Introdução. Referências Conceituais. Camilo Simão de Lima Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil camiloslima@gmail.com

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Transcrição:

Hibridação no processo criativo: interfaces gestuais utilizando programação e computação física Hybridism in creative processes: gesture interfaces using programming and physical computing Camilo Simão de Lima Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil camiloslima@gmail.com Bruno Massara Rocha Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil bmassara@territorios.org Resumo: This research explores the association between programming and physical computing in order to demonstrate the importance of this kind of hybridism for architecture. The main objective is to demonstrate the practical viability of creating hybrid human-computer motion control interfaces applicable to creative processes in architectural projects. The experimental prototype developed for this research utilizes more integrated and intuitive motion input tools, a technique that allows its application in a variety of areas such as methods of spatial analysis, urban scenery, visualization and simulation, and volumetric conception. Palavras-chave: Programação; Computação Física; Interfaces Híbridas; Interfaces Gestuais; Processo Criativo Introdução No atrelamento humano-computador, restam ainda várias lacunas a serem preenchidas, muitas discussões a serem feitas e muitas soluções a serem desenvolvidas. O trabalho que resultou neste artigo visa contribuir para algumas destas soluções-discussões, focando principalmente em métodos de construção de interfaces híbridas voltadas para uma maior inserção dos movimentos corporais utilizando recursos lowtechs de hardware e programação de algoritmos. São experimentações no âmbito destas interfaces o foco do trabalho, nos ambientes de interlocução entre humanocomputador, entre o mundo frio do algoritmo e a nossa percepção, e responsáveis pela tão em voga interatividade. Referências Conceituais Apesar de sua grande profusão na literatura atual em diversos campos, a interatividade na arte já encontrava espaço desde o início dos anos 1920 nas obras de Naum Gabo (Kinetic Construction N.1), nas máquinas de Jean Tinguely, entre outras experimentações da arte cinética da op art, cujas relações são íntimas com fundamentos do construtivismo russo de Tatlin e Rodchenko. Utilizando meios analógicos e mecânicos os artistas buscavam produzir uma noção de ambiente virtual que se modifica com a presença do espectador, muitos destes ambientes elaborados com o uso de engrenagens, objetos deslizantes, flexíveis, vibratórios, etc. Segundo Weibel, todas estas propostas, como a mudança óptica induzida pelo movimento do espectador, levou a formas prematuras, précomputador de interatividade mecânica e manual (Weibel, 2009, 109). As possibilidades de criação de interação já com os sistemas eletrônicos nos anos 1960 e as intenções de ampliar a expressividade do diálogo entre espectadores e máquinas na arte foram grandes motivações para artistas como Myron Krueger, Billy Kluver, entre outros do movimento E.A.T. ( Experiments in Art and Technology). Neste momento já eram utilizados, conceitos de programabilidade na arte, e que, simultaneamente, eram também o foco das experimentações científicas computacionais em laboratórios de universidades. As duas vertentes, artística e científica, apesar de tratarem do mesmo conceito, tinham posições muito diferenciadas. As atitudes de Kruger com relação à interface opunham-se ao isolamento causado por dispositivos como mouses ou

