tempo leva a notar que elas são uma fórmula para uma adaptação mais econômica às necessidades de comunicação na sociedade.

Documentos relacionados
1 Introdução. 1.1 O que motivou a pesquisa e objetivos

Curso: Letras Português/Espanhol. Disciplina: Linguística. Docente: Profa. Me. Viviane G. de Deus

Professora: Jéssica Nayra Sayão de Paula

Apresentação 11 Lista de abreviações 13. Parte I: NATUREZA, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM

1 Introdução. 1 CÂMARA JR., J.M, Estrutura da língua portuguesa, p Ibid. p. 88.

RESENHA MARTELOTTA, MÁRIO EDUARDO. MUDANÇA LINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM BASEADA NO USO. SÃO PAULO: CORTEZ, 2011, 135 PÁGS.

3 A Gramática de valências

atividade/ação e, portanto, 50 cm não poderia ser classificado como objeto direto. Seriam, então, esses verbos intransitivos e, portanto, 50 cm

Pensamento e linguagem

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 3.º Ciclo do Ensino Básico Departamento de Línguas Disciplina: Português 8º ano

4 Fundamentação Teórica

5 Comentários. 5.1 O Problema do Predicativo do Sujeito

6LET062 LINGUAGEM E SEUS USOS A linguagem verbal como forma de circulação de conhecimentos. Normatividade e usos da linguagem.

1 Introdução. 1 Nesta dissertação, as siglas PL2E, PL2 e PLE estão sendo utilizadas, indistintamente, para se

AONDE, ADVÉRBIO DE LUGAR AONDE UM ESTUDO DE GRAMATICALIZAÇÃO DO AONDE NA BAHIA

TIPOS DE SINTAGMAS E REPRESENTAÇÕES ARBÓREAS FUNDAMENTOS DE SINTAXE APOIO PEDAGÓGICO 23/05/2018 SAULO SANTOS

1 Introdução. 1 Neste estudo, será utilizando tanto o termo em inglês parsing, como o termo traduzido análise

Capítulo1. Capítulo2. Índice A LÍNGUA E A LINGUAGEM O PORTUGUÊS: uma língua, muitas variedades... 15

Linguística As Dicotomias Linguísticas e a Dupla Articulação da Linguagem

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE LETRAS-PORTUGUÊS - IRATI (Currículo iniciado em 2015)

Considerações finais

Pronome relativo A língua portuguesa apresenta 7 formas de pronomes e advérbios relativos consensuais: Que O que Quem O qual Onde Quanto Cujo

3 Metodologia de trabalho

6LET062 LINGUAGEM E SEUS USOS A linguagem verbal como forma de circulação de conhecimentos. Normatividade e usos da linguagem.

Disciplinas Optativas

Oferta de optativas área de Linguística e Língua Portuguesa

4 Metodologia. 4.1 Metodologia naturalista: produção da fala espontânea

Aula 6 GERATIVISMO. MARTELOTTA, Mário Eduardo. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2012, p

sintaticamente relevante para a língua e sobre os quais o sistema computacional opera. O resultado da computação lingüística, que é interno ao

Módulo 01: As distintas abordagens sobre a linguagem: Estruturalismo, Gerativismo, Funcionalismo, Cognitivismo

6LEM064 GRAMÁTICA DA LÍNGUA ESPANHOLA I Estudo de aspectos fonético-fonológicos e ortográficos e das estruturas morfossintáticas da língua espanhola.

(2) A rápida publicação deste livro pela editora foi um bom negócio.

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...9. O ESTUDO DO SIGNIFICADO NO NÍVEL DA SENTENÇA...13 Objetivos gerais do capítulo...13 Objetivos de cada seção...

USO DO FUTURO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO EM BLOG JORNALÍSTICO: UM ESTUDO PRELIMINAR SOBRE A GRAMATICALIZAÇÃO DO ITEM IR

6LET006 HISTÓRIA E USOS DA LEITURA E DA ESCRITA Os aspectos sócio-histórico-culturais da leitura e da escrita.

