ESTUDO DOS IMPACTOS SOBRE O CLIMA REGIONAL DO RESERVATÓRIO DE ITAIPU

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Transcrição:

GIA / 4 7 a 22 de Outubro de 999 Foz do Iguaçu Paraná - Brasil GRUPO XI GRUPO DE ESTUDOS DE IMPACTOS AMBIENTAIS (GIA) ESTUDO DOS IMPACTOS SOBRE O CLIMA REGIONAL DO RESERVATÓRIO DE ITAIPU Nelson Luís * Cristhiane Michiko Passos Okawa Afonso Augusto Magalhães de Araújo Maurício Felga Gobbi SIMEPAR- Sistema Meteorológico do Paraná RESUMO Descreve-se um estudo dos impactos atmosféricos do lago de Itaipu: foi adotada uma abordagem combinando análise de dados históricos, micrometeorologia, com medição de albedos, rugosidades, fluxos superficiais e umidade do solo e simulações de cenários de uso do solo com um modelo de mesoescala. Nossas análises mostram que existe um gradiente de temperaturas e umidades no sentido lesteoeste entre Itaipu e a cidade de Cascavel; no entanto, o monitoramento micrometeorológico encontrou altas taxas de evapotranspiração na soja, o que é compatível com os resultados das simulações de mesoescala que mostram efeitos pequenos tanto sobre a temperatura do ar quanto sobre a umidade específica. PALAVRAS-CHAVE Mudança Climática Brisa de Lago Micrometeorologia Reservatórios - Evaporação.. - INTRODUÇÃO Em Agosto de 997, iniciou-se no SIMEPAR (Sistema Meteorológico do Paraná) um estudo de 2 anos contratado por ITAIPU, denominado Mesolit (Estudos de Mesoescala para o Lago de Itaipu), com o objetivo de avaliar a influência do reservatório de Itaipu sobre o clima regional. Apesar de este ser um tema polêmico, existem poucos estudos objetivos que tenham se proposto a quantificar os efeitos climáticos da construção de lagos. Sabe-se que um espelho d água grande altera as características da Camada-Limite Atmosférica (CLA) sobre ele, modificando os fluxos superficiais de quantidade de movimento, vapor d água e calor sensível e os campos médios de temperatura e umidade do ar em tempo bom. Entretanto, sabe-se menos sobre o alcance desta influência sobre a região de terra circundante. O estudo realizado inclui uma forte componente experimental, com a realização de campanhas micrometeorológicas na região para avaliar as trocas superfície-atmosfera que ocorrem no lago assim como em terra, sobre as culturas de soja que representam o uso dominante do solo na região do oeste paranaense. A outra vertente do projeto é a simulação em computador da atmosfera da região. Isto foi feito para analisar o alcance das influências de diversos cenários de uso do solo na região, com e sem o lago, e com e sem a cobertura vegetal nativa, da qual hoje só resta preservada a reserva do Parque Nacional do Iguaçu. Na seqüência serão descritas as principais abordagens do problema realizadas dentro do projeto Mesolit, e os seus resultados até o presente. 2. ANÁLISE DE SÉRIES HISTÓRICAS A realização de testes estatísticos de hipóteses (ou mesmo inspeções visuais) em séries históricas permite detectar evidências de não-estacionariedade. No caso de Itaipu, existem registros de detecção de nãoestacionariedade em séries históricas de dados meteorológicos medidos em estações na região do lago de Itaipu (Grimm, 988; Stivari e Oliveira, 996), as quais indicam que alguma mudança poderia ter ocorrido no regime climático após a construção da represa. *SIMEPAR - Sistema Meteorológico do Paraná Caixa Postal 38 CEP 8-97 Curitiba PR Tel.: (4) 366-22-6354 Fax (4) 366-222

2 Existem entretanto algumas limitações a uma abordagem puramente estatística do problema: o tamanho limitado das séries temporais disponíveis antes e depois da criação do lago; as modificações simultâneas do uso do solo devido ao avanço da atividade agrícola na região e o conseqüente desmatamento; e a variabilidade climática natural em períodos mais longos, do tipo associado, por exemplo, com El Niño. No projeto Mesolit as séries históricas de dados nas estações da Usina de Itaipu (margem direita), São Miguel do Iguaçu (margem esquerda, 29 km a leste da estação de Itaipu) e Cascavel (margem esquerda, km