Boletim da Sociedade



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Transcrição:

Boletim da Sociedade Vol 32 Nº 112 Abril a Junho 2004 de Reumatologia do Rio de Janeiro Publicação Oficial Trimestral da Sociedade de Reumatologia do Ilustração: Hans Donner e equipe Rio de Janeiro Artigo Original O uso dos fitoestrogênios em ginecologia Artigo de Revisão As síndromes paraneoplásicas musculoesqueléticas Atualização Terapêutica Progressos no controle da dor lombar

Informe do XXV CBR Rio 2004 As comissões organizadora e científica do XXV Congresso Brasileiro de Reumatologia lembram aos colegas reumatologistas que não deixem de participar do evento maior de nossa sociedade, previsto para os dias 8 a 11 de outubro do ano corrente, na cidade do Rio de Janeiro. O Dr. Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro, presidente do evento, cita algumas razões para que você não perca essa oportunidade de atualização profissional e congraçamento social. O programa científico encontra-se muito bem balanceado com cursos e conferências teóricas e uma extensa variedade de atividades de cunho prático. Os cursos Pré-Congresso, Revisão Clínica, Revisão Básica, Osteoporose e Densitometria Óssea, Reabilitação em Reumatologia e Pesquisa Clínica foram idealizados para cobrir todas as necessidades de atualização médica. Cerca de dez professores internacionais, entre eles os Drs. Arthur Kavanaugh, Jürgen Braun, Ian Bruce, Ronald Asherson, Gurkirpal Sigh, Ivan Foeldvari e a Dra. Alice Gottlieb, já confirmaram presença. Os Encontros com os Professores serão uma oportunidade singular de aprender com quem faz e de esclarecer suas dúvidas. Destaque, também, para o Espaço Cultural, que continuará sendo um espaço aberto para a expressão artística dos reumatologistas brasileiros e seus familiares. A festa de encerramento, prevista para o dia 11 de outubro, véspera do feriado nacional de Nossa Senhora de Aparecida, será no tradicional Clube Monte Líbano, na Lagoa, com a presença confirmada do cantor Jorge Ben Jor. Não fique mais em dúvida: faça sua inscrição, prepare sua mala e venha aprender, ensinar e fortalecer a reumatologia brasileira. Para maiores informações sobre o congresso, ligue para a Congrex do Brasil (21) 3974-2001, envie sua pergunta para o e-mail reumario2004@congrex. com.br ou visite o site do congresso: www. reumatorj. com. br/ reumario2004.

Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro Considerada de Utilidade Pública Lei nº 2.951 do Governo do Estado do Rio de Janeiro Sede própria: R. Barata Ribeiro 391/sl. 801 CEP 22040-000 Rio de Janeiro-RJ Telefax: (21) 2549-4114 Tel.: (21) 3816-4772 http:www.reumatorj.com.br e-mail: reumatorj@uol.com.br Diretoria do Biênio 2003-2004 Presidente: Sueli Coelho da Silva Carneiro Vice-Presidente: Blanca Elena Rios Gomes Bica Secretário-Geral: Wanda Heloísa Rodrigues Ferreira Primeiro-Secretário: Mariza Mathias dos Santos Segundo-Secretário: João Sérgio Ignácio Hora Primeiro-Tesoureiro: Evandro Mendes Klumb Segundo-Tesoureiro: Reno Martins Coelho Diretor Científico: Geraldo Castelar Pinheiro Assessores: Mauro Goldfarb, Elisa Albuquerque Boletim Editor: Roger Abramino Levy Comissão Editorial: Adriana Danowski Alessandra C. Pereira Francinne Machado Margarida L. Badin Mirhelen Mendes Abreu Reumatologia Pediátrica: Sheila K. Oliveira Biblioteca Diretor: João Luiz Pereira Vaz Assessores: Carlos Augusto F. de Andrade Conceição Monique Dares Paulo Cesar Hamdan Comissão do Interior Presidente: Nocy Leite Membros: Flávio Fernando N. Melo (Volta Redonda) Guilherme Pereira (Friburgo) Luiz Clóvis Bitencourt (Campos) Luiz Otávio D. D Almeida (Cabo Frio) José Augusto Cardoso (Barra Mansa) Pedro Henrique Netto Cezar (Teresópolis) Wanda Heloísa Ferreira (Petrópolis) Redação: R. Barata Ribeiro 391/801 CEP 22040-000 Rio de Janeiro-RJ Telefax: (21) 2549-4114 Tel.: (21) 3816-4772 Secretaria Editorial: Dr. Roger A. Levy Av. Niemeyer 174/601-22450-221 Rio de Janeiro-RJ Fax: (21) 2587-6846 e-mail: boletim@reumatorj.com.br As matérias assinadas, bem como suas respectivas fotos de conteúdo científico, são de responsabilidade dos autores, não refletindo ne ces sa ri a men te a posição da editora. Este boletim é enviado a todos os reu ma to lo gis tas do estado do Rio de Ja nei ro, à SBR e às demais Sociedades Regionais. Solicita-se permuta. On prie l échange. Se solicita el cange. Si prega lo scambio. Exchange is kindly requested. Man bitted un Austausch. Boletim da Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro Informativo Oficial da SRRJ Criado na gestão de Rubem Lederman Periodicidade: Trimestral Palavra do Presidente...2 Editorial...3 História da Reumatologia Chernoviz: um dos maiores médicos do Brasil no século 19...4 Artigo de Revisão Condromatose sinovial (síndrome de Reichel)...7 Artigo Original O uso dos fitoestrogênios em ginecologia: evidências para o emprego clínico dos fitoestrogênios na prevenção e no tratamento da osteoporose da mulher pós-menopausada...9 Artigo de Revisão As síndromes paraneoplásicas musculoesqueléticas... 14 Na Crista da Onda Rituximab em reumatologia... 16 Amenidades... 17 Atualização Terapêutica Progressos no controle da dor lombar...18 Reumateste...26 Imagem...26 Clube do Reumatismo...27 Aconteceu...31 Errata: Na última edição, no artigo Esporotricose Osteoarticular, seção Na Crista da Onda, os nomes dos autores foram omitidos. São eles: Alessandra Cardoso Pereira, da disciplina de Reumatologia da UNIGRANRIO; Maria Clara Gutierrez Galhardo, do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz; e Roger Abramino Levy, da disciplina de Reumatologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Editor: Newton Marins, Diretor de Arte: Hélio Malka Y Negri, Co or de na dora Editorial: Beatriz Couto, Revisor-Chefe: Helio Cantimiro, Revisão: Claudia Gouvêa, Leila Dias, Pro gra ma ção Vi su al: Robson Reis. Produção Edi to ri al e Gráfica: Diagraphic Editora Av. Paulo de Frontin 707 Rio Comprido CEP 20261-241 Rio de Ja nei ro-rj Telefax: (21) 2502-7405 e-mail: editora@diagraphic.com.br home page: www.diagraphic.com.br Expediente & Sumário 1

Palavra do Presidente 2 Metas para 2004 Nossos corações e mentes estão no XXV Congresso Brasileiro de Reumatologia, que acontecerá nesta Cidade Maravilhosa entre os dias 8 e 11 de outubro. Portanto, envolvamo-nos cada vez mais, a cada novo dia, de alguma forma, pois somos todos anfitriões e co-responsáveis pelo bom andamento desse evento, que é o maior da nossa especialidade. O programa está primoroso, e esperamos uma grande participação dos nossos associados, com a inscrição de muitos trabalhos científicos e presença maciça. A atividade com leigos também necessitará da participação de todos, pois só com o contato mais freqüente e intenso com a população nos faremos conhecidos e cumpriremos o papel do médico de comunicar, informar e educar, favorecendo a associação imediata entre os reumatismos e o reumatologista. A nossa regional continua em atividade, apesar de estar no momento dando passagem ao congresso brasileiro. Estamos incrementando a nossa informática e programando um curso para os candidatos ao título de especialista no período de 31 de julho a 28 de agosto, num total de cinco sábados, quando serão abordados os tópicos que fazem parte do conteúdo programático do concurso. Os interessados poderão se inscrever pelo telefone da SRRJ. Esse esforço da diretoria visa estimular todos os colegas que trabalham na reumatologia a se tornar especialistas, para que sejamos fortes e numerosos. Durante o congresso também elegeremos o presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o próximo biênio, e a nossa regional indicará o Dr. Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro, membro desta diretoria, presidente do congresso, ex-presidente da SRRJ e que esteve sempre envolvido com as questões societárias. Neste boletim há um poema, As Mãos, de um colega. Conclamo todos a lerem e meditarem sobre essa poesia, que é extensa e linda. Fala muito de perto da nossa especialidade, já que as mãos são o instrumento mais precioso que o médico tem para examinar os pacientes reumáticos, e estes têm nas mãos a mais intensa representação da dor, da deformidade e da incapacidade física. Sueli Carneiro Presidente