Sumarizando: o que é uma língua. Métodos para seu estudo...44

Avaliar o comportamento das crianças DEL no que concerne ao valor dado à informação de pessoa em Dmax e no afixo verbal;

TESTE SEUS CONHECIMENTOS sobre o MESTRE GENEBRINO! Faça o teste, conte os pontos e veja no final comentários sobre a sua pontuação.

A diculdade da denição de palavra. Luiz Arthur Pagani (UFPR)

REVISÃO CONCEITOS BÁSICOS DE LINGUÍSTICA SAULO SANTOS

CADA PAÍS TEM UMA LÍNGUA DE SINAIS PRÓPRIA E A LIBRAS É A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

1ª Série. 2LET020 LITERATURA BRASILEIRA I Estudo das produções literárias durante a época colonial: Quinhentismo, Barroco e Neoclassicismo.

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...9. A NOÇÃO DE CONSTITUINTE...15 Objetivos gerais do capítulo Leituras complementares...53 Exercícios...

RELAÇÃO DOS VERBETES. B behaviorismo bilingüismo Black English boa formação

APOIO PEDAGÓGICO AO NÚCLEO COMUM

SINTAGMA E PARADIMA Maria Lucia Mexias Simon (CiFEFiL)

Linguística O Gerativismo de Chomsky

2 O Funcionalismo: fundamentação teórico-metodológica

A ORDEM DE PALAVRAS NO PORTUGUÊS, de EROTILDE GORETI PEZATTI

Correntes lingüísticas: notas sobre o formalismo e o funcionalismo

Linguística e Língua Portuguesa 2016/01

MICROLINGUÍSTICA 1 : UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA. Miguel Eugênio ALMEIDA (UEMS)

ANEXO 1 A Ementário e Quadro de disciplinas por Departamentos/Setores

PLANIFICAÇÃO ANUAL 5º Ano. Disciplina de Português Ano Letivo /2017. Domínios/Conteúdos/Descritores. Unidade 0 Apresentações

AULA: MARCADORES CONVERSACIONAIS INTERACIONAIS

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

Sobre Pragmática e Semântica. Prof. Daniel Mazzaro Vilar de Almeida 2013/1º

Breno Keifer Eleutério Marcelo Dias Regis Renata Lameira Silvia Barros

1º PERÍODO DISCIPLINA DE PORTUGUÊS [5.º] PLANIFICAÇÃO ANUAL 2018/ º ANO DE ESCOLARIDADE. DOMÍNIO CONTEÚDO TEMPOS 1 Educação Literária

Inteligência Artificial. Prof. Esp. Pedro Luís Antonelli Anhanguera Educacional

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Ensino secundário Departamento de Línguas Disciplina: Português 10º ano Profissional

Síntese da Planificação da Disciplina de Português-5.º Ano Ano letivo Período

REFLEXÕES SOBRE A FUNÇÃO SINTÁTICA DE ATRIBUTO Antônio Sérgio Cavalcante da Cunha (UERJ; UNESA)

Conceituação. Linguagem é qualquer sistema organizado de sinais que serve de meio de comunicação de ideias ou sentimentos.

EMENTAS Departamento de Letras Estrangeiras UNIDADE CURRICULAR DE LÍNGUA E LITERATURA ITALIANA

O QUE É A LINGÜÍSTICA TEXTUAL

CRITÉRIOS ESPECÍFICOS DE AVALIAÇÃO DE PORTUGUÊS ANO LETIVO 2017/18

A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA DA ESCRITA COMO PROCESSO COGNITIVO

Quando dividimos uma oração em partes para estudar as diferentes funções que as palavras podem desempenhar na oração e entre as orações de um texto, e

Currículo das Áreas Disciplinares/Critérios de Avaliação

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 3.º Ciclo do Ensino Básico Departamento de Línguas Disciplina: Português -7º ano

V O L U M E I I N Ú M E R O V I Julho - Setembro 2003

Resolução da Questão 1 Item I Texto definitivo

NOÇÕES DE PRAGMÁTICA. Introdução aos Estudos de Língua Portuguesa II Prof. Dr. Paulo Roberto Gonçalves Segundo

