Palavras-chave: Golpe de 1964, ditadura militar, Atos Institucionais



Documentos relacionados
Período Democrático e o Golpe de 64

50 ANOS DO GOLPE MILITAR

Na ditadura não a respeito à divisão dos poderes (executivo, legislativo e judiciário). O ditador costuma exercer os três poderes.

QUARTA CONSTITUIÇÃO (A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO NOVO)

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

PERÍODO MILITAR (1964/1985) PROF. SORMANY ALVES

FERNANDO DE OLIVEIRA SIKORSKI OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968

Getúlio Vargas e a Era Vargas

1º - Foi um movimento liderado pela BURGUESIA contra o regime absolutista. 2º - Abriu espaço para o avanço do CAPITALISMO.

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE 2015

EFICÁCIA E APLICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

ESTATUTO DO GRÊMIO ESTUDANTIL

Período pré-colonial

CRISE E RUPTURA NA REPÚBLICA VELHA. Os últimos anos da República Velha

CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO ECONÔMICO CONCEITO DE DIREITO ECONÔMICO SUJEITO - OBJETO

Revolução de Fatores: Crise de Movimento Tenentista. Resultado das eleições.

INTERVENÇÃO FEDERAL ARTIGO 34 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

ARTIGO: Efeitos (subjetivos e objetivos) do controle de

FIXAÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES PELOS MUNICÍPIOS MÁRCIO SILVA FERNANDES

Aula 14 Regime Militar Prof. Dawison Sampaio

VESTIBULAR ª Fase HISTÓRIA GRADE DE CORREÇÃO

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

REGIMENTO INTERNO CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS

AULA 04 CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

Os Direitos Humanos no debate parlamentar da Câmara dos Deputados nos anos da ditadura militar ( )

REVOLUÇÃO FRANCESA. Por: Rodrigo A. Gaspar

Empresa como Sistema e seus Subsistemas. Professora Cintia Caetano

Capítulo 1 - O Diretório Acadêmico

HISTÓRIA DO LEGISLATIVO

O Regime de Exceção 1964/67 e o AI-5

REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO MUNICIPAL DO IDOSO CAPÍTULO I DA DENOMINAÇÃO, SEDE, DURAÇÃO E FINALIDADE

Perguntas e respostas sobre a criação do Funpresp (Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos)

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÂO DEL REI Secretaria Municipal de ADMINISTRAÇÃO Departamento de Recursos Humanos

Reportagem do portal Terra sobre o Golpe de 1964

Ditadura e democracia: entre memórias e história

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

RELACIONAMENTO JURÍDICO DO ESTADO BRASILEIRO COM INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS, NO QUE CONCERNE À EDUCAÇÃO

INFORMAÇÃO PARA A PREVENÇÃO

Validade, Vigência, Eficácia e Vigor. 38. Validade, vigência, eficácia, vigor

LEI COMPLEMENTAR Nº 97, DE 9 DE JUNHO DE Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.

PODER JUDICIÁRIO. PORTARIA Nº CF-POR-2012/00116 de 11 de maio de 2012

O CONTROLE INTERNO E A AUDITORIA INTERNA GOVERNAMENTAL: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

Excelentíssimo Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, DD. Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público:

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

REGULAMENTO DA COMISSÃO EXECUTIVA DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO REDITUS - SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROJETO DE REGULAMENTO DO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO NOTA JUSTIFICATIVA

Serviços de Saúde do Trabalho

PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL O ELEITOR E A REFORMA POLÍTICA

QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELO BANCO CENTRAL

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

Prof. Thiago Oliveira

COMITÊ DE INVESTIMENTOS DO

CONSELHO TUTELAR E AS MODIFICAÇÕES PROPORCIONADAS PELA LEI n /2012.

