Análise das rupturas de fala de gagos em diferentes tarefas Descritores: Gagueira, Leitura, Adulto. Introdução As rupturas têm sido utilizadas como parâmetro para descrever, definir e medir a gravidade da gagueira 1-2. Certas rupturas são comuns aos falantes e refletem imprecisões lingüísticas ou visam ampliar a compreensão da mensagem, sendo estas consideradas rupturas comuns (hesitações, interjeições, revisões, palavras incompletas, repetições de palavras, segmentos e frases). Existem também rupturas sugestivas de um maior comprometimento do processamento da fala, embora possam ocorrer para todos os falantes; sendo estas classificadas como rupturas gagas (repetições de sons e sílabas, prolongamentos, bloqueios, intrusões de sons e segmentos e pausas longas) 2. Atualmente tem crescido o interesse em estudar a fluência dos sujeitos que gaguejam na atividade de leitura oral. Algumas pesquisas referem redução das rupturas na fala desses sujeitos nestas situações 3-4. Desta forma, este estudo tem o objetivo de comparar o desempenho de fala na tarefa de leitura oral e na fala espontânea, em sujeitos gagos, verificando a tipologia das rupturas ocorridas em cada tarefa. As hipóteses testadas neste estudo foram: Hipótese 1 As rupturas na fala sofrem redução na situação controlada de leitura de texto quando comparado com a fala espontânea. Hipótese 2 A tipologia das rupturas na fala se diferencia na situação de leitura controlada de texto quando comparado com a fala espontânea. Método Participaram desta pesquisa oito indivíduos com idade entre 13 e 44 anos (média 27,8 anos), de ambos os sexos (dois do sexo feminino e seis do sexo masculino), com o diagnóstico de gagueira, sem alteração neurológica e cognitiva associada, com pelo menos oito anos de escolaridade, residentes na cidade de São Paulo.
Os critérios de inclusão dos participantes foram: a) apresentar pontuação do perfil da fluência fora dos valores de referência para a idade 5 ; b) receber 11 pontos ou mais no Stuttering Severity Instrument 3 (SSI 3) 6, o que demonstra uma gravidade equivalente a pelo menos leve neste instrumento. As amostras de fala foram coletadas e analisadas segundo a Avaliação do Perfil da Fluência 7 e pelo SSI-3 6, para determinar a gravidade da gagueira dos sujeitos. Para registro das amostras de fala, tanto fala espontânea quanto leitura do texto, foi utilizada uma câmera filmadora modelo Sony DCR-SR62. Procedimento 1. Coleta das amostras de fala espontânea: para a obtenção das amostras de fala, adotou-se a metodologia proposta por Andrade 7. Foi apresentada uma figura aos participantes e dada a ordem: por favor olhe essa figura e fale tudo o que você quiser sobre ela. O discurso somente foi interrompido por perguntas e/ou comentários, nos casos em que houve a necessidade de incentivar a produção discursiva para a obtenção de 200 sílabas fluentes (número de sílabas fluentes necessárias para a análise da amostra). 2. Coleta das amostras de fala da leitura do texto: para a obtenção das amostras de leitura, foi apresentado um texto padronizado e dado a ordem: por favor, leia este texto até o final. Foram analisadas 200 sílabas coletadas nesta tarefa. 