UM OLHAR SOBRE OS COMPLEMENTOS VERBAIS ROCHA LIMA, A NGB, A SALA DE AULA Tania Maria Nunes de Lima Camara

Semântica e Gramática

Aula 5 ESTRUTURALISMO

Escola Básica e Secundária de Santa Maria. Ano Letivo 2017/2018. Informação Prova Especial de Avaliação. PROFIJ II Tipo 2 1º ano

CADASTRO DE DISCIPLINAS

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO E PESQUISA RESOLUÇÃO N.º 3.588, DE 04 DE SETEMBRO DE 2007

Português. Língua Não Materna (A2) 1. Introdução. Informação n.º Data: Para: Prova 63/93/

Currículo das Áreas Disciplinares/Critérios de Avaliação 5º Ano Disciplina: Português Metas Curriculares: Domínios/Objetivos

HORÁRIO DO CURSO DE LETRAS PERÍODOS DIURNO E NOTURNO ANO LETIVO DE º ANO/1º SEMESTRE

Síntese da Planificação da Disciplina de Português-5.º Ano 2017/2018 Período

Jornal Oficial do Centro Acadêmico da Universidade Vale do Acaraú.

5 Considerações finais

CATEGORIAS LEXICAIS EM LIBRAS

CURRÍCULO DA DISCIPLINA DE PORTUGUÊS/ CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 2013/2014

Critérios de Específicos de Avaliação

0 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO SECRETARIA DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS

Relatório. Ano lectivo

4 Tentativa de organização do caos: A Gramática de Valências de Busse e Vilela

FICHAMENTO: COLEÇÃO OS PENSADORES, Saussure, Jakobson, Hjelmslev, Chomsky, tradução Carlos Vogt, 2 edição, abril Cultural, 1978

Perspectivas da Abordagem Sistêmico-Funcional

Realizam a prova alunos autopropostos que se encontram abrangidos pelos planos de estudo instituídos pelo Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho.

Curso Técnico Subsequente em Tradução e Interpretação de Libras Nome do Curso

Introdução à Morfologia

TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA SÉCULO XX

3 Pressupostos teóricos

Transcrição:

2 O funcionalismo O funcionalismo é mais que uma teoria, é um modo de pensar sobre a linguagem e suas relações com a organização do mundo, por isso não é possível delinear somente uma corrente de estudos dentro do seu enfoque. Enquanto se preocupa com as constantes transformações das formas da linguagem na sociedade, opõe-se sistematicamente ao formalismo, que foca o funcionamento interno do sistema linguístico. Tem-se difundido que o modo de pensar funcionalista surgiu das ideias do Círculo Linguístico de Praga, nos anos 20 do século XIX e é contrário às posições dos Neogramáticos, no que tange à mudança linguística. Porém, há citações de estudiosos em épocas anteriores que remetem ao modelo funcional de análise linguística. Ainda no séc. IV a.c., Aristóteles aponta o princípio que rege o funcionalismo: a correlação entre forma e função. Os estoicos anomalistas, com base na irregularidade da língua, também contribuem para o que podemos chamar de antecedentes do funcionalismo, ao afirmarem que os significados das palavras não existem fora do contexto onde aparecem. No séc. XIX, Humboldt, considerando a linguagem como uma habilidade criadora, apresenta alguns aspectos presentes no modo de pensar funcionalista. Para o lingüista, o fato de a língua ser uma capacidade mental, uma capacidade viva, torna-a suscetível de se alterar, adaptando-se às exigências das circunstâncias. Fica clara a importância do uso para que ocorra a mudança linguística. Apesar de a teoria de Humboldt apontar para aspectos de linguística geral, o autor considera que as línguas têm características individuais como manifestações particulares do grupo ou nação que a fala, de acordo com aspectos culturais específicos. A relação específica do falante com sua língua, que possui sua estrutura própria, é o que permite a diferenciação dos idiomas e, de certo modo, aponta para o que se verifica nas teorias apoiadas na pragmática. O enfoque principal do funcionalismo consiste em analisar o desenvolvimento do discurso, organizando seus traços caracterizadores e distinguindo-o de uma simples lista de frases que não são relacionadas entre si. Sendo assim, o estudo das transformações que se registram na língua ao longo do

