Cinco Peças Orquestrais Op. 10, n. 4, de Anton Webern: Considerações sobre simetria

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Transcrição:

Cinco Peças Orquestrais Op. 10, n. 4, de Anton Webern: Considerações sobre simetria Isaac Terceros Montaño 1 Universidade de São Paulo - isaacterceros@hotmail.com Adriana Lopes da Cunha Moreira Universidade de São Paulo - adrianalopes@usp.br Resumo: Este trabalho apresenta uma análise da quarta peça que integra a obra Cinco Peças Orquestrais Op. 10 (1911), de Anton Webern. Busca estabelecer pontos de comparação, simetria e complementação entre conjuntos de alturas, com base na teoria elaborada por Allen Forte (1973), segundo as considerações apresentadas por Joseph Straus no livro Introduction to Post-Tonal Theory (2005), acerca de elementos que atuam como parâmetros organizadores em criações atonais. Contribui para a compreensão da reciprocidade existente entre os aspectos supracitados e demais domínios musicais como forma, textura e timbre. Na conclusão, será verificada a maneira segundo a qual o compositor organizou o material musical na obra em questão. Palavras-chave: Análise musical; Música do século XX; Anton Webern; Cinco Peças Orquestrais Op. 10; Conjuntos; Simetria. A técnica composicional de Anton Webern (1883-1945), referente à organização sistemática de alturas, ritmos, timbres e dinâmica, foi decisiva para o estilo musical conhecido como serialismo integral. Levando as técnicas atonais até novos limites, abriu portas para a produção musical futura, tendo-se tornado referência para jovens músicos da segunda metade do século XX e marco fundamental da História da Música deste século. A obra de Webern pode ser dividida em quatro fases ou períodos, de acordo com características composicionais e estilísticas. Nas obras Opp. 1-4 (1904-08), 2 o compositor justapôs diferentes seções com andamentos, texturas e centros de referência próprios, em movimentos únicos. A Passacaglia para Orquestra, Op. 1, pode ser considerada exemplo dessa variação em desenvolvimento (Griffiths 1990: 109). Em um processo progressivo, abandonou referência à tonalidade e à estabilidade rítmica: flexível no tempo e irregular na extensão da frase, na métrica e no padrão rítmico. No aspecto da orquestração, as obras dessa fase introduziram características que se tornaram marcantes na produção de Webern como um todo, tais como: passagens com a indicação de pianíssimo para flauta, trompete, harpa, violas e violoncelos, melodias que passa entre vários instrumentos e a utilização de sons harmônicos. O nível dinâmico 1 Isaac Terceros Montaño cursa Bacharelado em Música com Habilitação em Regência no CMU-ECA- USP (Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), onde desenvolve a pesquisa de iniciação científica intitulada Cinco Peças Orquestrais Op. 10, de Anton Webern: Análise musical com ênfase em timbre e textura, sob orientação da Profa. Dra. Adriana Lopes da Cunha Moreira, com apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). 2 Obras da primeira fase: Passacaglia, para orquestra, Op. 1 (1908); Entflieht auf Leichten Kähnen, para coro a cappella, com texto de Stefan George, Op. 2 (1908); 5 Lieder sobre Der Siebente Ring, para voz e piano, Op. 3 (1907-08); 5 Lieder com texto de Stefan George, para voz e piano, Op. 4 (1908-09).

