Análise in vitro da deformação apical, variandose o número de limas durante a instrumentação

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Transcrição:

ISSN: Versão impressa: 1806-7727 Versão eletrônica: 1984-5685 Artigo Original de Pesquisa Original Research Article Análise in vitro da deformação apical, variandose o número de limas durante a instrumentação In vitro analysis of the apical deformation, using a different number of files during the instrumentation Lucas da Fonseca Roberti GARCIA* André Augusto Franco MARQUES** Gabriela Lemos de ALMEIDA*** Manoel Damião de SOUSA-NETO**** Simonides CONSANI***** Endereço para correspondência: Address for correspondence: Lucas da Fonseca Roberti Garcia Rua Bernardino de Campos, 30 ap. 1.002 Higienópolis CEP 14015-130 Ribeirão Preto SP E-mail: drlucas.garcia@gmail.com * Doutor Departamento de Odontologia Restauradora, Área de Materiais Dentários pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (Unicamp). ** Professor de Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA). *** Aluna de Especialização do Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (Unicamp). **** Professor Associado do Departamento de Odontologia Restauradora, Área de Endodontia, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (USP). ***** Professor Titular do Departamento de Odontologia Restauradora, Área de Materiais Dentários, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (Unicamp). Recebido em 10/3/09. Aceito em 15/5/09. Received on March 10, 2009. Accepted on May 15, 2009. Palavras-chave: deformação apical; cimentos obturadores; guta-percha. Resumo Introdução e objetivo: O objetivo deste estudo foi avaliar in vitro a deformação apical em raízes de incisivos inferiores curvos com achatamento mesiodistal, variando-se o número de limas durante a instrumentação dos condutos radiculares. Material e métodos: Separaram-se 20 raízes aleatoriamente em dois grupos (n = 10). No grupo I, as raízes tiveram seus condutos inicialmente explorados com uma lima tipo K #15 e em seguida instrumentados até a lima #35 pela técnica step-back. Durante o procedimento, os condutos foram

388 Garcia et al. Análise in vitro da deformação apical, variando-se o número de limas durante a instrumentação irrigados com 1 ml de NaOCl a 1% a cada troca de instrumento. A obturação foi realizada com cimento de Grossman pela técnica clássica. No grupo II, o procedimento foi semelhante ao do grupo I, mudando apenas o número de limas durante a modelagem. Nesse grupo o instrumento de memória foi o #40. Em seguida cada raiz sofreu um desgaste apical de 1 mm com o propósito de expor a obturação, e realizou-se um corte a 3 mm do ápice, obtendo-se corpos-de-prova com o mesmo comprimento, os quais foram levados ao microscópio óptico em aumento de 40 x para fotografia apical. Analisaram-se as imagens capturadas por meio do software Image Tool, e a área ocupada pelo cimento obturador, pela guta-percha e por eventuais espaços vazios foi quantificada. Resultados: Os dados foram submetidos a análise estatística, em que se verificou não haver diferença significante entre os grupos I e II (p > 0.05). Conclusão: A variação no número de limas durante a instrumentação dos condutos radiculares não promoveu deformação apical, causando um selamento hermético semelhante entre os grupos estudados. Keywords: apical deformation; endodontic sealers; gutta-percha. Abstract Introduction and objective: The aim of the present study was to evaluate in vitro the apical deformation in roots of crooked lower incisors with mesio-distal flattening, using a different number of files during the instrumentation. Material and methods: Twenty roots were randomly divided into two groups (n = 10). Group I: roots were initially instrumented with a K #15 file until a #35 file, through stepback technique. During instrumentation, the canals were irrigated with 1 ml of 1% NaOCl between every instrument change. Obturation was performed with Grossman sealer by lateral condensation technique. Group II: procedure was similar to group I, except for the files number, using file #40 as memory instrument. After that, each root was 1mm apical weared in order to reveal the filling. A 3 mm cut from the root apex was performed, resulting in samples with the same length, which were examined with an optical microscope (X40). The images captured by the Image Tool software were analyzed and the area occupied by sealer, gutta-percha and possible empty spaces was quantified. Results: Data was submitted to statistical analysis and showed no statistical significant differences between groups I and II (p > 0.05). Conclusion: The variation in the number of files during instrumentation did not promote apical deformation, but resulted in a similar hermetic sealing between the studied groups. Introdução A instrumentação do canal radicular é um dos passos essenciais para o sucesso do tratamento endodôntico. O objetivo do preparo é conseguir uma forma cônica, do terço cervical ao ápice, promovendo a limpeza e a desinfecção, a fim de obter obturação hermética de todo o sistema de canais radiculares. Entretanto o terço apical apresenta as maiores dificuldades de preparo, em virtude de suas características anatômicas [11, 16, 21, 23]. A confecção de um batente apical adequado permite a adaptação precisa do cone principal, promovendo o selamento hermético do conduto radicular, com a presença mínima de cimento obturador e índices de infiltração menores [10, 17]. Vários autores são unânimes quanto à necessidade da seleção do cone principal, de modo que este trave no comprimento de trabalho, oferecendo resistência à tração durante a sua seleção [1, 6]. Para que isso ocorra, é necessário estar atento para um correto preparo biomecânico

RSBO v. 6, n. 4, 2009 389 dos canais radiculares. Esse preparo consiste em obter um acesso direto às proximidades da união cemento-dentina-canal, não interferindo nos princípios biológicos, independentemente da técnica de instrumentação empregada, seja ela manual ou rotatória [2, 12]. Desde o primeiro instrumento endodôntico, utilizado por Maynard em 1846, feito com corda de um relógio, até os atuais de liga de níquel e titânio acionados a motor, muitas foram as pesquisas realizadas almejando maior segurança, rapidez e eficiência durante o preparo de canais radiculares [16]. O preparo da porção apical com o objetivo de criar um batente apical tem recebido diferentes denominações, como a de Nehammer e Stock (1985) [15], que o chamaram de apical stop. O transporte do canal, resultando em deformação e mudança da posição anatômica original do forame apical, pode apresentar áreas sem atuação dos instrumentos, enquanto outras são excessivamente dilatadas, removendo dentina desnecessária, em detrimento da remoção do conteúdo do canal, além de dificultarem ou até mesmo impedirem o selamento apical adequado [3, 4]. O transporte apical ocorre pelo fato de os instrumentos cortarem em toda a extensão de sua lâmina. Os menos calibrosos são mais flexíveis e, portanto, promovem menos transporte apical. A pouca flexibilidade dos instrumentos mais calibrosos limitam o seu emprego em canais curvos, porém o seu uso indiscriminado pode dar origem a erros na fase de modelagem e acidentes durante o preparo desse tipo de canal [7]. Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar in vitro a deformação apical, em raízes de incisivos inferiores curvos com achatamento mesiodistal, variando-se o número de limas durante a modelagem dos condutos, por meio da análise de imagens de uma grade de integração computadorizada, observando eventuais espaços vazios e o espaço preenchido pelo cimento obturador e pela guta-percha. Material e métodos Foram utilizadas neste estudo 20 raízes de incisivos inferiores curvos com achatamento mesiodistal, provenientes do Laboratório de Materiais Dentários da FORP-USP, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas dessa instituição (protocolo n. 2008.1.336.58.0, CAAE n. 0031.0.138.000-08). Armazenaram-se as amostras em solução aquosa de timol a 0,1% a 9ºC até o momento do uso. Após serem removidos da solução, os dentes foram lavados em água corrente por 1 hora, a fim de eliminar possíveis resíduos de timol. Eles foram secos com gaze e preparados, efetuando-se a cirurgia de acesso com broca esférica em alta rotação (Dabi Atlante, Ribeirão Preto, SP, Brasil); completou-se o acabamento com broca de Batt (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) em baixa rotação [15] (Dabi Atlante, Ribeirão Preto, SP, Brasil). Em seguida, a câmara pulpar foi abundantemente irrigada com hipoclorito de sódio a 1%. A odontometria foi realizada com a introdução de uma lima