Do outro lado O reumatologista, enquanto médico de doenças crônicas, convive todos os dias com a dor e o sofrimento, mas também com os olhares vibrantes daqueles que esperam de nós uma mudança. As escolas médicas nos preparam para a responsabilidade de diagnosticar e tratar doenças. O mercado de trabalho nos cobra produtividade. Em meio a essa cultura de resultados imediatos, nos esquecemos que vivemos em corpos suscetíveis a enfermidades. Como seria estar do outro lado? Temos vários conceitos de saúde, mas todos se encerram num mesmo significado: o do bem-estar amplo, em seus infinitos aspectos. E, nessa busca frenética por resultados e gráficos, acabamos por menosprezar as informações vindas dos pacientes, mesmo quando não estão relacionadas diretamente com sua doença, mas com seus sentimentos. Como aprendemos no artigo do Professor Hilton Seda, a medicina, desde o século 19, nos tempos do Dr. Chernoviz, evolui exponencialmente até os tempos atuais. Sabemos mais sobre doenças, tratamento e psiquismo. Já vemos a grande influência das sensações e dos sentimentos sobre a melhora ou a piora do quadro clínico, e isso se nota, ainda que modestamente, em algumas publicações. Questões como essas cercam o dia-a-dia do reumatologista e, por isso, neste volume do nosso boletim abordaremos temas como a fitoterapia e o tratamento da lombalgia, com a colaboração do grande reumatologista mineiro e presidente da SBR Caio Moreira e do colega maranhense, já cidadão carioca, José Moreno Ribamar. Esperamos que todos se enriqueçam com as mensagens destas páginas. Boa leitura! Editorial Comissão Editorial 3

História da Reumatologia Chernoviz: um dos maiores médicos do Brasil no século 19 Entre meus livros antigos de Medicina, possuo duas edições do Formulario e Guia Medica, a décima (1), de 1879, e a décima primeira (2), de 1884 (reprodução na pág. ao lado). A primeira saiu em 1841; a última (décima nona), em 1924; as quatro primeiras foram editadas no Rio de Janeiro, na tipografia Laemmert; a quinta, em Paris, na tipografia Rignoux, sendo todas as demais feitas em Paris. Essa obra contendo a descrição dos medicamentos, as doses, moléstias em que são empregados, as plantas medicinais indígenas do Brasil, o compêndio alfabético das águas minerais, a escolha das melhores fórmulas, um memorial terapêutico e muitas informações úteis (1, 2) desempenhou um papel deveras importante na prática da medicina no Brasil durante quase um século (3, 4). Como muito bem disse o acadêmico Carlos da Silva Araújo (3),...em um país tão extenso como o nosso, em que se vivia em regime mais ou menos patriarcal, onde o fazendeiro ou, nas cidades, o farmacêutico ou o simples prático de farmácia, licenciado ou não, o padre, os funcionários da justiça ou de administração, vindos de um centro mais culto, tinham que enfrentar, por dever de humanidade, os problemas de saúde, fácil é compreender a imensa utilidade destes guias, que valiam ainda, mesmo para os profissionais diplomados da medicina e da farmácia, como o nosso verdadeiro código ou farmacopéia. Graças a eles, muita gente podia fazer curas e até partos, socorrer aos de sua casa, aos criados, aos trabalhadores, aos escravos e até seu gado. O autor desse livro foi Pedro Luiz Napoleão Czerniewicz, nascido na Polônia, em Lukov, próximo a Varsóvia, em 11 de setembro de 1812. Em 1830 estudava medicina na Universidade de Varsóvia, mas teve de exilar-se na França quando as forças da Rússia, que dominava a Polônia, esmagaram uma rebelião liderada por intelectuais e estudantes, indo residir em Montpellier, onde obteve licença para matricular-se no segundo ano da Faculdade de Medicina, vindo a diplomar-se em 1837, com 25 anos de idade. Passou a exercer a profissão em Genolhac, vilarejo perto da cidade de Nimes. Essa passagem pela França é que foi a razão da mudança de seu nome, feita com autorização do Conselho do Estado, para Chernoviz, uma vez que o aborrecia o fato de os franceses o chamarem de doutor polaco ou pronunciarem seu nome de modo incorreto. Chernoviz era a corruptela que mais se aproximava da maneira como os Hilton Seda franceses o designavam. Apesar de bem-sucedido em suas atividades profissionais em Genolhac, Chernoviz queria horizontes maiores. Influenciado pela fama do Brasil como país promissor e pelo fato de muitos médicos brasileiros também se terem formado em Montpellier em 1837, decidiu mudar-se para o país que poderia oferecer-lhe boas possibilidades de progresso. Dedicouse a estudar português com afinco e, após três meses, já era capaz de falar e escrever em nossa língua. Os bons ventos o ajudaram nessa mudança, pois o representante do rei da França junto ao imperador do Brasil estava prestes a partir e necessitava que um médico o acompanhasse (3). Assim, Chernoviz embarcou nessa comitiva, em 1840, saindo do Havre em um veleiro, chegando ao Rio de Janeiro após setenta dias de viagem. No Rio de Janeiro, apesar das dificuldades iniciais, após um ano de exercício da profissão, conseguiu formar grande clínica e obter bons lucros com a venda de seus livros, não só o Formulario e Guia Medica como também o Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Acessórias, este saído em 1842, um ano após a primeira edição do Formulario. Com a vida estabilizada, casou-se, em 2 de setembro de 1844, com D. Julie Bernard, nascida Professor titular de Reumatologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); membro da Academia Brasileira de Reumatologia; ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (1968-1970). 4

no Rio de Janeiro de pais franceses. O casal residiu na Rua dos Ciganos, que passou a chamar-se Rua da Constituição em 1823/1824, em homenagem à Constituição Política do Império. O nome da rua devia-se ao fato de numerosos bandos de ciganos ao chegarem ao Rio de Janeiro no século XVIII estacionarem no Campo de Santana e no antigo Campo da Lampadosa (Praça Tiradentes atual) e suas casas se prolongarem por esta rua que passou a se chamar Rua dos Ciganos (5). Para exercer a medicina no Brasil, Chernoviz teve de revalidar seu diploma, como exigia a lei do país. Por isso, pediu sua admissão na Academia Imperial de Medicina em 29 de outubro de 1840, no mesmo ano de sua chegada ao Rio de Janeiro, apresentando, como era indispensável, memória inédita: O uso do nitrato de prata nas doenças das vias urinárias. Foi eleito e seu nome submetido para nomeação ao ministro, tendo tomado posse em sessão de 10 de dezembro de 1840. É interessante assinalar que a Academia Imperial de Medicina originara-se, em 30 de maio de 1835, da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, que havia sido fundada em 30 de junho de 1829 e legitimada, por decreto imperial, em 1830, tendo como finalidade aperfeiçoar o exercício da medicina e prestar colaboração ao governo no que se referisse às questões de saúde pública (6). Em 1889, por decreto de 21 de novembro, a Academia Imperial de Medicina transformouse definitivamente em Academia Nacional de Medicina (6). Possivelmente em virtude das críticas que estava recebendo pelo fato de seu Formulario facilitar o acesso dos leigos à Medicina, Chernoviz solicitou, em 10 de junho de 1846, a mudança de sua categoria de membro titular para adjunto, uma posição secundária, mas teve seu pedido recusado (3). Quando Chernoviz chegou ao Rio de Janeiro não havia na cidade febre amarela, peste ou cólera. A febre amarela só surgiu entre nós nos fins de 1849, vindo de New Orleans, tornando-se calamidade pública a partir de 1850 e por aqui se radicando até 1867, com alto índice de mortalidade. Chernoviz já havia prestado serviço nos hospitais militares franceses no combate à cólera. No Rio de Janeiro participou, também, da luta contra a febre amarela e ele mesmo teria tido a doença, mas sobrevivido. Em 25 de janeiro de 1855, Chernoviz obteve a cidadania brasileira, mas nesse mesmo ano, em 13 de abril, após 15 anos de Rio de Janeiro, resolveu voltar para a Europa. O acadêmico Carlos da Silva Augusto (3) aponta como possíveis causas dessa decisão: a epidemia de cólera que grassava na cidade; o fato de já estar próspero, com independência econômica; e necessidade da educação conveniente de seus filhos, que foram 11, sendo quatro homens e sete mulheres, mas só os seis primeiros nascidos no Rio de Janeiro, o primogênito em 1845. Ao chegar à Europa, teve dúvidas sobre onde se fixar na França, decidindo-se, finalmente, por Paris, morando, inicialmente, na rua Notre-Dame, número 21, em Passy. Alguns anos depois, construiu duas excelentes casas na rua Raynouard, onde faleceu em 30 de agosto de 1881, vítima de problema cardíaco. Sua esposa permaneceu nessa residência até morrer. Os seus herdeiros abriram no local, em 1906, rua ligando as ruas Passy e de Raynouard, que recebeu o nome de Chernoviz. Chernoviz, pelos serviços prestados aos dois países, recebeu várias condecorações. Do governo francês, em junho de 1836, medalha por seus trabalhos nos hospitais militares de Nancy por ocasião da epidemia de cólera e, posteriormente, quando já estava no Rio de Janeiro, outra, por relevantes serviços prestados quando estagiário no Hospital Militar de Val-de Grâce. D. Pedro II concedeulhe a Comenda de Cavalheiro da Ordem de Cristo, quando publicou História da Reumatologia 5