a leste de Itaipu) foram analisadas de forma diferente. Escolheu-se um período comum de observação, 983-995, posterior à formação do lago. Para este período, ajustou-se os dados de temperatura média, máxima e mínima do ar para os efeitos da altitude, levando em conta de forma aproximada os efeitos de estabilidade da atmosfera durante o dia e à noite ( et. al., 998); finalmente, plotou-se a média do período das temperaturas e umidades nas diversas estações com as barras de incerteza correspondentes a dois desvios-padrão em torno da média. A Figura mostra o caso da umidade específica. (g/kg) 2 5 5 Itp SM Casc 4 8 2 6 2 24 28 32 36 FIGURA. UMIDADE ESPECÍFICA MÉDIA DIÁRIA (G/KG) PARA ITAIPU, SÃO MIGUEL E CASCAVEL. Os resultados encontrados são os seguintes: durante quase todo o ano, e principalmente na primavera, a umidade relativa média diária na estação da Usina de Itaipu é significativamente maior do que em São Miguel e Cascavel; o mesmo efeito é ainda mais pronunciado para a umidade específica. As temperaturas médias diárias (corrigidas) de Cascavel são ligeiramente mais altas que as da estação de Itaipu. As temperaturas máximas corrigidas são significativamente mais altas em Cascavel no inverno, mas praticamente iguais no verão. O oposto ocorre para as mínimas (corrigidas): elas são menores em Cascavel do que em Itaipu no verão, e praticamente indistinguíveis no inverno. Admitindo-se que estes resultados estejam diretamente ligados ao efeito do lago, conclui-se que a umidade específica pode aumentar em até 4 g/kg sobre o lago em relação a Cascavel, e em 2 g/kg em relação a São Miguel do Iguaçu, mas que este efeito está limitado principalmente ao verão. As diferenças de temperatura máxima corrigida são da ordem de 2 o C (no inverno), e as diferenças de temperatura mínima são da ordem de 4 o C (no verão), entre Itaipu e Cascavel. 3. - MICROMETEOROLOGIA Duas estações meteorológicas automáticas foram instaladas na Usina de Itaipu e em São Miguel do Iguaçu, em cada margem do lago. Desde então, elas vêm monitorando o tempo continuamente, tendo sido utilizadas para o cálculo de índices de brisa de lago, comparações com campanhas micrometeorológicas, etc. Além disso, foram realizados 3 experimentos micrometeorológicos em dezembro de 997, janeiro de 998 e novembro de 998. Os experimentos mostraram que os dados da estação de São Miguel são bastante representativos da região de fazendas em torno. Já no caso da estação da Usina de Itaipu, a umidade medida é sistematicamente inferior à umidade nas margens do lago, e os registros de vento parecem ser muito influenciados por obstáculos (árvores altas) em redor. Um dos produtos mais importantes das campanhas micrometeorológicas é a medição direta com instrumentação especial dos fluxos de calor sensível H e latente LE entre a superfície e a atmosfera. São estes fluxos que produzem variações diretas nos campos de temperatura e umidade devido a mudanças na superfície. De fato, Segal et. al. (997) mostraram que a intensidade da brisa de lago pode ser estimada por gh W u =.2 () 2 ρc pt ( + W / L) onde g é a aceleração da gravidade, c p é o calor específico a pressão constante, ρ a densidade e T a temperatura do ar, W é a largura do lago e L é a distância da margem em terra. Note que a intensidade da brisa de lago é criticamente dependente da intensidade do fluxo de calor sensível H em terra. Por este motivo, um dos objetivos do projeto Mesolit foi o de quantificar da melhor maneira possível os fluxos turbulentos. Em 997 foi feito um experimento em que H foi medido continuamente por mais de semana com um anemômetro de hélice vertical e um termopar, e em novembro de 998 foi instalado um sistema de monitoramento ambiental na Fazenda São Lourenço, /3