tipo K #15 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) até que fosse visualizada no forame apical de cada dente. Com esse procedimento, reduzia-se 1 mm e determinava-se o comprimento de trabalho (CT), respeitado durante todo o processo de instrumentação [14]. Para melhor padronização da amostra, procurouse selecionar dentes que apresentavam o forame apical com o diâmetro compatível com a lima #15 e comprimentos aproximadamente iguais, ou seja, 20 mm. Terminada essa fase, os dentes foram separados aleatoriamente em dois grupos (n = 10), com o propósito de efetuar preparo biomecânico de tais canais, variando-se o número de limas durante o procedimento. Grupo I: preparo manual com movimentos de limagem, chegando ao CT com o instrumento #15; manteve-se o diâmetro do canal mais próximo do anatômico no referido comprimento; instrumentação pela técnica step-back até a lima #35 e obturação do canal radicular com cimento de Grossman pela técnica clássica; Grupo II: preparo manual com movimentos de limagem, chegando ao CT com o instrumento #15; manteve-se o diâmetro do canal mais próximo do anatômico no referido comprimento; instrumentação pela técnica step-back até a lima #40 e obturação do canal radicular com cimento de Grossman (Endofill, Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) pela técnica clássica. Entre a troca de cada instrumento, os dentes foram irrigados com 1,0 ml de solução de hipoclorito de sódio a 1%. Todos os procedimentos descritos foram executados por um único operador. Depois da obturação dos diferentes grupos, os dentes foram colocados em estufa a 37 C por um período de 48 horas, para aguardar a presa do cimento obturador.

390 Garcia et al. Análise in vitro da deformação apical, variando-se o número de limas durante a instrumentação Após a presa do cimento, fez-se um desgaste da região apical de cerca de 1 mm, com alta rotação, utilizando-se uma broca Endo-Z (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça), para visualização da obturação, já que todos os dentes foram obturados no mesmo comprimento. Posteriormente ao desgaste, um corte a 3 mm do ápice foi efetuado, obtendo-se assim corpos-de-prova com o mesmo comprimento. Os corpos-de-prova foram levados a um microscópio óptico (Measurescope Nikon, Tóquio, Japão) com aumento de 40 X, onde se fotografou o ápice de todos os dentes. As imagens capturadas foram analisadas por meio de um software (UTHSCSA Image Tool, The University of Texas, Health Science Center in San Antonio, San Antonio, TX, EUA) que determinou para cada corpo-de-prova o número de pontos que estavam sobrepostos sobre a área correspondente ao cimento obturador, à guta-percha e a eventuais espaços vazios (figura 1). Grupo I Grupo II Cimento obturador Guta-percha Espaço vazio Cimento obturador Guta-percha Espaço vazio 73,42% (4,1) A 22,88% (3,2) A 3,7% (0,2) A 71,79% (3,9) A 25,31% (3,1) A 2,9% (0,1) A Letras iguais significam semelhança estatística Figura 1 Imagem analisada pelo software UTHSCSA Image Tool para quantificação das áreas ocupadas pelo cimento obturador, pela guta-percha e por eventuais espaços vazios A somatória do número total de pontos corresponde a 100% do espaço confeccionado pelo preparo do canal. Por meio de uma regra de três determinava-se a porcentagem do espaço ocupado pelo cimento, pela guta-percha e por eventuais espaços vazios. Os resultados obtidos nessa contagem foram submetidos a análise estatística, em que a análise de variância foi realizada. Resultados A tabela I refere-se à média em porcentagem e ao desvio-padrão do número de pontos ocupados pelo cimento, pela guta-percha e por eventuais espaços vazios, representando a área deformada nos referidos grupos (figura 2). Tabela I Média em porcentagem e desvio-padrão da área correspondente à ocupada pelo cimento obturador, pela gutapercha e por eventuais espaços vazios Figura 2 A) Imagem do corpo-de-prova do grupo I, com aumento de 40 x. B) Imagem do corpo-de-prova do grupo I analisada pelo software UTHSCSA Image Tool. Áreas ocupadas pelo cimento obturador (A), pela guta-percha (B) e por espaço vazio (C)

