TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO 1ª CÂMARA CRIMINAL AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL nº. 0006220-24.2014.8.19.0000 AGRAVANTE: MINISTÉIRO PÚBLICO AGRAVADO: PETERSON VIEIRA GURGEL RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS BASILIO EMENTA EXECUÇÃO PENAL PROGRESSÃO DE REGIME REQUISITOS MÉRITO CARCERÁRIO SEMIABERTO VPL PEDIDO DEFERIDO AGRAVO MINISTERIAL ESCORADO NA GRAVIDADE DO CRIME E NA LONGA PENA RESTANTE - FATO CONCRETO AUSÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO Diante do sistema progressivo adotado na legislação penal executória, o apenado que satisfaz os requisitos legais pode ir pouco a pouco galgando situação carcerária mais favorável, até vir a obter a liberdade total, devendo a progressão de regime se materializar através do exame do mérito carcerário a indicar a ressocialização do preso, sendo importante o papel da família naquele trabalho de reinserção social. No caso presente, após ter obtido a progressão do regime fechado para o semiaberto, o apenado requereu o benefício da VPL, tendo apresentado a documentação respectiva indicando satisfazer os requisitos
legais. O juiz de piso deferiu o benefício e o Ministério Público agravou. Nas razões recursais, assevera o Parquet que o apenado foi condenado por crimes graves e tem uma pena longa a cumprir, sendo seu término previsto para 2020. A meu sentir a decisão não merece qualquer reparo, não podendo justificar eventual indeferimento a simples referência à longa pena ainda a cumprir, o que seria estímulo à evasão, não restando satisfeito o requisito subjetivo do inciso III do artigo 123 da LEP. O indeferimento deve se escorar em dado concreto a indiciar que o apenado irá descumprir as condições próprias do benefício respectivo ou que a medida não se mostra recomendável. Em síntese, na linha do entendimento majoritário da Câmara, não justifica o indeferimento do benefício à simples referência à gravidade em abstrato do crime e ao longo período restante de pena, exigindo-se dado concreto a indicar o prognóstico negativo quanto à saída do apenado no curso do processo de execução da pena, o que não foi feito pelo agravante. Vistos, relatados e discutidos estes autos do AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL nº. 0006220-24.2014.8.19.0000, em que é AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO; e AGRAVADO: PETERSON VIEIRA GURGEL; Acordam os Desembargadores que compõem a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo.
RELATÓRIO Inconformado com a decisão do Juiz da VEP que deferiu o pedido de VPL do apenado PETERSON VIEIRA GURGEL, o MINISTÉIRO PÚBLICO agravou buscando a sua reforma sob o fundamento de que o apenado foi condenado pelos delitos de homicídio qualificado e ocultação de cadáver, apresentando, portanto, altíssima gravidade e tem o término da sua pena previsto para 2020, salientando que tal benefício deve ser concedido a apenados de baixa periculosidade que estão a um passo da liberdade, o que não seria o caso. O agravo foi combatido e a decisão foi mantida, tendo a Procuradoria se manifestado pelo seu provimento. VOTO Conheço do recurso interposto, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade. A concessão da VPL reclama que o apenado satisfaça requisitos de ordem objetiva e subjetiva, esta relacionada ao
mérito carcerário, aquela referente ao lapso temporal da pena cumprida. A princípio os fundamentos aduzidos pelo Ministério Público para a reforma da decisão que deferiu o pedido de VPL não me impressionam. A gravidade em abstrato do crime praticado e o longo período de pena a cumprir não justificam, a meu sentir, o indeferimento do pedido de VPL. A gravidade em abstrato do crime foi considerada pelo legislador no preceito secundário respectivo. A própria pena aplicada decorreu daquela previsão em abstrato por força da gravidade da infração. Evidente que aplicada pena maior em razão da natureza do delito praticado, a satisfação do requisito objetivo para o gozo de qualquer benefício reclama obviamente o cumprimento de um maior período de pena. Na forma da legislação vigente, o benefício deferido reclama o cumprimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva, esta relacionada ao mérito carcerário. O Juiz não tem como garantir que o apenado ao sair para trabalhar ou para visitar a família irá retornar. Ele faz um prognóstico de que aquele benefício não coloca em risco o processo de execução penal. O Juiz acredita que o contato com
a família é importantíssimo no processo de reinserção social. Idem com relação ao trabalho. Este prognóstico é feito pelo Juiz de acordo com o comportamento do acusado no curso do processo de execução penal. Examina o chamado mérito carcerário, para isto se escorando em dados objetivos colhidos no período de cumprimento da pena. No caso presente, o agravante não indicou qualquer dado concreto a apontar que o apenado irá trair a confiança que o Estado nele depositou, não tendo sido feita qualquer referência ao histórico do agravante no curso do processo de execução, sem desconsiderar que o apenado obteve conceito excepcional conforme certificado nos autos. Estou ciente que a questão é controvertida, existindo decisões diferentes, inclusive no Superior Tribunal de Justiça. Penso que, dependendo do caso concreto, com a análise do comportamento do apenado no curso do processo de execução, é possível que o juiz indefira o pedido também com base no longo período de pena ainda a cumprir. Apenas não concordo quando este é o único fundamento. tema: Peço vênia para transcrever o que já decidi sobre o
