Princípios coletivo Ativismo ABC



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Transcrição:

Princípios coletivo Ativismo ABC

princípios do coletivo ativismo abc Neste momento lançamos os Princípios do Coletivo Anarquista Ativismo ABC, publicação que é fruto de debates internos que tivemos ao longo de quase 3 anos. A ideia de escrever os princípios do coletivo surgiu porque não havia uma comunhão do que entendíamos sobre os princípios do anarquismo que já seguíamos e porque alguns dos nossos princípios não vinham diretamente do anarquismo clássico, mas de um modo de vida não-capitalista confluente com o anarquismo, como a agroecologia. Foi um processo demorado porque em cada Teorismo (como chamamos estes debates internos) discutíamos cada ponto, líamos em conjunto, reescrevíamos, num processo quase sem fim. Ter a formulação dos princípios era necessário para sermos entendidas tanto externamente (frente a outros grupos e organizações) quanto internamente (novas membros e frequentadoras da Casa da Lagartixa Preta). Desta maneira, disponibilizamos os princípios do Coletivo Ativismo ABC e estamos dispostas a debater e conversar sobre eles caso necessário. Boa Leitura! Nota sobre a linguagem de gênero utilizada neste texto: este texto está redigido de forma neutra sem o uso de X, @ ou *, buscando superar o machismo existente na língua portuguesa e ao mesmo tempo facilitar a leitura. Trataremos o sujeito sempre como pessoa. Portanto, sempre que fizermos referência a pessoa ou pessoas, usaremos o feminino, pois a palavra pessoa é feminina em português. Nota sobre ferramentas livres usadas para edição deste fanzine: rede social WE, pad, libreoffice, linux, etc. Compartilhamos da proposta de organização e autonomia que os grupos que desenvolvem essas ferramentas têm. Incentivamos os grupos políticos a usarem essas ferramentas e colaborarem nesse trabalho que é tão importante para nós. Muitas das nossas conquistas quanto a organização de eventos coletivos, edição de textos, difusão e debates de ideias, devemos a esses grupos. Valeu demais! Contatos: ativismoabc@riseup.net www.ativismoabc.org

Horizontalidade A horizontalidade pode ser definida como a ausência de hierarquia dentro de uma relação, ou seja, uma maneira de se relacionar em que um elemento não possui mais poder que o outro. Em busca da horizontalidade, chegamos a conclusão de que nosso coletivo está hoje numa diagonal com tendência horizontal. Explicaremos aqui o porque disso. Um dos elementos chave da autogestão é a participação política dos membros e sua capacidade de influir na construção coletiva. Nesse sentido, temos como princípio a horizontalidade em termos de graduação igualitária para a participação irrestrita de todos os membros do coletivo em seus processos. Todos os membros do coletivo tem o mesmo potencial (em termos de potencial e abertura do coletivo) para propor, fazer, questionar, sugerir, transformar, participar, se expressar. Mas há um princípio que não pode ser ignorado por conta da ideia de igualdade, que é o da diferença; embora todas tenham igual liberdade para serem, estarem, tornarem-se, agirem e influenciarem o coletivo, cada uma o faz a partir de suas próprias demandas, desejos, capacidades, gostos, talentos e experiências diversas que tiveram em suas vidas. Nesse sentido a experiência do Ativismo ABC indica que diferentes pessoas terão diferentes conhecimentos, práticas, opiniões e capacidades a respeito de diferentes assuntos e que aquelas que melhor se expressarem em cada área tendem a apresentar um saber e um poder maior sobre essa determinada área ou assunto. É isso que resulta no que chamamos de efeito diagonal de nossas relações. Exemplos disso podem ser encontrados na própria divisão de comitês e subgrupos na organização coletiva: o comitê que cuida de certo assunto terá mais voz sobre ele que os demais não porque os demais não podem participar das decisões, mas porque as palavras dos membros do comitê terão mais legitimidade e poder de convencimento com base em sua experiência. Isso também vale para a relação entre pessoas mais velhas, mais antigas no coletivo ou mais experientes em algum assunto em relação às novatas. Como reestabelecer o princípio da horizontalidade perante essa situação quase vertical das relações de saber e poder em dado campo de ação? O primeiro ponto a ser destacado é a importância do respeito a quem tem mais experiência como forma de evitar tiranias. Porque o princípio da igualdade pode ser aplicado de maneira tirana no sentido de deslegitimar a experiência do outro, reclamando supostos direitos iguais àqueles que tem uma relação mais intensa ou antiga com o lugar ou a atividade em questão. Essa tirania da qual falamos muitas vezes acontece em organizações autonomistas cuja