raramente se eleva acima de piano, as peças são em sua maioria muito curtas e a repetição seguida é evitada. Todos estes aspectos foram intensificados na fase posterior (Griffiths 1990: 109). Na segunda fase (1909-14), que se estende do Op. 5 ao Op. 11, 3 Webern passou a compor obras atonais, caracterizadas por extrema concisão, algumas vezes recorrendo à simetria. Ao se referir às Bagatelas, recordou: Enquanto trabalhava nelas, tive a sensação de que uma vez que as doze notas tivessem chegado ao fim, a peça estava terminada... Isso pode soar estranho, incompreensível, mas era extremamente difícil (Griffiths 1990: 113). No conjunto de obras que se estende do Op. 5 ao Op. 10, o gênio de Webern se revela tanto pelo radicalismo dos pontos de vista, quanto pela sensibilidade inovadora. Pierre Boulez (n. 1925) as considera um (...) amálgama raro do qual é testemunha uma série de obras que não esgotaram ainda a faculdade de nos surpreender, e observa: Neste período que vai de 1910 a 1914, mais ou menos, Webern avança até quase a asfixia na exploração desse microcosmo pelo qual já se sentia atraído por seu próprio temperamento. É a época das composições mais curtas (...). Nestas, estabelece-se claramente um paralelo com o haikai japonês: basta uma frase para estabelecer um universo que é firmemente imposto (Boulez 2008: 326). Utilizando procedimentos serias de maneira cada vez mais ortodoxa, a terceira fase composicional (1914-27) é formada quase exclusivamente por obras vocais com acompanhamento de pequenos grupos instrumentais. 4 De maneira geral, a parte da voz assume um contorno bastante anguloso, com frases curtas e saltos amplos. Os extratos instrumentais são, ora lineares e contínuos, ora abertos e pontilhistas. A variedade é ampla e as exigências dinâmicas são particularmente minuciosas. Durante esta fase é possível traçar o desenvolvimento inicial da técnica serial característica de Webern. 5 A partir do Trio para Cordas Op. 20 (1926-27), Webern passou a empregar o serialismo como procedimento para todas as obras, até sua última composição, Cantata n. 2, Op. 31 (1941-43). Nesta quarta fase composicional (1927-45), o compositor 3 Do Op. 5 ao Op. 10, Webern compôs quase puramente obras instrumentais: Cinco Movimentos para quarteto de cordas, Op. 5 (1909, com versão para orquestra de cordas de 1929), Seis Peças Orquestrais, Op.6 (1909, revisado 1928) e Quatro Peças, para violino e piano, Op. 7 (1910); Duas Canções (1910), com texto de Rainer Maria Rilke, Op. 8, apresenta uma variedade por ser uma obra escrita para voz; e as três obras seguintes são novamente destinadas a grupos instrumentais: Seis Bagatelas para orquestra, Op. 9 (1911); Cinco Peças Orquestrais, Op. 10 (1911) e Três Pequenas Peças, para instrumento de corda e piano, Op. 11 (1914). 4 Obras da terceira fase: Quatro canções, para voz e piano, Op. 12 (1915-17); Quatro canções, para voz e orquestra, Op. 13 (1914-18); Seis canções, para soprano, dois clarinetes, violino e violoncelo, sobre poemas de George Trakl, Op. 14 (1917-21); Cinco canções sacras, para voz e pequena orquestra, Op. 15 (1917-22); Cinco cânones sobre textos latinos, para soprano, clarinete e clarinete baixo, Op. 16 (1924); Três Versos Rimados Tradicionais, Op. 17 (1924-25); Três Canções, Op. 18 (1925); Duas Canções, sobre textos de Goethe e acompanhamento instrumental, Op. 19 (1926). 5 Em 1924-25, Webern compôs obras instrumentais sem número de Opus, para piano e para trio de cordas, empregando séries repetidas sempre da mesma maneira. Dentre as obras catalogadas, os Opp. 17 n. 2 e 18 n. 1 trazem exposições contíguas da mesma forma serial; o Op. 17 n. 3 expõe repetidamente a série na parte da voz, complementado-a com fragmentos seriais na parte que a acompanha; o Op. 18 n. 2 utiliza quatro formas da série: original e sua inversão, bem como os retrógrados de ambas. As duas canções Op. 19 fazem uso da mesma série, que aparece transposta e apresenta uma escrita instrumental repleta de notas rápidas repetidas.

