Parecer da Ordem dos Farmacêuticos sobre a Proposta de Lei n.º 204/X (GOV), que procede à terceira alteração do Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos



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Transcrição:

Parecer da Ordem dos Farmacêuticos sobre a Proposta de Lei n.º 204/X (GOV), que procede à terceira alteração do Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos Ordem dos Farmacêuticos, associação pública representativa das pessoas que exercem a profissão farmacêutica ou praticam actos próprios desta profissão em território nacional, com sede na Rua da Sociedade Farmacêutica, n.º 18, 1169-075 Lisboa, aqui devidamente representada pela sua Bastonária, vem, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, alíneas a) e c), n.º 3, alínea a), n.º 5, alíneas a) e b) e n.º 6, alíneas e) e j), dos seus Estatutos, aprovados pelo D.L. n.º 288/2001, de 10 de Novembro, bem como nos artigos 17.º e seguintes, da Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, na sua redacção actual, e nos artigos 35.º, alínea e) e 103.º do Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, apresentar a presente petição para apreciação pela Comissão Parlamentar competente em razão da matéria, o que faz nos termos e com os fundamentos que se passam a expor: I - Introdução À Ordem dos Farmacêuticos incumbe colaborar na definição e execução da política de saúde em cooperação com o Estado, fomentar e defender os interesses da profissão farmacêutica, bem como, no campo profissional e económico, propor aos órgãos do poder político as medidas legislativas adequadas ao eficaz desempenho da profissão farmacêutica, tendo em vista a defesa dos interesses da saúde pública, e ainda estudar e propor a adopção de medidas relacionadas com o exercício da actividade farmacêutica. A Ordem dos Farmacêuticos tem, assim, as obrigações de, quer perante os profissionais farmacêuticos que representa, quer sobretudo perante o País e a sociedade portuguesa, defender a Saúde Pública enquanto agente de natureza pública coadjuvante do próprio Estado e também zelar pela profissão farmacêutica. Tendo tido conhecimento da proposta de lei n.º 204/X que o Governo pretende apresentar à Assembleia da República relativa à alteração da competência para a prática do acto farmacêutico e não podendo deixar de discordar com semelhante pretensão e, sobretudo, com a exposição de motivos vertida na referida proposta, a Ordem dos Farmacêuticos vem pela presente: Pág.1 de 21

(i) (ii) (iii) chamar a atenção para o assunto, que se reveste de relevante importância pública, o qual deverá, como tal, ser objecto de um amplo e salutar debate, quer ao nível parlamentar, quer ao nível dos demais agentes actuantes no sector da Saúde Pública; transmitir a sua discordância relativamente ao teor da proposta de lei em apreço e à exposição de motivos nela aposta, fundamentando as razões de tal discordância na presente petição e; sugerir a colaboração da Ordem dos Farmacêuticos no estudo e na ponderação de elaboração de uma proposta de lei que sirva, acima de tudo, os interesses da Saúde Pública no tocante à prática do acto farmacêutico. II A Saúde Humana e a Saúde Animal Saúde Pública A saúde animal é uma vertente importante da saúde pública e engloba vários tipos de cooperação entre as áreas que relacionam a tríade de saúde - humanos-animaisambiente - e todas as suas interacções. A elevada percentagem de novas doenças que têm vindo a afectar os seres humanos durante os últimos anos teve origem em microorganismos provenientes de animais ou de produtos de origem animal. Muitas destas doenças têm um elevado potencial para se propagarem e constituírem problemas globais de saúde, imbuídos de profundas gravidades e complexidade. Existe, pois, uma realidade na prática da produção animal, desde a sua alimentação até à cura ou à prevenção da doença que, no interesse da Saúde Pública, é preciso controlar. Quando se fala na pessoa do doente está a falar-se na protecção da saúde pública ou da saúde humana, para cuja salvaguarda é necessário um controlo eficaz e seguro da saúde animal, que se repercute necessariamente na saúde humana. Assim, no ponto 28 do preâmbulo da Directiva 2001/82/CE, de 6 de Novembro de 2001, afirma-se que por razões de saúde pública, devem ser recolhidos e analisados dados relevantes sobre reacções adversas no ser humano associadas à utilização dos medicamentos veterinários, ou seja, a saúde animal e a saúde humana são hoje indissociáveis, o que é frontalmente assumido pela directiva comunitária mencionada, que veio consagrar um código do medicamento veterinário. Pág.2 de 21

III Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 204/X A Ordem dos Farmacêuticos não pode deixar de considerar que a exposição de motivos vertida na proposta de lei n.º 204/X desvirtua o sentido das directivas comunitárias referentes ao medicamento de uso humano e ao medicamento veterinário, bem como o sentido da evolução registada na legislação relativa ao medicamento. O facto de o legislador comunitário e nacional ter vindo a separar progressivamente o medicamento para uso humano do medicamento para uso veterinário prende-se com motivos alheios a quaisquer questões que pudessem repercutir-se no estatuto profissional do farmacêutico ou do próprio médico veterinário. O acréscimo de regulamentação conduziu, sobretudo por razões de uma mais eficaz farmacovigilância, a um tratamento diferenciado do medicamento para uso humano e do medicamento para uso veterinário, bem como à criação de entidades reguladoras ou de supervisão distintas, daí decorrendo todo um tratamento distinto, nos seus vários aspectos, dos medicamentos para uso humano e dos medicamentos para uso veterinário. Subjacente a este tratamento diferenciado encontram-se igualmente motivos relacionados com a flexibilização da concorrência no mercado interno dos medicamentos entre os Estados-membros, designadamente, no tocante às autorizações de introdução no mercado e respectivos reconhecimentos em cada Estado-membro. Se a linha de raciocínio vertida na exposição de motivos da proposta de lei n.º 204/X pudesse, de algum modo, colher, então, por maioria de razão, poderíamos traçar o mesmo raciocínio no âmbito do medicamento para uso humano, posto que a argumentação ali expendida tanto valerá para uma situação como para a outra. Basta alterar a expressão medicamento para uso veterinário para a expressão medicamento para uso humano. Mas logo ao fazer-se este exercício de raciocínio se verifica com mediana clareza que a argumentação utilizada não poderia valer para o medicamento para uso humano, assim como não pode valer para o medicamento para uso veterinário, como se tentará demonstrar. O facto de o exercício da actividade farmacêutica ter hoje como objectivo essencial a pessoa do doente (vide art.º 2.º, do Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos) não pode fundamentar a eliminação da reserva da exclusividade do acto farmacêutico Pág.3 de 21

para o profissional farmacêutico, uma vez que, quando se fala na pessoa do doente está a falar-se na protecção da Saúde Pública ou da saúde humana, para cuja salvaguarda é necessário um controlo eficaz e seguro da saúde animal, que se repercute necessariamente na saúde humana. Tanto assim é que, como já acima se disse e aqui se reitera, no ponto 28 do preâmbulo da Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, diz-se que por razões de saúde pública, devem ser recolhidos e analisados dados relevantes sobre reacções adversas no ser humano associadas à utilização dos medicamentos veterinários. A saúde animal e a saúde humana são, hoje, indiscutivelmente indissociáveis. Além disso, de harmonia com o disposto na Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, nada neste diploma sugere, nem podia, que o facto de o acto farmacêutico ser da exclusiva competência e responsabilidade do farmacêutico distorce a concorrência ou o livre exercício da prestação de serviços neste campo, como se escreve de modo infundado no preâmbulo da proposta de lei n.º 204/X. A referência feita na proposta ao facto de o Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos condicionar, quanto ao medicamento veterinário, a concorrência neste campo, não é verdadeira, sobretudo se se tiver em consideração que a afirmação se baseia de forma expressa numa recomendação da Autoridade da Concorrência que se reporta à preocupação de alterar a exclusividade da detenção da propriedade das farmácias por parte de farmacêuticos e nunca, em parte alguma, à prática do acto farmacêutico. A prática do acto farmacêutico mais não encerra do que a existência de uma profissão ou, se se preferir, as actividades próprias de uma profissão, qual seja, a de farmacêutico. O mesmo sucede com todas as restantes profissões. O advogado pratica actos próprios de advocacia e o facto de profissionais de outras áreas, ainda que próximas, não poderem praticar tais actos, até sob pena da comissão do crime de usurpação de funções, como sucede no caso do acto farmacêutico, não põe em causa a concorrência ou a livre prestação de serviços. O mesmo sucede com o acto médico, e assim sucessivamente Pág.4 de 21