participação de novos membros é aberta, onde algumas pessoas menos responsáveis pela organização em questão interferem em momentos chave sobre a decisão coletiva sem, no entanto, estarem dispostas a arcar com a responsabilidade da mesma decisão, seja por incapacidade, seja por irresponsabilidade. Ou seja, sugerem uma coisa, sem realmente entenderem as consequências dela, sem saber se já foi tentada antes, ou mesmo sem a real intenção de ajudar a realizá-la. Para evitar isso, consideramos que uma pessoa que participa pouco, se dedica pouco, precisa respeitar e atentar á opinião daquelas que participam mais e se dedicam mais o que não quer dizer que não possam ser questionadas, mas sim que não se deve ignorar que provavelmente estão mais por dentro do contexto do coletivo. Por outro lado, o princípio do respeito aos mais experientes pode prejudicar a distribuição horizontal das diferenças e levar, também, a tirania. Porque pessoas podem ter experiências diferentes sobre os mesmos assuntos e essas experiências podem, algumas vezes, se chocar ou serem fundadas em processos e perspectivas diferentes sobre a mesma questão. Ou seja, muitas vezes pessoas diferentes aprenderam maneiras diferentes de fazer alguma coisa, ou tem pontos de vista diferente sobre determinado assunto, porque aquilo que viveram (ou mesmo o que concluíram do que viveram) é diferente. Há ainda a possibilidade de uma ideia nova de uma pessoa com menos experiência ser bastante rica para somar a um modo já aceito de fazer determinada coisa, ou seu questionamento ser importante para se rever determinada ideia. Sendo assim, consideramos que as diversas sabedorias sobre um mesmo assunto não são, a princípio, maiores ou melhores em comparação uns aos outros, mas sim apenas diferentes. Qual deve ser a medida, então? Ora, os mais experientes em termos de participação em dado tempo e lugar precisam ser receptivos, saber equilibrar como malabaristas o conhecimento que já tem com o conhecimento que a outra lhe oferece quando vem participar. É preciso estar aberta para aprender com a outra e não julgar

que o conhecimento dela seja pior que o de uma ativista mais experiente naquele assunto. Para que uma perspectiva sobre determinado assunto não se torne a única perspectiva correta, é preciso equilibrar a balança diagonal e admitir que ela não é estática. O processo pode se dar através de diversas estratégias. Uma delas é: 1) congregar decisões a partir de uma assembleia (o que nós fazemos em nossa reunião quinzenal) 2) concentrar as decisões mais detalhadas no comitê específico (nós por exemplo temos Comitês para Horta, Comunicação, Biblioteca, etc). São dois momentos diferentes, que não podem entravar ou ignorar um ao outro. Cada caso deve ser pesado num fluxo que oscile entre essas duas instâncias. Assim conseguimos resolver alguns de nossos problemas. Explicando um pouco melhor: tomamos decisões gerais que consideramos importantes que sejam aprovadas/conhecidas por todas do coletivo nas reuniões onde todas estão presentes. Já as decisões e atividades mais relacionadas a determinado comitê e cuja realização não precise ser levada para a reunião geral(o que tornaria essa reunião super extensa e cheia de pautas que poderiam ser resolvidas por menos pessoas) são tomadas pelas pessoas dos respectivos comitês, que eventualmente levam as questões do comitê específico para a reunião geral, quando acharem necessário. É fundamental que os comitês ou outros grupos de pessoas dentro do coletivo não escondam informações dos demais membros. Caso contrário, a tendência à verticalização aumenta, devido ao acesso privilegiado que isso gera para certas informações. Outra estratégia que precisa de grande atenção é a transmissão de conhecimentos e sua relação com a tomada de decisões. Para que todas participem horizontalmente da tomada de decisões é preciso que aquelas que estiverem numa posição diagonal superior saibam transmitir seus saberes para as demais de modo a se equivalerem ou ao menos reduzir as assimetrias (ou seja, que aquela pessoa que domina mais sobre um determinado assunto transmita o que sabe aquelas que o desejarem, para que elas também passem a dominar esse assunto). Uma estratégia complementar é valorizar os saberes e fontes de saberes diversos e variados sobre um mesmo tema. É preciso saber expressar conhecimentos sem prejulgar a outra (porque o conhecimento do outro pode ser estranho ao nosso, mas não necessariamente falso) e valorizar o aspecto experimental, dando espaço para que a outra mostre sua visão divergente a partir da experimentação, do teste, da tentativa e erro. Caso os recursos (tempo, espaço, material, pessoas) forem escassos, a opção da tentativa e erro precisa ser repensada coletivamente. Isso depende