3 2 H Rl-G intensidade da radiação incidente e da líquida é desprezível em comparação com seus valores de pico, por volta do meio-dia solar. Fica claro que a dependência do albedo com o ângulo solar, embora real, não pode ter efeitos danosos em função da intensidade quase nula da radiação solar incidente. (W/m2) 5 5 / 5/ 2/ 25/ 3/ 5/2 /2 Radiacao (W/m2) 5 25 75 5 25 Rl RSi RSr FIGURA 2. COMPARAÇÃO ENTRE H E RL-G DURANTE O PERÍODO DE DE JANEIRO A 9 DE FEVEREIRO DE 999. em Santa Teresinha do Itaipu, que tem operado continuamente desde então. A Figura 2 mostra 3 dias de medição contínua em janeiro/fevereiro de 999 de H, em comparação com a energia líquida disponível R l G (radiação líquida menos o fluxo de calor no solo) nesta estação (médias diárias): a diferença é o fluxo de calor latente (evapotranspiração) LE. Note que neste período de crescimento acelerado da soja os valores de H são relativamente pequenos, o que aponta para uma brisa de lago muito pequena ou inexistente. Os experimentos também proporcionaram algumas medições de evaporação do lago com equipamentos instalados na margem direita. Embora estas medições provavelmente estejam contaminadas com efeitos de margem e talvez de ondas, elas indicam valores da ordem de,29 mmh em janeiro de 998. Por comparação, a evapotranspiração na Fazenda São Lourenço em 2 dias de mediçã de novembro de 998 estava entre e 5 mmh. Outro resultado importante das campanhas de medição do projeto Mesolit são os dados relativos a radiação líquida, radiação solar incidente e radiação solar refletida. Um dos impactos climáticos mencionados pela comunidade seria o efeito espelho, ou seja: o efeito da relfexão de raios solares ao pôr-do-sol sobre as margem direita do reservatório. As medições de albedo tanto na região da soja quanto sobre o lago, a partir de uma tomada d água para abastecimento de Foz do Iguaçu, mostram um comportamento do albedo do lago rigorosamente dentro do esperado. A Figura 3 mostra a radiação líquida, solar incidente e solar refletida durante vários dias sobre a superfície da água, medida em dezembro de 997, e a Figura 4 mostra o albedo medido em 4 dias de céu limpo. Embora seja verdade que o albedo tende a aumentar muito no nascer e pôr do sol, nota-se claramente que nestes horários a -25 2/2 4/2 6/2 8/2 2/2 FIGURA 3. RADIAÇÃO LÍQUIDA, SOLAR INCIDENTE E SOLAR REFLETIDA OBSERVADAS NA TOMADA D ÁGUA DURANTE O EXINC. Albedo - Tomada d'agua.9.8.7.6.5.4.3.2. albedo 6/2 albedo 7/2 albedo 8/2 albedo 9/2 2 4 6 8 2 4 6 8 2 22 24 Horas FIGURA 4. ALBEDO MEDIDO NA TOMADA D ÁGUA DURANTE O EXINC. A partir de novembro de 998 começou-se a medir continuamente a temperatura e a umidade do solo em 3 níveis (2, 2 e 4 cm) na Fazenda São Lourenço. A umidade do solo está sendo medida com sensores baseados em refletometria no domínio do tempo, que apresentam inúmeras vantagens em relação aos métodos mais tradicionais que usam tensiômetros e sondas de nêutron. A Figura 5 mostra uma série de valores de 3 minutos, ao longo de 3 dias, de precipitação e umidade volumétrica do solo a 2 cm de profundidade. Talvez a maior importância das medições micrometeorológicas realizadas no projeto Mesolit seja

4 a possibilidade de se utilizar os dados obtidos, principalmente fluxos, rugosidades da superfície, albedos, temperaturas do solo e umidade do solo, em modelos de mesoescala. 5 4 3 2.5 prec umidade / 5/ / 5/ 2/ 25/ 3/ FIGURA 5. PRECIPITAÇÃO (MM) E UMIDADE VOLUMÉTRICA A 2CM DE PROFUNDIDADE, A CADA 3 MIN., EM JANEIRO DE 999. Estas medições são utilizadas para calibrar os esquemas de transferência solo-vegetação-atmosfera que todo modelo atmosférico utiliza para produzir suas condições de contorno inferiores. A Figura 6 demonstra a capacidade que o SVAT utilizado pelo modelo de mesoescala ARPS tem de reproduzir a evapotranspiração medida quando forçado por dados atmosféricos médios (temperatura, vento, radiação líquida, etc.). Fluxos de calor (W/m2) 4 2 8 6 4 2 LE - ARPS LE - Exinc -2 5/2 6/2 7/2 8/2 9/2 2/2 2/ dia FIGURA 6. CALIBRAÇÃO DO SVAT DO ARPS COM DADOS MEDIDOS DE EVAPOTRANSPIRAÇÃO 4. - ÍNDICE DE BRISA E VENTO GEOSTRÓFICO O índice de brisa V σ = c 2 p T onde V é uma velocidade de vento representativa e T é a diferença entre a temperatura da superfície da água e a temperatura do ar em terra, é uma forma comum de quantificar a