Cisto paradental uma atualização e relato de caso

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Transcrição:

Cisto paradental uma atualização e relato de caso Paradental cyst an update and case report Alvimar Lima de Castro* Daniel Galera Bernabé** Antonio Augusto Polizel Ranieri*** Marcelo Macedo Crivelini**** O cisto paradental é uma lesão odontogênica que ocorre próxima à margem cervical da face lateral da raiz, como conseqüência de um processo inflamatório na bolsa periodontal. Geralmente, localiza-se nas faces vestibular e distal de terceiros molares inferiores parcial ou totalmente erupcionados. O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de uma lesão óssea localizada na região distal de um terceiro molar inferior parcialmente erupcionado, descoberta ao exame radiográfico de uma paciente do sexo feminino que apresentava história de pericoronarite. O diagnóstico de cisto paradental foi definido após correlação dos achados radiográficos, cirúrgicos e microscópicos. Esses achados e o diagnóstico diferencial do cisto paradental com outras lesões são também analisados. Palavras-chave: Cistos odontogênicos. Cistos maxilomandibulares. Doenças maxilomandibulares. Introdução O cisto paradental foi, primeiramente, descrito por Craig 1 (1976), ao reportar 49 cistos relacionados aos terceiros molares inferiores parcialmente erupcionados, referindo-se à lesão como cisto odontogênico inflamatório específico. A Organização Mundial de Saúde definiu-o como um cisto que ocorre próximo à margem cervical da face lateral da raiz, como conseqüência de um processo inflamatório. Pode aparecer ainda nas faces vestibular e distal de molares inferiores erupcionados, principalmente terceiros molares, onde há história associada de pericoronarite 2. Apesar de sua patogênese ser incerta, acredita-se que um processo inflamatório, como uma periodontite ou pericoronarite, estimule seu desenvolvimento 3. Mais de dois terços dos casos ocorrem durante a terceira década de vida e mais da metade está associada aos terceiros molares inferiores; o restante está relacionado com o primeiro e segundo molares e, mais raramente, com dentes anteriores 3,4. O propósito deste trabalho foi apresentar um caso de cisto paradental associado a terceiro molar inferior parcialmente erupcionado, discutindo suas características clínicas, radiográficas e microscópicas. * Professor Titular da disciplina de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Unesp. ** Aluno do curso de Doutorado em Estomatologia pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Unesp. *** Acadêmico do curso de Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba -Unesp. **** Professor Adjunto da disciplina de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - Unesp. 61

Caso clínico Paciente do sexo feminino, 26 anos, leucoderma, com queixa de dor à mastigação e história médica sem nenhum dado significativo. Ao exame físico extrabucal não foram observadas alterações relevantes; ao exame intrabucal, notaram-se dentição completa, boa higiene, além do terceiro molar inferior direito parcialmente erupcionado, com a superfície oclusodistal recoberta por tecido gengival fibroso (Fig. 1). Ao exame radiográfico, observou-se discreta imagem radiolúcida semilunar localizada na região distal da coroa do terceiro molar inferior direito, estendendo-se desde a crista óssea até abaixo do colo dental. A lesão apresentava tamanho aproximado de 8 mm no sentido mesiodistal e 4 mm no sentido cervicoclusal, delimitada por discreto halo esclerótico mais bem visualizado próximo à região cervical do dente (Fig. 2). A hipótese diagnóstica foi de cisto paradental. Após realizada exodontia do terceiro molar e curetagem do tecido fibroso capsular que envolvia a face distal da coroa, uma cavitação óssea foi identificada na região distal, onde o tecido mole se encontrava. O exame histopatológico deste tecido revelou uma cápsula conjuntiva revestida por epitélio estratificado pavimentoso de espessura variada, exibindo reação inflamatória crônica intensa (Fig. 3). Os achados microscópicos confirmaram o diagnóstico de cisto paradental. O exame radiográfico após seis anos da cirurgia mostrou reparo ósseo alveolar sem indícios de recidiva (Fig. 4). O paciente do caso em questão autorizou a publicação do presente trabalho por meio de assinatura de um termo de concentimento livre e esclarecido. Figura 2 - Imagem radiolúcida semilunar com discreto halo esclerótico na região distal e próximo ao colo cervical do terceiro molar inferior parcialmente erupcionado Figura 3 - Exame microscópico do tecido conjuntivo fibroso capsular que recobria parte do terceiro molar. Observa-se epitélio de revestimento do tipo estratificado pavimentoso e reação inflamatória crônica intensa subepitelial (HE 400x) Figura 1 - Terceiro molar inferior parcialmente erupcionado recoberto por tecido gengival na porção distovestibular da coroa Figura 4 - Exame radiográfico seis anos após a cirurgia 62