CÂMARA DOS DEPUTADOS CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICA E REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR

GUIA DE ESTUDOS INSS NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO FÁBIO RAMOS BARBOSA

Regulamento Genérico dos Núcleos da Associação Académica do Instituto Politécnico de Setúbal

A CRÍTICA AO ATO DE SUPERIOR E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo FESPSP PROGRAMA DE DISCIPLINA

PROPOSTA DE PROJETO DE LEI

ASPECTOS HISTÓRICOS: QUANTO A FORMAÇÃOO, FUNÇÃO E DIFULCULDADES DO ADMINISTRADOR.

Ministério da Educação Universidade Federal de São Paulo Campus Osasco REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DE GRADUAÇÃO DO CAMPUS OSASCO DA UNIFESP

Gestão Democrática da Educação

Convenção n.º 87 CONVENÇÃO SOBRE A LIBERDADE SINDICAL E A PROTECÇÃO DO DIREITO SINDICAL

Como estruturar empreendimentos mistos

PORTARIAS Nº E 1.546

Escola de Formação Política Miguel Arraes. Módulo I História da Formação Política Brasileira. Aula 2 A História do Brasil numa dimensão ética

FORUM PERMANENTE DA AGENDA 21 LOCAL DE SAQUAREMA REGIMENTO INTERNO. CAPITULO 1-Da natureza, sede, finalidade, princípios e atribuições:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

OAB 2ª Fase Direito Constitucional Meta 4 Cristiano Lopes

Reunião de Abertura do Monitoramento Superintendência Central de Planejamento e Programação Orçamentária - SCPPO

PROJETO DE LEI N.º 5.236, DE 2013 (Do Sr. Jovair Arantes)

MODERNIZAÇÃO E CULTURA POLÍTICA NOS CICLOS DE ESTUDOS DA ADESG EM SANTA CATARINA ( ) Michel Goulart da Silva 1

INSTRUMENTOS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL

Aulas 1 e 2 de Direito Eleitoral Professor: Will

Sociologia Movimentos Sociais. Colégio Anglo de Sete Lagoas - Professor: Ronaldo - (31)

APOSENTADORIA INTEGRAL X INTEGRALIDADE

Enquadramento das leis e dos regulamentos administrativos. Nota Justificativa. (Proposta de lei) 1. Necessidade da elaboração da presente lei

Outrossim, ficou assim formatado o dispositivo do voto do Mn. Fux:

Dúvidas e Esclarecimentos sobre a Proposta de Criação da RDS do Mato Verdinho/MT

O Servidor Celetista e a Estabilidade

CONSELHO DE GESTORES MUNICIPAIS DE CULTURA DE SANTA CATARINA CONGESC

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO PERÍODO DA DITADURA NO BRASIL: E A COMISSÃO DA VERDADE

CONVENÇÃO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA A REPÚBLICA DA TUNÍSIA

Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos Abril Julho/2006

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

PARECER N.º 81/CITE/2012

PROPOSTA DE PROJETO DE LEI

Cópia autorizada. II

Unidade 3: A Teoria da Ação Social de Max Weber. Professor Igor Assaf Mendes Sociologia Geral - Psicologia

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 378 Distrito Federal

LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS (Lei n /95)

RESOLUÇÃO N 83/TCE/RO-2011

RESOLUÇÃO Nº 20/2012, DE 14 DE AGOSTO DE 2012

CONCURSO PÚBLICO VESTIBULAR/2015

O Marketing Educacional aplicado às Instituições de Ensino Superior como ferramenta de competitividade. Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx

COLEGIADO DE FISCAIS DE TRIBUTOS, AUDITORES FISCAIS E TÉCNICOS DA TRIBUTAÇÃO DA AMOSC REGIMENTO INTERNO

Transcrição:

OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968 Fernando de Oliveira Sikorski Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira Palavras-chave: Golpe de 1964, ditadura militar, Atos Institucionais Quase meio século após o movimento golpista civil-militar que apeou do poder o Presidente da República constitucionalmente nele investido, os debates acerca daquele momento histórico vêm sendo tratados com interesse e atenção, em teses acadêmicas, discussões políticas, e mesmo em programas de televisão e matérias da imprensa escrita. O interesse pelo tema, que em verdade nunca deixou de suscitar defesas apaixonadas, tanto por parte daqueles diretamente envolvidos nos acontecimentos, como por observadores atentos às disputas envolvendo a conquista do poder político, pode ser também compreendido num momento em que as eleições para a presidência da República são disputadas por dois personagens históricos que, de modos diferentes, foram contestadores da ditadura militar, tendo, ambos, sofrido graves conseqüências pelas suas posições escolhidas. Esse fenômeno já havia sido observado quando da efeméride dos quarenta anos do Golpe de 1964, onde Carlos Fico apontava algumas razões para o aumento de interesse do tema, como a superação de velhos mitos e estereótipos ligados à memória histórica do golpe graças a uma profissionalização das pesquisas históricas referentes ao assunto, bem como a um desprendimento político possível graças ao distanciamento histórico da época dos acontecimentos. 1 Portanto, o estudo de temas relativos ao golpe militar de 1964 reveste-se de grande importância acadêmica, pois possibilita um prolífico estudo histórico (e historiográfico), com uma pesquisa acerca de um tema complexo, em que há inúmeras questões controversas, algumas as quais serão abordadas diretamente no presente trabalho, enquanto outras serão contempladas no sentido de conferir inteligibilidade às ideias propostas. Nesse sentido, serão analisados os textos de fontes primárias (Os Atos Institucionais de nº.s 01, 02 e 05, especialmente, seus preâmbulos e seus artigos), fazendo a crítica destas fontes, relacionando-as aos momentos de sua produção e a conjuntura histórica em que foram produzidas e em que haveriam de se fazer sentir seus efeitos, bem como às posições já defendidas pela historiografia referente ao tema, no que se refere aos significados político-institucionais desta produção normativa. A definição do recorte temporal escolhido baseia-se na percepção de muitos autores que tratam do período, de que esta primeira fase da ditadura militar representou um processo gradual do seu endurecimento, afastando o que seria o objetivo inicial do movimento que derrubara o governo João Goulart, em constituir somente um governo de transição, devolvendo o país à ordem democrática, inclusive com realização de eleições, uma vez apeados do poder os elementos subversivos, vistos como ameaças à segurança 1 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. In: Revista Brasileira de História, vol. 24, nº 47. São Paulo, 2004, p.02.