intensidade das circulações induzidas pelo lago (Sun et. al., 997). A velocidade V pode ser o vento geostrófico ou o vento a m de altura medido em uma estação da região. Nós utilizamos os dados de longo período de temperatura da superfície da água, a temperatura máxima do ar entre : e 6: h e o valor máximo da velocidade do vento no mesmo período, registrados na estação de São Miguel, para calcular uma série temporal do índice entre junho de 997 e maio de 998. Paralelamente, foi feita uma análise de situações de tempo bom a partir de um registro de análises de campo de pressão para a América do Sul do modelo ETA do INPE/CPTEC, com o cálculo dos valores respectivos de vento geostrófico (Gobbi et. al., 998). Observou-se que os casos em que σ era muito pequeno ( <, ) estavam invariavelmente associados a centros de alta pressão sobre Foz do Iguaçu, enquanto que índices de brisa entre, e, correspondem a uma forçante sinótica fraca. Estas são as situações em que circulações locais de mesoescala (a brisa de lago) são mais prováveis, e elas foram utilizadas como base para se montar as condições atmosféricas iniciais das simulações de mesoescala descritas na próxima seção. brisa.... 6/97 7 8 9 2 2 3 4 mes FIGURA 7. ÍNDICE DE BRISA DIÁRIO PARA O LAGO DE ITAIPU. A Figura 7 mostra o índice de brisa diário em Foz do Iguaçu. Note que este é um dado de grande valor como forma de sintetizar (por exemplo para a comunidade que habita as margens do lago e cercanias) uma parte dos efeitos ambientais do lago: o acesso aos valores diários (ou mesmo horários) do índice é uma forma de prestar contas das condições de tempo, das interações existentes, e de seu alcance.

5 5. - SIMULAÇÕES DE MESOESCALA Modelos numéricos da atmosfera têm um grande potencial como ferramentas para analisar o impacto na atmosfera de mudanças ambientais. Por exemplo, modelos de circulação global têm sido utilizados há muitos anos para estudar cenários de aumento de CO 2 na atmosfera e suas conseqüências. A vertente computacional do projeto Mesolit baseia-se na técnica de construção de cenários, simulações da atmosfera e a análise das diferenças entre os campos atmosféricos produzidos pelos diferentes cenários. Num trabalho semelhante, porém envolvendo escalas espaciais maiores, Hostetler et. al. (993) estudaram o impacto climático dos lagos Pyramid e grandes lagos, nos EUA. No caso do lago Pyramid, cuja área superficial real é de 43 km2, sua área foi artificialmente aumentada para um ponto de grade com 6 6 km2; os resultados de 6 dias de simulação indicaram um aumento de o C na temperatura mínima sobre o lago, uma diminuição de,7 o C na temperatura máxima, e um aumento de,3 g/kg na umidade específica entre os cenários sem e com lago. Nestas simulações, apesar da superfície líquida ser seis vezes maior que a de Itaipu, os efeitos atmosféricos estão longe de serem dramáticos. As simulações de mesoescala do projeto Mesolit são semelhantes às de Hostetler et. al., mas envolvem escalas espaciais e temporais significativamente menores, com simulações de cerca de 36 horas. Embora isto restrinja o alcance climático das conclusões, é possível analisar o efeito do lago em episódios representativos. O modelo que utilizamos é o ARPS (Atmospheric Regional Prediction System) (Xue et. al., 995). Nossos resultados mostraram padrões médios de temperatura e umidade muito semelhantes entre os cenários com e sem lago, embora o curto período de tempo de simulação tenha produzido diferenças pontuais da ordem de ±2 o C e ± 5 g/kg. Também foram realizadas algumas simulações bidimensionais de controle. Simulações tridimensionais produzem padrões espaciais de temperatura, umidade, vento gerado localmente e chuva extremamente complexos, em que não é simples identificar o efeito do lago. Já simulações bidimensionais permitem identificar melhor as mudanças de umidade e temperatura, seu alcance sobre a terra e a geração de brisas de lago. De maneira geral, simulações tridimensionais e mais realistas mostram que os efeitos da presença do lago são geralmente pequenos, enquanto que simulações bidimensionais tendem a superestimar a importância do lago sobre a região de terra em volta. 