RSBO v. 6, n. 4, 2009 391 Os resultados obtidos após análise estatística demonstraram que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos estudados (p > 0.05). Discussão Durante a obturação do canal radicular, o selamento hermético promovido por cones e cimentos obturadores é condição de suma importância para o sucesso almejado por todos que se propõem a executar a terapia endodôntica [10]. O canal deve ser selado dentro do limite adequado, com o intuito de não deixar espaços vazios, empregando materiais e técnicas que favoreçam um processo de reparo apical e periapical [8, 9]. O processo de reparação na região periapical só será iniciado uma vez que os canais tenham sido corretamente preparados e obturados [11]. Entretanto, se não forem obturados corretamente, irritantes, metabólicos, microrganismos e outros agentes podem ser determinantes na persistência ou no reaparecimento de uma lesão periapical [21]. Hülsmann et al. (2005) [11] relataram que o selamento do forame apical na junção cementodentinária é o último passo do tratamento endodôntico e o forame deve ser selado após o preparo, para manter os tecidos periapicais na condição mais adequada possível. O processo de cura só começará depois que os canais forem corretamente preparados. Para Rickert et al. (1980) [18], o cimento endodôntico deverá preencher de forma estável e permanente os espaços entre os cones de guta-percha e entre eles e as paredes do canal radicular. A estabilidade dimensional do material de obturação, ao longo do tempo, mostra-se uma condição imprescindível. Sua perda parcial ou total atenta contra os objetivos da obturação e pode ser produzida por causas físicas (contração) ou químicas (sensibilidade e desintegração). Vários estudos evidenciam que o movimento dado aos instrumentos durante o preparo biomecânico sofreu modificações. O tradicional movimento de limagem foi, gradativamente, substituído por raspagem lateral contra as paredes [5], anticurvatura [1], movimento de forças balanceadas [19], movimentos oscilatórios [6] e rotatórios produzidos por aparelhos [20]. Weiger et al. (2002) [22] avaliaram a eficiência da instrumentação, tanto manual quanto rotatória, em incisivos inferiores com condutos ovais e concluíram que nenhuma das técnicas foi capaz de preparar todas as paredes; em algumas áreas não houve sequer ação dos instrumentos. Já Wu e Wesselink (2001) [24] observaram a qualidade da obturação em incisivos inferiores com canais ovais. O instrumento não conseguiu modelar todas as paredes internas do conduto, e os autores concluíram que estas poderiam apresentar falhas no selamento hermético. Neste presente estudo, os resultados obtidos mostraram não haver diferença estatística expressiva entre os dois grupos avaliados (p > 0.05). Ambos tiveram proporções de cimento/guta-percha/ espaço vazio semelhantes, comprovando que, independentemente do número de limas usadas, a deformação apical foi parecida. Tais resultados estão de acordo com o trabalho de Marques et al. (2008) [13], que comprovaram que a variação no número de limas durante a instrumentação de canais com achatamento mesiodistal não promoveu alteração significativa na proporção de cimento/guta-percha no ápice dos condutos. Apesar das dificuldades encontradas no tratamento de canais achatados, é importante ressaltar que o sucesso do tratamento não está relacionado só a uma fase do preparo. Todas as etapas forma, limpeza, desinfecção e obturação dos canais possuem igual peso e valor para que o tratamento tenha um bom resultado. Conclusão Com base na metodologia empregada e nos resultados obtidos, conclui-se que a deformação apical promovida nos canais curvos com achatamento mesiodistal, independentemente do número de limas utilizadas durante a instrumentação, foi semelhante, já que não houve diferença estatística significante na proporção de cimento/espaço vazio entre os grupos estudados. Referências 1. Abou-Rass M, Frank AL, Glick DH. The anticurvature filing method to prepare the curved root canal. J Am Dent Assoc. 1980;5(101):792-4. 2. Barbizan JVB, Fariniuk LF, Marchesan MA, Pécora JD, Sousa-Neto MD. Effectiveness of manual and rotatory instrumentation techniques for cleaning flattened root canals. J Endod. 2002;28(5):365-6. 3. Briseño BM, Sonnabend E. The influence of different root canal instruments on root canal preparation: an in vitro study. Int Endod J. 1991;1(24):15-23. 4. Cayón MR, Aguadé EB, Sahli CC, Aguado VM. A comparison of molar root canal preparations using Flexofile, Canal Master U and Heliapical instruments. J Endod. 1994;10(20):495-9.