nacional. 2 Aqui, também serão tratadas as intenções dos golpistas, sobretudo os militares que se arvoraram em classe dirigente. Serão procuradas evidências de que os atos legislativos e administrativos tomados pelos governos militares do período já apontavam para a sua intenção de continuidade no poder desde os primeiros momentos da sua instalação, podendo aí se falar de um projeto pela opção de um governo militar mais duradouro 3. Ou, se inversamente, os militares foram paulatinamente observando, segundo sua própria análise subjetiva, a necessidade de tomar as medidas que garantissem a segurança nacional (com a sua continuidade no poder), não permitindo a utilização do espaço político pelos elementos e setores que haviam sido derrubados pelo golpe de 1964, tampouco pelos novos atores políticos que questionavam a ordem estabelecida (estudantes, grupos de luta armada). 4 Outro ponto a ser estudado para a compreensão do objeto pesquisado é o reflexo das medidas tomadas pelo regime na sociedade civil e a sua reação por parte desta, pois a partir desta dialética será possível observar e interpretar muitos fenômenos históricos relativos ao período estudado. O Golpe de 1964, que derrubou o governo constitucionalmente instalado no poder por meio das eleições de 1960, representa o resultado de um processo histórico complexo, havendo considerável número de trabalhos e análises sobre as razões que levaram amplos setores (civis e militares) da sociedade brasileira a desejarem e a efetivamente se engajarem na derrubada do Presidente João Goulart. Esta diversidade de trabalhos, que, em suas teses, apresentam entre si uma característica mais próxima à complementaridade de informações do que de antagonismo, cada qual formulando hipóteses que pretendem contribuir com o entendimento sobre este processo histórico, aponta que para o desfecho do movimento civil-militar incorreram condicionantes estruturais, processos conjunturais e episódios imediatos (factuais). 5 Assim, são considerados como causas do golpe tanto o contexto internacional da Guerra Fria, como a necessidade de desenvolvimento do capitalismo brasileiro (condicionantes estruturais), a divisão da sociedade em torno do projeto de Reformas de Base proposto pelo Presidente João Goulart e a guinada deste à esquerda do espectro político, conhecida como radicalização (processo conjuntural), e ainda episódios factuais como a Revolta dos Cabos e Marinheiros no Rio de Janeiro, o Comício da Central do Brasil e o discurso presidencial no Automóvel Clube, que também podem ser vistos como um processo conjuntural de corrosão da autoridade militar e desafio à hierarquia existente nas Forças Armadas. De todo modo, o objetivo principal e imediato de todos os setores contrários ao governo era tirar Jango, para, em seguida, fazer uma limpeza nas instituições. 6 Uma vez vitorioso o golpe, fazia-se necessária, portanto, a tomada de medidas que desmantelassem o aparato governamental deposto, justificando a posição adotada, bem como indicando minimamente a direção política desejada para a nação, pelo grupo agora investido no poder, especialmente o setor militar, que direta e efetivamente depusera o Presidente da República. 2 BORGES, Nilson. A doutrina de segurança nacional e os governos militares. In: O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 22. 3 SKIDMORE, Brasil, de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1988, p.11. 4 CRUZ, Sebastião Velasco; MARTINS, Carlos Estevam. De Castelo a Figueiredo: uma incursão na préhistória da abertura. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (orgs.). Sociedade e política no Brasil poós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983, pp.14/15. 5 FICO, op.cit., p.15. 6 D ARAUJO, M.C. et alli (Org.). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume- Dumará, 1994, p.18.

A legislação de emergência que deveria conferir legalidade e legitimidade ao novo regime apresentou, como marco inicial, um Ato Institucional, sem numeração, mas que, em função da edição posterior de novos atos similares, acabaria se tornando conhecido pela historiografia como Ato Institucional nº 01, ou, simplesmente AI-1. O Ato Institucional nº 01 foi assinado no dia nove de abril de 1964 pelo general Arthur da Costa e Silva, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia e Melo e o vicealmirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald, 7 que constituíam a liderança do Comando Supremo Revolucionário anunciado como o novo poder de facto no país, após a queda de Jango e que foram efetivamente nomeados como os três novos ministros militares pelo Presidente da Câmara Ranieri Mazzili, que era o substituto legal de João Goulart, nos termos da Constituição vigente, datada de1946. A sua elaboração é atribuída ao jurista Francisco Campos, que havia sido autor da Constituição de 1937, na consolidação ditatorial do Estado Novo de Getúlio Vargas, e cuja experiência legislativa e autoritária se faria novamente presente 8, e por Carlos Medeiros da Silva, um advogado de posições extremamente conservadoras. 9 Em seu preâmbulo, o AI-1 10 afirmava que o movimento civil e militar que derrubara o governo João Goulart era uma autêntica revolução e que representava o interesse e a vontade de toda a nação brasileira e que se destinava a assegurar ao novo governo os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil. 11 Em relação à legalidade do Ato, que se constituía em preocupação dos novos dirigentes, receosos de parecerem estar utilizando de instrumentos não previstos no ordenamento jurídico brasileiro, a solução encontrada foi no sentido de que a revolução vitoriosa se investia no exercício do Poder Constituinte e, assim, detinha a força normativa inerente àquele poder, podendo editar normas jurídicas, sem que nisto estivesse limitada pela normatividade anterior à sua vitória. 12 Uma vez legitimado, o Ato exprimia seu conteúdo através de artigos que em síntese podem ser resumidos por meio das seguintes medidas: Ficava mantida a Constituição de 1946, com as modificações feitas pelo Ato, o Congresso permaneceria em funcionamento, com as limitações elencadas no Ato, ficaram suspensas as garantias de estabilidade e vitaliciedade, que serviu de base aos expurgos de funcionários públicos civis e de pessoal militar, seriam instaurados inquéritos e processos visando à apuração da prática de crimes contra o Estado 13, e finalmente a previsão da possibilidade de suspensão de direitos políticos e cassação de mandatos a nível federal, estadual e municipal 14. O general Castelo Branco foi eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, em 11 de abril de 1964, nos termos publicados dois (!) dias antes pelo AI-1, em seu artigo 2º. O começo de seu governo foi caracterizado pelos expurgos nos setores político, militar e do funcionalismo público, utilizando os instrumentos constantes do AI-1 e que 7 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora Vozes: Petrópolis, 1984, p..53. 8 GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.123. 9 SKIDMORE, op.cit., p.48. 10 Nota do Autor: Todos os textos legais, a não ser que haja indicação em contrário, foram extraídos de CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE, Hílton Lobo. Atos Institucionais, Atos Complementares, Leis Complementares. São Paulo: Editora Atlas, 1971. 11 CAMPANHOLE, op.cit., p.09. 12 Idem. 13 Na prática, esse artigo originou os IPMs- Inquéritos Policiais-Militares, utilizados sobretudo contra pessoas ligadas ao governo João Goulart e aos movimentos sociais a ele ligados. 14 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 10-12.

