Electroacoustic and Electrophysiological Evaluation in Children with Medulloblastoma

Documentos relacionados
ESTUDO COMPARATIVO DA AUDIOMETRIA TONAL DE ALTA FREQÜÊNCIA (AT-AF) EM CRIANÇAS COM E SEM RESPIRAÇÃO BUCAL.

POTENCIAIS EVOCADOS AUDITIVOS POR FREQUÊNCIA ESPECÍFICA EM LACTENTES COM AUDIÇÃO NORMAL

ANEXO IV DIRETRIZES PARA O FORNECIMENTO DE APARELHOS DE AMPLIFICAÇÃO SONORA INDIVIDUAL (AASI)

Cisplatin is an antineoplasic drug, which has ototoxicity

RESULTADOS AUDIOLÓGICOS DE IDOSOS ATENDIDOS EM CLÍNICA- ESCOLA

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional ISSN: Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho

Influência do tipo de transdutor na deficiência auditiva de grau profundo*** Influence of the type of transducer in profound hearing loss

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Medicina / Departamento de Fonoaudiologia

TITULO: Ação Preventiva em saúde Triagem Auditiva em Escolares AISCE

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

OS MARCOS DO DESENVOLVIMENTO DA COMUNICAÇÃO NAS CRIANÇAS

Potenciais evocados auditivos de tronco encefálico por frequência específica e de estado estável na audiologia pediátrica: estudo de caso

Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico por Frequência Específica: estimando os limiares auditivos em adultos ouvintes *

Maria Isabel Kós (1), Kátia de Almeida (2), Silvana Frota (3), Ana Cristina Hiromi Hoshino (4) RESUMO

Comparação de dois protocolos de triagem auditiva neonatal universal

ORIGINAL ARTICLE. Auditory steady state response in pediatric audiology. Potencial evocado auditivo de estado estável em audiologia pediátrica

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ALINE VARGAS MAIA

INVESTIGAR AS EMISSÕES OTOACÚSTICAS PRODUTO DE DISTORÇÃO EM TRABALHADORES DE UMA MADEREIRA DO INTERIOR DO PARANÁ

REUNIÃO CLÍNICA: PERDA AUDITIVA E ATRASO DE LINGUAGEM

Benefício do implante coclear em crianças com paralisia cerebral

Nowadays, in our clinic, we can complement the

Potenciais Evocados Auditivos do Tronco Encefálico por condução óssea em crianças com malformação de orelha externa e/ou média *

ANÁLISE DE SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE DE UM CRITÉRIO DE REFERÊNCIA DAS EMISSÕES OTOACÚSTICAS

Material desenvolvido com conteúdo fornecido pelas unidades acadêmicas responsáveis pelas disciplinas.

Potenciais evocados auditivos com estímulos de fala: aplicabilidade e limitações no diagnóstico diferencial dos transtornos de linguagem

Crianças com fenilcetonúria: avaliação audiológica básica e supressão das otoemissões

RASTREIO AUDITIVO NEONATAL UNIVERSAL (RANU)

Estudo dos limiares de audibilidade de altas freqüências em crianças ouvintes com idades entre 7 e 13 anos

Potenciais evocados auditivos do tronco encefálico por condução óssea em indivíduos normais*****

Limiares de audibilidade nas altas freqüências em indivíduos de 20 a 30 anos com audição normal

OTOTOXICIDADE DA CISPLATINA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM CÂNCER

CORRELAÇÃO DOS LIMIARES DO PEATE-FE E DA AUDIOMETRIA INFANTIL EM LACTENTES COM PERDA AUDITIVA NEUROSSENSORIAL

Considering the hypothesis that middle ear changes can

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

Ouvir é bom? Fga Cristina Simonek Mestre em Ciências UNIFESP Doutor em Fonoaudiologia

Revista CEFAC ISSN: Instituto Cefac Brasil

Variabilidade teste-reteste na audiometria tonal: comparação entre dois transdutores

Potencial Evocado Auditivo de Estado Estável (ASSR) / Neuro-Audio. Fga. Mara Rosana Araújo

ESTUDO DO RECONHECIMENTO DE FALA NAS PERDAS AUDITIVAS NEUROSSENSORIAIS DESCENDENTES

Estudo dos limiares de audibilidade nas altas freqüências em indivíduos normo-ouvintes de 12 a 19 anos

Fones de inserção: aplicação no colabamento de meato acústico externo

ESTUDO DAS HABILIDADES AUDITIVAS EM CRIANÇAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA VISUAL

AVALIAÇÃO AUDIOLÓGICA EM FUNCIONÁRIOS DE UM HOSPITAL PÚBLICO EXPOSTOS A RUÍDO

Amplitude das emissões otoacústicas produto de distorção e o uso de contraceptivos hormonais: estudo preliminar

A Audição na Seqüência de Möebius

Quais as frequências audiométricas acometidas são responsáveis pela queixa auditiva nas disacusias por ototoxicidade após o tratamento oncológico?