Não se verifica qualquer restrição à concorrência ou à livre prestação de serviços no facto de o acto farmacêutico ser da exclusiva competência e responsabilidade do farmacêutico. Trata-se, certamente, de um lapso material no iter cognoscitivo perfilhado na proposta de lei n.º 204/X. Para a Ordem dos Farmacêuticos, o D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, não é compatível com o Direito Comunitário, designadamente, com a Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Novembro, na redacção que lhe foi conferida pela Directiva 2004/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, que institui um código do medicamento para uso veterinário, embora excluindo do seu âmbito de aplicação vários medicamentos veterinários, bem como substâncias medicamentosas utilizadas em animais (vide respectivo artigo 3º), a qual foi parcialmente transposta para a ordem jurídica nacional pelo D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho. Ao fundamentar a pretensão de retirar a exclusividade da prática do acto farmacêutico à esfera de actuação e responsabilidade do profissional farmacêutico no diploma que procede à transposição parcial das referidas directivas comunitárias, a proposta de lei n.º 204/X padece de invalidade, nos termos infra assinalados. IV A Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho A redacção que o novo regime jurídico do medicamento veterinário configura no D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, por transposição das supra citadas Directivas e a subsequente alteração agora proposta do Acto Farmacêutico no que se refere ao medicamento veterinário é, no entender da Ordem dos Farmacêuticos, uma transposição enviesada da legislação comunitária e um retrocesso na garantia de segurança, qualidade e racionalidade da utilização de medicamentos de uso veterinário no nosso país. É convicção da Ordem dos Farmacêuticos a de que a transposição em causa viola flagrantemente o disposto nos artigos 52.º, 53.º e 55.º, da Directiva 2001/82/CE, de 06 de Novembro de 2001. Pág.5 de 21

Esta Directiva comunitária vem estabelecer o código comunitário dos medicamentos veterinários em ordem a proteger a saúde pública, a eliminar obstáculos ao comércio de medicamentos na Comunidade, promovendo o correcto funcionamento do mercado interno, designadamente, tentando evitar duplicações desnecessárias de esforços dos Estados-membros na análise dos pedidos de autorização de introdução de medicamentos veterinários no mercado, para continuar a garantir a segurança dos medicamentos veterinários, incentivando a adaptação dos sistemas de farmacovigilância da Comunidade ao progresso científico e técnico e assegurando a coerência dos sistemas de farmacovigilância veterinária e incutindo um aumento de responsabilidade dos titulares de autorizações de introdução no mercado no tocante à farmacovigilância contínua relativamente aos medicamentos veterinários que os próprios titulares introduzam no mercado. A directiva comunitária veio, sobretudo, regular a harmonização das autorizações de introdução no mercado nos diversos Estados-membros, como forma de facilitar a salutar concorrência no mercado deste tipo de medicamentos no âmbito da União Europeia. Além disso, procedeu ainda à regulamentação do fabrico e importação dos medicamentos veterinários, no sentido de tornar o processo de controlo mais rigoroso e uniformizado, tendo ainda conferido um ênfase especial à farmacovigilância. Estes são dos objectivos que assumem maior relevo no âmbito da Directiva 2001/82/CE. De harmonia com o art.º 2.º da Directiva 2001/82/CE, alterada pela Directiva 2004/28/CE, este instrumento legislativo aplica-se aos medicamentos veterinários, incluindo as pré-misturas medicamentosas para alimentos medicamentosos, sendo ainda aplicável às substâncias activas usadas como matérias-primas nas condições dos art.ºs 50.º, 50.º-A, 51.º e 80.º, bem como a substâncias susceptíveis de ser usadas nas condições do art.º 68.º como medicamentos veterinários que possuam propriedades anabolizantes, anti-infecciosas, antiparasitárias, anti-inflamatórias, hormonais ou psicotrópicas. Excluem-se do âmbito de aplicação da directiva em apreço, segundo o disposto no respectivo art.º 3.º, n.º 1, os alimentos medicamentosos, tal como definidos na Directiva 90/167/CEE do Conselho, de 26 de Março de 1990, os medicamentos imunológicos veterinários inactivados fabricados, os medicamentos veterinários à base de isótopos radioactivos, os aditivos mencionados na Directiva 70/524/CEE do Conselho, de 23 de Novembro de 1970, relativa aos aditivos na alimentação para animais e, sem prejuízo Pág.6 de 21

