A Bandeja de Doces menina_flor A Bandeja de Doces. [Patricia Montenegro] O ano era o de 1927. A cidade era Manaus. Uma Manaus onde existia a tradição e a força política. A casa era de um Desembargador, de grande competência, com uma carreira política proeminente. Uma casa grande, confortável e decorada com o bom gosto europeu de um exigente descendente de alemães. Viúvo, elegante e rigoroso ele controlava a educação de seis filhos, com idades variando de 6 a 16 anos com a ajuda da fiel Antonia. Mas que uma governanta, uma segunda mãe, que ajudava a controlar 3 meninos e 3 meninas levados e cheios de vigor. Era uma noite amena de final de maio e todos haviam terminado o jantar a um pouco mais de uma hora. O Desembargador como de costume se recolheu à biblioteca onde costumava degustar um licor lendo um bom livro ou relendo um dos tantos processos em curso à espera de uma decisão. As crianças estavam na sala de estar cada uma entretida em seus próprios afazeres. Quando bateram à porta. Antonia se encaminhou a atender seguida pela caçulinha Zillah, uma lourinha espevitada de brilhantes olhos azuis violeta. Era um motorista elegantemente uniformizado. De quepe e luvas. Carregava uma grande e linda bandeja repleta de doces. Os mais variados e saborosos doces caramelizados distribuídos em uma bandeja lindamente decorada. -Boa noite, senhora, disse o educado motorista, vim aqui entregar essa bandeja de doces. 1
Zillah logo arregalou seus olhinhos brilhantes e disse: -Oba!! Doces!! Antonia disse à menina: não querida, isso não é para nós. -Desculpe-me meu senhor, mas deve haver algum engano essa bandeja não é para cá. Nenhuma encomenda foi feita. Disse Antonia. - Desculpe-me a senhora mas é sim. Devo entregá-la sem falta hoje e já estou atrasado. -Meu senhor verifique bem o nome do destinatário.. -Disseram-me apenas: entregue na casa do Desembargador que ele está esperando. A essa altura uma algazarra já se fazia presente. Cada qual emitindo sua opinião. Impossível entender qualquer coisa. Zillah dizia: -Deixa..Antonia..deixa... Aloísio, de 13 anos, muito guloso logo quis pegar a bandeja. -Calma, menino! Temos que verificar isso. Atraído por tanto ruído, vozes e risos o Desembargador saiu da biblioteca para saber o que estava acontecendo. - Posso saber o que está acontecendo aqui? Antonia explicou então a situação. 2
-Boa noite, Desembargador estou aqui para entregar-lhe essa bandeja de doces, disse o jovem motorista. -Boa noite, meu jovem, mas creio que haja algum engano, pois não foi feita nenhuma encomenda. -Meu Deus! O senhor quer que eu perca meu emprego? Tenho família para sustentar! Se não entrego esses doces perderei meu emprego. Maria, a mais velha, resolveu então dar sua opinião. -Quem sabe papai, não foi presente de alguém? Nessa época de eleição tudo é possível. -Mais um motivo para não aceitar. Não sei quem possa ter me mandado isso. -Pelo amor de Deus o que faço? Perguntou o pobre motorista segurando a bandeja. Já suando em desespero e tremendo pelo peso da bandeja. Depois de verificado que não havia remetente e já que o rapaz tanto insistia... -Está bem meu jovem, não serei eu o responsável pelo seu desemprego. Pode entregarme a bandeja. O jovem suspirou aliviado, recebeu uma gratificação, e se foi com a sensação de dever cumprido. Antonia colocou então a bandeja sobre a mesa da sala de jantar. Por alguns minutos um silêncio tomou conta da sala. E todos os olhares se voltaram para o Desembargador. Esperando um pequeno sinal de autorização... Então... -Certo, crianças já que alguém decidiu nos ofertar a sobremesa de hoje..vamos lá! Foi um verdadeiro ataque à bandeja. Imagine 6 crianças como formigas em volta de uma bandeja com os mais deliciosos doces. Até mesmo o Desembargador apreciou o seu saboroso doce. 3
Logo só havia papeis e resto de açúcar sobre a bandeja. Não demorou trinta minutos para que voltassem a bater na porta. Um motorista agora pálido e assustado disse: -Desembargador...queira me perdoar..mas.. -Mas..? Perguntou o Desembargador.. -Houve um pequeno engano e a bandeja de doces era para ser entregue na rua ao lado. -Não diga! Mesmo? -Sinto meu jovem, mas agora é tarde. E não foi falta de avisar. -Mas e os doces?? Perguntou aflito? -Os doces? Bom meu jovem. Com seis crianças em casa acho que pode imaginar o destino de cada um desses deliciosos doces. -O que faço agora? Perguntou assustado. O Desembargador então se dirigiu à sala apanhou a bandeja, agora vazia, e devolveu-a ao motorista.- -Leve a bandeja. Explique o ocorrido. -Mas serei demitido..e.. -Meu jovem você já está encrencado. Mas sei que no fundo a culpa não é de toda sua. O Desembargador então se dirigiu à biblioteca e redigiu uma pequena carta e pediu que fosse entregue junto à bandeja na devida casa. -O que diz aqui??? Perguntou aflito. - Que os doces estavam maravilhosos que adoraria conhecer tão competente doceira. - Mas... - Calma rapaz..digo também que arcarei com o valor gasto que não se preocupem. Mas 4
em relação aos doces da festa nada posso fazer. Pois hoje a festa foi aqui. - Uma boa noite para você rapaz. Assim terminou aquela noite de maio. Adoçada pelo destino. Obra original disponível em: http://www.overmundo.com.br/banco/a-bandeja-de-doces 5