O Funcionalismo 19 tempo leva a notar que elas são uma fórmula para uma adaptação mais econômica às necessidades de comunicação na sociedade. 2.1. O Círculo Lingüístico de Praga Denomina-se Círculo Lingüístico de Praga ou Escola de Praga o conjunto de linguistas que elaboraram as teses de Praga, como resultado do primeiro Congresso Internacional de Linguística de Haia, em 1928. Na verdade, o Círculo foi fundado em 1926 por Mathesius, que contou com a reunião de pesquisadores tchecos e a colaboração de autores estrangeiros, como o alemão Karl Bühler, e os franceses Tesnière, Benveniste, Vendryès e Martinet. Entretanto, as figuras dominantes ou de maior relevo na Escola de Praga são Troubetskoï e Jakobson, que a ela se juntam em 1928. As bases da linguística funcional aparecem formuladas num artigo de Mathesius publicado pela primeira vez em 1929, cujo título é Funcional linguistics. Nele, Mathesius faz um apanhado da situação linguística tcheca nos anos 20 e lança os dois fundamentos do funcionalismo pragueano: a opção pela sincronia, e os laços entre as pesquisas linguísticas e o campo social da arte e da criação. O Círculo de Praga traz como traço relevante a combinação do estruturalismo e do funcionalismo, e a ideia geral que funda o pensamento pragueano é a de que a estrutura das línguas é determinada por suas funções características. O funcionalismo de Praga é estruturalista porque seu objeto é a língua como sistema, e a importância do pressuposto funcional está em acrescentar um questionamento em termos de funções e tarefas. 2.1.1. As teses da Escola de Praga As teses de Praga foram publicadas como trabalho coletivo no primeiro volume dos Trabalhos do Círculo Linguístico de Praga. São nove teses que apresentam estudos sobre o conjunto do funcionamento da língua e formulam proposições para o estudo do tcheco e das línguas eslavas. As três primeiras teses,

O Funcionalismo 20 de interesse mais geral, embora com referência ao sistema eslavo, serão expostas a seguir: 2.1.1.1. Primeira tese Problemas de método que decorrem da concepção de língua como sistema e a importância dessa concepção para as línguas eslavas. A língua é vista como um produto da atividade humana que possui uma finalidade, por isso se deve respeitar em linguística o ponto de vista da função. Sendo assim, a língua é um sistema de meios apropriados a um objetivo, e não se podem compreender os fatos da língua sem considerar o sistema aos quais eles pertencem. Na 1ª tese, é exposta também a forma como as mudanças linguísticas devem ser tratadas: não como fatos aleatórios e isolados, mas encaixados segundo as leis dos fatos evolutivos (nomogênese). 2.1.1.2. Segunda tese Tarefas necessárias para o estudo de um sistema linguístico, em particular o sistema eslavo. Embora a 2ª tese se volte para o estudo do sistema eslavo, nela se delineiam aspectos que funcionam como as bases dos estudos funcionalistas que seguiram os estudos pragueanos. Nessa tese têm-se as primeiras bases da fonologia de Praga, com a contribuição de Jakobson e Trubetskoï, uma teoria da palavra e uma teoria sintática, que pode ser considerada a primeira gramática funcional, desenvolvida por Mathesius. No último ponto desta tese, Teoria dos procedimentos sintagmáticos, Mathesius toma o predicado como o centro da sintaxe. A predicação é o ato criador da frase, e a sintaxe funcional, ao voltar seu olhar para ela, estuda também a forma e a função do sujeito gramatical. A partir do método comparativo, é possível verificar que as línguas possuem mecanismos diferentes para construir a predicação.