História da Reumatologia a primeira edição do Formulario; depois, quando já não residia mais no Brasil, em 31 de dezembro de 1871, a de Cavalheiro da Ordem da Rosa; posteriormente a de Oficial da Ordem da Rosa (15 de julho de 1874) e, finalmente, o promoveu ao grau de Comendador da Ordem da Rosa (3, 4). O Formulario de Chernoviz era obra sempre atualizada, contendo, dentro do possível pela velocidade de comunicação da época, os conhecimentos mais recentes da medicina e da farmácia. Por exemplo, na 17a edição, de 1897, quando o autor já havia falecido, os continuadores do livro já faziam constar os novos métodos terapêuticos da soroterapia, seguindo os trabalhos de Pasteur de 1885 e Roux e informações sobre os raios X, descobertos por Wilhelm Röentgen em 1895 (7). Para os reumatologistas é interessante anotar que a 10a edição do Formulario, de 1879 (1), já cita a comunicação feita pelo professor Germain Sée à Academia de Medicina de Paris em 1877, portanto dois anos após o fato, sobre a utilização do salicilato de sódio na terapêutica do reumatismo articular agudo e da gota, dizendo: Eis aqui o resultado das numerosas experiências feitas pelo professor Germain Sée de Paris: 1) que o salicilato de soda constitui, na dose de 6 a 8g por dia, um meio seguro de fazer cessar um acesso de reumatismo articular agudo as mais das vezes em menos de 48 horas; 2) que este mesmo medicamento é de grande socorro no reumatismo articular crônico; 3) que na gota aguda e na crônica são também favoráveis os seus efeitos; 4) que se pode empregar com vantagem nas nevralgias de toda espécie (1). Chernoviz recomenda que não se deve exceder 10g por dia, por surgirem graves inconvenientes, citando seus efeitos colaterais: zumbido nos ouvidos, faíscas luminosas diante dos olhos, dores de cabeça, delírio e uma surdez mais ou menos completa. Na 11ª edição (2), de 1884, há referência ao tratamento de diversas formas de reumatismo, ainda que sem a utilização da designação de artrite reumatóide, que já fora introduzida 26 anos antes por Alfred B. Garrod em 1858 (8) : reumatismo articular agudo, reumatismo articular crônico, reumatismo muscular, reumatismo nodoso (William Heberden, 1710-1801) e gota (em verbete separado), havendo ainda referência a reumatismo nas cadeiras (lumbago), reumatismo cerebral (meningite), reumatismo do pescoço (torcicolo) e reumatismo do peito (pleurodinia). Outra obra importante de Chernoviz foi o Dicionário de Medicina Popular e das Ciências Acessórias, cuja primeira edição se deu em 1842, em dois volumes, tendo sido impressa no Rio de Janeiro, na tipografia J. Villeneuve & Cia. A segunda também foi feita no Rio de Janeiro, pela tipografia Laemmert. As demais foram impressas em Paris, até a sexta e última edição. Os livros de Chernoviz foram difundidos principalmente no Brasil e em Portugal, mas também tiveram edições em espanhol distribuídas em: Peru, México, Venezuela, Paraguai, Uruguai e Espanha. Por tudo que foi exposto, é forçoso concluir que Não é pois, exagerado proclamar ao doutor Pedro Luiz Napoleão Chernoviz como um dos maiores médicos do Brasil na segunda metade do século passado, como disse o acadêmico Carlos da Silva Araujo em pronunciamento na Academia Nacional de Medicina, em 1963 (3). Referências 1. CHERNOVIZ, P. L. N. Formulario e Guia Medica. 10 ed. Paris: Casa do Autor, 1879. 2. CHERNOVIZ, P. L. N. Formulario e Guia Medica. 11 ed. Paris: Livraria de A. Roger & F. Chernoviz, 1884. 3. ARAÚJO, C. S. Sesquicentenário do nascimento do acadêmico Chernoviz: seu papel na prática da medicina e na farmácia do Brasil. Bol Acad Nac Medicina, v. 134, p. 761-78, 1963. 4. TORRES, J. S. O doutor Chernoviz. Arq Bras Med, v. 59, p. 471-3, 1985. 5. BERGER, P. Dicionário Histórico das Ruas do Rio de Janeiro: I e II Regiões Administrativas. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora Ltda, 1974. p. 43. 6. História da Academia Nacional de Medicina Dados obtidos na Biblioteca da Academia Nacional de Medicina. 7. PORTER, R. (ed). Medicina: A História da Cura. Lisboa: Livros e Livros, 2002. 8. CARVALHO, P. J. M. História do Reumatismo. Coimbra, 1984. 6

Condromatose sinovial (síndrome de Reichel) A condromatose sinovial (CS) é condição benigna incomum, caracterizada pela formação de múltiplos nódulos de cartilagem hialina no tecido conjuntivo subsinovial. Tais nódulos podem ossificar-se, quando então o termo osteocondromatose sinovial torna-se mais apropriado. É mais comum em homens entre a terceira e a quinta décadas de vida, entretanto mulheres de meia-idade desenvolvem CS na articulação temporomandibular mais comumente que os homens. É rara na infância. Sua origem é desconhecida. Não está claro se a proliferação cartilaginosa é metaplásica ou neoplásica, porém anormalidades citogenéticas sugerem um processo neoplásico. O receptor 3 do fator de crescimento de fibroblasto (FGFR3) é um marcador específico de células mesenquimais pré-cartilaginosas recentemente descrito. Níveis elevados do fator de crescimento de fibroblasto 9 (FGF 9), seu ligante específico, foram encontrados no líquido sinovial de pacientes com condromatose sinovial. Os sinoviócitos dos pacientes com CS expressam FGF 9 em culturas, o que não ocorre com os da sinóvia normal. Em até 5% dos casos pode haver degeneração maligna para condrossarcoma, uma entidade rara na qual até 50% dos pacientes Priscila Fernandes Magalhães de Souza 1 ; Evandro Mendes Klumb 2 ; José Raimundo Pimentel 3 apresentavam previamente a CS. Os estudos histológicos demonstram que na CS a cartilagem é hipercelular e os condrócitos são geralmente binucleados, exibindo moderada hipercromasia, o que sugere que a doença não é meramente uma metaplasia. A diferenciação com condrossarcoma pode ser difícil; no entanto, na ausência de necrose, cartilagem mixóide, células fusiformes e atividade mitótica, essas lesões de condrócitos atípicos se comportam como benignas. Ultraestruturalmente, os condrócitos na CS possuem retículo endoplasmático rugoso abundante, proeminentes complexos de Golgi e agregados periféricos de glicogênio. Esses achados são muito semelhantes aos de condrócitos de cartilagem articular normal e de outros tumores cartilaginosos benignos, sustentando a natureza benigna da CS. Dessa forma, acredita-se que a CS ocupe um estágio intermediário entre os encondromas e os condrossarcomas. Manifestações clínicas A CS ocorre principalmente nas grandes articulações diartrodiais, sendo o joelho acometido em mais da metade dos casos, usualmente de forma monoarticular. Outros locais incluem: quadril, cotovelo, ombro 1 Residente do 2º ano da disciplina de Reumatologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 2 Disciplina de Reumatologia da UERJ. 3 Disciplina de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). e tornozelo. É infreqüente nas pequenas articulações das mãos e pés e na articulação temporomandibular. A CS pode estar associada a outras doenças, como artrite reumatóide, tuberculose, osteoartrite, osteocondrite dissecante, trauma ou osteonecrose. Pode ocorrer em locais distintos ao mesmo tempo e também pode desenvolver-se na sinóvia de bursas, tendões e/ou ligamentos, quando é denominada condromatose sinovial extra-articular. Os principais sintomas incluem dor, aumento de volume articular, rigidez, crepitação e limitação funcional, geralmente de longa duração e progressivos. Freqüentemente há derrame articular associado, e neuropatias compressivas podem ocorrer. A história natural da doença foi dividida em três fases: a) fase ativa, inicial, onde ocorre metaplasia cartilaginosa multifocal no tecido subsinovial; b) fase de transição, onde alguns nódulos tornam-se pediculados e são liberados como corpos livres intra-articulares, enquanto outros permanecem no tecido sinovial; c) fase quiescente, na qual a maioria dos nódulos tornaram-se intra-articulares e não mais ocorre desenvolvimento cartilaginoso na sinóvia (provavelmente devido à reabsorção dos focos residuais de metaplasia Artigo de Revisão 7