3. Levantamento das amostras de fala: após coleta das amostras de fala espontânea e da leitura do texto, as mesmas foram transcritas e caracterizadas, segundo a análise da Avaliação do Perfil da Fluência 7, de acordo com a tipologia das rupturas (comuns ou gagas). Resultados Durante a tarefa de fala espontânea, a disfluência comum mais freqüente foi a hesitação (29,2%) e na tarefa de leitura, foi a repetição de palavras (53,6%). Em relação às disfluências gagas, na fala espontânea, a ruptura mais freqüente foi o prolongamento (30,9%), e na tarefa de leitura, foram: repetição de sílaba, repetição de som e bloqueio (23,5% cada). Observou-se que o número médio de disfluências comuns tipo hesitação (p=0,035), interjeição (p=0,018), revisão (p=0,039) e repetição de segmentos (p=0,049) foi significativamente maior na fala espontânea. A média total de
disfluências comuns na fala espontânea (média=20,50; desvio padrão=7,91) também foi significativamente maior do que a média encontrada na leitura (média=5,12; desvio padrão=4,67). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na realização das duas tarefas para as disfluências tipo palavras não terminadas (p=0,109), repetição de palavras (p=0,292) e repetição de frases (p=1,000) (Tabela 1). Tabela 1 Médias e respectivos desvios-padrão das disfluências comuns na fala espontânea e leitura. Variável Média (desvio padrão) P* Fala Espontânea Leitura Hesitação 6,00 (4,72) 1,38 (1,68) 0,035* Interjeição 4,62 (3,81) 0,00 (0,00) 0,018* Revisão 1,75 (1,49) 0,38 (0,52) 0,039* Palavras não terminadas 0,75 (1,16) 0,00 (0,00) 0,109 Repetição de palavras 4,50 (2,56) 2,75 (2,71) 0,292 Repetição de segmentos 2,88 (2,17) 0,62 (0,92) 0,049* Repetição de frases 0,00 (0,00) 0,00 (0,00) 1,000 Total 20,50 (7,91) 5,12 (4,67) 0,012* *Nível de significância estatística segundo o teste de Wilcoxon. Observou-se que o número médio de disfluências gagas tipo prolongamento (p=0,017) foi significativamente maior na fala espontânea. Não se observou diferença estatisticamente significativa entre a média total de disfluências gagas segundo tipo de tarefa: fala espontânea (média=10,50; desvio padrão=8,07) e leitura (média=6,38; desvio padrão=9,18) (p=0,120). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na realização das duas tarefas para as disfluências gagas tipo repetição de sílaba (p=0,705), repetição de som (p=0,891), bloqueio (p=0,343) e pausa (p=0,180). (Tabela 2). Tabela 2 Médias e respectivos desvios-padrão das disfluências gagas na fala espontânea e leitura. Variável Média (desvio padrão) *p Fala Espontânea Leitura Repetição de sílaba 1,00 (0,53) 1,50 (2,73) 0,705 Repetição de som 1,38 (2,07) 1,50 (2,00) 0,891 Prolongamento 3,25 (1,67) 0,38 (0,74) 0,017* Bloqueio 2,62 (5,08) 1,50 (2,98) 0,343 Pausa 0,38 (0,52) 0,25 (0,71) 0,564 Intrusão 1,88 (4,22) 1,25 (3,54) 0,180 Total 10,50 (8,07) 6,38 (9,18) 0,120 *Nível de significância estatística segundo o teste de Wilcoxon.