do risco que o coletivo está disposto a correr enquanto experimenta, debatendo o assunto e imaginando suas consequências. Em caso de discordância, é interessante e pedagógico quando possível tentar as diferentes alternativas para ver qual, afinal, convém mais ao coletivo. O processo criativo e de planejamento é fundamental para a construção da experiência e se fortalece quando feito coletivamente. É uma forma de sairmos da clausura de nossos pensamentos antes de tomar decisões. Assim as decisões se aproximam mais de contemplar a todas, ou seja, de atingir a horizontalidade. Por isso outro fundamento importante na busca da horizontalidade é o diálogo. Conversar sempre, falar e escutar sem irritação, com paciência, com silêncio mental e transformar suas palavras com base nas palavras do outro Porém, o diálogo não deve ser confundido com concordância cega, tampouco com um monólogo mascarado pela retórica. Entendemos o diálogo como algo que ultrapassa o sentido da fala, algo corporal-emocional que surge ao fazer e construir coisas em conjunto. Para que o saber e o poder sejam melhor distribuídos, é interessante que no processo coletivo as pessoas que pouco se expressam e tomam iniciativas explorem mais sua capacidade de argumentar, falem mais, coloquem suas ideias e as coloquem em prática, e aquelas que apresentam tendência de falar e fazer mais que as outras prestem atenção a isso, cedam espaços, deixem de falar quando se sentirem contempladas pela fala de outra pessoa (às vezes repetimos algo que já foi dito com nossas palavras, sem necessidade). Em suma, nós não vemos as relações de poder como algo estático nem dualista (vertical ou horizontal), mas como uma estrutura complexa em constante transformação que pode apresentar tendências à horizontalidade e à verticalidade. Acreditamos que quanto maior a capacidade de diálogo e de troca de saberes dentro de um coletivo, maior será sua tendência à horizontalidade.

Autogestão A autogestão é um modelo de gestão onde todos possuem igual capacidade de participação sem a existência de cargos hierárquicos. Todavia, a ausência de uma hierarquia decisória não implica a ausência de distribuição de responsabilidades e tarefas, nem o comprometimento das pessoas do coletivo. A ação coletiva passa a ser responsabilidade de todos e a autodisciplina passa a ser primordial, já que a falta de compromisso de uma pessoa afetará todo o coletivo. Portanto a participação política direta traz consigo a necessidade de dedicação e atenção ao ambiente em que estamos inseridas. Muitos acontecimentos que não encontramos nos livros de história são a prova viva das possibilidades que temos. O possível e o atingível não estão no âmbito de em quem podemos votar, quem pode nos representar, o que nos dizem que é possível, mas sim no de tomar a vida pessoal e social por próprias mãos para transformá-la. O que precisamos hoje é deixar de ter medo das outras, deixar de ter medo de tomarmos nossas vidas por nós mesmas. Isso implica arriscar e assumir responsabilidades (pois é:liberdade e responsabilidade caminham juntas), e também encontrar com as outras pessoas formas de construir uma vida melhor. O Ativismo ABC toma decisões coletivas e gere a Casa da Lagartixa Preta por meio da horizontalidade, colocando sempre em balanço as diferenças diagonais de participação e conhecimento. Buscamos o consenso sem ignorar o dissenso, através de assembleias, da distribuição de tarefas e divisão de comitês, do apoio mútuo entre os membros e os comitês, do façamosnós-mesmas e das buscas por incluir a diversidade de experiências e por criar relações amistosas. Nossa prática mostra que o fundamento da autogestão é uma busca contínua por romper com as formas dominantes de organização (que envolvem, também, as esferas do agir e do falar), pois não queremos mandar ou ser mandados. Queremos construir uma nova gestão em todos os âmbitos de nossas vidas, realizada em conjunto, autônoma e com o poder distribuído entre todas.

Anticapitalismo O capitalismo é um sistema hegemônico com base na propriedade que visa a produção, manutenção, proteção e acúmulo de capital através da manipulação e exploração de outros seres e recursos. No capitalismo, relações diversas de intercâmbio e dádiva são substituídas/dominadas por um grande circuito mediado pelo equivalente geral (dinheiro), que se consegue a partir da exploração e venda da força de trabalho. Tal equivalência é fundada numa ideologia do valor-trabalho e da condenação do ócio, sendo o lazer relegado aos momentos de consumo. As diferenças que aparecem como alternativas ao capitalismo são transformadas em produtos a serem consumidos, o que leva as pessoas a acreditarem que não existe outras alternativas. A moeda, contudo, não é mero produto de relações econômicas, mas um encontro entre estas relações e as relações de poder. É a constituição do poder na forma do Estado soberano, que garante através do monopólio da violência e coerção, também o monopólio da produção da moeda. Unifica, através dela, as diferentes esferas de circulação numa só rede de transmissão de mando e obediência, tornando-nos ao mesmo tempo servos e carrascos. Não existe neutralidade no fluxo monetário, pois o mesmo só faz sentido a partir da separação e quantificação de diversos aspectos de nossas vidas. A acumulação só é possível graças à avareza, à negação da gratuidade e à recusa a distribuir. Contra ela, a valorização da generosidade e das formas de circulação gratuita são alternativas. O Ativismo ABC tem como base, portanto, uma crítica prática ao capitalismo que envolve a experimentação e constituição de formas de produção e circulação não-mercantis. O anticapitalismo ao qual nos referimos se concretiza na proposta de uma economia baseada na dádiva e na reciprocidade. Além de sermos contrários à exploração das pessoas e à sua alienação, buscamos e incentivamos outras formas de convivência sem o intermédio do equivalente geral monetário, procurando intercâmbios mais próximos, diretos e pessoais. Isso passa, também, por transformações na relação entre consumo e produção através de outros circuitos relacionais. Em nossa horta comunitária experimentamos, a partir da agroecologia, uma relação diferente entre nós, as plantas e os outros seres. Além de buscarmos nos tornar ao mesmo tempo produtores e consumidores (ao participar do comitê da horta), distribuímos nossos frutos, verduras, folhas, raízes e ervas medicinais para aquelas que são vizinhas, parentes, amigas, frequentadoras ou participantes da Casa da Lagartixa Preta, com base na dádiva. A constituição desses circuitos não-mercantis é o processo contínuo de