Artigo de Revisão cartilaginosa). A calcificação dos nódulos pode ocorrer antes ou depois de se tornarem corpos livres. Diagnóstico À radiografia simples são evidenciados múltiplos nódulos calcificados que variam de 1mm a 5cm. Em 11% dos casos, os nódulos causam erosões ósseas, especialmente no compartimento anterior do fêmur distal. A tomografia computadorizada (TC) pode demonstrar massa sinovial com densidade similar à de músculo esquelético, bem como pequenas calcificações e erosões. A ressonância nuclear magnética (RNM) mostra os nódulos calcificados com sinal hipointenso em T1 e sinal hiperintenso em T2, refletindo o alto conteúdo aquoso típico da cartilagem. As áreas de calcificação ou osso mineralizado conferem sinal hipointenso em T1 e T2. Tanto a TC quanto a RNM identificam o conteúdo intra-articular da lesão e sua extensão anatômica, enquanto a RNM melhor demonstra o componente de partes moles dessas lesões. Além disso, em até um terço dos casos, na ausência de calcificações significativas, essas lesões podem permanecer ocultas à radiografia convencional. Na CS de longa evolução pode haver osteopenia e osteoartrite secundária. O diagnóstico diferencial radiológico inclui osteocondrite dissecante, osteoartrite com corpos livres, condrocalcinose, artropatia neuropática (Charcot), periartrites, tuberculose, artropatia hemopática e outros tumores sinoviais. Em alguns casos, somente a biópsia sinovial pode esclarecer a natureza da lesão. Tratamento O tratamento de escolha é a sinovectomia com remoção dos corpos livres, preferencialmente por artroscopia, cujo resultado apresenta menor morbidade quando comparada à sinovectomia aberta. O prognóstico é muito bom, embora possa haver recorrência se a remoção for incompleta. A maioria das recorrências ocorre quando há envolvimento difuso da sinóvia, nas fases ativa ou de transição da doença. Mais raramente pode haver regressão espontânea, mesmo após excisão incompleta. A inibição do FGF 9 pode ser, no futuro, uma possível terapia não-cirúrgica para a CS. Referências 1. ROBINSON, D. et al. Synovial chondromatosis: the possible role of FGF 9 and FGF receptor 3 in its pathology. Int J Exp Pathology, v. 81, n. 3, p. 183-9, 2000. 2. PETERFY, C.; GENANT, H. Magnetic resonance imaging in arthritis. In: Koopman Arthritis and Allied Conditions. 14th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2001. 3. CANOSO, J. Tumors of joints and related structures. In: Koopman Arthritis and Allied Conditions. 14th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2001. 4. MADDINSON, P. Diseases of bone, cartilage, and synovium. In: Oxford Textbook of Rheumatology. 2nd ed. Oxford: Oxford Press, 1998. 5. JUHL, J. Essentials of Radiologic Imaging. 7th ed. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers, 1998. 6. RUDDY, S.; HARRIS, E.; SLEDGE, C. In Tumor and tumor-like lesions of joints and related structures. In.: Kelley s Textbook of Rheumatology. 6th ed. Philadelphia: Saunders, 2001; v. 2, p. 1673-1677. 7. ROBINSON, D. et al. Expression of fibroblast growth factor 9 in synovial fluid of patients with synovial chondromatosis. J Bone Joint Surg (Br), v. 79-B (3S), p. 340, 1997. 8. ÜMIT, B. et al. Chondromatosis in subacromial bursae. J Rheumatol, v. 29, n. 7, p. 1559-60, 2002. 9. SCULLY, R. E. et al. Case records of the Massachusetts General Hospital. N Engl J Med, v. 344, p. 124-31, 2001. 10. SCULLY, R. E. et al. Case records of the Massachusetts General Hospital. N Engl J Med, v. 335, p. 876-81, 1996. 11. CROTTY, J. M.; MONU, J. U.; POPE Jr., T. L. Synovial chondromatosis. Radiol Clin North Am, v. 34, p. 327-42, 1996. 12. SCIOT, R. et al. Synovial chondromatosis: Clonal chromosome changes provide further evidence for a neoplastic disorder. Virchows Arch, v. 433, p. 189-91, 1998. 13. DAVIS, R. I.; HAMILTON, A.; BIGGART, J. D. Primary synovial chondromatosis: a clinicopathologic review and assessment of malignant potential. Hum Pathol, v. 29, p. 683-8, 1998. 8

O uso dos fitoestrogênios em ginecologia: evidências para o emprego clínico dos fitoestrogênios na prevenção e no tratamento da osteoporose da mulher pós-menopausada Artigo Original Caio Moreira Três gerações de presidentes da SBR: Caio Moreira, o atual; Sebastião Radomisky, o anterior; e o próximo, Fernando Cavalcanti Os fitoestrogênios são compostos fenólicos heterocíclicos com propriedades biológicas estrogênicas e antiestrogênicas encontrados principalmente em legumes (soja, feijão, ervilha, etc.), verduras e frutas, mas podendo também ser sintéticos. Parece que se ligam aos receptores beta do estrogênio (ER ), estimulam in vitro a síntese protéica de células da linhagem osteoblástica e seu uso por mulheres pós-menopausadas aumenta a concentração de osteocalcina, o que reflete também um aumento da atividade osteoblástica (1-3, 7). As primeiras evidências do efeito benéfico dos fitoestrogênios nos ossos vêm da observação de que populações que tinham altos teores de soja em sua dieta natural apresentavam menores índices de fratura do colo do fêmur que outras populações que não tinham esse hábito (4, 5). A partir daí, vários estudos epidemiológicos observacionais sugeriram que, em mulheres pósmenopausadas, haveria correlação positiva entre a ingestão de maiores quantidade de soja, quer na dieta natural, quer como suplementação dietética, e o ganho de massa óssea, além de uma possível prevenção contra fraturas (4-7). Os estudos observacionais mais recentes, apesar de sugerirem o mesmo, fazem a observação cautelosa de que, antes de serem recomendados como alternativa terapêutica válida, inclusive em relação à terapia de reposição hormonal (TRH), na prevenção da osteoporose, deveriam ser realizados estudos mais amplos e controlados (8-14). As melhores evidências do efeito benéfico dos fitoestrogênios em ossos humanos vêm de ensaios com o derivado sintético ipriflavona. Quatorze pequenos estudos randomizados com ipriflavona demonstraram que ela pode prevenir perda óssea aferida por marcadores bioquímicos e bone mineral density (BMD) radial. Entretanto vários desses estudos possuem metodologias criticáveis, como, por exemplo, a administração de cálcio e vitamina D no grupo selecionado para usar ipriflavona e também no grupo controle. Os achado são decorrentes da ação da ipriflavona ou do cálcio + vitamina D? Não se pode saber. Outro achado importante revelado por estes trabalhos é que não há ação preventiva de fraturas com a ingestão de ipriflavona (13). Os achados, até animadores, encontrados nesses estudos menores foram contestados pelos resultados de um grande estudo randomizado, multicêntrico e controlado realizado na Europa e que não demonstrou ganhos ou preservação de massa óssea em coluna vertebral, fêmur e rádio, nem mesmo modificações na incidência de fraturas de pacientes que usaram ipriflavona em relação aos controles. Além disso, mostrou o aparecimento de linfocitopenia transitória em 13,2% de suas usuárias (15). A suplementação alimentar de fitoestrogênios também não alterou o turnover ósseo de adolescentes masculinos, nem há evidências de que haja uma relação custo/benefício positiva que justifique o uso suplementar de alimentos ricos em fitoestrogênios, desde a infância, para a prevenção da osteoporose (6, 16). A divulgação de possíveis benefícios para a saúde com a ingestão de fitoestrogênios teve expansão exponencial desde 1980, principalmente em função de ações governamentais Reumatologista do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), biênio 2002-2004. 9