GRUPO DE ELETROFISIOLOGIA DA AUDIÇÃO E AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL Coordenação: Profa Dra. Michele Vargas Garcia

CORRELAÇÃO DOS ACHADOS DO PEATE-FE E DA AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Auditory evoked brainstem responses (ABR) is a noninvasive

HABILIDADES AUDITIVAS DE DETECÇÃO, LOCALIZAÇÃO E MEMÓRIA EM CRIANÇAS DE 4 A 6 ANOS DE IDADE. Palavras Chave: audição, percepção-auditiva, pré-escola.

TÍTULO: ESTUDO DA AUDIÇÃO DE CRIANÇAS COM SÍNDROME DE WERDNIG-HOFFMANN INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

IMPLANTE COCLEAR EM CRIANÇAS DE 1 A 2 ANOS DE IDADE

EMISSÕES OTOACÚSTICAS / NEURO-AUDIO. Fga. Mara Rosana Araújo

Guia de Orientações na Avaliação Audiológica Básica

Estimativa do Diferencial entre os Limiares Auditivos Subjetivos e Eletrofisiológicos em Adultos Normouvintes

Audiometria Tonal e Emissões Otoacústicas-Produtos de Distorção em Pacientes Tratados com Cisplatina

Limiares auditivos para altas freqüências em adultos sem queixa auditiva

PROCESSAMENTO AUDITIVO E POTENCIAIS EVOCADOS AUDITIVOS DE TRONCO CEREBRAL (BERA)

CONSELHO REGIONAL DE FONOAUDIOLOGIA 2ª REGIÃO SÃO PAULO

Potencial evocado auditivo de tronco encefálico em crianças encaminhadas de um programa de triagem auditiva neonatal

CYNTIA BARBOSA LAUREANO LUIZ

Protocolo de Preservação de Orgão em Câncer de Cabeça e Pescoço

Desempenho no índice percentual de reconhecimento de fala de indivíduos com audição normal

Análise dos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (PEATE) em Pacientes com Perda Auditiva Neurossensorial Descendente em Rampa.

Influência da Intensidade e Velocidade do Clique no Peate de Ouvintes Normais

Luciana Castelo Branco Camurça Fernandes. Limiares eletrofisiológicos e psicoacústicos por via óssea em indivíduos normais e com perda auditiva

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA

CONSELHO FEDERAL DE FONOAUDIOLOGIA

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CONSELHO DO ENSINO, DA PESQUISA E DA EXTENSÃO

Stephanie de Fátima Leandro Gustavo Lauton Miranda de Souza. ACHADOS TIMPANOMÉTRICOS EM BEBÊS AVALIADOS COM TONS DE SONDA DE 226, 678 E 1000 Hz.

Potencial evocado auditivo de tronco encefálico com estímulo de fala***** Brainstem auditory evoked potential with speech stimulus

Avaliação eletrofisiológica da audição em gagos, pré e pós terapia fonoaudiológica*****

Título: Neuropatia Auditiva/ Dissincronia * Auditiva: estudo interdisciplinar de um caso pós-lingual em uma adolescente.

ESTUDO DE CASO: neuropatia

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO/ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-

60 TCC em Re-vista 2012

PROGRAMA DE COMPLEMENTAÇÃO ESPECIALIZADA - PCE. Nome do Programa:ELETRONEUROFISIOLOGIA DAS VIAS COCLEOVESTIBULARES E MONITORIZAÇÃO INTRAOPERATÓRIA

ANEXO I NORMAS PARA O ATENDIMENTO EM SAÚDE AUDITIVA

AVALIAÇÃO DOS POTENCIAIS EVOCADOS AUDITIVOS DO TRONCO ENCEFÁLICO NA ESCLEROSE MÚLTIPLA

The workings of the auditory pathway of patients with

PROJETO DE EXTENSÃO EM AVALIAÇÃO E REABILITAÇÃO DAS ALTERAÇÕES DO PROCESSAMENTO AUDITIVO : UMA PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO DO SERVIÇO NA CLÍNICA-ESCOLA