potencialização da autonomia perante o capital e o Estado e em relação à cadeia monetária, de modo a constituir relações não fundadas no mando e na obediência. Fazemos da nossa presença no capitalismo um esforço de (re)transformar a mercadoria em dádiva. A constituição desses circuitos é fundamental para que qualquer relação com o capitalismo possa se tornar anticapitalista. Quanto mais estreitarmos a relação de produção e consumo dentro de uma esfera total de dádivas, mais estaremos numa construção de uma alternativa ao mercado e ao Estado. Existem práticas que consideramos mais próximas de estratégias de sobrevivência dentro do capitalismo, que objetivam uma vida com menor dependência do trabalho assalariado, provendo ociosidade para dedicação à práticas políticas mais autônomas. Redes gratuitas de trocas e reaproveitamento de alimentos que são descartados entram neste campo estratégico, que por fim podem ajudar muito na obtenção de tempo para projetos mais radicais e audaciosos. Mas não podemos confundir essas estratégias de sobrevivência com as estratégias de construção de autonomia política, social e ambiental. A estratégia de sobrevivência possibilita a construção da autonomia, mas mantém a dependência da produção capitalista. O capitalismo é um sistema poderoso que nos cerca nas mais diversas esferas da vida, enquanto for quase impossível livrar-se dele e durante o processo de constituição dos circuitos opostos a ele faz-se necessário transformar o que ele nos toma em algo que retorne a nós. Para trazer do capitalismo aquilo que ele tomou alimentos que desperdiça, produtos do trabalho que viram lixo, o trabalho alienado do prazer, terra para plantar e, principalmente as pessoas que ele concentra nas cidades é preciso compreender nossa relação com ele. Compreender seu poder, todavia, não torna as relações que temos com ele exclusivas podemos e desejamos outras relações e o processo de sua constituição é o princípio básico da luta contra o inimigo comum. Esta imagen esta inspirada en todas la luchas de resistencia y de construcción que surgen como una gran ola en una alternativa que lleve al capitalismo a su naufragio. Lesly Geovanni Mendoza

Educação Libertária A educação libertária é a produção, transmissão e recebimento de conhecimentos de forma autônoma, autogerida, horizontal, consensual e livre. Desse modo, a prática libertária questiona a institucionalização do saber através da escola. Isso porque ela faz as pessoas agirem conforme padrões hierárquicos, com fins de dominação que vão para além dos meios de distribuição de conhecimento. As escolas mantém e sustentam um modo de vida do qual desejamos nos libertar. Quando se parte de uma perspectiva libertária, qualquer relação com a escola deve ter esta percepção subjacente. Assim, é preciso criar urgentemente estratégias para lidar com a escola, já que a vida da grande maioria das pessoas passa por ela. Ainda que algumas de nós atuem dentro destas instituições enquanto estratégia política e também financeira, as práticas alternativas de educação são mantidas e difundidas pelo Ativismo ABC. Utilizamos tanto de saberes populares quanto acadêmicos, rompendo suas fronteiras. A ocupação de espaços institucionalizados deve buscar neles brechas para uma distribuição mais solidária e libertária do conhecimento. A educação libertária é um modo paralelo de ensinar, aprender, conhecer e viver para além das estruturas formais e burocráticas. Ela propõem o apoio mútuo, a solidariedade entre as pessoas considerando suas diferentes capacidades e necessidades, a fim de tornar possível um outro modo de organização e um outro modo de vida. Buscamos relações de poder e de saber que sejam contra a dominação, e portanto os saberes, para nós, não são colocados a serviço da exploração e controle de uma pessoa sobre a outra. Ao contrário, são compartilhados e vivenciados, para construir relações mais solidárias e livres. A educação libertária não separa trabalho e investigação, jogo e reflexão, teoria e prática, atividade manual e intelectual, paixão e responsabilidade. O compartilhamento desse conhecimento acontece, no cotidiano, nos grupo de estudos e cursos livres oferecidos na Casa da Lagartixa Preta assim como nas relações que mantemos com outras pessoas, coletivos e espaços. Alguns dos princípios da educação libertária que valorizamos são: Autonomia do saber: A imaginação, criatividade, curiosidade e raciocínio são características inerentes ao ser humano, que observa, reflete e tira conclusões sobre si mesmo e tudo ao seu redor, de acordo com necessidades