do disposto no art.º 95.º da Directiva 2001/82/CE, os medicamentos para uso veterinário destinados a experiências de investigação e desenvolvimento. De harmonia com o n.º 2 do mesmo dispositivo legal, a directiva também não se aplica aos medicamentos preparados numa farmácia segundo uma receita veterinária destinada a um animal específico ou a um pequeno grupo de animais, denominados fórmula magistral, nem aos medicamentos preparados numa farmácia de acordo com as indicações de uma farmacopeia, que se destinem a ser directamente entregues ao utilizador final, denominados fórmula oficinal. Como se pode verificar, o âmbito de aplicação da directiva e as situações dele retiradas são de grande relevo, o que não foi equacionado aquando da elaboração da proposta de lei n.º 204/X. No que para o caso mais interessa, dispõe a directiva em questão que o fabrico de medicamentos veterinários está condicionado à posse de uma autorização, autorização esta que tem de dispor de, pelo menos, uma pessoa qualificada nos termos do art.º 52.º da directiva, ou seja, de uma pessoa que preencha as condições definidas no seu art.º 53º (ter no ciclo de formação universitária as unidades curriculares aí referidas), que seja responsável pela execução das obrigações do art.º 55.º, portanto, em assegurar que cada lote de medicamentos veterinários tenha sido fabricado e controlado de acordo com a legislação em vigor no Estado membro em que é obtida a AIM e em assegurar a qualidade dos medicamentos veterinários vindos de países terceiros através de uma análise qualitativa completa, de uma análise quantitativa de todas as substâncias activas e de quaisquer outros ensaios ou verificações necessárias no Estado-membro importador, funções que apenas podem exercer-se no tocante aos medicamentos veterinários referidos no art.º 2.º, da Directiva 2001/82/CE, com exclusão de todos aqueles que se encontram mencionados no art.º 3.º do mesmo instrumento legislativo comunitário. Essa pessoa qualificada pode ser uma pessoa que tenha um dos seguintes ciclos de formação universitária: farmácia, medicina, medicina veterinária, química, química e tecnologia farmacêuticas e biologia. Desde que no âmbito de um destes ciclos de formação universitária ou de um ciclo de formação reconhecido como equivalente pelo Estado-membro em causa se incluam, pelo menos, as matérias de base já a seguir enunciadas, a pessoa que seja titular desse ciclo de formação universitária Pág.7 de 21

pode vir a ser contratada como uma pessoa qualificada pelo titular da autorização de fabrico. A autorização para o fabrico, tal como a autorização para as operações de divisão, acondicionamento ou apresentação, não é exigida para as preparações, divisões e alterações do acondicionamento ou de apresentação, na medida em que estas operações sejam efectuadas tendo em vista unicamente a distribuição a retalho, por farmacêuticos numa farmácia ou por outras pessoas legalmente autorizadas a efectuar as operações em causa nos Estados-membros (vide art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva 2001/82/CE). O ciclo de formação acima referido que a denominada pessoa qualificada tem de possuir, precisamente, para poder ser uma pessoa qualificada, tem de incluir obrigatoriamente, pelo menos, as seguintes unidades curriculares: física experimental; química geral e inorgânica; química orgânica; química analítica; química farmacêutica, incluindo a análise dos medicamentos; bioquímica geral e aplicada (médica); fisiologia; microbiologia; farmacologia; tecnologia farmacêutica; toxicologia e farmacognosia. Dispõe ainda a directiva que a pessoa qualificada referida no seu art.º 52.º tem de ver assegurado o cumprimento das suas obrigações através de medidas administrativas adequadas ou da respectiva sujeição a um código de disciplina profissional, o que visa claramente permitir o controlo deontológico da actuação da denominada pessoa qualificada (vide art.º 56.º da directiva). O D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, procede à transposição parcial da Directiva 2001/82/CE, como resulta do próprio preâmbulo, bem como do art.º 1º do correspondente enunciado legal. O decreto-lei sob apreciação veio estabelecer o regime jurídico a que obedece a autorização de introdução no mercado (AIM) dos medicamentos veterinários e as suas alterações e renovações, o fabrico, a importação, a exportação, a distribuição, a comercialização, a rotulagem e informação, a publicidade, a farmacovigilância, a detenção ou posse e a utilização de medicamentos veterinários, incluindo, designadamente, as pré-misturas medicamentosas, os medicamentos veterinários imunológicos, homeopáticos e à base de plantas e os gases medicinais, aplicando-se apenas à preparação, posse, prescrição, dispensa e utilização de fórmulas Pág.8 de 21