Caracterização do perfil auditivo de frentistas de postos de combustível

Atenuação interaural: estudo comparativo com dois tipos de transdutores. Interaural attenuation: comparative study with two types of transducers

Some pharmaceutical products are capable of damaging

ACHADOS DO POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO DE ESTADO ESTÁVEL EM CRIANÇAS COM PERDA AUDITIVA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE FONOAUDIOLOGIA ANDRÉA DA COSTA RANKEL

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

Mascaramento clínico: aplicabilidade dos métodos platô e otimizado na pesquisa dos limiares auditivos***

Research considers high frequency tonal audiometry

Autor(es): Amanda Bozza ( UNICENTRO Coordenadora do Projeto)

Revista CEFAC ISSN: Instituto Cefac Brasil

Relação entre os achados da avaliação audiométrica e das emissões otoacústicas em policiais militares

Universidade Federal de Minas Gerais Ana Carolina Sena Barboza

P300 em sujeitos com perda auditiva*** P300 in subjects with hearing loss. Ana Cláudia Mirândola Barbosa Reis* Maria Cecília Martinelli Iório**

COMPARAÇÃO DOS ACHADOS AUDIOLÓGICOS POR MEIO DE TESTES OBJETIVOS E SUBJETIVOS EM INDIVÍDUOS AFÁSICOS

Variation in amplitudes of evoked otoacoustic emissions and suceptibility to hearing loss induzed by nois-hlin

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

Alterações auditivas em crianças expostas à toxoplasmose durante a gestação

POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO DE TRONCO ENCEFÁLICO POR VIA ÓSSEA EM INDIVÍDUOS COM PERDA AUDITIVA SENSORIONEURAL

Transcrição:

Original Santos Article TS, / Mendes Artigo SA, Original Gil D Avaliação Eletrofisiológica e Eletroacústica da Audição em Crianças com Meduloblastoma Electroacoustic and Electrophysiological Evaluation in Children with Medulloblastoma Thássia Silva dos Santos a ; Sheila Almeida Mendes b ; Daniela Gil c * a Hospital São Paulo, SP, Brasil b Universidade Federal de São Paulo, Programa de Residência Multiprofissional em Oncologia Pediátrica, SP, Brasil c Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Fonoaudiologia, SP, Brasil *E-mail: danielagil@hotmail.com Resumo A cisplatina isolada ou combinada é uma droga ototóxica utilizada no tratamento de tumores do sistema nervoso central, tais como o meduloblastoma. Os pacientes, em sua maior parte crianças, podem apresentar perda auditiva neurossensorial inicialmente nas altas frequências, podendo progredir para as frequências médias e baixas quando expostos ao tratamento com esta droga. O objetivo deste artigo é caracterizar os resultados da avaliação eletrofisiológica e eletroacústica da audição em crianças com meduloblastoma no início e meio de e após o tratamento quimioterápico com cisplatina. Participaram deste estudo 17 pacientes, sendo dois avaliados no início do tratamento, cinco durante e dez após o tratamento. Todos foram submetidos à anamnese, meatoscopia, ATL, logoaudiometria, audiometria de altas frequências, EOAT e PEATE. Foram evidenciadas alterações nos limiares auditivos médios, durante o tratamento, a partir da frequência de 4 khz. As audiometrias de altas frequências apresentaram alterações durante o tratamento, com queda brusca nas frequências de 10 khz a 14 khz. As perdas auditivas encontradas nas avaliações foram do tipo neurossensorial com configuração descendente em grau variável. Nas EOAT, observou-se a ausência de respostas nas bandas de frequências de 3 khz e 4 khz após o tratamento. Os PEATE apresentaram alteração antes do tratamento quimioterápico, confirmando a presença de lesão retrococlear. Os limiares auditivos podem sofrer alteração a partir do início do tratamento, tendo início pelas altas frequências; as EOAT podem estar ausentes durante o tratamento, sobretudo nas bandas de 3 khz e 4 khz. Já o PEATE pode estar alterado antes do início do tratamento, confirmando a presença de lesão retrococlear. Palavras-chave: Meduloblastoma. Cisplatina. Monitoramento. Audiometria Tonal. Abstract Cisplatin either isolated or in combination is an ototoxic drug frequently used in the treatment of Central Nervous System tumors, such as medulloblastoma. Patients, usually children, may present a permanent sensorineural hearing loss involving initially high frequencies. This study aimed to characterize the electroacoustic and electrophysiological evaluation in children with medulloblatoma at the beginning, during and at the end of chemotherapy treatment with cisplatin. Seventeen patients with medulloblastoma were divided into three groups: two at the beginning, five during the treatment and ten at the end of the process. All participants have undergone clinical history, ear canal inspection, pure tone audiometry, speech audiometry, high frequency audiometry, transient otoacoustic emissions, and auditory brainstem response. Abnormalities in average pure tone thresholds in 4 khz were observed during the treatment. High frequency audiometry revealed abrupt decline ranging from 10, 12, and 14 k Hz. Hearing loss was sensorineural with descending configuration and valiable degree. Otoacoustic emissions were absent, especially in the frequency bands of 3 and 4 khz after the treatment. Auditory brainstem response revealed abnormal results even before the treatment, confirming the retrocochlear involvement of the tumor. Pure tone thresholds may be affected since the beginning of the treatment, while the otoacoustic emission may be absent right after the beginning of the treatment, especially in the frequency bands of 3 and 4 khz. Auditory brainstem response may be abnormal before the treatment due to the retrocochlear origin of the tumor. Keywords: Medulloblastoma. Cisplatin. Monitoring. Pure Tone Audiometry. 1 Introdução A audição íntegra é fundamental para o desenvolvimento da linguagem oral, logo a perda auditiva pode ocasionar um atraso no desenvolvimento da fala, dificuldades escolares, distúrbios sociais, emocionais e comportamentais 1. As alterações auditivas podem ser ocasionadas por diversos fatores etiológicos, congênitos ou adquiridos, apresentando assim diferentes graus e tipos. Dentre as causas da deficiência auditiva adquirida, encontra-se o uso de substâncias ototóxicas, as quais provocam alterações transitórias ou definitivas das funções auditiva e vestibular. O meduloblastoma, um tumor neuroectodérmico primitivo, é um dos tumores mais prevalentes do Sistema Nervoso Central em crianças. Acredita-se que as lesões surgem a partir de uma célula neuronal precursora muito imatura. Este tipo de tumor representa aproximadamente 25% dos tumores cerebrais pediátricos e cerca de 40% desses são encontrados no cerebelo 2. Embora o tumor possa ser diagnosticado em adolescentes e adultos jovens, a maioria dos casos de meduloblastoma ocorre na primeira década de vida. A idade de maior incidência é entre 3 e 4 anos, sendo mais comum em meninos do que em meninas. Seu tratamento é baseado em uma classificação de grupo de risco que leva em consideração a 15