retornou à composição instrumental, em que tempo, registro e densidade contribuem para a estruturação da forma, de maneira que a concatenação de conjuntos motívicos dessas peças instrumentais se torna mais clara através do uso do timbre, da dinâmica, da duração e do ritmo. Sobretudo, a característica distintiva das obras desta fase é a simetria, como podermos observar na forma dos dois movimentos da Sinfonia Op. 21 (1927-28), bem como nos cânones, palíndromos e variações presentes em obras que se estendem do Quarteto para violino, clarineta, saxofone tenor e piano Op. 22 (1928-30) às Variações para Orquestra Op. 30 (1940) (Griffiths 1990: 125 e 129). No presente artigo, iremos nos reportar a conceitos apresentados por Allen Forte (1973), Peter Johnson (1978) e Joseph Straus (2005) para tecermos considerações a respeito de eixos de simetria, conjuntos e relações de simetria entre estes. Segundo Johnson, um conjunto é considerado simétrico quando suas alturas constituintes equilibram umas com outras em relação a um mesmo eixo de simetria (Johnson 1978: 221). Noções de simetria têm sido apresentadas em diferentes trabalhos de análise, tendo como base as primeiras obras atonais de compositores como Arnold Schoenberg e Webern. Nesse contexto, independendo da técnica analítica empregada, tem se demonstrado que dinâmicas de tensão e resolução são atingidas através do uso de conjuntos assimétricos ou simétricos na formação de uma obra, de maneira que conceitos de simetria organizam verdadeiramente as alturas e a estrutura de uma peça que aparenta assimétrica. Straus (2005) considerou a simetria do micro ao macro. Referiu-se aos conjuntos inversamente simétricos, que possuem um eixo de simetria ao redor do qual todas as notas se estabelecem. Observou que em algumas passagens as notas irradiam a partir de um som central, em movimento expansivo, bem como ao contrário, em movimento de contração. Essas notas que centralizam estruturas musicais constituem pólos, que associados por simetria inversional, podem ter explorado seu potencial catalisador (Straus 2005: 133-6). No entanto, lembra Johnson, os resultados de análises segundo a teoria dos conjuntos tornam-se menos satisfatórias quando a segmentação da obra nos oferece o surgimento de uma quantidade muito grande conjuntos, dificultando consideravelmente a compreensão de uma obra, por vezes curta e simples (Johnson 1978: 221). Nesse sentido, buscamos orientação bibliográfica a respeito da segmentação de obras pós-tonais. Consideramos pertinentes os preceitos de Joel Lester (1989), Christopher Hasty (1981) e Joseph Straus (2005), a partir de que pode ser desencadeado todo um processo de investigação analítica em obras pós-tonais. Lester defendeu a premissa de que o termo conjunto seja empregado em substituição a motivo, significando um motivo estrutural, que fundamenta e sustenta a musica não tonal, de cuja segmentação depende diretamente da percepção da peça. Hasty propôs condutas para uma segmentação musicalmente significativa, que incluem a contextualização do conjunto e a busca por relacionamentos intervalares dominantes, considerando a atuação de outros domínios musicais, incluindo o timbre, a dinâmica, as associações intervalares, o registro e o contorno. Partindo da ênfase na correspondência entre conjunto e motivo, Straus posicionou-se favorável ao uso de conjuntos, tanto como unidades estruturas básicas para a unificação de uma composição, como para a