magistrais ou preparados oficinais para uso veterinário (vide n.º 6, do art.º 2.º, do D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho). Excluem-se do âmbito de aplicação deste diploma os medicamentos ou substâncias referidos no art.º 2, do D.L. n.º 148/2008. O diploma transpõe ainda para o direito interno as disposições da Directiva Comunitária 2001/82/CE relacionadas com a existência de uma pessoa qualificada ao serviço do titular de uma autorização de introdução no mercado dos medicamentos veterinários abrangidos pelo diploma, chamando-lhe, no entanto, director técnico veterinário e prevendo que tal director apenas possa ser um médico veterinário. Aquele diploma português padece de falhas graves, a saber: (i) não transpõe a obrigatoriedade de o director técnico ter de possuir no seu ciclo de estudos universitários as disciplinas enumeradas no art.º 53.º, n.º 2, da Directiva 2001/82/CE, o que altera e desvirtua por completo o sentido e alcance das correspondentes normas comunitárias, em frontal violação do Direito Comunitário que Portugal, enquanto Estado membro da União Europeia, se obrigou a cumprir e respeitar, nos precisos termos do disposto no art.º 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP); (ii) prevê que a pessoa qualificada ou, como o legislador português entendeu apelidá-la, o director técnico veterinário seja apenas um médico veterinário, quando a Directiva 2001/82/CE é muito clara ao estipular que pode ser contratada como pessoa qualificada qualquer pessoa que tenha um ciclo de formação universitária em farmácia, medicina, medicina veterinária, química, química e tecnologia farmacêuticas ou biologia; (iii) não prevê regras de controlo deontológico da pessoa qualificada que seja contratada pelo titular da autorização de introdução no mercado e do fabrico de um dos medicamentos veterinários abrangidos pela Directiva 2001/82/CE. O D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, procedeu à incorrecta transposição da Directiva 2001/82/CE, alterada pela Directiva 2004/28/CE, sendo incompatível com o Direito Comunitário, cujo primado o Estado português está obrigado a respeitar e cumprir, por via do disposto no art.º 8.º, n.º 4, da CRP e por via da adesão do nosso país à União Europeia. Pág.9 de 21

Retomando a questão dos ciclos de formação universitária a que se refere o artigo 53.º, da Directiva 2001/82/CE, ao passo que o mestrado integrado em Ciências Farmacêuticas abrange todas as disciplinas científicas a que se refere o art.º 53.º, n.º 2, da Directiva 2001/82/CE, de 6 de Novembro de 2001, a saber, física experimental, química geral e inorgânica, química orgânica, química analítica, química farmacêutica, bioquímica geral e aplicada, fisiologia, microbiologia, farmacologia, tecnologia farmacêutica, toxicologia e farmacognosia (vide Anexo I do presente parecer), o mestrado integrado de Medicina Veterinária existente em Portugal inclui apenas cerca de três daquelas disciplinas científicas, agora denominadas unidades curriculares, como sucede com a fisiologia, a microbiologia e a farmacologia (vide Anexo II deste parecer). Ora, não obstante o art.º 53.º da directiva em apreço permitir que a pessoa qualificada que o titular da autorização de introdução no mercado do medicamento veterinário precisa de contratar possa ser titular de um diploma que certifique um ciclo de formação universitária em farmácia, medicina, medicina veterinária, química, química e tecnologia farmacêuticas, bem como biologia, seja qual for a formação universitária que a pessoa qualificada tenha, essa formação tem de incluir forçosamente as unidades curriculares elencadas supra (todas elas), o que não sucede com o titular de certificado do ciclo de formação universitária em Medicina Veterinária no nosso país. Encontrando-se o preenchimento deste requisito de verificação obrigatória por cumprir, nenhum médico veterinário português poderá ser considerado como uma pessoa qualificada, para os efeitos do disposto nos art.ºs 53.º e 55.º da Directiva 2001/82/CE, através da mera titularidade de um certificado de um mestrado integrado em Medicina Veterinária ou da antiga licenciatura em Medicina Veterinária. Um médico veterinário português que seja titular de um certificado de um mestrado integrado em Medicina Veterinária com o plano curricular como aquele que foi adoptado pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa não pode ser considerado uma pessoa qualificada, no sentido que lhe é dado pela directiva, nem, consequentemente, poderá ser considerado um director técnico ao serviço do titular da autorização de fabrico de um medicamento veterinário, com o sentido e competências que são conferidas à pessoa que pode ser director técnico, para efeitos do disposto nos art.ºs 36.º e seguintes, do D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, pelas mesmas razões: não fazem parte do seu ciclo de Pág.10 de 21