pessoais e/ou coletivas. Cada um de seus aprendizados envolve processos complexos de observar, sentir, refletir, teorizar e colocar as teorias em prática. Essa autonomia de aprendizagem ou autodidatismo pode envolver todas as pessoas, independente de idade, gênero, ou qualquer outras características. Autogestão do saber: Cada pessoa ou grupo de pessoas tem seus próprios interesses e necessidades sobre determinados assuntos. Elas também podem ter suas próprias formas de absorver conhecimento e criar teorias, ou podem optar por estudar teorias já existentes. Quem escolhe o que estudar (idiomas, corpo, animais, plantas, música, etc) e como estudar (individualmente ou em grupo, em silêncio ou com sons, parado ou se movimentando, lendo livros ou conversando com pessoas, etc) é a própria pessoa ou o grupo de pessoas (como um grupo de estudos, por exemplo) envolvidas no processo de aprendizagem. Na Casa da Lagartixa Preta, existem e já existiram grupos de estudos de diferentes temas: idiomas, comunicação não-violenta, cultivo de plantas, manutenção de bicicletas, políticas ameríndias, comunidades autônomas etc. Em cada um desses grupos, o estudo é planejado e executado coletivamente, de acordo com as demandas coletivas e através dos métodos propostos e escolhidos pelas pessoas participantes. Horizontalidade e consenso do saber: Não acreditamos que existam conclusões únicas e absolutas, mas conclusões criadas ou tomadas a partir de específicas necessidades, perspectivas, metodologias e contextos. Dessa maneira, podem haver muitas e diferentes conclusões sobre uma mesma questão estudada. Por isso, quando o Ativismo ABC faz algo coletivamente ou em parceria com outras pessoas e coletivos, buscamos ouvir as experiências e conhecimentos umas das outras. Os menos experientes devem estar abertos aos conhecimentos dos mais experientes, e viceversa. Desse encontro de diferentes conhecimentos, argumentamos e discutimos até que cheguemos a um consenso, que pode ocorrer quando uns aderem a proposta dos outros, ou quando uma nova solução/conclusão é elaborada coletivamente. A importância da horizontalidade na pedagogia se dá pelo fato de que aquele que tem mais conhecimento tende a ter maior poder em algumas situações. Por isso, buscamos sempre

distribuir nossos conhecimentos a todas as pessoas, o que descentraliza o poder. Apoio Mútuo A vida dos grupos de pessoas e de outros seres nesse mundo se dá justamente porque em diversos momentos os membros desses grupos tiveram de se apoiar, ou seja, a vida não se dá apenas por uma disputa mortal das espécies, mas também pelas relações de apoio. Nossa sociedade, no entanto, vem sendo estruturada com base na competição, nas relações de poder exercidas de cima para baixo(governantes, reis e rainhas, professores, polícia), no isolamento de cada uma e de todas. A partir dessas bases sociais, em geral pensamos que é impossível a existência de outras possibilidades, e esquecemos que em muitas situações cotidianas precisamos do apoio das outras pessoas. Alguns exemplos de situações cotidianas de apoio são: o mutirão, que é uma prática de trabalho coletivo em benefício de uma pessoa ou de um grupo(como a famosa reunião de vizinhos para encher a laje de uma casa); pedir um punhado de açúcar ou óleo na vizinha; fazer uma vaquinha pra aquela pessoa ou grupo que precisa; ações conjuntas de moradores para realizar melhorias no bairro, etc. São muitos os exemplos que poderíamos citar e que estão caindo no esquecimento ou sendo desvalorizados. O apoio mútuo é a possibilidade de criar uma rede de relações de cooperação e não de imposição. São associações feitas livremente, pela identificação de uma pessoa com os problemas da outra e que, portanto, são relações que tem uma potencialidade autônoma. Ele está mais relacionado à solidariedade e, portanto, não pode ser confundido com caridade. Ao contrário da caridade, que é exercida de cima para baixo, sem potencializar transformações sociais, o apoio mútuo não implica em superioridade, mas sim em solidariedade e compromisso entre as pessoas envolvidas.