obtenção de variedade na superfície musical, gerando tanto multiplicidade quanto unidade, resultando em coerência (Moreira 2008: 291-2, 298 e 320). Cinco Peças Orquestrais Op. 10, n. 4 Muito especialmente, as Cinco Peças Orquestrais Op. 10 apontam o momento em que Webern delineou características singulares no uso dos materiais e na elaboração de novas sonoridades. Como veremos das conclusões desta analise o compositor empregou procedimentos específicos e organizou as alturas de forma a estabelecer simetrias e relações estreitas tanto na forma interna de uma peça como na estrutura geral da obra aparentemente assimétrica. Em relação ao impacto desta obra, Willi Reich (1898-1980), amigo pessoal do compositor, declarou: Em 1926, no Festival de Zurich do ISCM [International Society for Contemporary Music], o efeito das Cinco Peças Orquestrais (Op. 10) de Webern foi verdadeiramente sensacional. Todos na platéia sentiram que ele atingiu um mundo sonoro completamente novo, cuja particularidade e profundidade pôde perceber, mas sem que tivesse consciência de quão intensa foi essa experiência. Na ocasião da ultima apresentação em Viena, Webern deu os seguintes títulos para as peças: Urbild (Arquétipo), Verwandlung (Metamorfose), Riikkehr (Retorno), Erinnerung (Recordação), e Seele (Alma). Estes títulos não tinham a intenção de constituir explicações programáticas, mas simplesmente indicam as emoções pelas quais o compositor foi dominado enquanto escrevia as peças (Reich 1946: 8-10). 6 A pequena forma, esse microcosmo do qual Webern usufruiu até o extremo, não indica uma forma curta, mas concentrada em tão alto grau que não é capaz de suportar um desenvolvimento prolongado no tempo, devido à riqueza dos meios empregados e à poética que as orienta. A quarta das Cinco Peças Orquetrais Op. 10, dura cerca de vinte segundos, mas mesmo aqui Webern é inovador na estética das suas obras e também no tratamento físico do concerto (Boulez 2008: 327). A orquestração da obra Cinco Peças Orquetrais Op. 10 consiste em flauta, oboé, clarinete, clarinete baixo, trompa, trompete, trombone, percussão, mandoline, violão, celesta, harmônio, harpa, violino, viola, violoncelo e contrabaixo, havendo algum equilíbrio entre os sopros, as cordas e a percussão. No entanto o n.4 utiliza unicamente clarinete em si bemol, trompete igualmente em si bemol, trombone, caixa, mandoline, harpa e violino e viola solos. No aspecto temporal da quarta peça, a métrica ternária é obscurecida pela diversidade tímbrica, não concomitância dos ataques, amplo uso de quiálteras (considerando tercinas e quintinas), sincopas, ritenutos e pausas com durações desiguais. Por outro lado, a dinâmica constantemente pouco intensa (estendendo-se de ppp a p) gera uniformidade nesse aspecto. A textura é concebida em três camadas: um 6 In 1926, at the Zurich Festival of the ISCM, the effect of Webern's five orchestral Pieces (Op. 10) was truly sensational. Everyone in the audience felt that he faced a completely new world of sound, whose peculiarity and profundity he could sense without knowing how to fathom the causes of the experience. On the occasion of a later performance in Vienna, Webern gave the following titles to the pieces: Urbild (Archetype), Verwandlung (Metamorphosis), Riikkehr (Return), Erinnerung (Recollection), and Seele (Soul). These titles were not intended as programmatic explanations; they simply indicate the emotions by which the composer was swayed whilst writing the pieces (Reich 1946: 8-10).

contorno melódico anguloso e tripartido (Fig. 1, na cor azul), ataques-impulso separados (Fig. 1, marrom) e sons contínuos (Fig. 1, amarelo). O contorno melódico anguloso, tripartido, é apresentado pelo mandoline, na região média (comp. 1, com anacruse), pelo trompete e o trombone, também na região média (comp. 2-4) e pelo violino na região aguda (comp. 5-6, na Fig. 1, azul). Na segunda camada, ataques-impulso separados são executados pela harpa (comp. 1), clarinete (comp. 2-3), percussão (comp. 4), harpa (comp. 4-5), celesta e mandoline (comp. 5-6), na condução sol -lá-fá, este último com ataques intermitentes de si, mi e fá. Os ataques intermitentes combinados à diversidade tímbrica geram grande diversidade sonora, quase pontilhista (Fig. 1, marrom). Na terceira camada, a continuidade da díade si -mi do harmônico da viola com surdina (comp. 1-3) e do trinado sobre a nota dó, ao clarinete (comp. 5), trazem certa estabilidade (Fig. 1, amarelo). Uma curiosidade é reservada à sustentação da nota sol pelo trombone, na primeira camada (comp. 3), que se confunde com a concepção da terceira camada e essa dubiedade só é esclarecida com a resolução na nota sol (comp. 4): Fig. 1 Textura em três camadas. Considerando aspectos timbrísticos, observamos uma construção de significativa coerência. No primeiro segmento, o compositor utiliza unicamente instrumentos de cordas pulsadas: mandoline e harpa (Fig. 2, cor vermelha). O segundo segmento traz a sonoridade dos sopros: trompete, trombone e clarinete, com a contrapartida da viola que, no entanto, não gera contraste por usar harmônicos, cuja sonoridade é caracteristicamente flautada. Os instrumentos e sonoridades utilizados na segunda parte apresentam interessante variedade em relação à primeira parte, uma vez que agora temos uma valorização do corpo dos sons prolongados (Fig. 2, cor verde). O segmento final da peça é caracterizado pelo acúmulo de diversas sonoridades que surgem a partir dos sons percutidos do tambor e da celesta (Fig. 2, lilás). A tripartição, decorrente da concepção sonora, é potencializada pela ocorrência de pausas:

Fig. 2 Concepção tripartida. A peça é elaborada com somente 28 sons diferentes. O total cromático é apresentado nas doze primeiras notas, mas sem que exista uma concepção dodecafônica, sendo os intervalos 1 (segunda menor), 2 (segunda maior) e 6 (tritono) os mais recorrentes. O material do primeiro segmento (comp. 1) é formado pelo conjunto 9-1 (012345678), que tem como subconjuntos as alturas formativas da camada superior, 6-16 (014568), o acorde executado à harpa, 3-4 (015) e o verticalismo resultante da soma da sonoridade do acorde à harpa com a tercina ao mandoline, 6-9 (012357) (Fig. 3). Ao comparar o conjunto horizontal 6-16 com o vertical 6-9, Allen Forte observou que possuem grande similaridade intervalar, mas não têm uma identidade em relação às classes de alturas, o que resulta em um equilíbrio no âmbito das alturas (Forte 1973: 49-51). No segundo segmento (comp. 2-4), 8-Z15 (01234689) forma o material total, tendo como subconjuntos as alturas da camada superior, 6-Z28 (0123569), e as alturas das outras duas camadas, 3-5 (016) (Fig. 3). O som percutido do tambor marca o inicio do terceiro segmento (comp. 4-6), em que observamos um aumento da densidade textural, formada pelo conjunto 9-8 (0123468T), tendo como subconjuntos as notas da segunda e terceira camadas, 5-7 (01267) e as notas do contorno melódico final, ao violino, 5-15 (01268) (Fig. 3).

Fig. 3 Conjuntos formadores da peça. Dentre os conjuntos de superfície da peça, verificamos simetria em 6-Z28 (contorno do segundo segmento) e 5-15. Ao analisarmos o conjunto de inversão simétrica 5-15 (01268), que encerra a peça e é subconjunto do material inicial, observamos a formação do eixo 3-9 (Straus 2005: 138), que tem como notas de equilíbrio mi -lá, sendo essa última justamente a que marca o segmento central. No eixo de simetria observamos que a nota lá é o elemento que falta para completar um conjunto 6-7 (012678), com alto grau de simetria inversional e transposicional 7 (Fig. 4). Fig. 4 Simetria presente em conjuntos relevantes e na formação do segmento central. 7 Uma curiosidade em relação ao conjunto 6-7 (012678) deve-se ao fato de corresponder ao quinto Modo de transposições limitadas de Olivier Messiaen, devido ao seu alto grau de simetria.

Ao observarmos o relacionamento entre notas extremas e centrais, novamente percebemos a presença da simetria: fá-sol -sol do primeiro segmento e mi-fá -lá do terceiro segmento estão relacionados ao eixo 0-6, sendo a nota dó justamente a primeira da peça (Fig 5): Fig. 5 Simetria no âmbito da extensão. Percebemos interessante associação entre o eixo 1-7 e as alturas que formam o primeiro segmento da peça, estabelecendo uma ligação com o segundo segmento. As quatro primeiras alturas da melodia do mandoline: do-ré-lá -sol e as duas alturas mais agudas do acorde da harpa: sol - ré estabelecem relações presentes no eixo de simetria 1-7 (Fig. 6, cor azul). De maneira semelhante, as notas finais deste primeiro segmento estabelecem associações de simetria com as primeiras alturas empregadas no segundo segmento: a altura fá mais grave do acorde da harpa relaciona-se com a altura lá do clarinete; a altura mi do mandoline, com o si do trompete e a altura mi (última altura do primeiro segmento), com o si da viola (primeira nota do segundo segmento) (Fig. 6, respectivamente, em vermelho, lilás e amarelo).