A média do total de rupturas (comuns e gagas) foi significativamente maior durante a fala espontânea (média=31,0; desvio padrão = 11,3) comparada à média registrada durante a leitura (média=11,5; desvio padrão = 13,5) (p=0,036). Discussão Hipótese 1 Confirmada. Os resultados demonstram diferenciação entre as tarefas quanto ao número total de rupturas apresentadas, sendo que a leitura apresentou um número menor de disfluências comuns e gagas quando comparada com a fala espontânea. Na leitura observou-se redução das rupturas, dado que a mensagem e as suas marcações prosódicas se apresentam de forma pronta em um texto escrito. Nas situações de leitura em coro ocorre redução das rupturas por conta do monitoramento temporal do próprio falante 4. Hipótese 2 Confirmada. Os resultados mostram que a tipologia das rupturas se diferencia na situação de leitura controlada comparado com a fala espontânea. Na fala espontânea, verificou-se maior ocorrência de hesitação em relação à leitura. Isto pode ter acontecido devido à concomitância entre a elaboração discursiva e o ato de fala. Juste; Andrade 8 em seu estudo com crianças, encontraram grande ocorrência desta tipologia, e justificaram o fato por meio da teoria proposta por Saussure 9, na qual refere que as relações entre os elementos lingüísticos se estabelecem em dois domínios: o eixo paradigmático, que consiste na relação associativa entre os elementos do sistema lingüístico; e o eixo sintagmático, onde a combinação no sintagma obedece a um padrão definido pelo sistema. Assim, a ocorrência de hesitações pode ser entendida como um tempo adicional necessário para o ajuste temporal dos eixos paradigmáticos e sintagmáticos. Em relação às disfluências gagas, observou-se que elas estavam presentes nas duas tarefas. Porém, o que as diferenciou foi a freqüência com que essas rupturas ocorreram, havendo diminuição na leitura. Isto pode ter acontecido porque uma vez que a mensagem já se encontra formulada no texto escrito, ocorre então, na leitura oral, a ausência de geração de fala espontânea e, desta forma, esta tarefa está menos susceptível a sofrer rupturas em comparação com a fala espontânea. Um dado que chama a atenção é que, na leitura, observou-se maior ocorrência de eventos de repetição, tanto disfluências comuns (repetição de palavras) quanto gagas (repetições de sílabas e sons). Isto pode indicar certa dificuldade ou incerteza
na decodificação do texto, ou o mesmo pode ter apresentado algumas palavras mais complexas que interferiram na fluência da leitura. Além disso, as falhas na temporalização dos processos envolvidos na fala podem refletir na seleção dos eixos paradigmáticos e sintagmáticos, dificultando a seleção do termo seguinte e impedindo a linearidade do sistema, podendo causar rupturas como repetições de termos 8. Houve também uma diminuição de prolongamentos na leitura. Isto pode ter ocorrido porque, nesta, a mensagem se encontra pronta tornando o tempo entre a elaboração discursiva e o ato de fala menor, quando comparado com a fala espontânea. De uma perspectiva lingüística, o prolongamento também pode ser visto como um recurso utilizado pelo falante para manter a posse do turno conversacional. Conclusão Comparando o desempenho de fala na leitura oral e na fala espontânea, em sujeitos gagos, verificou-se que as rupturas na fala sofrem redução na situação de leitura oral, assim como a tipologia das rupturas se diferencia na situação de leitura, quando comparada com a fala espontânea. Referências Bibilográficas: 1 - Ambrose,NG; Yairi, E. Normative data for early childhood stuttering. J. Lang. Hear. Res. 1999, v. 42: 895-909. 2 - Andrade, CRF. Gagueira Infantil. In: Andrade, CRF; Marcondes, E. (orgs). Fonoaudiologia em Pediatria. São Paulo: Sarvier, 2003. p. 61-69. 3 - Max, L; Caruso, AJ; Vandevene, A. Decreased stuttering frequency during repeated readings: a motor learning perspective. J Fluency Disord. 1997, v. 22 : 17-33. 4 - Kiefte, M; Armson, J. Dissecting choral speech: Properties of the accompanist critical to stuttering reduction. J Commun Disord. 2008, v. 41: 33-48. 5 - Andrade, CRF. Perfil da fluência da fala: parâmetros comparativos diferenciados por idade para crianças, adolescentes, adultos e idosos. Barueri (SP), Pró-Fono, 2006. 1 CD-ROM. (Série Livros Digitais de Pesquisas Financiadas por Agências de Fomento). 6 - Riley, GD. Stuttering Severity Instrument for Children and Adults. Austin: Pro-Ed; 1994. 7 - Andrade, CRF. Protocolo para avaliação da fluência da fala. Pró-Fono, 2000, v.12, n.2:131-134. 8 - Juste, F; Andrade, CRF. Tipologia das rupturas de fala e classes gramaticais em crianças gagas e fluentes. Pró-Fono, 2006, v. 18, n.2: 129-140. 9 - Saussure, F de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1969.