O Funcionalismo 21 2.1.1.3. Terceira tese Problemas das pesquisas sobre línguas de diversas funções. A terceira tese apresenta a noção central de função em linguística que atravessará todos os enfoques funcionalistas posteriores. Além disso, trabalha com as noções de língua literária e língua poética. O princípio-base do funcionalismo é delineado da seguinte forma: a natureza das funções linguísticas determina a estrutura da língua. Sendo assim, é de acordo com as funções linguísticas que se transformam a estrutura fônica, a gramatical e a composição do léxico. 2.2. O paradigma funcional O paradigma funcional leva-nos a considerar não só os aspectos formais, mas também e principalmente, os semânticos e pragmáticos nas manifestações linguísticas. As regras pragmáticas regem a interação verbal como uma forma de atividade cooperativa, e as regras semânticas se associam também às regras fonológicas e sintáticas, ligadas às expressões linguísticas. Com isso, temos que as leis de evolução linguística são sociais e, portanto, mutáveis, contrariamente ao que propunham os Neogramáticos. O modelo funcionalista lança um olhar diferenciado sobre a língua, tendo como premissa que forma e conteúdo extravasam os limites da gramática, para serem analisados no ato de comunicação, no uso. Ao investigar a língua, os funcionalistas consideram os aspectos extralinguísticos porque a língua é vista como um sistema de relações. A função linguística compreende o seguinte: para cada função é atribuído um significado, e para cada significado uma função. A função é, então, estudada com relação ao uso (intenção do usuário) ou efeito do uso. A gramática funcional tem como fundamento a interação social e entende que as manifestações linguísticas são acessíveis às pressões do uso. Considera a competência comunicativa, isto é, a capacidade que os usuários têm de não só codificar e decodificar expressões, mas também de usá-las e interpretá-las satisfatoriamente. Tanto falante quanto ouvinte possuem informação pragmática, adquirida pelas experiências linguísticas e culturais. Quando o falante produz um

O Funcionalismo 22 enunciado, pretende modificar algo na informação pragmática do ouvinte. Para isso, precisa formar uma interação comunicativa de acordo com a modificação que quer provocar na informação do destinatário. Esse processo parte de uma antecipação por parte do falante da interpretação que o destinatário produzirá num determinado estágio da expressão linguística. A expressão linguística serve apenas para mediar a interpretação do destinatário, pois ela não está baseada somente na expressão, mas na informação pragmática que ele possui, pela qual ele interpreta a informação linguística. Em relação ao falante, a expressão não precisa ser uma verbalização completa da sua intenção, uma verbalização parcial pode ser suficiente, de acordo com o conhecimento que o falante tem da informação do destinatário. Segundo Dik (apud NEVES, 2004, p. 21), a interação verbal é uma atividade cooperativa estruturada, porque exige mais de um participante e é governada por regras, normas, convenções. Desse modo, a linguística deve ocupar-se de dois tipos de sistemas de regras: as regras semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas (relacionadas à expressão), e as regras pragmáticas (relacionadas à interação verbal). O paradigma funcional estabelece uma contraposição com o modelo formal de estudo linguístico, que investiga a linguagem independente do uso. Os formalistas, entre eles os gerativistas, estudam a língua fora de contexto, tendo como preocupação suas características internas: os constituintes e as relações entre eles; daí surge a concepção de língua, rejeitada pelo funcionalismo, como um conjunto de frases, um sistema de sons, um sistema de signos, igualando a língua à sua gramática. A abordagem funcional considera que a gramática não abarca só os morfemas, os sintagmas, as estruturas da langue, mas o embasamento cognitivo da comunidade e sua informação pragmática. Moura Neves sintetiza os escritos de Dik, contrapondo funcionalismo e formalismo, da seguinte forma (Ibid., p. 46): Como definir a língua Principal função da língua PARADIGMA FORMAL Conjunto de orações. Expressão de pensamentos. PARADIGMA FUNCIONAL Instrumento de interação social. Comunicação.