Artigo Original 10 dos EUA, da Inglaterra e da Austrália, alavancadas pela indústria da soja. Com o boom ocorrido com a soja em 2003, no Brasil, acreditamos que também aqui deva haver este mesmo tipo de ação, já ocorrida em países de alta tecnologia na agricultura (8). As aplicações clínicas dos fitoestrogênios ainda estão na infância e mais estudos intervencionistas são necessários para se estabelecer sua eficácia e segurança. Seus efeitos estrogênicos e antiestrogênicos devem ser mais bem estudados, e a relevância de seu potencial papel terapêutico, assim como sua segurança, ainda não foi estabelecida (9, 12-14, 17, 19). A respeito da segurança de seu uso já temos o relato da possibilidade do surgimento de linfocitopenia transitória e sabemos que a ipriflavona inibe mecanismos enzimáticos de modo competitivo (CYP1A2 e CYP2C9), interferindo no metabolismo de vários medicamentos, como teofilina, derivados da cafeína, clozapina, olanzapina, tacrina, haloperidol, celecoxib, outros antiinflamatórios não-hormonais (AINH) e zafirlucaste (18). Portanto são necessários mais estudos de sua interação medicamentosa, principalmente com medicamentos de uso convencional em idosos, antes de propalarmos seu uso, o que já vem sendo feito de forma indiscriminada no Brasil, sem controle do Ministério da Saúde. Atualmente, para avaliarmos a eficácia de medicamentos na prevenção/ tratamento da osteoporose pósmenopáusica, analisamos sua capacidade de preservar e/ou aumentar a massa óssea, de reduzir a incidência de fraturas vertebrais e periféricas e as evidências existentes de sua ação terapêutica em publicações na literatura, com critérios rígidos de avaliação (Tabelas 1 e 2). Segundo esses critérios, o Food and Drug Administration (FDA) e vários consensos internacionais, inclusive o brasileiro (9, 10, 12, 14, 18-20) consideram aprovados para a prevenção e/ou tratamento desta doença os medicamentos relacionados na Tabelas 3 e 4. Portanto, analisando a ação dos Tabela 1 Critério usado para atribuir níveis de evidência em artigos Nível Critério 1+ Revisão sistematizada, ou metanálise, ou ensaio controlado randomizado 1 Um ensaio controlado randomizado com adequado poder 2+ Revisão sistematizada, ou metanálise, ou ensaio randomizado controlado nível 2 2 Ensaio randomizado controlado que não preenche critérios do nível 1 3 Ensaio clínico não-randomizado ou estudo de coorte 4 Estudo antes/depois, estudo de coorte com controle nãocontemporâneo, estudo caso-controle 5 Série de casos sem controle 6 Relato de caso ou séries com menos de dez pacientes Tabela 2 Graus de recomendação para guias de prática clínica Grau Critério Necessita de nível de A suporte de evidência 1 ou 1+ mais consenso* B C D Necessita de nível de suporte de evidência 2 ou 2+ mais consenso* Necessita de nível de suporte de evidência 3 mais consenso Qualquer baixo nível de evidência definida por consenso *Um apropriado nível de evidência é necessário, mas não suficiente, para assegurar o nível de recomendação; além disso, são requeridas as medidas definidas em consenso de especialistas. fitoestrogênios para a prevenção e o tratamento da osteoporose pósmenopáusica, segundo estas normas expostas no parágrafo anterior, podemos concluir que: 1. estudos epidemiológicos observacionais sugerem efeitos benéficos da isoflavona dietética na BMD (coluna vertebral e rádio) em mulheres pósmenopausadas (nível 1); 2. estudos mais bem controlados do uso Tabela 3 Medicamentos aprovados pelo FDA e consensos internacionais em 2003 para prevenção e tratamento da osteoporose pós-menopáusica Prevenção Tratamento Cálcio Cálcio Vitamina D Vitamina D TRH* TRH* Alendronato Calcitonina Risedronato Alendronato Raloxifeno Raloxifeno PTH *Estrógeno continua sendo uma opção razoável para prevenir fraturas e até para tratar osteoporose em mulheres que não toleram os bifosfonatos e que não têm risco aumentado para neoplasia de mama e doença cardiovascular. de fitoestrogênios não demonstraram, com segurança, que previnem a perda de massa óssea ou reduzem a incidência de fraturas em mulheres na pós-menopausa (nível 2); 3. faltam estudos com desenhos adequados em mulheres pósmenopausadas, principalmente de sua ação em tecidos sensíveis ao estrogênio (mama e útero); 4. sua biossegurança ainda não foi

demonstrada em longo prazo. Se forem usados, a monitorização deve ser contínua (grau b); 5. não foram estudados de modo adequado em mulheres prémenopausadas, no sexo masculino, nem em crianças e adolescentes (grau d); 6. Não há claras evidências de seu papel na prevenção da osteoporose nas mulheres pós-menopausadas (grau b); 7. não devem ser recomendados como terapêutica alternativa (aquela que não faz parte integral da medicina convencional) ou como suplemento nutricional para a prevenção da osteoporose na mulher pósmenopausada (grau b); 8. só pode ser considerada como terapêutica preventiva de segunda linha na mulher pós-menopausada (grau b). Este é um ponto de vista do guideline canadense sobre o manejo na osteoporose, não-compartilhado com o autor desta palestra, que defende a idéia de que a síntese de seu pensamento está condensada no item 7. Tabela 4 Eficácia antifratura dos tratamentos mais comuns para a osteoporose pós-menopausa (em adição aos efeitos do cálcio e/ou da vitamina D) com base em estudos duplo-cegos e placebo-controlados que utilizaram a incidência de fraturas como endpoint primário (modificado de Delmas, P. D. Lancet, v. 359, p. 2018-26, 2002) Medicamento Fratura Vertebral Quadril Alendronato +++ ++ Calcitonina nasal + 0 Etidronato + 0 Fluoreto ± - TRH +* ++** PTH +++ ++ Raloxifeno +++ 0 Risedronato +++ ++ Vitamina D e derivados ± 0 +++ = forte evidência; ++ = boa evidência; + = alguma evidência; ± = evidência duvidosa; 0 = sem efeito. *Evidências derivadas principalmente de estudos observacionais; **observado pela primeira vez em grande estudo randomizado, placebo-controlado, em 2002 (Women s Health Initiative). Artigo Original Referências 1. FONSECA, M. A. et al. Fitoestrogênios. Rev Ginec & Obst, v. 13, n. 3, p. 129, 2002. 2. ALBERTAZZI, P. Purified phytoestrogens in postmenopausal bone health: is there a role for genistein? Climateric, v. 5, n. 20, p. 190-6, 2002. 3. HAN, K. K. et al. Benefits of soy isoflavone therapeutic regimen on the menopausal symptoms. Obstet Gynecol, v. 99, p. 389-94, 2002. 4. SOMEKAWA, Y. et al. Soy intake related to menopausal symptoms, serum lipids and bone mineral density in postmenopausal Japanese women. Obstet Gynecol, v. 97, p. 109-15, 2001. 5. MEI, J. et al. High dietary phytoestrogens intake is associated with higher bone mineral density in postmenopausal but not premenopausal women. J Clin Endocrinol Metab, v. 86, p. 5217-21, 2001. 6. STARK, A.; MADAR, Z. Phytoestrogens: a review of recent findings. J Pediatr Endocrinol Metab, v. 15, n. 5, p. 561-57, 2002. 7. CHIECHI, L. M. et al. Efficacy of a soy rich in preventing postmenopausal osteoporosis: the Menfis randomized trial. Maturitas, v. 42, n. 4, p. 295-300, 2002. 8. EWIES, A. A. Phytoestrogens in the management of the menopause: upto-date. Obstet Ginecol, v. 57, n. 5, p. 306-13, 2002. 9. US PREVENTIVE SERVICES TASK FORCE (USPSTF). Postmenopausal hormone replacement therapy for the primary prevention of chronic conditions. Recommendations and Rationale. Rockville (MD): Agency of Healthcare Research and Quality (AHRQ) 2002/Oct. Ann Int Med, v. 137, n. 10, p. 834-9, 2002. 10. NIH CONSENSUS DEVELOPMENT PANEL ON OSTEOPOROSIS PREVENTION, DIAGNOSIS AND THERAPY. JAMA, v. 285, p. 785, 1999. 11. AMERICAN ASSOCIATION OF CLINICAL E N D O C R I N O L O G I S T S 2 0 0 1. Medical Guidelines for Practice for the Prevention and Management of Postmenopausal Osteoporosis. Endoc Pract, v. 7, p. 293, 2001. 12. MANAGEMENT OF POSMENOPAUSAL OSTEOPOROSIS. Position Statement of the North American Menopause Society. Menopause, v. 9, n. 2, p. 84-101, 2002. 13. BISKOBING, D. M.; NOVY, A. M.; DOWNS Jr., R. Novel therapeutics options for osteoporosis. Current Opinion in Rheumatology, v. 14, p. 447-52, 2002. 14. BROWN, J. P.; JOSSE, R. G. 2002 Clinical practice guidelines for the diagnosis and management of osteoporosis in Canada. Canadian Medical Association Journal, v. 167, suppl. 1, p. 1-34, 2002. 15. ALEXANDERSEN, P. et al. Ipriflavone in the treatment of postmenopausal osteoporosis. JAMA, v. 285, n. 11, p. 1482-8, 2001. 16. NITZAN-KALUSKi, D. et cols. Soy and phytoestrogens consumption and health policy hesitation or certitude. Harefuah, v. 141, n. 1, p. 61-6, 2002. 17. ROSEN, C. J. Restaurando ossos em envelhecimento. Scientific American Brasil, v. 11, p. 83-9, 2003. 18. SCOTT, G. N.; ELMER, G. W. Update on natural product-drug interactions. Am J Health-Syst Pharm, v. 59, n. 4, p. 339-47, 2002. 19. REGINSTER, J. Y. Ipriflavone supplementation for osteoporosis prevention and treatment? Medscape Ob/Gyn & Women s Health, 9/4/2002. 20. DELMAS, P. D. Treatment of postmenopausal osteoporosis. Lancet, v. 359, p. 2018-26, 2002. 13