formação universitária as unidades curriculares que a Directiva 2001/82/CE impõe como condição para que uma pessoa possa ser a pessoa qualificada, ou seja, o director técnico do D.L. n.º 148/2008. Em Portugal, apenas o mestrado integrado em Ciências Farmacêuticas inclui as matérias de base de Química farmacêutica, incluindo as matérias de análise dos medicamentos, e de Tecnologia Farmacêutica para além da Farmacognosia. Consequentemente, apenas aos Farmacêuticos foram ministradas todas as matérias de base previstas no artigo 53.º, n.º 2, da Directiva 2001/82/CE. Assim, ao restringir o exercício da direcção técnica, apenas, aos médicos veterinários, entendemos que o artigo 18.º, n.º 1, do D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, viola flagrantemente o disposto nos artigos 52.º, 53.º e 55.º, da Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro. V - O direito fundamental ao trabalho e à profissão A pretensão de retirar a exclusividade da prática do acto farmacêutico da esfera de actuação e responsabilidade do farmacêutico através da proposta de lei n.º 204/X deve também ser analisada em face do próprio direito fundamental ao trabalho e à profissão (vide artigos 58.º e 47.º da Constituição da República Portuguesa). A liberdade de trabalho e de profissão não está isolada de outras liberdades, exigindo, por outro lado, um conjunto variado de garantias e incumbências do Estado de modo a que se torne uma liberdade igual para todos e que possa ser usufruída por todos, especialmente por quantos pertençam a certas categorias 1. Desde logo, ela postula a liberdade de aprender (art. 43.º) a liberdade de aprender o ofício ou género de trabalho que se pretenda vir a exercer ( ). Implica a liberdade de deslocação e residência no território nacional (art. 44.º, n.º 1) e a liberdade de emigração (art. 44.º, n.º 2), como liberdade de escolha do lugar de trabalho; e a liberdade, positiva e negativa, de associação profissional (art. 46.º) 2. 1 In Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, de Jorge Miranda, Coimbra Editora, 1988, páginas 404 e seguintes. 2 Idem, ibidem. Pág.11 de 21

Continua o Senhor Professor Jorge Miranda: a liberdade de trabalho é, porém, qualificadamente, liberdade de profissão ou liberdade dirigida a uma actividade com relevância económica, identificada por factores objectivos sociais e jurídicos. E revelase tanto liberdade de escolha quanto liberdade de exercício de qualquer profissão, visto que uma pressupõe a outra 3. A liberdade de profissão atinge o seu máximo de intensidade nas chamadas profissões livres ou profissões cujo exercício implica a liberdade individual e colectiva concernente ao domínio de uma ciência e de uma técnica especialmente elevadas. Nestas profissões que correspondem às tradicionais profissões liberais, quando os profissionais trabalhem por conta própria ( ), mesmo que haja um empregador, os profissionais não recebem dele ordens ou instruções acerca do modo de exercício da actividade profissional, ou acerca do conteúdo e da conveniência de cada um dos actos em que esta se manifesta. A liberdade não é apenas para iniciar uma profissão e para continuar a praticar; é também para determinar o sentido de cada um dos actos da profissão. Os resultados podem ser heteronomamente fixados, não os meios. São profissões que assentam numa necessária tensão dialéctica entre capacidade e liberdade e entre liberdade e responsabilidade 4. Retenha-se esta ideia tão importante: as profissões liberais assentam na liberdade e na responsabilidade, constituindo as associações públicas profissionais, não uma diminuição da liberdade de profissão, mas um reforço dessa garantia, na medida em que dá ao filiado a faculdade de participar na formação e na aplicação da disciplina da profissão colegiada, com claros benefícios para todos, para o interesse público e, in casu, para a Saúde Pública. Pretender retirar o exclusivo da prática do acto farmacêutico da esfera de actuação e responsabilidade do farmacêutico pode ser, no entender da Ordem dos Farmacêuticos, a execução do início de uma morte anunciada da profissão de farmacêutico, com a consequente extinção ou apagamento da respectiva representatividade colegial, em que ninguém beneficiará de semelhante medida, contraproducente até com os objectivos que, alegadamente, estariam na sua origem. 3 Idem, ibidem. 4 Idem, ibidem. Pág.12 de 21