O Funcionalismo 23 Correlato psicológico O sistema e Seu uso Língua e contexto/ situação Aquisição da linguagem Universais lingüísticos Relação entre a sintaxe, a semântica e a pragmática Competência: capacidade de produzir, interpretar e julgar orações. O estudo da competência tem prioridade sobre o da atuação. As orações da língua devem descrever-se independentemente do contexto/situação. Faz-se com uso de propriedades inatas, com base em um input restrito e não-estruturado de dados. Propriedades inatas do organismo humano. A sintaxe é autônoma em relação à semântica; as duas são autônomas em relação à pragmática; as prioridades vão da sintaxe à pragmática, via semântica. Competência comunicativa: habilidade de interagir socialmente com a língua. O estudo do sistema deve fazerse dentro do quadro do uso. A descrição das expressões deve fornecer dados para a descrição de seu funcionamento num dão contexto. Faz-se com a ajuda de um input extenso e estruturado de dados apresentado no contexto natural. Explicados em função de restrições: comunicativas; biológicas ou psicológicas; contextuais. A pragmática é o quadro dentro do qual a semântica e a sintaxe devem ser estudadas; as prioridades vão da pragmática à sintaxe, via semântica. Halliday (apud NEVES, Ibid., p. 47) distingue as gramáticas funcionais das formais, principalmente, porque estas estão assentadas na lógica e na filosofia e têm orientação primariamente sintagmática, enquanto aquelas estão assentadas na retórica e na etnografia e são primariamente paradigmáticas. Neves (Ibid., p. 47 e 48) escreve, com base em Halliday, que As gramáticas formais 1) interpretam a língua como uma lista de estruturas entre as quais, num segundo passo, podem ser estabelecidas relações regulares; 2) tendem a: enfatizar os traços universais da língua; tomar a sintaxe como base da língua (gramática arbitrária); organizá-la, desse modo, em torno da frase. As gramáticas funcionais 1) interpretam a língua como uma rede de relações, entrando as estruturas como a realização das relações; 2) tendem a: enfatizar variações entre línguas diferentes; tomar a semântica como base (gramática natural); organizá-la, desse modo, em torno do texto ou do discurso. Para este trabalho, importa primordialmente a distinção entre as correntes funcionalista e formalista na relação entre a sintaxe, a semântica e a pragmática, pois acredito que nela está a chave para entender as raízes de algumas confusões nas concepções de sujeito e objeto direto, alvo desta pesquisa. Além disso, a

O Funcionalismo 24 consideração da predicação como centro da frase, observada já em Mathesius, voltando o olhar para o verbo como o centro de onde irradiam as relações, aponta para uma ramificação da teoria funcionalista que é de suma importância para minha pesquisa: a gramática de valências. 2.3. A Gramática de Valências Um dos primeiros estudiosos a desenvolver a teoria de valências foi Lucien Tesnière, ao estabelecer a gramática de dependências. Seu estudo tem base na gramática francesa e considera o verbo como centro da frase. Por isso, esse autor é frequentemente citado por outros autores que deram continuidade a seus estudos, como Busse & Vilela (1986). A dependência, para Tesnière, justifica-se caso a existência de um elemento exigir a existência de outro. Segundo o autor, o verbo é o elemento de que dependem todos os outros, ficando em posição central na frase. A teoria ou gramática de valências considera exatamente esse aspecto: o verbo é o centro a partir do qual irradiam os outros elementos na estrutura frasal. Vilela (1992) trabalha a teoria de valências a partir do conceito de elemento dependente e de elemento regente. Segundo o autor, a análise deve partir de cima para baixo, ou seja, da frase para as suas partes. A frase é composta de grupos de palavras, antes de chegar às palavras são encontrados os grupos ou membros sintáticos. Em cada grupo os elementos individuais dependem uns dos outros de uma determinada maneira: há o elemento hierarquizador (regente) e o elemento dependente (regido). Um mesmo regente pode ter vários elementos dependentes (p.30): são operários influenciados os por dinamismo o (do patrão) Os elementos dependentes ou satélites são dependurados imediatamente num regente. Em cada grupo de palavras considerado fora de contexto existe um elemento regente interno ou núcleo, do qual os outros elementos dependem. É o