Artigo de Revisão As síndromes paraneoplásicas musculoesqueléticas A relação entre neoplasias e doenças reumáticas pode ser dividida em manifestações musculoesqueléticas por invasão tumoral direta, incidência aumentada de câncer em pacientes com doenças auto-imunes e síndromes paraneoplásicas musculoesqueléticas. As síndromes paraneoplásicas musculoesqueléticas são o enfoque principal desse texto. Invasão tumoral direta Entre as neoplasias que causam manifestações reumáticas por invasão tumoral direta destacam-se as leucemias e os linfomas. A leucemia linfocítica aguda pode ocasionar dores ósseas e artrite por invasão direta dos ossos e articulações por células leucêmicas. Os locais mais comumente acometidos são as tíbias e os joelhos. Os linfomas não-hodgkin podem causar artrite principalmente de pequenas articulações também por invasão tumoral direta. Há relatos de metástases de tumores sólidos também causando artrite por invasão direta nas articulações (1). Risco de câncer nas doenças reumáticas auto-imunes A associação com um risco maior de câncer nas doenças reumáticas auto-imunes é relatada em diversos contextos. Essa associação é clinicamente importante, uma vez que o conhecimento de que uma doença auto-imune pode predispor um indivíduo ao câncer deve alertar o médico para sua pesquisa e detecção precoce. Também é importante que o médico esteja consciente de que determinados sintomas musculoesqueléticos podem ser sintomas paraneoplásicos de uma neoplasia oculta. A associação de dermatomiosite e polimiosite a risco aumentado de câncer é bem conhecida e bem estabelecida. O risco de câncer em pacientes com dermatomiosite varia entre 2,4 e 4,4. Nos pacientes com polimiosite o risco varia de 1,7 a 2,1. Várias neoplasias têm sido associadas a polimiosite e dermatomiosite, porém as neoplasias de mama, ovários e pulmões parecem ser mais freqüentes. A relação temporal entre dermatomiosite/polimiosite e câncer é variável. Há relatos de neoplasias precedendo ou surgindo após a doença muscular em até quatro anos. Essa associação temporal sugere que as miopatias inflamatórias podem, na realidade, representar uma manifestação paraneoplásica (2, 3). A síndrome de Sjögren (SS) é a doença reumática auto-imune mais fortemente relacionada a um risco maior de câncer. A SS está relacionada principalmente a risco aumentado de neoplasias hemolinfoproliferativas, principalmente os linfomas não- Hodgkin. O risco relativo de linfoma não-hodgkin em pacientes com SS é 44. Em pacientes acompanhados por dez anos, 4% a 10% desenvolvem linfoma. Os fatores preditivos para um maior risco de linfomas incluem presença de crioglobulinas e imunocomplexos, presença de glomerulonefrite, diminuição de IgM e aumento de β2 microglobulina (4). Estudos em pacientes com artrite reumatóide mostraram aumento no risco de linfomas Hodgkin e não-hodgkin. O risco relativo varia de 1,5 a 4. A presença de SS associada aumenta o risco relativo de neoplasias. É freqüentemente difícil Verônica S. Vilela separar os efeitos da doença e os do tratamento sobre o risco aumentado de câncer nos pacientes com artrite reumatóide. O uso de azatioprina está associado a risco aumentado de desenvolvimento de neoplasias hematológicas. Após 20 anos de estudos não foi verificado aumento no risco de neoplasias com o uso do metotrexato (5, 6). Em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico é controversa a associação com risco aumentado de câncer. Em alguns estudos, foi relatado um aumento de 1,5 a 2,6 no risco. As neoplasias mais envolvidas seriam as hematológicas, principalmente os linfomas Hodgkin e não-hodgkin. O aumento na incidência de câncer de colo de útero provavelmente está relacionado à atividade da infecção por HPV em virtude da terapia imunossupressora (7). O risco de câncer em pacientes com esclerodermia é aumentado em 1,5 a 2,4 vezes. As neoplasias de mama e pulmão são as mais freqüentes em pacientes com esclerodermia. O câncer de pulmão em pacientes com esclerodermia está associado à presença de fibrose pulmonar (7). As síndromes paraneoplásicas As síndromes paraneoplásicas são uma variedade de manifestações que se desenvolvem em pacientes com câncer resultantes de hormônios ou peptídeos produzidos por células tumorais ou por ativação de mecanismos auto-imunes. Sete a dez por cento dos pacientes com câncer têm uma síndrome paraneoplásica. A maioria das síndromes paraneoplásicas está associada a manifestações endócrinas e neurológicas. As síndromes paraneoplásicas musculoesqueléticas, embora menos Reumatologista do Hospital da Polícia Civil da Secretaria de Estado da Saúde (SES/RJ); Ambulatório de Colagenoses do Hospital Universitário Pedro Ernesto/Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE/UERJ). 14