Avaliação Eletrofisiológica e Eletroacústica da Audição em Crianças com Meduloblastoma ressecabilidade do tumor, a idade do paciente e a presença ou não de metástases ao diagnóstico. Seu tratamento é cirúrgico, seguido pela radioterapia (crânio e neuro-eixo) e quimioterapia combinada com cisplatina 3. As drogas ototóxicas podem ser definidas como sendo agentes químicos que causam danos ao sistema auditivo e/ou vestibular por lesão interna, geralmente de forma irreversível 4. A cisplatina isolada ou combinada, droga ototóxica muito utilizada no tratamento de tumores como no caso do meduloblastoma, é conhecida por causar perda auditiva permanente do tipo neurossensorial; sua ocorrência é bilateral, iniciando nas altas frequências e progredindo para as demais frequências conforme a exposição continuada 5,6. A toxicidade da cisplatina inclui náuseas e vômitos, nefrotoxicidade, neurotoxicidade, mielossupressão e ototoxicidade, sendo o agente antineoplásico mais comumente utilizado na prática clínica 7,8. A radioterapia também é considerada como modalidade de tratamento nesses tumores e, quando empregada em altas doses, apresenta efeitos colaterais tardios, entre eles a perda auditiva. Essas drogas, ao serem combinadas, potencializam a chance de perda auditiva. Permanecem como consequência desafiadora no tratamento de meduloblastoma os efeitos ototóxicos de agentes quimioterápicos e da terapia de radiação. Embora a terapia multimodal tenha apresentado a cura, os pacientes submetidos a ela correm o risco de apresentar uma perda auditiva ocasionada pela ototoxicidade relacionada a este tratamento. Já com relação à elaboração de protocolos de monitoramento auditivo para os pacientes submetidos a tratamento quimioterápico, esta não é recente. Muitos estudos têm sido realizados com o objetivo de, quando possível, possibilitar a preservação e/ou a detecção de perdas auditivas precocemente, a fim de diminuir os efeitos negativos na qualidade de vida por meio de tratamentos médico e fonoaudiológico adequados, sendo então necessária a realização da avaliação audiológica de seguimento para o controle da perda de audição. A American Speech-Language-Hearing (ASHA) estabeleceu diretrizes para o monitoramento auditivo de pacientes submetidos ao tratamento com drogas ototóxicas. Segundo a ASHA, a avaliação auditiva deve ser realizada antes do início do tratamento medicamentoso para descartar alterações auditivas prévias. Quando não for possível realizar a avaliação antes da dose inicial, ela deverá ser feita até 24 horas após a administração da primeira dose. Além disso, as avaliações audiológicas compostas pela audiometria tonal limiar convencional e de altas frequências, pela logoaudiometria e medidas de imitância acústica deverão ser realizadas até 24 horas após cada ciclo de quimioterapia 9. A Audiometria de Altas Frequências é considerada a avaliação mais sensível para a detecção de perdas auditivas quando comparada à Audiometria Tonal Limiar Convencional e à pesquisa das Emissões Otoacústicas Evocadas por Estímulo Transiente. Entretanto, há poucos estudos na literatura realizados com o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico em crianças com meduloblastoma e que fazem tratamento com drogas ototóxicas. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo caracterizar os resultados da avaliação eletrofisiológica e eletroacústica da audição em crianças com meduloblastoma no início e meio do e após o tratamento quimioterápico com cisplatina. 2 Material e Métodos Trata-se de um estudo quantitativo e qualitativo, de corte transversal - o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do GRAACC/EPM, (IOP-018-2013 UNIFESP/ EPM) e pela Plataforma Brasil (19366113.1.0000.5505) -, tendo sido realizado com os sobreviventes de meduloblastoma que se encontram em tratamento ou fora de tratamento no Instituto de Oncologia Pediátrica, Universidade Federal de São Paulo UNIFESP/EPM, São Paulo, SP, Brasil. Todos os pais ou responsáveis pelos pacientes participantes foram orientados sobre o objetivo e procedimentos deste estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (para crianças e adolescentes entre 4 e 18 anos) e o Termo de Assentimento Informado (para crianças entre 5 a 11 anos e adolescentes entre 12 e 17 anos), concordando em participar deste trabalho. A amostra da pesquisa foi composta por 17 sujeitos, com idade entre 4 e 21 anos, diagnosticados com meduloblastoma. Os 17 participantes foram divididos em três grupos denominados de GI, GII e GIII. O grupo GI foi composto por 2 pacientes que se encontravam no final da radioterapia e não tinham iniciado o primeiro ciclo de quimioterapia; o grupo GII foi formado por 5 pacientes que realizaram no mínimo 2 ciclos de quimioterapia e o GIII foi composto por 10 pacientes que haviam concluído o tratamento quimioterapêutico. 2.1 Procedimentos Inicialmente todos os pacientes foram submetidos à anamnese, meatoscopia e avaliação audiológica constituída pela audiometria tonal na faixa de frequência convencional (250 a 8 khz) e altas frequências (10 k, 12 k e 14 khz), à logoaudiometria (pesquisa do limiar de recepção de fala e índice percentual de reconhecimento de fala), às medidas de imitância acústica, ao Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico PEATE - Protocolo Neurológico e às Emissões Otoacústicas Evocadas por Estímulo Transiente - EOAT. Foi aplicada uma anamnese detalhada para compreender o desenvolvimento motor, social, cognitivo, linguístico, auditivo, além de se procurar obter dados a respeito do diagnóstico e tratamento realizados. A meatoscopia e as medidas de imitância acústica foram realizadas como critério de exclusão da amostra, caso o paciente apresentasse alguma obstrução no meato acústico externo que impedisse os procedimentos a serem realizados e/ou curvas timpanométricas dos tipos B, C, Ad ou Ar 10. As medidas de imitância acústica foram realizadas no 16