Diversidade Trabalhar, incentivar e lidar com a diversidade são processos importantes, já que cada pessoa possui características (gostos, gestos, escolhas, opiniões, etc) que só podem se expressar com liberdade se forem coletivamente respeitadas. As percepções e experiências que cada pessoa ou grupo possuem não são inferiores ou superiores. Elas são simplesmente diferentes e, muitas vezes se completam, possibilitando um rico e criativo ambiente de aprendizado. Conviver com a pluralidade nos permite compreender melhor o contexto de cada pessoa e comunidade, suas motivações e as opressões as quais está exposta devido às suas escolhas. Isso se aplica à sexualidade, ao gênero, à cor, à origem, e tantas outras características e opções variadas que, sejam muito ou pouco diferentes das nossas, também podem ser valorizadas. O sistema capitalista se volta para a homogeneização, ou seja, para a imposição da padronização entre diferentes culturas, onde os saberes e tudo aquilo que é tido como menos eficiente, atrasado ou inferior tende a desaparecer enquanto que o classificado como avançado ou moderno tende a permanecer e se espalhar por todas as partes do globo. É através desta lógica que o sistema capitalista vai penetrando e tornando pessoas e povos em meros consumidores dependentes. A produção de determinado produto em grande escala só é possível com uma grande demanda, e esta grande demanda só se torna possível através de um amplo processo de padronização de preferências e do comportamento. É por este motivo que são criados padrões de beleza, sexualidade, alimentação e relações, que em geral excluem todos aqueles que não possuírem o padrão de vida propagandeado nos comerciais. Além disso, para que essa sociedade continue se reproduzindo e se espalhando, é preciso que os saberes ancestrais e todos os modos de vida diferentes deste que é imposto, sejam marginalizados e aniquilados, em nome do progresso e do desenvolvimento econômico e social. A diversidade, seja dentro de um grupo pequeno (micro) ou uma sociedade (macro), é necessária para combater a uniformização. É assim que se ampliam os questionamentos e a luta. Imaginem um grupo somente de homens brancos ou um grupo só de mulheres de determinada idade, por exemplo. Suas reivindicações e discussões acabam se limitando a uma esfera específica, que nem sempre dialoga com o todo, ao contrário de ter um grupo em que a diversidade e as diferenças convivam no mesmo espaço. Assim, acreditamos que a diversidade cultural funciona como a biodiversidade, ampliando as possibilidades dentro de redes de relações. Os diferentes

organismos existentes, por possuírem diferentes estratégias e diferentes necessidades, podem assim lidar cada qual a sua maneira com as mudanças e desafios que surgem no ambiente. Associam-se, direta ou indiretamente, de modo que coexistem em interdependência. Utilizam os recursos de maneira plural, o que viabiliza a coexistência de muitos tamanhos, hábitos, cores e sons exibidos por cada forma de vida. A diversidade, portanto, é um fator essencial para o desenrolar da vida no planeta. Não há na natureza padrões totalitários, superiores, definitivos, e muito menos homogêneos, uma vez que os organismos estão sempre em constante renovação e adaptação, e que nada pode permanecer estático por muito tempo.

Consenso Nossas decisões sempre foram pautadas pelo princípio da busca pelo consenso, pois para nós, o consenso não é a imposição do pensamento único ou uma forma de eliminar o dissenso. Temos entendido o consenso como forma de pensar e agir coletivamente, a partir de diferentes propostas, argumentações, discussão e discordâncias, tentando compreender as diferentes para assim chegar à uma decisão de ação que contemple uma ou mais propostas ou que mescle as diferentes propostas. Desta forma, o consenso não é uma única posição e opinião, é a possibilidade de combinar diferenças. A disputa não tem como fim a eliminação da diferença, mas diversas maneiras de aceitação ou alteração do que se defende, sem no entanto deixar de tomar as decisões necessárias, respeitando o tempo suficiente para que isso seja alcançado. No consenso, discordar de uma proposta não é a mesma coisa que oporse a ela. Uma proposta pode não ser a preferida de todos, mas pode ser levada a cabo coletivamente caso ninguém se oponha a ela. A discordância pode também dar a possibilidade de que uma proposta seja posta em prática de modo experimental por quem a defende, e depois ser avaliada coletivamente. Neste caso o coletivo inteiro não precisa se responsabilizar pela implementação da ação, mas deve sempre arcar com as consequências. Todavia, quando existe oposição a uma proposta e as pessoas são contra implementá-la, é necessário generosidade do proponente para retirá-la ou esperar uma nova oportunidade. Enfim, as propostas podem se mesclar umas as outras ou surgirem através do debate. É preciso tratar as ideias não como prontas na cabeça de cada um, mas como fruto da conversa e envolvimento entre as pessoas. Dessa forma o consenso não é algo imediato, mas requer um processo temporal lento, um alongamento dos debates e até mesmo o adiamento de decisões. Tendo como objetivo a construção de uma sociedade igualitária onde todas tenham a possibilidade de se expressar e opinar nas decisões que dizem respeito a sua vida, nos parece necessário construir esse tipo de processo decisório desde agora, como base para nossas experiências presentes e futuras.