freqüentes, compreendem uma variedade grande de manifestações. As síndromes paraneoplásicas musculoesqueléticas dividem-se em miopatias, artrites, vasculites e manifestações variadas. A polimiosite e a dermatomiosite em associação com neoplasias provavelmente resultam de ativação de mecanismos imunológicos pelos tumores desencadeando mecanismos paraneoplásicos. Entre as artrites paraneoplásicas, a poliartrite carcinomatosa é uma forma de poliartrite com acometimento de grandes e pequenas articulações. Ela pode ser diferenciada da artrite reumatóide por acometer indivíduos mais idosos, predominantemente nos membros inferiores, apresentar fator reumatóide positivo e melhorar com a retirada do tumor (8). Uma síndrome lúpus-símile com artrite, serosite e fator antinuclear (FAN) positivo foi descrita como manifestação paraneoplásica de linfomas. As vasculites como manifestações paraneoplásicas são mais freqüentemente associadas a leucemias e linfomas. O tipo mais comum de vasculite paraneoplásica é a vasculite leucocitoclástica. Vasculites sistêmicas também podem ser manifestações paraneoplásicas. A poliarterite nodosa está associada à ocorrência de tricoleucemia (hairy cell leukemia). Em uma série de 29 pacientes com granulomatose de Wegener, 14 tinham neoplasia. A relação com a polimialgia reumática não é confirmada; ela pode ou não representar uma síndrome paraneoplásica. Esses dados sugerem que é recomendável a pesquisa de neoplasia oculta em pacientes com vasculites sistêmicas (9). Entre as manifestações paraneoplásicas musculoesqueléticas diversas estão a osteoartropatia hipertrófica, a artropatia de Jaccoud, a distrofia simpática reflexa e a osteomalacia oncogênica, entre outras manifestações. A osteoartropatia hipertrófica é altamente associada a neoplasias pulmonares. Clinicamente ela é caracterizada por baqueteamento digital e edema doloroso nas extremidades. A osteoartropatia hipertrófica foi encontrada em 9,2% das neoplasias pulmonares, sendo o carcinoma broncogênico o tipo mais fortemente associado (9). Uma deformidade nas mãos semelhante à artropatia de Jaccoud foi descrita como manifestação inicial de carcinoma de pulmão. O quadro clínico é idêntico ao da artropatia de Jaccoud, no entanto faltam as manifestações de febre reumática. A artropatia de Jaccoud paraneoplásica melhora completamente com o tratamento do tumor e recidiva quando o tumor recidiva (10). A distrofia simpática reflexa também pode ser uma manifestação paraneoplásica. A ausência de melhora com medidas convencionais em um caso de distrofia simpática reflexa deve originar a suspeita de uma neoplasia oculta. A síndrome de fasciite palmar e poliartrite também pode ser manifestação paraneoplásica principalmente de neoplasias de ovário. A fasciite paraneoplásica geralmente é mais agressiva e a artrite, mais exuberante nos casos paraneoplásicos (11). Alterações cutâneas esclerodérmicas são manifestações paraneoplásicas em alguns casos de adenocarcinoma e tumores carcinóides. A síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, proteína monoclonal e alterações cutâneas) que acompanha uma forma de discrasia de células plasmáticas é clinicamente semelhante à esclerodermia (9). A osteomalacia oncogênica é síndrome paraneoplásica de tumores predominantemente benignos. As alterações ósseas são iguais às da osteomalacia não-neoplásica, porém melhoram completamente com a retirada do tumor (12). A eritromelalgia é caracterizada por ataques de dor severa nos membros inferiores acompanhados de eritema e calor, podendo ser primária ou secundária. Vinte por cento dos pacientes com a forma secundária têm uma doença mieloproliferativa. A única neoplasia não-hematológica associada foi o astrocitoma (13). Manifestações musculoesqueléticas podem representar a primeira queixa de uma síndrome paraneoplásica. É importante estar atento para a pesquisa de uma neoplasia oculta na presença de diversas manifestações reumáticas. Artigo de Revisão Referências 1. RENNIE, J. A. N.; AUCHERLONIE, I. A. Rheumatologic manifestations of the leukemias and graft versus host disease. Baill Clin Rheumatol, v. 52, p. 231, 1991. 2. SIGURGEISSON, B.; LINDELOF, B.; EDHAG, O. Risk of cancer in patients with dermatomyositis or polymiositis. N Engl J Med, v. 326, p. 363, 1992. 3. CHOW, S. F.; GRIDLEY, G.; MELLEMKJAR, L. Cancer risk following polymyositis and dermatomyositis: a nationwide cohort study in Denmark. Cancer Causes Control, v. 6, p. 9-13, 1995. 4. KASSAN, S. S.; THOMAS, T. L.; MOUTSPOULOS, H. M. Increased risk of lymphoma in sicca syndrome. Ann Intern Med, v. 89, p. 888-92, 1978. 5. CIBERE, J.; SIBLEY, J.; HAGA, M. Rheumatoid arthritis and the risk of malignancy. Arthritis Rheum, v. 40, p. 1580-6, 1997. 6. JONES, M.; SYMMONS, D.; FINN, J. 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Na Crista da Onda Rituximab em reumatologia Os avanços nos conhecimentos da regulação do sistema imunológico trouxeram a identificação dos mecanismos moleculares e celulares na fisiopatologia das doenças auto-imunes. Um exemplo é a participação dos linfócitos B em doenças como a artrite reumatóide (AR) e o lúpus eritematoso sistêmico (LES). O seu marcador de superfície, CD20, pode ser expresso por linfócitos pré-b e células B ativadas ou em repouso. Apesar do ainda limitado conhecimento do seu papel na fisiologia destas células, acredita-se que o CD20 possa participar da ativação e da diferenciação desse componente da imunidade humoral. Várias tentativas de utilização de anticorpos monoclonais contra o CD20 têm sido feitas nos últimos anos, baseadas na premissa de que, anulando seu marcador de superfície, esse tratamento possa reduzir o número de linfócitos B circulantes e seus produtos finais, os auto-anticorpos responsáveis por lesões tissulares. Um anticorpo monoclonal quimérico específico contra CD20 humano chamado rituximab tem sido amplamente estudado: ele resulta da fusão das regiões constantes de uma molécula de imunoglobulina IgG humana (responsáveis pelos efeitos biológicos dos anticorpos) com as porções variáveis de uma IgG de rato. Essa fusão permitiu aproveitar as regiões que contêm a especificidade na ligação com os antígenos, sem as indesejáveis reações alérgicas, tão comuns durante a administração de anticorpos de ratos em humanos. Desde 1997, o rituximab foi liberado pelo Food and Drug Administration (FDA) no tratamento dos pacientes portadores de linfomas não-hodgkin de células B. Sua introdução no arsenal terapêutico dessa doença resulta em redução acentuada da população de células B maduras e neoplásicas, sem afetar as células-tronco, em cerca de 70% dos pacientes. A dose preconizada é de 375mg/m 2 semanalmente, durante quatro semanas. A experiência em hematologia mostrou alta tolerabilidade. O surgimento de efeitos leves a moderados durante a primeira infusão, como febre, calafrios e hipotensão, cede à redução da velocidade de infusão. A incidência baixa de infecções oportunísticas também é notada e pode ser explicada pela limitada capacidade de interferir com os plasmócitos, conseqüentemente, com quase nenhum efeito nas moléculas de IgG do paciente. O passo seguinte foi a aplicação dessa droga no tratamento daqueles pacientes com doenças auto-imunes envolvendo os linfócitos B. A púrpura trombocitopênica idiopática (PTI) é uma alteração freqüente, sendo tratada com corticosteróides, imunossupressores, plasmaférese, danazol, gamaglobulinas e até mesmo com esplenectomia. A taxa de remissão permanente costuma ser alta com uma ou mais opções de tratamento. Aqueles pacientes que permanecem plaquetopênicos têm alto risco de sangramentos de grande monta. Em 2002, um grupo de 12 pacientes com recidiva de PTI foi tratado com rituximab. Quarenta e um por cento dos pacientes obtiveram uma remissão completa e outros 34%, remissão parcial. Os resultados também foram Francinne Machado Ribeiro satisfatórios na utilização dessa droga em uma criança de 18 meses, com quadro de aplasia imune de células vermelhas e anemia hemolítica auto-imune. Desde 2001, as publicações têm registrado trabalhos com o uso crescente do rituximab em portadores de LES. Os pacientes apresentavam evidências de atividade da doença a despeito do tratamento com corticóide e imunossupressores. Durante seu acompanhamento, permaneceram com depleção periférica de células B em até 16 meses, e redução significativa dos índices de atividade. Apesar da detecção de anticorpos antiquiméricos em alguns pacientes, sua tolerância e sua segurança foram animadoras. Alguns estudos também têm demonstrado bons resultados em portadores de AR refratários às drogas remissivas. O acompanhamento desses pacientes mostrou uma redução nos níveis da proteína C- reativa (PCR), além de melhora confirmada por métodos de rádio e ultra-sonografia. Seu efeito decorre da evidência de que os linfócitos B atuam com eficazes células apresentadoras de antígenos, além de, uma vez ativados, serem sítio de produção de citocinas. Apesar disso, as células B envolvidas na auto-imunidade são menos acessíveis aos efeitos do rituximab, o que explica porque seu uso isolado não é adequado no tratamento dessas doenças. De qualquer maneira, como toda droga nova, ele demanda maiores estudos e maior tempo de uso até que possamos incorporá-lo definitivamente ao arsenal terapêutico na reumatologia. Referências 16 1. GIAGOUNIDIS, A. A. N.; ANHUF, J; SCHNEIDER, P. et al. Treatment of relapsed idiopathic thrombocytopenic purpura with the anti- CD20 monoclonal antibody rituximab: a pilot study. Eur J Haematol, v. 69, p. 95-100, 2002. 2. SILVERMAN, G. J.; WEISMAN, S. 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Médica do Serviço de Clínica Médica do Hospital da Lagoa e professora assistente da disciplina de Reumatologia da Universidade Severino Sombra.