6. CONCLUSÕES O tema impactos climáticos de reservatórios é inerentemente difícil de ser analisados, por um conjunto de razões: a dificuldade de se encontrar registros grandes de dados antes e depois da construção de represas, a simultaneidade de outros fatos ambientais tais como o desmatamento, que podem também produzir efeitos climáticos, a variabiliadade climática de período mais longo como por exemplo aquela relacionada ao fenômeno El Niño. Soma-se a isso uma relativa escassez de metodologias objetivas para analisar o assunto. Nós verificamos que é importante utilizar uma estratégia que contemple a análise estatística de dados, o monitoramento meteorológico e ambiental, e a simulação de cenários de uso do solo em computador. No caso do reservatório de Itaipu, nós encontramos nos dados de estações meteorológicas da região um gradiente de temperaturas máxima e mínima e umidade específica no sentido leste-oeste, com uma forte componente sazonal: as temperaturas máximas corrigidas para a altitude são maiores em Cascavel do que em Itaipu no inverno; as mínimas são menores em Cascavel no verão, e a umidade específica de Itaipu é maior ao longo de todo o ano. O monitoramento ambiental meteorológico e micrometeorológico realizado aumentou sensivelmente o volume de informações sobre o comportamento meteorológico da região, permitindo o acomponhamento horário de diversas variáveis, a medição de grandezas importantes para a modelagem atmosférica tais como o albedo e a rugosidade de diveros tipos de superfície, a medição de fluxos superficiais e da umidade do solo. Este acompanhamento é essencial na medida em que se sabe que os efeitos da construção de um reservatório sobre a atmosfera são tão mais importantes quanto mais seco for o ambiente terrestre em seu redor. Medições cuidadosas de evapotranspiração, fluxo de calor sensível e umidade do solo permitem portanto quantificar a intensidade dos contrastes entre o lago e a terra. Finalmente, nas simulações de mesoescala realizadas não foi possível encontrar efeitos importantes do lago de Itaipu: nossos resultados apresentam padrões espaciais das diferenças muito complexos e sem coerência espacial clara; as diferenças constatadas são em geral pequenas, e compatíveis com estudos similares realizados em outros lagos. 7. -BIBLIOGRAFIA () DIAS, N.L., OKAWA, C.M.P., GRODZKI, L., KAN, A., ARAÚJO, A.A.M, NAZARENO, P., ROCHA, L.S. E SANCHEZ, S.D. (998) Relatório II do Projeto Mesolit: Instalação de estações meteorológicas e resultados das medições micrometeorológicas. 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6 Relatório final da fase. Relatório Técnico SIMEPAR 6/98, Curitiba PR (3) GRIMM, A. M. (988) Verificação de variações climáticas na área do lago de Itaipu. V Congresso Brasileiro de Meteorologia, Rio de Janeiro, Anais II, p. II.7-II. (4) HOSTETLER, S.W., BATES, G.T. e GIORGI, F. (993) Interactive coupling of a lake thermal model with a regional climate model. Journal of Geophysical Research v. 98 n. D3 p. 545-557. (5) SEGAL, M., LEUTHOLD, M., ARRITT, R.W., ANDERSON, C. E SHEN, J. (997) Small lake daytime breezes: some observational and conceptual evaluations. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 78 p. 35-47. (6) STIVARI, S.M.S. e OLIVEIRA, A.P. (996) Avaliação do impacto do reservatório de Itaipu sobre a circulação atmosférica local. IX Congresso Brasileiro de Meteorologia, Campos do Jordão, Anais, p. 259-262 (7) SUN, J., LENSCHOW, D.H., MAHRT, L., CRAWFORD, T.L., DAVIS, K.J., ONCLEY, S.P., MCPHERSON, J.I., WANG, Q.W., DOBOSY, R.J. e DESJARDINS, R.L. (997) Lake-induced atmospheric circulations during BOREAS. Journal of Geophysical Research 2 (D24) p.2955-2966. (8) XUE, M., DROEGEMEIER, K.K., WONG, V., SHAPIRO, A. e BREWSTER, K. (995) Advanced Regional Prediction System ARPS, version 4. User s Guide. Center for Analysis and Prediction of Storms, University of Oklahoma.