Ação Direta A ação direta é o princípio onde uma ou mais pessoas decidem e atuam diretamente em tudo o que lhe diz respeito, não delegando a solução de problemas a terceiros. Sendo assim, rejeitamos meios indiretos de resolução de questões sociais, ambientais e de outras esferas (como a mediação por políticos, partidos, Estado e mercado) em favor de meios mais diretos (como o mutirão, a assembleia, o faça você mesma, e outra práticas que visam construir uma forma de vida mais libertária). A ação direta também é associada a greves, boicotes, desobediência civil, intervenções e protestos. Ao optarmos por ações mais afirmativas e construtivas não negamos a importância do conflito e da oposição em relação ao sistema dominante, mas acreditamos que sem a construção de algo diferente uma mudança significativa fica muito distante de ser concretizada. Nesse sentido, nossa ação direta volta-se hoje, principalmente para a colaboração construtiva de um modo de vida libertário no presente. A opção pela ação direta implica em não esperar que o poder constituído faça alguma coisa, mas fazer-nós-mesmas, coletivamente e em parceria com outros grupos. Perante a hegemonia do Capital e do Estado, buscamos manter com eles relações mínimas. Ou seja, optamos por não fundar nosso coletivo numa relação de dependência direta e burocratização, como por exemplo de serviço junto a projetos governamentais ou editais de acesso a verbas e apoio estatal, que aparecem para nós como ferramentas de controle sobre as ações populares. Tais ferramentas incluem diretamente a ação coletiva na rede de mando e obediência, fazendo com que a esfera autogestionada não se constitua como comunidade à parte, através da qual formas de circulação não mediadas pela moeda (dádiva, gratuidade, reciprocidade e apoio mútuo sem base financeira, etc) possam se desenvolver. Nossa prática cooperativista, assim como tantas formas de cooperação popular (como os trabalhos voluntários e coletivos em festas, o mutirão, a produção caseira), mesmo quando atrelada a relações mercantis, foge da burocratização hierárquica que caracteriza o cooperativismo formal.

Apartidarismo com tendências Antipartidárias Nós não nos apoiamos nem nos submetemos a nenhum partido, não concordamos com a forma de organização com que estes se colocam, nem compartilhamos de seus interesses (democracia representativa, disputas eleitoreiras, enfim, a tomada e monopólio do poder). Não acreditamos no poder exercido de cima para baixo, e sim em sua diversificação e distribuição. Quando trabalhamos junto de outros grupos e movimentos, muitas vezes compartilhamos os mesmos espaços que partidos políticos, ou grupos ligados à eles. Porém, nossa atuação ou apoio junto a um coletivo, movimento social, ou grupo, se dá também a partir dos nossos princípios. Geralmente, as lutas em que nos posicionamos como apartidários são lutas pontuais e estratégicas, como em frentes de luta ou manifestações, onde temos algo em comum. Entretanto, quando os princípios da lógica partidária começam a predominar nesses ambientes, nós nos opomos ou nos afastamos.

Ecologia O antropocentrismo baseia-se numa ideia de separação entre o ser humano e os seres nãohumanos, constituindo uma esfera oposta á humana que passa a ser chamada de natureza. Nessa lógica antropocêntrica, o ser humano é caracterizado como hierarquicamente superior e dominante. Isso justifica que os não humanos sejam usados como meros recursos para os seres humanos, manipulados de acordo com nossos interesses e necessidades. Este é um dos fundamentos do sistema capitalista e da cultura de mercado. A água é apenas recurso, os minérios são matérias-primas, os vegetais são produtos e os animais são mercadoria e força de trabalho. A relação utilitária entre a nossa espécie e a natureza forjada cotidianamente na cultura da sociedade industrial deixa-nos livres para sugar o que for necessário em prol de uma única espécie e em detrimento do todo. Tal fundamento isenta o ser humano da responsabilidade com a degradação, a poluição, a destruição de fontes esgotáveis de vida e da extinção de outras espécies. Buscamos construir e fortalecer uma outra relação com o meio não humano, sem destruí-lo ou levá-lo ao esgotamento, mas criar, recuperar, construir e praticar relações mutualistas. O meio ambiente é essencial para a reprodução da vida e para a construção de uma outra sociedade. Dentro desta relação, a biodiversidade tem um papel fundamental na construção da base de nossas práticas, da nossa sabedoria e do nosso entendimento do todo. Onde cada ser tem sua importância, onde não há homogeneidade, onde as possibilidades são infinitas. Com a certeza de que o universo está em constante transformação. Queremos ressaltar, porém, que a construção de uma outra sociedade, de um outro modo de vida, só é possível desconstruindo a base do modo de vida capitalista e estatista. Pela experiência e o entendimento do contexto em que vivemos, percebemos que as iniciativas e construções precisam entender, questionar e trabalhar as relações profundas para construir algo novo e fortalecer uma estrutura paralela. A lógica capitalista se apropria facilmente das iniciativas onde as relações mais profundas e enraizadas não foram constituídas, transformando-as em nichos de mercado através do contraditório desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento que pressupõe a manutenção da lógica de exploração, produção, consumo e relações mediadas pelo dinheiro é, por si só, insustentável.