capacetes-display que faziam parte de pesquisas no âmbito científico. Contrário à criação de dispositivos (devices) para a interação, o artista propunha a modelagem de ambientes, espacialidades abertas à aproximação e diálogo interativo com o até então espectador-usuário (Dinkla, 1994). Assim como Krueger, David Rokeby dotou suas instalações de sensores de diversas naturezas, associando-os a interfaces analógicas e câmeras de vídeo, no intuito de explorar ambientes responsivos. Cabe destacar os trabalhos de Jeffrey Shaw, expoente na criação de ambientes virtuais e na arte interativa. Todos eles souberam dar continuidade ao pensamento interativo e virtual surgido mecanicamente na arte cinética, trasladando para a eletrônica e amplificando conceitualmente as noções de programação, participação e espontaneidade da obra. Interfaces gestuais e processo criativo Recuperando algumas posturas artísticas referenciais na investigação da programação e da interatividade, a proposta deste trabalho é trazer para os processos criativos aplicados em arquitetura e design o caráter cinestésico dos movimentos corporais, notadamente os gestos manuais, como indutor de modelos computacionais. Ao produto deste cruzamento chamaremos aqui de interfaces gestuais híbridas. Segundo Vilém Flusser, a manipulação humana com as mãos é o gesto primordial com o qual o homem abstrai o tempo no mundo concreto (Flusser, 2008, 14). Ela está diretamente associada à visão, pois elas não manipulam cegamente, ambas operam coordenadas. A visão é um segundo gesto de abstração, transformam circunstâncias em cenas. O terceiro gesto abstraidor é a conceituação, graças a ela concebemos o imaginado, desenrolamos e desenvolvemos cenas em processos (Flusser, 2008,15). Finalmente, o cálculo e a computação são o quarto gesto abstraidor, graças ao qual o homem transforma a si próprio em jogador que calcula e computa o concebido (Flusser, 2008,15). Um processo criativo de projeto em arquitetura e em design percorre todas estas etapas de abstração numa ordem dinâmica e recursiva, cruzando, relativizando e simulando possíveis soluções para contextos específicos. O gesto manual na arquitetura possui culturalmente uma identidade e um valor importante que advém das relações gráficas com o desenho, com a execução de modelos em escala reduzida, e com a própria construção dos edifícios. Ele está associado ao traço do arquiteto, uma espécie de identidade pessoal, uma marca, uma qualidade inerente da expressão individual. Obviamente, o traço hoje está bem mais aparelhado tecnicamente, mas ao mesmo tempo sofre da mesma dicotomia entre os artistas e cientistas dos anos 1960. Se pro um lado existe uma tendência do seu congelamento em função dos pequenos dispositivos como mouse e teclados, existem outras preocupações com a reinvenção do traço e da gestualidade intrínseca a ela. O propósito do trabalho que aqui se apresenta conecta-se com a segunda tendência, recuperar a cumplicidade entre o olhar e a gestualidade no processo de conceituação e concepção da arquitetura, aproximando humano e computador segundo táticas mais expressivas e subjetivas, e assim talvez favorecendo o que Flusser denomina de recuos (Flusser, 2008,16), as idas e vindas de um processo de imaginação e abstração auxiliado por computador. A produção de sentido nos projetos de arquitetura e design é fundamental. Em todas as instâncias de sua geração demandam um conhecimento relacional de vários aspectos que orbitam ao redor do projeto sob a forma de condicionantes. O ato de projetar em arquitetura implica na criação de imagens virtuais, constantes abstrações, no sentido de uma antecipação, o antever, o imaginar, que permite ver ou pré-ver uma virtualidade possível para uma determinada situação real. A antevisão de tal situação dá a ele, arquiteto, segurança de poder mudá-la, baseado no seu conhecimento e em suas convicções. Dessa forma, produzir sentido através de imagens virtuais é a realização de gestos que nos trazem da abstração rumo ao concreto. Podemos associar as imagens virtuais produzidas à resposta gráfica gerada pela tecnologia digital nos processos de projeto: simulações, projeções, panoramas, diagramas, etc. Para Cecília Salles, é através do gesto que o artista entra em contato com a solidez de seu pensamento (Salles, 1997, 68). As mãos são o instrumento da criação, mas mostram-se, antes de tudo, um órgão do conhecimento. A associação com do caráter cinestésico da gestualidade manual com a capacidade de abstração das imagens técnicas pode oferecer contribuições importantes para a