Santos TS, Mendes SA, Gil D equipamento da marca Interacoustics, modelo AT 235. Para a obtenção dos limiares de audibilidade por via aérea, foi considerada a menor intensidade a que o indivíduo respondeu em 50% dos estímulos apresentados, utilizando-se o método descendente-ascendente 11. Quando os limiares nas frequências de 500, 1 k, 2 k, 3 k e 4 khz apresentaram-se acima de 20 dbna, foi pesquisado o limiar por via óssea, seguindo o mesmo procedimento utilizado para obter os limiares por via aérea. Este método foi utilizado para a audiometria convencional e para as altas frequências. Para estabelecer o grau da perda auditiva, foi considerada a média das frequências de 500, 1 k e 2 khz 12. A audiometria tonal limiar convencional foi realizada no audiômetro da marca Interacoustics, modelo AD 229b. Já a audiometria de altas frequências foi realizada no equipamento da marca Interacoustics, modelo KAMPLEX AS10HF. Quanto às EOAT, o critério para a presença de respostas estabelecido foi de uma correlação, no mínimo, de 70% de reprodutibilidade geral e 75% de reprodutibilidade por banda de frequência testada (3 db acima do ruído S/R), amplitude geral (response) presente e estabilidade da sonda acima de 70% 13. Para o registro do PEATE, os eletrodos foram posicionados nos lóbulos das orelhas ou na mastoide e na fronte do paciente, após a limpeza da pele realizada com uma pasta abrasiva. Além disso, foi utilizada uma pasta eletrolítica colocada entre o eletrodo e a pele do paciente, a fim de diminuir a impedância de contato. O exame, por sua vez, foi realizado com fones de inserção e sem o uso de sedação. O estímulo utilizado para a realização do protocolo neurológico foi o clique, com duração de 100 µs, sendo promediados 2000 estímulos, na polaridade negativa (rarefeita) a uma frequência de estimulação de 27,7 cliques por segundo. Os aspectos analisados foram: a presença das ondas I, III e V com replicabilidade de cada componente, os valores das latências absolutas das ondas I, III e V e os valores das latências dos intervalos interpicos I-III, III-V e I-V. Como critério de normalidade para a pesquisa do protocolo neurológico a 80 dbna foram considerados os seguintes valores: onda I (1,55ms) e onda V (5,67); intervalo interpico I-III (2,17), intervalo interpico III-V (1,93) e intervalo interpico I-V (4,12) 14. A EOAT e o PEATE foram realizados no equipamento marca Intelligent Hearing Systems, modelo SmartEP USB Jr. 3 Resultados e Discussão Quanto à audiometria tonal e à audiometria de altas frequências, encontrou-se 100% do grupo GI com os limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade. Nos grupos GII e GIII detectou-se perda auditiva neurossensorial a partir da frequência de 4 khz (Tabela 1). Tabela 1: Média dos limiares auditivos tonais convencionais e de altas frequências por grupo (Hz/dB) 250 500 1 k 2 k 3 k 4 k 6 k 8 k 10 k 12 k 14 k GI 10 7,5 10 5 7,5 7,5 10 7,5 10 10 10 GII 11,38 10,63 11,25 13,75 22,5 36,25 44,38 46,88 74,38 74,38 79,88 GIII 10 8,64 7,27 10,45 17,05 21,82 43,18 52,95 77,73 76,36 81,36 Quanto aos resultados das EOAT, encontrou-se no grupo GI presença de respostas das emissões em todas as bandas de frequência bilateralmente, indicando função coclear normal. Já no grupo GII encontraram-se respostas das emissões em mais de 70% dos pacientes avaliados em todas as bandas de frequência e em ambas as orelhas. No grupo GIII, observou-se ausência de respostas das emissões em grande parte do grupo, em todas as bandas de frequência e em ambas as orelhas, sendo que os piores resultados foram encontrados à orelha esquerda (Tabela 2), demostrando alteração coclear. Tabela 2: Porcentagem dos pacientes que apresentaram respostas nas EOAT em cada banda de frequência de cada grupo por orelha GI GII GIII 1 khz 2 khz 3 khz 4kHz OD 100% 100% 100% 100% OE 100% 100% 100% 100% OD 90% 90% 80% 70% OE 70% 80% 80% 70% OD 40% 90% 20% 70% OE 70% 80% 90% 70% Finalmente, em relação aos resultados do PEATE, o estudo evidenciou atraso nos valores médios das latências absolutas das ondas III e V nos três grupos avaliados e atraso das latências interpicos I-III nos grupos GI e GII, III-V no GI e GIII e I-V nos três grupos avaliados (Tabela 3). Tabela 3: Valores médios das latências absolutas e dos intervalos interpicos por grupo e por orelha GI GII GIII I III V I-III III-V I-V OD 1,6 3,9 5,97 2,3 2,07 4,37 OE 1,37 4,03 6,15 2,65 2,12 4,77 OD 1,74 4,45 6,32 2,71 1,86 4,58 OE 1,73 4,36 6,37 2,63 1,92 4,56 OD 1,74 3,93 5,86 2,18 1,92 4,11 OE 1,78 3,94 5,98 2,16 2,04 4,19 A audiometria de altas frequências é considerada um dos procedimentos que vem se destacando na avaliação audiológica de pacientes submetidos ao tratamento com 17