Igualdade A busca pela igualdade social não está limitada a questão econômica, apesar de abrangê-la. O patriarcado, a escravidão, a servidão, o domínio de um povo sobre os outros ocorrem desde antes do capitalismo se estabelecer. O capitalismo aprofundou, expandiu e fortaleceu a desigualdade, fragmentando e hierarquizando ainda mais pessoas, comunidades, lugares, conhecimentos e vivências. Esta é a sociedade que acumula e centraliza capital e poder, que hierarquiza as pessoas pela sua cultura, cor, sexo e bens. Ao defendermos a igualdade não estamos pressupondo que todas as pessoas tenham que ter as mesmas coisas ou serem idênticas. Ela pressupõe diversidade e diferença estabelecidas dentro de valores anticapitalistas, de liberdade, de apoio mútuo e solidariedade. De cada um segundo suas possibilidades e a cada um segundo suas necessidades. Desta forma a igualdade deve estar no acesso a participação politica, aos meios de produção de vida, no acesso à terra e a moradia, nas relações de gênero e nas relações entre culturas distintas. Impedimos a expansão da pirâmide do poder (político, social, econômico, cultural), da autoridade e da submissão buscando e conquistando maior igualdade, contribuindo para a construção de outra sociedade em que as diferenças não sejam passíveis de serem hierarquizadas e dominadas, impossibilitando a vida baseada na exploração de um pelo outro. Dentro da lógica do capital uma das táticas mais usadas é a de dividir para conquistar. Essa divisão ocorre de diversas maneiras, pode ser por gênero, sexualidade, classe, cor, times de futebol etc. Tal tática tem o objetivo de fragmentar as partes envolvidas, criando um cenário de competição pelo monopólio do poder. Ao contrário disso, internamente o coletivo busca um nível de igualdade baseado no princípio da dádiva e na distribuição de saber e poder, dividindo tarefas e rotacionando responsabilidades. Tudo está disponível a todos e as escolhas são tomadas de maneira consensual com igual participação dos membros que se interessem pelo assunto em questão, sendo asseguradas durante este processo o seu direito de opinião e poder decisório, independente de credo, cor, gênero, sexualidade.

Autonomia Autonomia é algo diretamente ligado à liberdade e ao poder. Para nós a autonomia não é algo individual, sendo possível somente como ação coletiva de recusa á cadeia de mando e obediência. Ou seja, não ocorre de maneira isolada, sendo possível apenas através da ação conjunta em redes de dádiva e apoio mútuo. Autonomia é manter relações práticas com toda a esfera de conhecimentos e necessidades das quais dependem a nossa vida cotidiana e que a constituem. Saúde, alimentação, abrigo, mobilidade, relações com as/os outras/os e com o meio são elementos constitutivos da autonomia política. Quando não operamos em todas as esferas fundamentais para a vida, ficamos à mercê do Estado e do Capital. Se dependemos de hospitais e indústria farmacêutica (contra doenças simples ou graves ou pelo controle da contracepção e do parto) ficamos impotentes, entregues às decisões dominantes, à lógica de sistema de saúde pautada nos interesses do Capital e ao controle de nossos corpos pelo Estado. Se não conhecemos a terra, o cultivo e o processo dos alimentos que comemos diariamente, ficamos à mercê do cultivo com agrotóxicos, transgênicos, uso de antibióticos e hormônios em animais, inflação e impostos. Quando mantemos nosso corpo dócil e inapto para o uso da força combativa, ficamos a mercê da violência privada e estatal. Por motivos como estes, pensamos que a conquista da autonomia passa pela busca do conhecimento do processo vital como um todo, construindo circuitos gratuitos e de apoio mútuo paralelos ao modo de vida dominante. Por toda essa complexidade de relações, a autonomia depende da construção coletiva e comunitária e através do apoio mútuo entre diferentes pessoas e coletivos na gestão dos recursos e saberes. Com relações em comunidade, mais pessoais (e portanto menos institucionais) a construção alternativa ganha bases mais poderosas, que possibilitam uma expansão máxima dessas relações, práticas e conhecimentos. Apenas através da expansão das relações, redes e federações de pessoas, coletivos e territórios de libertação autogestionária poderemos corroer as relações estatais e capitalistas até o seu declínio, pois essas relações criam uma alternativa ás lógicas do mando e da obediência. A presença da autonomia na esfera organizacional se dá quando um coletivo, organização ou federação libertários se organizam de forma horizontal, autogerida e buscando autonomia de decisões e ações, gerando vínculos pessoais entre os participantes. Sem estas práticas e vínculos, a ação política se torna fugaz. Porém queremos reafirmar que a autonomia política não se dá apenas na