As mãos I Duas mãos nós temos Fazendo tudo, Já saberemos Com este estudo. Com dorso e palma Mais cinco dedos, Revelam a alma E seu segredos. Mas, é preciso Que os cinco dedos Sejam concisos, Não sejam tredos. São mãos carnudas E descarnadas, São mãos peludas E mãos peladas. São mãos macias Da burguesia, E calejadas, As trabalhadas, E, até enrugadas, Das empreitadas. Mãos ricas vão, Com anéis cheias; As pobres são Lisas e feias; Muitas estão Cheias de veias. As bem tratadas E delicadas, São mãos de zelo, São mãos-modelo! As que lidaram Numa cozinha Já se marcaram Com mil pintinhas. As que pintaram São mãos sardentas, Pois que alcançaram Mais de quarenta. De dedos longos, São de mondrongos Ou de parteira, II Mãos de primeira, De instrumentista, Ou de pianista. De curtos dedos, São de guris, São de brinquedo, São infantis. As mãos geladas Com frigidez, São desprezadas, São mãos sem vez! As procuradas Por toda a gente E idolatradas, São as mais quentes; São mãos que pulsam, São mãos que vibram, Mãos que convulsam, Desequilibram! As mãos que acenam Em cumprimento, São mãos que engrenam Bom sentimento; São fraternais, Cooperativas, Também cordiais E receptivas. Mas, as que acenam Na despedida São mãos que apenam A nossa vida, Pois nos provocam Imensa dor; Quando nos tocamos Males de amor; E, mais ainda, Na despedida, Quando se finda Mais uma vida; Tanto misturam As mãos às flores Quanto perduram As nossas dores III Quando estendidas, Palmas pra cima, Tristes, perdidas, Mãos sem estima, São de pedintes, São sem requintes, Vão esmolando, Se desolando... Elas se agitam, São mãos que gritam, Vêm da favela, Vêm lá do morro, E, todas elas, Pedem socorro!... Quando estendidas, Em forma de elos, Põem gente unida Em feixes belos; Tão bom seria Que se fizesse, De parceria, Qual numa prece, Uma corrente, que se ligasse, Completamente E que abraçasse, Tal qual jaqueta, Nosso planeta! Mãos espalmadas, Palmas pra frente, São mãos dotadas, São mãos clementes, Nossa Senhora, Em concessão, A quem implora O seu perdão! Quando de frente, Firme patente, Fazendo acerto Com um aperto; Ninguém engole O aperto mole, Nem mesmo a exalça: IV As mãos são falsas! Num firme aperto, Saudável acerto, Eis a expressão De uma união; Num só segundo, Reafirmação, Brota do fundo Do coração: As mãos são francas! São alavancas De muita ação, São construção! Reconhecendo Algum valor, Vão se batendo Com muito ardor; Vão sendo usadas Num aplaudir, Tão bem chegadas: Fazem sorrir! Palmas batidas Com emoção, São merecidas, É a conclusão! Palmas que batem: Mãos que emocionam! Que mais rebatem: Mãos que ovacionam! As mãos que alisam Com tanto ardor, São mãos que avisam Seu grande amor! As mãos que afagam, Que acariciam, Logo se embriagam E se extasiam; Apalpam tanto Corpos despidos Com doce canto Ou com gemidos... Palpam aqui, Palpam ali, V Até acolá, Pra chegar lá... Palpam na cama, Palpam no chão, Acendem chama No coração... Palpam na praia, Palpam nos cantos, Breve a quem caia, Preso em encantos... Sempre palpitam, Logo se agitam, As mãos dos que amam, Aos ventos aclamam Pelos favores Dos seus amores! As mãos que tocam Um instrumento, São mãos que invocam Tal sentimento, Que nos enleva O pensamento: Tira-o das trevas Por um momento! Do sacerdote, Aceso a archote, São mãos que rezam Em oração, E muito pensam Em um sermão; Também confessam Os pecadores, Enfim, professam Os confessores. As mãos maldosas São turbulentas, São criminosas, São mãos sangrentas, Mãos bem violentas, Que sempre agridem, São mãos cruentas E que transgridem, A direção: VI Vão contramãos! As de viúva São como luva Às do coveiro Ou funerário: O tempo inteiro Choram rosário! Do ilusionista, Um cabalista, Júlio César de Sá-Peixoto Uchôa Mágicas mãos, É o que elas são! Mãos dos doutores, Dos cientistas, Dos escritores, Trazem conquistas; São mãos que pensam E se condensam Na Evolução De uma nação! Mãos de pintores, Mãos de escultores, De desenhistas, São mãos de artistas, Que ao belo aclamam, Pronto o proclamam. As mãos que zelam, E aos bebes selam, Das mães, são mãos Que nem loçãos Para seus filhos, Pois lhes dão brilho; São mãos que velam, São mãos que apelam, Alto e bom som, Tudo de bom, Ao bom Jesus, A sua luz E o seu alento Aos seus rebentos! As mãos dos poetas São mãos seletas, São mãos que cantam, Que nos encantam; VII São mãos que inspiram, Mãos que suspiram; São mãos que falam, Que nos regalam; São mãos que sentem, Que se ressentem; Fazem retrato De tema abstrato, Brindam à beleza Da natureza; São mãos que sonham E que se enfronham, Sem mais receios, Em devaneios; Mãos que precisam Sempre florir, Pois amenizam Nosso existir! Com estas mãos, Com estes dedos, Todos irmãos, Galguei rochedos No meu caminho, Quebrei espinhos Muito lutei, Bem me esforcei, Com muito ardor, Com tanto amor... Enfim, venci! E consegui Chegar a ti... Mas, me perdi, Pois me acabei Morto por ti: Vivo, morri! Concidadãos do meu país, Em vossas mãos Porvir feliz, Repartir grãos É a diretriz, Somos irmãos, VIII Deus assim quis! Sem mais de mais, Eis os refrãos: Há mãos que choram; Há mãos que imploram; Há mãos que cantam; Há s que acalantam; Há mãos que gemem; Há mãos que tremem; Há mãos que sentem; Há mãos que mentem; Há mãos que falam; Há mãos que calam; Há mãos que afagam; Há mãos que esmagam; Há mãos que pedem; Há mãos que cedem; Há mãos que pensam; Há s que dão bençãos; Há mãos que acendem; Há mãos que prendem; Há mãos que sonham; Há s que envergonham; Há mãos que vibram; Há s que equilibram; Há mãos que ofendem; Há s que defendem. As mãos que tratam Nos arrebatam; Mãos que maltratam São mãos que matam! Imaculadas E mãos sagradas, Que longe ecoam, Pois abençoam, Sem empecilhos, Todos seus filhos, Quer sejam crentes Ou mesmo ateus, São tão-somente... As mãos de Deus!! Amenidades 17

Atualização Terapêutica 18 Progressos no controle da dor lombar Magnitude do problema Desde os primórdios da medicina tenta-se tratar o mais freqüente dos sintomas: a dor. Esta é uma condição cotidiana, que expressa o sofrimento humano em suas mais variadas formas. Durante as últimas duas décadas temse evidenciado, de modo sistemático, que o seu entendimento e o seu controle podem ajudar a humanizar o atendimento, bem como a melhorar os resultados em grande parte das abordagens terapêuticas em especial na cirurgia, no câncer e em doenças osteoarticulares (1). Na maioria das vezes, a dor está associada a grande número de doenças conhecidas e, com freqüência, é causa de seqüelas psíquicas e somáticas (2). Em estudo epidemiológico extenso sobre prevalência de sintomas na comunidade, a dor foi a segunda queixa mais freqüente entre as 38 pesquisadas, ficando atrás somente das queixas menstruais, e, na maioria das vezes, mostrou ser o fator desencadeante de procura pelo serviço médico (3). No entanto, o que se tem observado é que a dor não é tida como um problema a ser combatido com medidas específicas e efetivas, apesar de semelhante postura já ter sido reiteradas vezes considerada inaceitável tanto do ponto de vista científico quanto ético pelos mais diversos comitês e conselhos de saúde (4). Mesmo assim, a incidência de dor em pacientes internados ainda é alta, de 30% a 50% de dor moderada até intensa nas publicações recentes (5, 6). Note-se que os principais problemas apontados relacionam-se à falha na formação do médico e na abordagem do problema por esse profissional (7, 8). Apesar dos avanços obtidos na área de cuidados no controle da dor, a defasagem, no Brasil, ainda é significativa, em particular por tratar-se de problema complexo, que envolve soluções multidisciplinares. A falta de tradição na área de saúde para o trabalho em equipe tem gerado dificuldades em se propor e organizar serviços intra-institucionais, que envolvam várias especialidades com estruturas e objetivos únicos. Isso ainda é um desafio mesmo em países desenvolvidos, como nos EUA, onde só 42% dos hospitais contam com clínica de dor e com programas multidisciplinares, apesar de os resultados demonstrarem inequivocamente o significativo benefício aos pacientes e a redução de custos para as instituições que implementaram esses serviços (9, 10). Em nosso país, muito pouco tem sido feito por parte das instituições de ensino, do governo e da saúde suplementar no sentido de minimizar esse problema. Observe-se que poucas escolas médicas têm no currículo disciplinas que abordem o assunto com a relevância que merece. Acresce-se a isso que se tem ainda um dos mais baixos índices de utilização per capita de opióides, posto que o número de profissionais médicos habilitados junto à Vigilância Sanitária para prescrevê-los é baixo (< 2% do número total de médicos) (11). Os serviços de dor restringem-se a poucos hospitais universitários, onde, em geral, são organizados por iniciativas pessoais ou de alguns profissionais interessados no assunto, em sua maioria com o objetivo de tratar a dor crônica. José Ribamar Moreno Esses dados podem indicar um baixo nível de preocupação dos agentes de saúde em tornar efetivo o controle do sofrimento dos pacientes, o que expressa, por conseguinte, o caminho oposto a todos os esforços que se têm feito no sentido de humanizar o atendimento (12). Importância do controle da dor O controle da dor, que se restringiu, no passado, a um dos cuidados oferecidos ao paciente com câncer terminal, para a boa prática médica, hoje, deve fazer parte obrigatória dos cuidados prestados a todos os pacientes. Recentemente, em julho de 2002, o Comitê das Organizações de Acreditação dos Cuidados em Saúde (JCAHO) incluiu o controle da dor entre os oito parâmetros a serem avaliados para se julgar a qualidade no atendimento hospitalar, o que reforça a importância do tema e a necessidade de melhoria da abordagem por parte dos profissionais de saúde (13). Em levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) realizado nos dez países desenvolvidos que mais consomem opióides, principalmente a morfina, verificou-se, a partir de registros consistentes, que estes foram utilizados em até 90% das vezes para alívio da dor causada por doença não-neoplásica e que houve aumento significativo do consumo no período de 1976 a 1992, mostrando variação desse incremento de 198% a 3.318% por país. Esse fenômeno aconteceu porque os estudos desenvolvidos na área de dor têm demonstrado, de forma consistente, que todo quadro de dor, Responsável pela Clínica de Dor do Hospital Mário Lioni; mestre em Clínica Médica e Reumatologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); anestesiologista com título de Atuação em Dor pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia/Associação Médica Brasileira (SBA/AMB).