Fig. 6 Associações entre o primeiro e o segundo segmento da peça, relacionadas ao eixo 1-7. As alturas do segmento inicial podem ainda ser organizadas considerando o eixo de simetria 5/6 11/0 Fig. 7 Associações entre as alturas iniciais relacionadas ao eixo de simetria 5/6 11/0 Notamos que as relações entre as alturas utilizadas pelo compositor no segundo segmento da obra estão associadas ao eixo de simetria 4-10. As alturas si-lá-fá-mi, interpretadas pelo trompete e pelo clarinete já determinam a relação sobre este eixo (Fig. 7, cor azul). No entanto, as alturas empregadas vão estabelecer relações igualmente com os restantes segmentos da obra. Na consideração anterior vimos que a nota si (primeira nota do segmento) está relacionada com a altura mi (última nota do segmento anterior) (Fig. 6, em amarelo). Agora observamos que a última nota da melodia do trompete (ré) e as duas notas do trombone (sol e sol) estão intimamente

relacionadas às alturas que formam a segunda camada do terceiro segmento (fá -dóré ), interpretadas pela harpa e pelo clarinete (ver no gráfico acima as relações nas cores vermelha, verde e lilás). Assim sendo, podemos afirmar que o eixo 4-10 encontrado no centro da peça determina as relações entre as notas deste segmento e também controla as relações entre os segmentos adjacentes. Fig. 8 Relações de simetria determinadas pelo eixo 4-10 entre os três segmentos da peça. Finalmente, no terceiro segmento, percebemos as alturas sendo organizadas em relação ao eixo de simetria 2/3-8/9. Igualmente este terceiro segmento está relacionado com o segmento anterior relação estabelecida pelo eixo entre as notas si -sol (Fig. 8, cor vermelha) e lá -lá (Fig. 8, cor verde). Fig. 9 Relações de simetria associadas ao eixo 2/3-8/9 no terceiro segmento da peça.

Conclusão Os eixos de simetria analisados na obra são estruturais e inversamente simétricos. O eixo 0-6 encontrado no segmento inicial e final é inversamente simétrico ao eixo 3-9, que organiza as alturas no âmbito da extensão. Da mesma forma os eixos 1-7 e 4-10 encontrados nos segmentos centrais da obra são eixos inversionais. Finalmente, os conjuntos estruturais determinados pelos eixos 2/3-8/9 e 5/6-11/0, observados no segmento final e inicial, também apresentam esta simetria inversional (Fig. 10). Fig. 10 Relações de simetria inversional entre os eixos que organizam as alturas do Op. 10 n. 4 de Webern. A divisão em conjuntos, através da audição da peça, foi auxiliar à determinação de uma segmentação coerente, que significou compreender o plano geral de peça e estabelecer segmentos musicalmente relevantes. Tanto as relações entre as notas formativas destes conjuntos, como as relações formais entre os segmentos constituintes da peça em si, foram determinadas pelos diferentes eixos de simetria. Comprovamos a existência de relações de alturas e conjuntos de alturas determinados por eixos de simetria em obras aparentemente assimétricas. Concluímos que as considerações sobre aspectos simétricos são verdadeiramente significativas para maior compreensão da organização do material nas obras atonais de Anton Webern. Bibliografia BOULEZ, Pierre. Apontamentos de Aprendiz. Trad. Stella Moutinho, Caio Pagano e Lídia Bazarian, do original escrito em 1966. São Paulo: Perspectiva, 2008. FORTE, Allen. The Structure of Atonal Music. New Haven, Yale University Press, 1973 HASTY, Christopher F. Segmentation and Process in Post-Tonal Music. Music Theory Spectrum. Vol. 3, 1981, pp. 54-73. JOHNSON, Peter. Symmetrical Sets in Webern's Op. 10, No. 4. Perspectives of New Music. Vol. 17, n. 1, Autumn-Winter 1978, pp. 219-229. LESTER, Joel. Analytic approaches to Twentieth Century music. NY: W. W. Norton, 1989. MOREIRA, Adriana Lopes da Cunha. Olivier Messiaen: inter-relação entre conjuntos, textura, rítmica e movimento em peças para piano. Capítulo 2: Resenha bibliográfica associada à análise de parâmetros musicais presentes nas peças analisadas. Tese (Doutorado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Instituto de Artes, Departamento de Música, 2008.

NEIGHBOUR, Oliver, GRIFFITHS, Paul e PERLE, George. Segunda escola vienense. Série New Grove. Porto Alegre: L&PM, 1990. REICH, Willi. Anton Webern: The Man and His Music. Tempo. N. 14, Mar 1946, pp. 8-10. STRAUS, Joseph. Introduction to post tonal theory. 3 ed. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 2005.