Avaliação Eletrofisiológica e Eletroacústica da Audição em Crianças com Meduloblastoma drogas ototóxicas, sendo este um exame complementar e importante na detecção precoce de perdas auditivas por lesão na base do ducto coclear. Logo, sua utilização possibilita a identificação de alterações auditivas antes que ocorra a perda auditiva na faixa de frequências convencional (250 a 8 khz). Alguns estudos evidenciaram que a audiometria de altas frequências é mais sensível do que a audiometria convencional, sendo capaz de demonstrar alterações nos limiares médios já após a administração do 1 ciclo de cisplatina (120 mg/m²) 15. No presente estudo, observou-se que a audiometria de altas frequências foi o primeiro exame de audição a revelar alterações nos limiares auditivos, concordando com outros achados já descritos na literatura 15. Os piores limiares auditivos foram encontrados nos grupos GII e GIII, sendo os limiares de GIII piores do que os de GII (Tabela 1), demonstrando o efeito cumulativo da droga. Assim como as altas frequências, as EOAT também têm sido utilizadas no monitoramento dos pacientes em tratamento quimioterápico com a cisplatina, revelando ser também um procedimento sensível para a avaliação destes pacientes 16. No presente estudo, encontraram-se alterações em todas as bandas de frequências, sendo as piores respostas encontradas no grupo GIII. No entanto, a audiometria de altas frequências demonstrou-se mais sensível para a detecção de perdas auditivas quando comparada às EOAT, uma vez que o acometimento da audição, devido à ototoxicidade, tende a ser primeiramente nas frequências mais altas. No entanto, é importante ressaltar que nas bandas de frequência de 3 k e 4 khz, principalmente, nem sempre foi encontrada a presença de respostas das emissões, ainda que os limiares de audibilidade estivessem dentro da faixa de normalidade nas frequências de 3 k e 4 khz na audiometria tonal. Tal achado pode sugerir que a ototoxicidade possa estar comprometendo a presença das emissões otoacústicas na cóclea, antes mesmo de evidenciar um limiar de audibilidade alterado. Estes resultados podem ser observados e comparados nas tabelas 1 e 2 9. Quanto ao PEATE, podem-se observar alterações no estudo das vias auditivas (protocolo neurológico) nos pacientes do grupo GI (antes do tratamento quimioterápico). Este fato pode ser justificado pelo topodiagnóstico do tumor, o qual se localiza, em sua maioria, no tronco encefálico. A partir da Tabela 3, pode-se observar que o grupo GII apresentou os maiores valores absolutos das latências das ondas III e V, tanto quanto à aderência direita como à esquerda. Também foram encontradas alterações no PEATE dos pacientes após o tratamento cirúrgico e quimioterápico no grupo GIII (Tabela 3), evidenciando a manutenção da alteração em tronco encefálico. Na literatura são escassos os estudos realizados com a avaliação eletrofisiológica nos pacientes que são submetidos ao tratamento com drogas ototóxicas. Sendo assim, esta aplicação da avaliação eletrofisiológica necessita de mais estudos para ser comprovada e eventualmente inserida no protocolo de monitoramento auditivo de pacientes tratados com drogas ototóxicas 17. Sabe-se que os pacientes os quais apresentam alterações auditivas, sendo elas periféricas ou centrais, podem ter sérios comprometimentos quanto à linguagem, ao aprendizado, ao desenvolvimento cognitivo e até mesmo quanto a sua inclusão social. Durante a realização deste estudo, muitos pacientes apresentaram dificuldades de aprendizagem, alterações de fala e dificuldade de atenção (mencionadas pelos responsáveis dos pacientes). A elaboração de um protocolo de monitoramento auditivo e também de avaliação de fala e linguagem para os pacientes submetidos à quimioterapia e radioterapia é de suma importância para a manutenção da audição e qualidade de vida dessas crianças. Tendo em vista os resultados aqui encontrados, nota-se a importância de se realizarem não apenas as audiometrias convencionais e de altas frequências nos pacientes submetidos ao tratamento quimioterapêutico, mas também as EOAT e o PEATE, visando não apenas o topodiagnóstico da lesão, mas também um planejamento terapêutico dos pacientes. 4 Conclusão A caracterização dos resultados da audiometria tonal limiar convencional, da de altas frequências, das EOAT e do PEATE em crianças com meduloblastoma possibilitou concluir: Há alteração dos limiares médios da audiometria tonal limiar a partir de 4 khz durante o tratamento; A audiometria de altas frequências também é alterada durante o tratamento, com queda brusca nas frequências de 10 a 14 khz; As EOAT são alteradas após o início do tratamento, com maior prejuízo nas bandas de frequências de 3 k e 4 khz; O PEATE de crianças com meduloblastoma mostra-se alterado mesmo antes do início do tratamento quimioterápico, confirmando a presença de lesão retrococlear. Referências 1. Stelmachowicz PG, Pittman AL, Hoover BM, et al. The importance of high-frequency audibility in the speech and language development of children with hearing loss. Arch Otolaryngol Head Nead Surg 2004;130:556-62. 2. Crawfor JR, MacDonald TJ, Packer RJ. Medulloblastoma in childhood: New biological advances. Lancet Neurol 2007;6(12):1073-85. 3. Pizzo PA, Poplack DG. Principles and practice of pediatric oncology. USA: Lippincott Williams & Wilkins; 2002. 4. Campbell KCM. Pharmacology in audiology practice. In: Roeser R, Valente M, Hosford-Dunn H. Audiology. Diagnosis; 2007. p.157-68. 5. Skinner R. Best practice in assessing ototoxicity in children with cancer. Eur J Cancer 2004;40:352-354. 6. Pasic TR, Dobie RA. Cis-platinun ototoxicity in children. Laryngoscope 1991;101:985-91. 7. Helberg V, Wallin SE, Hernlund E, Jerrmalm E, et al. Cisplatin and oxaliplatin toxicity: importance of cochlear 18