O Funcionalismo 25 núcleo que caracteriza o grupo, de acordo com sua natureza, constituindo o grupo nominal, o adjetival, o verbal etc. Se o grupo de palavras é tomado no contexto, tem-se o regente externo, que não faz parte do grupo de palavras e permite caracterizar o grupo de um modo diferente da caracterização por regente interno. Olhando a frase de cima pra baixo, chamam-se membros sintáticos aos grupos de palavras. Seguindo a perspectiva que adota o verbo como centro da frase, Vilela apresenta a valência da seguinte forma (Ibid., p. 31): Os membros constituídos a partir do verbo são importantes, pois com eles formamos membros frásicos: o verbo é o núcleo. O que equivale a dizer que as frases têm uma estrutura específica: toda a frase tem um verbo finito e é esse verbo finito que constitui originariamente a frase. (...) Podemos deste modo definir a frase como uma construção linguística que contém um verbo finito, e não compreende qualquer elemento que a subordine a outros elementos, sendo portanto potencialmente autónoma adequando-se à univocidade dos actos de fala. É aqui que surge o termo valência: os satélites encontram-se numa relação mais ou menos exclusiva com o seu regente. ( ) A valência é assim a propriedade de um elemento exigir, permitir, excluir complementos específicos. Aos complementos específicos chamamos actantes, aos não específicos, circunstantes. 2.3.1. Actantes e circunstantes Segundo o conceito de valência, o verbo possui espaços vazios a serem preenchidos, que podem corresponder ao sujeito, ao objeto direto, ao objeto indireto e ao complemento adverbial, de acordo com a necessidade do verbo em questão. Porém, há termos encadeados no verbo que não fazem parte de sua valência e são usados para ancorar a frase no contexto. Aos primeiros, correspondem os actantes, a estes, os circunstantes. Vilela escreve o seguinte (1992, p. 32): Aos complementos correspondentes aos lugares vazios abertos pelo verbo, isto é, aos argumentos ou complementos proposicionais, chamaremos actantes (ou simplesmente complementos), e aos complementos situados para além do dinamismo proposicional do verbo, chamaremos circunstantes. Existem, deste modo, verbos que possuem um, dois, três ou mais espaços vazios, ou não possuem nenhum espaço a ser preenchido. Por exemplo: - em chegar temos um lugar vazio: suj - em anoitecer não temos qualquer lugar vazio - em ir temos dois lugares vazios: suj + ca (complemento adverbial)

O Funcionalismo 26 - em escolher temos dois lugares vazios: suj + cd (complemento direto) - em oferecer há três lugares vazios: suj + cd + ci (complemento indireto) Os circunstantes, segundo Vilela, são complementos de frase e não pertencem ao quadro frásico do verbo (Ibid., p. 32). A distinção entre circunstante e complemento adverbial é importante, pois este é actante e faz parte da valência verbal. Uma frase como Ele foi* é agramatical, pois o verbo ir tem um lugar vazio que não foi preenchido (cf. Ele foi ao centro da cidade.), diferentemente da frase Eu comprei livros (no Rio de Janeiro), em que o membro sintático no Rio de Janeiro não pertence à valência do verbo comprar e serve apenas como contextualizador. Embora semelhantes devido ao significado de lugar, os termos grifados diferenciam-se quanto à exigência de sua presença junto ao verbo. Nem todos os lugares vazios existentes no verbo devem obrigatoriamente ser preenchidos. Se houver a possibilidade de um complemento ser suprimido, ele é facultativo, se sua supressão tornar a frase agramatical, ele é um complemento obrigatório. Tanto o complemento obrigatório quanto o facultativo fazem parte da valência do verbo. Seguem os exemplos dados por Vilela (Ibid., p. 33): O Rui escreveu uma carta à Joana. O Rui escreveu uma carta. O Rui escreveu à Joana. O Rui escreveu. O Rui ofereceu uma prenda à Joana.??O Rui ofereceu uma prenda. * O Rui ofereceu. suj + V + cd + ci suj + V + cd + - suj + V + - + ci suj + V + - + - suj + V + cd + ci Os exemplos acima mostram que para o verbo oferecer todos os elementos são obrigatórios, enquanto para o verbo escrever todos são facultativos, à exceção do sujeito. 2.3.2. Restrições de significado A restrição de significado, ou valência semântica, regula as possibilidades de combinação dos significados das palavras ou dos grupos de palavras. Em