Como se vê da peça de interposição, o agravante critica a decisão do Juiz da VEP que indeferiu o pedido de TEM que taxou de desfundamentada. Penso, porém, com base nos elementos de prova carreados aos autos pelas partes, que a decisão apresenta fundamentação suficiente, tendo sido nela destacado que a anterior progressão deferida para o regime semi-aberto, por si só, não autoriza o deferimento do benefício da VPL, eis que no sistema progressivo adotado pela nossa legislação, o apenado pouco a pouco vai galgando situação mais favorável e menos rigorosa, até obter no futuro a liberdade desejada. Para isto, mormente quando se pretende sair do encarceramento sem qualquer vigilância, o Juiz pode se valer de outras exigências não consideradas quando da progressão do regime, certo que a progressão já configura benefício favorável ao agente, não sendo correta a alegação de que o cumprimento da pena em regime semiaberto sem direito a TEM e VPL configura, de fato, continuar a cumprir pena em regime fechado. Penso que não. A pena cumprida em regime semiaberto sofre menor rigor carcerário do que a do regime fechado, inclusive a execução ocorre em unidades distintas. O que é fato é que o exame da correção da decisão atacada reclama enfrentamento maior de todo o processo executório do agravante, não podendo ser desconsiderado neste momento que se mostra razoável o entendimento de que a longa pena restante serviria como estímulo ao não regresso do apenado, devendo ele ser
observado por um período maior durante o cumprimento da pena no regime que progrediu. Admito que tal circunstância, por si só, não autoriza o deferimento do benefício. Mas acredito que também deve ser considerado na avaliação respectiva. No caso concreto, a decisão se justifica até em razão de que o término da pena está previsto para 08/06/2024 e o prazo para o apenado pleitear o livramento condicional está muito distante, o que, a meu sentir, indica que ele precisa ser observado por um período maior no regime semiaberto em que hoje se encontra, mostrando-se precipitado o deferimento do benefício da VPL. O Superior Tribunal de Justiça encampa este entendimento, como se vê da decisão abaixo transcrita: REGIME SEMIABERTO. SAÍDA TEMPORÁRIA. Denegou-se a ordem ao entendimento de que conceder progressão de regime fechado para o semiaberto não enseja automaticamente o benefício de saídas temporárias para visitas ao lar. No caso, o réu não preencheu o requisito do art. 123, III, da Lei n. 7.210/84, razão pela qual é irrelevante a progressão ao regime semiaberto quando não preenchidas outras exigências. As saídas temporárias para visitas ao lar somente devem ser concedidas aos apenados já próximos de alcançar a liberdade, para auxiliar sua readaptação ao convívio social. Precedentes citados: RHC 24.437-RJ, DJ 8/10/2008, e HC 15.502- RJ, DJ 04/6/2001. HC 143.409-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 15/12/2009.
Penso que, no caso concreto, esta mesma decisão não se aplica. O agravante está preso ininterruptamente desde 08/09/2008, ou seja, há mais de cinco anos e, sempre teve bom comportamento carcerário, sendo deferida a progressão para o regime semiaberto em 2013, com parecer favorável da CTC, nada indicando, a princípio, que o deferimento do pedido coloque em risco o cumprimento do restante da pena. Peço vênia para transcrever decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça em desacordo com a pretensão ministerial, sempre na linha de que não são fundamentos idôneos a referência à longa pena restante e a gravidade em abstrato do delito praticado: No caso, o Juízo das Execuções, ao negar o pedido de progressão ao regime semiaberto, fundamentou-se, tão somente, na gravidade abstrata dos delitos cometidos na longevidade da pena a cumprir, circunstâncias que, segundo pacífico entendimento desta Corte, não constituem motivação idônea para justificar o indeferimento da benesse. (HC 259261 6ª Turma - Og Fernandes J. 21/02/13). No caso, valeu-se o Tribunal a quo de fundamentação inidônea para cassar a progressão de regime concedida pelo Juízo das Execuções Penais, pois utilizou-se apenas da gravidade abstrata dos crimes praticados, da longa pena a cumprir e de alegações genéricas acerca do demérito da sentenciada, de forma que fica evidenciado o constrangimento ilegal. (HC
252206 5ª Turma Marco Aurelio Bellizze j. 21/03/13). Pelo exposto, dirijo meu voto no sentido de negar provimento ao agravo. É como voto. Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2014. DESEMBARGADOR MARCUS BASILIO RELATOR