Santos TS, Mendes SA, Gil D kinetics as a determinant for ototoxicity. J Natl Cancer Inst 2009;101:37-47. 8. Kolinsky DC, Hayashi SS, Larson R, Jingnan M, Hayashi RJ. Late onset hearing loss: A significant complication of cancers survivors treated with cisplatin containing chemotherapy regimes. J Pediatr Oncol Hematol 2010;32:119-23. 9. American Speech-Language-Hearing Association. Guidelines: audiologic management of individuals receiving cochleotoxic drug therapy. Practice Policy. ASHA 1994;36:11-9. Doi: 10.1044/policy.GL1994-00003 10. Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol 1970;92(4):311-24. 11. Yantis PA. Avaliação dos limiares auditivos por via aérea. In: Katz, J. Tratado de audiologia clínica. São Paulo: Manole; 1999. p.108-97. 12. Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. University Park Press: Baltimore 1978;94:16-7. 13. Azevedo MF. Emissões otoacústicas. In: Figueiredo MS. Emissões otoacústicas e BERA. Pulso 2003;35-71. 14. Gorga MP, Kaminski JR, Beauchaine KL, Jesteadt, NST. Auditory brainstem responses from children three months to three years of age. J. Speech, Language, Hearing Res 1989;32:281-88. 15. Domenico ML, Iório MCM, Petrilli AS. Programa de monitoramento auditivo em portadores de osteossarcoma submetidos a tratamento quimioterápico com cisplatina. Fono Atual 2004;29(7):60-71. 16. Stavroulaki P, Apostolopoulos N, Segas J, Tsakanikos M, et al. Evoked otoacustic emissions: An approach for monitoring cisplatin induced ototoxicity in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 2001;59:47-57. 17. Dille MF, Ellingson RM, McMillan GP, Konrad-Martin D. ABR obtained from time-efficient train stimuli for cisplatin ototoxicity monitoring. J Am Acad Audiol 2013;24(9):769-81. 19