Dar-se-ia um passo com uma finalidade e chegar-se-ia a um destino diverso em que a finalidade inicial já estaria totalmente submersa pelos pseudo-benefícios entretanto ditados pelos mais variados interesses económicos, mas não sociais! VI - Conclusões Na transposição da Directiva 2001/82/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, na sua redacção actual, para a ordem jurídica interna, não há que confundir o acto farmacêutico com o acto médico-veterinário, nem há que atribuir ao médico veterinário a habilitação para a prática de actos farmacêuticos. O que a directiva comunitária em questão vem permitir é que a pessoa qualificada, que pode ser um farmacêutico, um médico, um médico veterinário, um químico ou mesmo um biólogo, nos termos do disposto nos respectivos artigos 52.º e 53.º, possa assegurar junto do titular de autorização de fabrico dos medicamentos veterinários, a que se refere a Directiva 2001/82/CE, que um lote de medicamentos veterinários que obtenha uma autorização de introdução no mercado num determinado Estadomembro tenha sido fabricado e controlado em conformidade com a legislação em vigor nesse Estado e, no caso de medicamentos veterinários provenientes de países terceiros, possa assegurar que cada lote de fabrico importado tenha sido objecto de uma análise quantitativa e qualitativa de todas as substâncias activas, bem como de outros ensaios ou verificações necessários no Estado-membro importador (vide artigo 55.º da Directiva 2001/82/CE), não em relação a todo e qualquer medicamento veterinário, mas apenas quanto àqueles que vêm indicados no art.º 2.º da directiva. Esta competência pode ser consagrada na transposição da Directiva 2001/82/CE, sem que se altere o conceito de acto farmacêutico, ou sequer o conceito de acto médico-veterinário ou mesmo de acto médico ou a habilitação para a prática de actos farmacêuticos por parte de profissionais de outros ramos diversos do farmacêutico. É uma competência específica que se entendeu por bem consagrar numa situação igualmente específica, mas que não significa necessariamente que se tenha de habilitar um profissional que não seja um farmacêutico para a prática de actos farmacêuticos, tout court. Se assim não se entender, sempre deverá interpretar-se a Directiva 2001/82/CE no sentido de a pessoa qualificada nela referida poder ser não apenas o médico veterinário, como se pretende e se consagrou no D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, em Pág.13 de 21

desrespeito do primado do Direito Comunitário e do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, mas também um farmacêutico, um médico, um químico ou um biólogo, desde que cada um destes detentores de um ciclo de formação universitária tenham incluídas no seu ciclo de formação a frequência e a aprovação das seguintes unidades curriculares: física experimental; química geral e inorgânica; química orgânica; química analítica; química farmacêutica, incluindo a análise dos medicamentos; bioquímica geral e aplicada (médica); fisiologia; microbiologia; farmacologia; tecnologia farmacêutica; toxicologia e farmacognosia (estudo da composição e dos efeitos das substâncias activas naturais de origem vegetal ou animal). É uma verdade incontornável que o medicamento para utilização em animais é, tal como o de uso humano, um produto necessário, mas, ao mesmo tempo, perigoso se não for utilizado na dose certa, para a situação certa. Ora, esta garantia de utilização racional apenas pode ser dada actualmente pelo farmacêutico como único profissional habilitado no nosso País, face ao que dispõem os artigos 52.º, 53.º e 55.º, da Directiva 2001/82/CE. Esta garantia é particularmente importante no caso dos medicamentos de uso veterinário usados em animais que constituem alimento para os humanos. Esta conclusão assenta com clareza no facto de só o profissional farmacêutico ser actualmente detentor, em Portugal, no seu ciclo de formação universitária de todas as unidades curriculares a que se refere o art.º 53.º, n.º 2, da Directiva em apreço. Tanto basta para se concluir pela impossibilidade actual de habilitar legalmente no nosso País outro profissional para além do farmacêutico para a prática de um acto farmacêutico, nos moldes em que o mesmo existe, face ao disposto no Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos (vide Anexos I e II da presente petição, que correspondem a print screens das unidades curriculares dos actuais mestrados integrados em Ciências Farmacêuticas e em Medicina Veterinária, leccionados, respectivamente, pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra e pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa). Pág.14 de 21