392 Garcia et al. Análise in vitro da deformação apical, variando-se o número de limas durante a instrumentação 5. Clem WH. Endodontic: the adolescent patient. Dent Clin N Amer. 1969;2(13):483-9. 6. Dummer PMH, Hutchings R, Hartles FR. Comparison of two sonic handpieces during the preparation of simulated root canals. Int Endod J. 1993;3(26):159-68. 7. Fariniuk LF, Baratto Filho F, Guerisoli DMZ, Barbizam JVB, Pécora JD, Sousa-Neto MD. Modeling capacity of Endoflash files in simulated root canals. J Endod. 2003;1(29):651-3. 8. Griffiths IT, Bryant ST, Dummer PM. Canal shapes produced sequentially during instrumentation with Quantec LX rotatory nickel-titanium instruments: a study in simulated canals. Int Endod J. 2000;33(4):346-54. 9. Griffiths IT, Chassot AL, Nascimento MF, Bryant ST, Dummer PM. Canal shapes produced sequentially during instrumentation with Quantec SC rotatory nickel-titanium instruments: a study in simulated canals. Int Endod J. 2001;34(2):107-12. 10. Habitante SM, Bombana AC, Pesce HF. Estudo comparativo da influência do selamento marginal em canais radiculares obturados com e sem preparo apical. Rev Bras Odontol. 1989;46(3):18-22. 11. Hülsmann M, Peters OA, Dummer PMH. Mechanical preparation of root canal: shaping g o a l s, t e c h n i q u e s a n d m e a n s. E T o p i c s. 2005;10(1):30-76. 12. Marchesan MA, Arruda MP, Silva-Sousa YTC, Saquy PC, Pécora JD, Sousa-Neto MD. Morphometrical analysis of cleaning capacity using nickel-titanium rotatory instrumentation associated with irrigating solutions in mesiodistal flattened root canals. J Appl Oral Sci. 2003;11(1):55-9. 13. Marques AAF, Garcia LFR, Véras AMC, Frota MF, Takano MOF. Análise in vitro da proporção de cimento e guta-percha no ápice dos canais de incisivos inferiores com raízes com achatamento mésio-distal, variando-se o diâmetro final do preparo. Rev Clín Pesq Odontol. 2008;4(1):11-7. 14. Mesgouez C, Rilliard F, Matossian L, Nassiri K, Mandel E. Influence of operator experience on canal preparation time when using the rotary Ni- Ti Profile system in simulated curved canals. Int Endod J. 2003;3(36):161-5. 15. Nehammer CF, Stock CJR. Preparation and filling of the root canal. Braz Dent J. 1985;158(20):185-91. 16. Peters OA. Current challenges and concepts in the preparation of root canal systems: a review. J Endod. 2004;30(8):559-67. 17. Peters OA, Laib A, Göhring TN, Barbakow F. Changes in root canal geometry after preparation assessed by high-resolution computed tomography. J Endod. 2001;27(1):1-6. 18. Rickert UG, Bellizi R, Cruze WPA. A historic review of endodontics. J Endod. 1980;6:576-89. 19. Roane JB, Sabala CL, Ducanson Jr MG. The balanced force concept for instrumentation of curved canals. J Endod. 1985;2(11):203-11. 20. Rodriguez MPG, Ferrer-Luque CM. A comparison of Profile, Hero 642, and K3 instrumentation systems in teeth using digital imaging analysis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2004;1(97):112-5. 21. Siqueira Jr JF. Reaction of periradicular tissues to root canal treatment: benefits and drawbacks. E Topics. 2005;10(1):123-47. 22. Weiger R, Elayouti A, Lost C. Efficiency of hand and rotary instruments in shaping oval root canals. J Endod. 2002;28(8):580-3. 23. Weine FS, Kelly RF, Bray KE. Effect of preparation with endodontic handpieces on original canal shape. J Endod. 1978;2(10):298-303. 24. Wu MK, Wesselink PR. A primary observation on the preparation and obturation of oval canals. Int Endod J. 2001;34(2):137-41. Como citar este artigo: Garcia LFR, Marques AAF, Almeida GL, Sousa-Neto MD, Consani S. Análise in vitro da deformação apical, variando-se o número de limas durante a instrumentação. Rev Sul-Bras Odontol. 2009 Dec;6(4):387-92.