subjetivação da interatividade num processo criativo em arquitetura e em design. A abstração imaginativa associada a aplicações práticas e a capacidade de agregar expressão a dados puros são fundamentais neste processo. Portanto, buscamos aqui fortalecer o aspecto dialógico entre humanocomputador, testando soluções de práticas baseadas no desenvolvimento de interfaces híbridas utilizando computação física e programação de algoritmos. Acerca da Computação Física Entende-se por computação física interfaces com capacidade associativa entre dados físicos (analógicos) e informações digitais através de processos de transdução. O processo de transdução consiste na conversão de formas de energia física em tensão elétrica variável, e recebe este nome devido ao elemento de conversão chamado transdutor (Igoe; O Sullivan, 2004, XIX). O processo em si não pode ser considerado atualmente uma inovação, pois interfaces tradicionais como microfones, teclados, mouse, operam todos a partir de transduções. O que se busca neste experimento é o redesenho de interfaces transdutoras e sua aplicação a processos de projeto em arquitetura, utilizando a associação conceitos de hibridação de ações analógicas ampliadas (gestuais) a processos de cálculo avançados no computador (digitais). Se por um lado inputs e output digitais são mais facilmente programáveis, os inputs e outputs analógicos permitem uma variação contínua de vários estados, proporcionando uma relação gestual mais suave. Um dos principais elementos neste processo de transdução é o microcontrolador, um dispositivo que faz a mediação entre os inputs e outputs analógicos e digitais permitindo a configuração das relações entre ambos os fluxos de energia. O microcontrolador utilizado foi o Arduino UNO, um dispositivo com uma série de entradas e saídas analógicas e digitais que são utilizadas para conectar sensores de iluminação, potenciômetros, que enviam e recebem dados para o computador, sendo por ele programado. Esse dispositivo permite o controle simultâneo das diferentes conexões, o que Fitzmaurice define como dispositivos espaço-multiplexados (Fitzmaurice, 1996), ou seja, cada variável pode ser controlada independentemente por um transdutor exclusivo. Assim, torna-se possível associar diferentes movimentos gestuais, manipular vários componentes da interface ao mesmo tempo e combiná-los para obter resultados específicos. Acerca da Programação A intenção em utilizar a programação de algoritmos teve como premissa alcançar maior autonomia na elaboração da interface. Acreditamos ser fundamental para um debate mais avançado acerca das possibilidades e limites da computação gráfica uma análise de sua linguagem de programação, uma vez que é lá que se tornam visíveis os métodos, processos, modos de organização e os conceitos de desenvolvimento de variáveis, condições, arranjos de informação, princípios de computabilidade e controle de dados. Para Flusser, a programação é um conceito fundamental dos tempos atuais e futuros, e enquanto não nos dedicarmos a uma compreensão profunda dele, dificilmente chegaremos aos limites de suas potencialidades. A programação ajuda a recuperar o controle sobre o processo criativo. Ela age como um elemento libertador, ampliando enormemente as possibilidades de investigação, e ao mesmo tempo conduzindo a um enfrentamento necessário entre humano-aparelho rumo ao esgotamento do aparelho (Flusser, 2002, 24). Metaforicamente, Flusser afirma que as melhores fotos são aquelas que evidenciam a vitória da intenção do fotógrafo sobre o aparelho, a câmera. O fotógrafo não trabalha com o aparelho, mas contra ele, no sentido de esgotá-lo. Nesse percurso ele penetra no aparelho, amalgama-se a ele, se perde na busca por potencialidades escondidas, e é assim influenciado pelas próprias limitações do aparelho (Flusser, 2002, 24). Nesse raciocínio, achamos importante adotar a postura de esgotamento, e considerar outros limites além das interfaces pré-definidas. O caminho escolhido para isso foi considerar as fontes subjacentes aos menus e interfaces clássicas, trabalhando com algo mais aprofundado que são os seus códigos, suas linguagens de programação, algoritmos e scripts. A linguagem de programação adotada neste trabalho, Processing e Java, merecem algumas considerações prévias. Primeiramente, não podemos considerá-las fontes primárias, já que são na verdade linguagens desenvolvidas especificamente para artistas digitais e outros profissionais atuantes nas áreas de interação e desenvolvimento de interfaces e instalações. Apesar disso, elas já