ficaram conhecidos como Operação Limpeza, tendo por base doutrinária a Doutrina de Segurança Nacional. 15 Do ponto de vista econômico, o governo Castelo Branco pode ser classificado como revelador de um modelo de programa internacionalista-liberal, influenciado pelos políticos e tecnocratas ligados à UDN (União Democrática Nacional), que participaram ativamente do golpe contra Jango e agora desejavam modificar as bases econômicas brasileiras, inserindo o país no modelo econômico associado ao grande capital internacional. Assim, em virtude do aparato repressor político-policial instaurado e das medidas severas adotadas no plano econômico, o governo Castelo Branco enfrentou desde cedo oposição de setores que lhe tinham ajudado a chegar ao poder, como parte da mídia e da classe política. Ainda assim, ao final do prazo de validade dos poderes extraordinários do primeiro Ato Institucional, o governo acenava com a possibilidade de uma volta à normalidade constitucional, inclusive respeitando o calendário eleitoral, com a realização de eleições diretas para a escolha de 11 governadores, entre eles os dos estados da Guanabara e de Minas Gerais, em outubro de 1965. 16 O resultado das urnas, com a derrota do governo para políticos identificados com o projeto político derrubado em 1964 nesses estados-chave, aliados às derrotas governistas no Congresso Nacional e a elevação do tom das críticas da oposição, além da pressão de setores militares pela volta dos poderes de exceção previstos no AI-1 e já extintos, com a finalidade de garantir o êxito da Revolução, levou o General Castelo Branco a decretar o Ato Institucional nº 2, em 27 de outubro de 1965. O preâmbulo do Ato procurava justificar a necessidade das medidas dele constantes, como a ameaça à ordem revolucionária e a consideração de que o Poder Constituinte da Revolução existe para assegurar a continuidade da obra a que se propôs. 17 As medidas adotadas no AI-2 podem dividir-se em três categorias: aquelas destinadas a controlar o Congresso Nacional, com o conseqüente fortalecimento do Poder Executivo, as que visavam especialmente o Judiciário, e as que deveriam controlar a representação política. 18 No primeiro caso, podemos citar o retorno do poder de cassar mandatos e suspender direitos políticos, no segundo a extensão do foro militar aos civis nos crimes contra a segurança pública e no terceiro, a extinção dos partidos políticos e a adoção de eleições indiretas para a Presidência da República. 19 O general Arthur da Costa e Silva tomou posse em 15 de março de 1967 (havia sido eleito por um colégio eleitoral em 3 de outubro de 1966), prometendo um governo de restabelecimento da democracia. Em verdade, os dispositivos da Carta Magna de 1967, adicionados à normatização feita desde 1964, conferiam enorme poder ao Presidente da República, tanto para repressão política e garantia da segurança pública, como para tratar de matéria econômica. De todo modo, a oposição, agora organizada em um único partido 20, procurava instrumentos de aumentar sua participação política, resistindo a votar incondicionalmente a todos os projetos de lei oriundos do governo. Também em resposta à centralização política, contestando as decisões do regime, formou-se a Frente Ampla, reunindo diversos líderes civis, como Carlos Lacerda e os ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubistchek. O clima de enfrentamento ao governo não vinha só do meio político, mas também de movimentos sociais como o operário, mas, principalmente, do movimento estudantil: 15 ALVES, op.cit., p. 56. 16 Idem, p.80. 17 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 14. 18 Ibidem, p.91. 19 CRUZ, e MARTINS,op.cit., p.22. 20 MDB- Movimento Democrático Brasileiro

intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente o dos universitários, contra a ditadura. Neste clima de enfrentamento político e social, o Presidente optou por alinhar-se a setores que propagavam a existência de ameaça aos ideais revolucionários e que exigiam medidas duras para a sua defesa, outorgando o Ato Institucional nº 5. O AI-5 foi decretado pelo Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva, após reunir-se com os membros do Conselho de Segurança Nacional, que era formado pelo próprio Presidente da República, pelo Vice-Presidente da República, pelos ministros de Estado e pelo chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). O preâmbulo do Ato Institucional nº 05 procurava enumerar os motivos pelos quais ele foi produzido e decretado, servindo assim para justificar a tomada das medidas que constituíam os artigos do seu texto legal. Desta forma, observa-se em primeiro lugar, o objetivo de não se perder de vista os objetivos da revolução de 64, que impôs ordem à nação, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições do povo brasileiro 21, afirmando, ainda o caráter permanente daquele movimento revolucionário, cujo desenvolvimento não poderia ser detido por forças contra-revolucionárias. Necessário, portanto, a adoção de medidas que impedissem que fossem frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do país, comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária. 22 O AI-5 autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a: decretar o recesso do Congresso Nacional, intervir nos estados e municípios, cassar mandatos parlamentares, suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão, decretar o confisco de bens considerados ilícitos, e suspender a garantia do habeas-corpus. Além disso, ao contrário dos outros Atos Institucionais, o AI-5 não tinha prazo de vigência definido, o que fazia com que sua eficácia seria extinta apenas segundo as conveniências dos mandatários do regime. Desta forma, o AI-5 foi a expressão mais emblemática da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. O estudo do texto dos Atos Institucionais, e a sua aproximação com a historiografia existente sobre o período estudado, nos indicam, em um primeiro momento, a preocupação dos militares investidos no poder em assegurar o afastamento dos grupos políticos afastados pelo Golpe de 1964, e, em seguida, assegurar a manutenção do projeto revolucionário, fundamentado especialmente na Doutrina de Segurança Nacional e que, demandaria, portanto, a continuidade do grupo castrense no poder. Não é possível, entretanto, afirmar que essa opção de manutenção do poder político já estivesse presente desde os primórdios do movimento que derrubou Jango, ao menos para todas as diversas correntes militares, que, longe de representarem um todo homogêneo, possuíam formas diferentes de abordagem acerca do projeto político desejado para o país. De todo modo, é inegável que os Atos Institucionais de nºs 1, 2 e 5 representaram momentos de recrudescimento do regime, em que foram tomadas medidas severas para controle e repressão política e social, e o AI-5, por sua vez, longe de representar o ápice ditatorial do período militar, significa, efetivamente, o começo do período de violência (institucional, política, social e policial) mais exacerbada. 21 CAMPANHOLE, op. cit., p.23. 22 Idem.