 96,41 s 85,98 u 28,57 u 69,57 u 44,91 u 51,31 s 77,72 u 84,87 u 65,12 u 53,68 u Jul(-) a Set (-) 30,39 u 58,61 s 78,65 u 0,00 s 67,63 u 52,85 u 70,11 u 77,10 u 90,34 u 37,80 u 38,22 s Ago(-) a Out(-) 56,95 u 71,49 s 58,25 u 34,21 s 91,34 u 70,11 u 70,47 u 37,06 s 58,64 s 54,55 u 39,17 u Set(-) a Nov(-) 70,60 u 58,04 u 47,67 u 44,99 u 85,36 u 70,49 u 27,40 u 37,06 s 71,09 u 29,55 s 54,14 u Out(-) a Dez(-) 42,69 s 44,74 u 63,56 s 73,30 s 56,11 u 90,26 u 30,05 u 73,69 u 58,27 u 37,80 u 87,74 u Nov(-) a Jan(0) 74,91 s 45,83 s 74,36 s 85,99 s 55,21 s 71,47 s 43,34 s 60,42 u 47,36 s 44,27 s 92,07 u Dez(-) a Fev(0) 88,80 s 43,28 u 76,75 s 77,86 s 62,49 u 71,15 s 74,80 s 42,69 u 85,98 s 44,27 s 63,48 u Jan(0) a Mar(0) 73,94 s 83,05 s 72,56 s 56,19 s 49,73 s 75,05 s 96,57 s 84,22 s 91,00 s 44,27 s 56,52 s Fev(0) a Abr(0) 79,07 u 63,27 s 96,63 s 85,99 s 69,43 s 67,78 s 87,25 s 96,09 s 73,93 s 37,23 s 46,32 s Mar(0) a Mai(0) 35,27 u 84,98 s 97,10 s 87,32 s 66,75 s 97,64 s 96,92 s 98,41 s 66,13 s 61,61 s 72,47 s Abr(0) a Jun(0) 43,55 u 47,12 u 99,07 s 57,19 s 58,00 s 53,62 s 70,01 s 99,71 s 54,83 s 72,45 s 66,62 s Mai(0) a Jul(0) 27,66 u 75,30 s 95,32 s 55,73 u 78,75 s 69,22 s 53,62 s 91,98 s 54,27 u 72,45 s 76,08 s Jun(0) a Ago(0) 91,45 u 65,21 u 97,96 s 33,33 u 50,00 s 48,02 s 76,29 u 65,56 s 43,48 u 73,30 s 46,32 s Jul(0) a Set (0) 30,39 u 41,39 u 99,07 s 0,00 s 82,67 s 58,51 u 52,71 s 51,66 u 65,16 u 37,80 u 38,22 s Ago(0) a Out(0) 72,76 s 42,13 s 63,13 s 27,37 s 76,32 s 52,71 s 73,50 u 62,94 u 44,44 u 54,55 u 39,17 u Set(0) a Nov(0) 87,56 s 68,94 s 71,64 s 81,84 s 71,37 s 76,90 s 71,23 s 62,94 u 67,13 s 29,55 s 45,86 s Out(0) a Dez(0) 42,69 s 70,96 u 56,80 u 34,88 s 76,93 u 47,29 u 75,13 u 30,72 u 65,16 u 62,20 s 76,08 s Nov(0) a Jan(+) 51,75 u 78,36 u 44,47 u 77,86 u 65,91 u 91,48 u 60,76 u 39,58 s 47,36 s 81,84 s 98,93 s Dez(0) a Fev(+) 79,07 u 99,33 u 96,83 u 56,19 u 56,77 u 94,89 u 84,88 u 63,75 u 41,81 u 44,27 s 55,55 s Jan(+) a Mar(+) 75,00 u 63,27 u 92,73 u 43,81 u 69,96 u 81,25 u 61,26 u 52,12 u 62,49 u 44,27 s 76,12 s Fev(+) a Abr(+) 88,80 s 38,00 s 77,09 u 56,19 s 50,27 u 47,55 s 53,62 s 57,10 s 82,35 s 72,45 s 90,82 s Mar(+) a Mai(+) 86,82 s 64,87 s 88,89 u 57,19 s 53,47 u 82,36 s 79,64 s 86,06 s 88,92 s 61,61 s 85,17 s Abr(+) a Jun(+) 81,30 s 98,06 s 60,31 u 57,19 s 58,00 s 53,62 s 49,71 u 73,43 s 81,32 s 37,23 s 53,26 s Mai(+) a Jul(+) 27,66 u 50,85 u 65,77 u 81,84 s 41,01 s 51,98 u 53,62 s 62,47 s 88,42 s 37,23 s 64,95 s Jun(+) a Ago(+) 48,10 u 35,85 u 48,93 s 66,67 s 50,00 u 72,93 u 67,26 s 93,66 s 62,04 s 65,12 u 66,32 s Jul(+) a Set (+) 74,00 u 73,75 u 78,65 u 0,00 s 53,38 u 41,49 s 47,29 u 89,93 s 68,43 s 37,80 u 35,05 u Ago(+) a Out(+) 84,30 u 84,57 u 58,25 u 27,37 s 62,35 u 47,29 u 41,70 u 81,52 s 44,44 u 45,45 s 50,84 s Set(+) a Nov(+) 70,60 u 95,57 u 47,67 u 55,73 u 51,32 s 50,99 u 28,77 u 81,52 s 69,72 s 29,55 s 34,88 s Out(+) a Dez(+) 82,05 u 70,96 u 75,58 u 34,88 s 66,11 s 52,71 s 32,49 u 69,28 s 98,64 s 62,20 s 38,22 s Tabela 2. Nível de significância (%) do teste da hipótese de que os períodos indicados são mais úmidos (u) ou mais secos (s) que o normal durante eventos El Niño, dentro das regiões coerentes indicadas. Foram incluídos apenas os níveis de significância para o teste da hipótese que resultou em maior valor. Valores acima de 90% estão destacados.