incorporam grande parte da sintaxe das linguagens de computação avançadas e, mais importante, permitem a compreensão que é possível desenvolver uma plataforma específica que solucione da melhor maneira problemas chave do projeto e, em alguns casos, essa plataforma pode ser desenvolvida pelo próprio arquiteto com intuito de se ter uma maior autonomia e liberdade sobre os processos operacionais (Lima, 2011, 136). A programação orientada ao objeto (object oriented programming oop) é a que nos parece mais adequada para os processos aqui sugeridos. Trabalhada no Processing ela tem se mostrado bastante útil e acessível mesmo a usuários recentes. A programação orientada ao objeto oferece caminhos para as modelagens condicionais, permite o cruzamento de dados analógicos com elementos gráficos digitais, associando-os segundo algoritmos específicos de comportamento que podem ser alterados e testados de forma dinâmica e em tempo real. Métodos e Conceitos Utilizados Utilizando a programação orientada ao objeto associada ao microcontrolador foi possível elaborar um protótipo experimental capaz de reconhecer algumas variáveis analógicas e convertê-las em dados numéricos digitais, como por exemplo a luminosidade ambiente e a rotação de objetos mecânicos. Ao design do protótipo foram incorporados vários sensores e dispositivos de rotação organizados para que manipulação torna-se perceptível a complementaridade entre os gestos manuais e o resultado gráfico obtido, e dessa forma aproximar a associação dos movimentos analógicos aos digitais. Essa aproximação implica em criar uma espécie de ilusão, ou cinetismo, como realizado pelos artistas da op art. Trata-se de uma investigação em torno da percepção visual e do movimento, que causa uma sensação ao usuário de que seus movimentos gestuais se prolongam até o objeto digital. A ilusão cinética é um meio de relacionar os movimentos físicos (gestos manuais) aos digitais, de forma a criar um entendimento de complementaridade entre ambos movimentos. Essa complementaridade permite ao usuário uma associação mais direta das suas intenções com o resultado gráfico. Num processo de diálogo, os movimentos das mãos podem ser considerados como uma extensão do pensamento, um prolongamento expressivo do sentido de uma determinada informação. Muitos destes movimentos estão presentes no inconsciente coletivo e portanto podem ser utilizados como metáforas para o design da interface. Os movimentos de mover as mãos para cima e para baixo, para os lados, aproximando-as e afastando-as são gestos que constituem uma linguagem de informação dotada de forte significado expressivo para pessoas, como por exemplo: subir e descer, aproximar e separar, aumentar e diminuir, ir para frente e para trás. Aproveitando esse valor cultural da linguagem dos gestos, a interface permite uma associação mais direcionada de determinado gesto a um resultado formal aplicável na modelagem de arquitetura. Contribui assim para enriquecer o diálogo humanocomputador. Outro aspecto importante na apropriação dos gestos é a busca por personalidades artísticas cujos movimentos manuais já fazem parte da cultura popular, como é o caso do DJ. Esse artista utiliza as mãos como meio de remixar as músicas, adiantando e retrocedendo a partir da manipulação das pickups. O movimento de girar os discos é a base para a performance do artista, e foi então utilizada como referência para a propriedade de rotação dos modelos digitais. A construção da parte analógica da interface buscou utilizar materiais simples, de baixo custo, facilmente acessíveis o que possibilitou uma grande variedade de experimentações, testes e combinações. A figura 01 mostra uma etapa do processo de construção que, apesar de utilizar materiais cotidianos, investiu muito tempo na engenhosidade de soluções técnicas como ligações, soldas, posicionamento dos sensores, mecanismos de rotação, fontes de luz, estrutura física, implicando em discussões de design, configuração, resistência, etc.

Fig. 1. Processo construtivo Fig. 2. Exemplo da concepção geral da interface

Conclusão Em termos conceituais, é fundamental para a elaboração de interfaces gestuais híbridas a busca pelo reconhecimento de referências culturais expressivas tais como presentes nos movimentos artísticos das vanguardas dos anos vinte e sessenta do século XX, e em outros campos da cultura popular, como os DJs e maestros, para que sejam criados vínculos significativos reconhecíveis na interação humano-computador. Em termos práticos, a associação entre programação e computação física revelou-se bastante promissora para o reconhecimento gestual, para a transdução, e mostrou-se viável mesmo ao utilizarse materiais de baixo custo. Mais importante é a dedicação ao design do equipamento, levando-se em conta as conexões, ligações, resistência e, num sentido mais amplo, as relações práticofuncionais e simbólico-funcionais do dispositivo. Referências Dinkla, S. 1994. The History of the Interface in Interactive Art. Recuperado em Agosto de 2011 de http://www.kenfeingold.com/dinkla_history.html Fitzmaurice, G. 1996. Graspable User Interfaces. Recuperado em Outubro de 2010, de http://dgp.toronto.edu/~gf/papers/phd%20-%20graspagle%20uis/thesis.gf.html Flusser, V. 2002. Filosofia da Caixa Preta. Rio de Janeiro: Relume Dumará. Flusser, V. 2008. O Universo das Imagens Técnicas. São Paulo: ANNABLUME. Igoe, T; O Sullivan, D. 2004. Physical Computing. Boston: THOMSON. Lima, C. 2011. Programação e Computação Física: novas interfaces para pensar arquitetura. Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Espírito Santo. Salles, C. 1997. Gesto Inacabado. Princípios, maio/junho/julho (45), 62-69. Weibel, P. É proibido não tocar. Em D. Domingues (Eds.), Arte, Ciência e Tecnologia (91-109). São Paulo: UNESP.