Assim, a Ordem dos Farmacêuticos defende que: A alteração do acto farmacêutico nos termos vertidos na proposta de lei n.º 204/X será uma atitude irreflectida e violadora do primado do Direito Comunitário, que em nada beneficia o interesse público ou a Saúde Pública. Com efeito, ao retirar ao farmacêutico a exclusividade da prática do acto farmacêutico no que toca ao medicamento veterinário em favor de outro profissional, tout court, para além de subvalorizar o farmacêutico e as suas competências científicas, vai acentuar a crise em que está mergulhada a utilização do medicamento veterinário, com um claro prejuízo para a segurança alimentar e a Saúde Pública. Propõe-se um claro conflito de interesses entre a prescrição e a dispensa quando, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da actual Lei, que provém da Directiva 2001/82/CE, se prevê que, as entidades que solicitem ou sejam titulares de uma Autorização de Introdução no (AIM) de medicamentos veterinários devem ter ao seu serviço, com carácter permanente e contínuo, um médico veterinário como director técnico em vez de uma pessoa qualificada, de harmonia com o disposto nos art.ºs 52.º e 53.º da directiva. O mesmo acontece quando, ao transpor a Directiva Comunitária 2001/82/CE, se promove com o D.L. n.º 148/2008 a existência de um «profissional de saúde animal» como sendo a pessoa qualificada, legalmente habilitada a prescrever, dispensar ou administrar medicamentos veterinários; A proposta de alteração do art.º 76.º dos Estatutos da Ordem dos Farmacêuticos, tal como se encontra prevista, será inválida e inconstitucional por contrária ao Direito Comunitário, dado que assenta na errónea transposição da Directiva 2001/82/CE, operada parcialmente pelo D.L. n.º 148/2008, bem como inconstitucional por violação do direito fundamental ao trabalho e à profissão. Para o caso de se continuar a pretender promover a alteração do leque de profissionais que possam passar a ficar habilitados a praticar um acto farmacêutico, restrito ao âmbito do disposto na Directiva 2001/82/CE, de 6 de Novembro, na sua redacção actual, sempre sugere a Ordem dos Farmacêuticos uma redacção que se Pág.15 de 21

reputa mais consentânea com todos os interesses envolvidos para a proposta de lei n.º 204/X, a saber: Artigo 76.º ( ) 1. O acto farmacêutico é da exclusiva competência e responsabilidade dos farmacêuticos. 2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, uma pessoa que se considere qualificada, nos termos do disposto nos artigos 45.º, alínea c), 52.º e 53.º da Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, na sua redacção actual, pode ser autorizada a praticar os actos previstos no artigo 55.º da mesma Directiva. No caso de V.V. Exas. promoverem a aprovação da proposta de lei n.º 204/X, tal e qual ela se encontra elaborada e apresentada, sem tomar em consideração a proposta de colaboração e alteração da Ordem dos Farmacêuticos, nos precisos termos supra explicitados, é intenção desta associação profissional: (i) apresentar queixa contra o Estado Português perante a Comissão Europeia por errónea transposição da Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, através do D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, em ordem à promoção de uma acção por incumprimento do Direito Comunitário; (ii) requerer ao Senhor Provedor de Justiça e à Procuradoria-Geral da República que promovam a declaração de inconstitucionalidade das normas constantes do D.L. n.º 148/2008, de 29 de Julho, que desrespeitam o disposto nas mencionadas directivas comunitárias; (iii) promover um amplo debate público da questão em causa, nele fazendo intervir todos os agentes actuantes no âmbito da Saúde Pública, quer a nível nacional, quer a nível comunitário. Lisboa, 13 de Fevereiro de 2009 Pág.16 de 21

Anexo I Print Screen das unidades curriculares do plano de estudos do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra Pág.17 de 21

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Anexo II Print Screen das unidades curriculares do plano de estudos do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa Pág.19 de 21

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