O Funcionalismo 27 determinado contexto de um dado significado, são permitidos apenas certos outros significados. Os significados inerentes das palavras são tratados pelo dicionário, e os significados combinatórios dos verbos como núcleo frásico, ou seja, a indicação dos significados referentes ao contexto imediato dos verbos, pertencem à gramática. Os elementos significativos dos verbos como centro estrutural da frase estabelecem quais os traços semânticos que devem apresentar os complementos (incluindo o sujeito) (Vilela, 1992, p. 40). Se tomarmos o verbo vender, por exemplo, verificamos que é necessário um termo que preencha o espaço de sujeito que possua o traço [+ humano], além de um termo que preencha a posição de objeto direto, a coisa ou ser vendido, podendo ser de natureza animada ou não, como no exemplo a seguir: Meu pai (suj) vendeu nossas duas casas (obj dir). 2.4 Gramaticalização O paradigma funcional considera a mudança linguística não como algo regido por leis não-suscetíveis de alteração, como o consideram os Neogramáticos. Para o funcionalismo, é no uso que as mudanças acontecem, e o contexto tem papel relevante para que elas ocorram. Dentro do quadro de mudança, o tema ou teoria da gramaticalização irrompe como uma possibilidade de compreensão de fenômenos que se enquadram no dinamismo da língua. A gramaticalização pode ser considerada como um processo de estruturação da mudança linguística. Uma mudança começa a acontecer numa dada língua quando duas ou mais construções em variação passam a conviver, e isso nem sempre se dá pacificamente, pois pode ser que haja proscrição da gramática normativa a uma delas. O falante, ao lançar mão das escolhas, não necessariamente usa conhecimentos fornecidos pelos manuais de gramática. O que lhe faz escolher uma das formas variantes é o que melhor se lhe apresenta para atender aos anseios de sua comunicação. A escolha recorrente de determinada forma em detrimento de outra é o que fornece base para a identificação do término do processo de gramaticalização, que começa na convivência das construções e termina com a mutação da categoria e da função de uma construção gramaticalizada.

O Funcionalismo 28 Os estudiosos de gramaticalização partilham de um mesmo pensamento em relação a dois pontos (Gonçalves et al, 2007, p. 19): (i) fazem a distinção entre itens lexicais, signos lingüísticos plenos, classes abertas de palavras, lexemas concretos, palavras principais, de um lado, e itens gramaticais, signos lingüísticos vazios, classes fechadas de palavras, lexemas abstratos, palavras acessórias, do outro; (ii) consideram que as últimas categorias tendem a se originar das primeiras. Na gramaticalização ocorre, portanto, um esvaziamento que faz a construção passar de uma estrutura autônoma na língua para um instrumento gramatical, por exemplo, a passagem de nomes, verbos e adjetivos (palavras de uma categoria gramatical plena) a preposições, advérbios, auxiliares (palavras pertencentes à classe das categorias gramaticais). No processo de gramaticalização, entretanto, não ocorre só a mudança envolvendo itens lexicais, pode ocorrer também a passagem de um item já gramatical a afixo, ou seja, a gramaticalização ocorreu numa gradação de menos gramatical para mais gramatical. Tudo isso é confirmado numa definição de gramaticalização de caráter mais restrito, como a sugerida por Gonçalves et ali (Ibid.,.p. 22): (...) a gramaticalização poderia, então, ser definida como um processo por meio do qual alguns elementos de conteúdo lexical se desenvolvem, no decorrer do tempo, e se tornam elementos gramaticais e, se gramaticais, passam a mais gramaticais ainda, apresentando-se mais previsíveis no que diz respeito a seu uso. Sendo a gramaticalização um processo que permite ver todo o percurso de mudança de um item, seu valor é atribuído tanto ao estudo diacrônico quanto ao estudo sincrônico, dependendo do espaço de tempo em que a mudança acontece e do tipo de enfoque. Como a língua é dinâmica, a variação e a mudança serão acontecimentos constantes. A gramaticalização se processa de maneira gradual, de modo unidirecional, aumentando o grau de gramaticalidade de determinado item em relação a seu estatuto original.