Discussão A etiopatogênese do cisto paradental é bastante discutida. Algumas possibilidades têm sido apresentadas, como a de que sua origem seria no epitélio sulcular ou resultante da proliferação dos restos epiteliais de Malassez 4. Entretanto, uma teoria de maior concordância entre alguns pesquisadores é que se desenvolva a partir do epitélio do órgão do esmalte 1,5. De acordo com Ackermann et al. 5 (1987), a formação cística ocorreria como resultado da expansão unilateral do folículo dental, secundariamente à destruição periodontal. Mais recentemente, Colgan et al. 6 (2002) levantaram a hipótese de que a impacção alimentar contribuiria para o desenvolvimento do cisto paradental. Dos 15 casos de cisto paradental que avaliaram, 13 apresentavam molar superior antagonista. Os autores sugeriram que os restos alimentares escoados pela superfície oclusal do terceiro molar durante a mastigação seriam forçados para o interior da bolsa do tecido gengival ao redor da coroa do dente e que a direção do escoamento estaria na dependência da angulação do terceiro molar em relação ao plano oclusal. Essa impacção, bem como sua resultante inflamatória, promoveriam o fechamento da abertura da bolsa do tecido mole pericoronário, fazendo com que, por processo osmótico, o fluido acumulado em seu interior estimulasse a expansão cística a partir do epitélio reduzido do esmalte. Apesar dessa hipótese, a relação entre impacção alimentar, pericoronarite e origem do cisto paradental precisa ser mais bem estudada. A paciente do presente relato também apresentava segundo e terceiro molares superiores que ocluíam com o terceiro molar inferior. Dados epidemiológicos parecem mostrar relação entre a idade do paciente e a localização do cisto. Pacientes portadores de cisto paradental associado ao terceiro molar são de idade mais avançada do que aqueles que apresentam o cisto no primeiro ou segundo molares inferiores 3. Parece também haver um desequilíbrio de sua ocorrência em relação ao sexo, visto que o cisto é de duas a três vezes mais prevalente nos homens em relação às mulheres 3,5. Philipsen et al. 3 (2004) estudaram 342 casos de cisto paradental, constatando que mais da metade estava relacionada com terceiros molares, seguindose os primeiros e segundos molares e, com menor freqüência, a região globulomaxilar. Os cistos paradentais associados ao primeiro e segundo molares inferiores geralmente produzem pouco ou nenhum sintoma. Em alguns casos, desconforto, tumefação, dor durante a oclusão, atraso na erupção e supuração podem estar presentes 7. Bolsas periodontais são muitas vezes encontradas na face vestibular do dente. Um dado importante é que, quando o cisto acomete esses dentes, o teste de vitalidade pulpar é positivo. Radiograficamente, os cistos paradentais nessa localização mostram radioluscência, estendendo-se acima da face vestibular da raiz do molar, com uma fina linha radiopaca delimitando a lesão. Na amostra estudada por Philipsen et al. 3 (2004), em que quase 3% dos casos localizavam-se em região globulomaxilar, as lesões eram caracterizadas por apresentar localização intra-óssea entre as raízes de incisivos laterais e caninos erupcionados 8, dentes que se mostram vitais ao teste termoelétrico. Os cistos paradentais associados à face vestibular e distovestibular de terceiros molares inferiores erupcionados ou parcialmente erupcionados representam a forma clínica mais encontrada. Geralmente estão associados a processos periodontais inflamatórios como a pericoronarite. Nesta localização, exceto os casos de infecção aguda, os sinais clínicos também são escassos. A paciente do presente relato apresentava desconforto durante a mastigação na região dos terceiros molares inferiores parcialmente erupcionados e a imagem cística foi descoberta com auxílio de uma radiografia realizada para o planejamento de extração desses dentes. Apesar de a paciente referir episódios de pericoronarite, o tecido que recobria a porção distal da coroa do terceiro molar não mostrava sinais de infecção ativa, o que justificaria o fato de, em alguns casos, o paciente não referir nenhum tipo de desconforto ou episódios de pericoronarite e a descoberta da lesão ser feita durante o exame radiográfico de rotina 5. O diagnóstico definitivo de cisto paradental é obtido somando-se os dados clínico-cirúrgicos, radiográficos e microscópicos 3,9,10. No presente caso, o achado radiográfico de imagem radiolúcida, mostrando a preservação do espaço folicular distal (definido como sinal de Colgan) no terceiro molar inferior parcialmente erupcionado, indicava a possibilidade de um cisto paradental. A presença de cavitação óssea na distal do alvéolo dentário, identificada no momento da exodontia do terceiro molar inferior, e as características microscópicas de epitélio escamoso estratificado hiperplásico e cápsula conjuntiva com inflamação suportaram o diagnóstico final de cisto paradental. Outros cistos odontogênicos, como o dentígero, o radicular e o periodontal lateral, além de tumores odontogênicos, como ameloblastoma e tumor odontogênico queratocístico, podem ser incluídos no diagnóstico diferencial 3,11. Dentre essas lesões, o cisto dentígero é o que mais se confunde com o cisto paradental, especificamente com a variação lateral do primeiro 12,13. Por isso, em razão do possível diagnóstico errôneo pode a incidência do cisto paradental ser, talvez, maior do que algumas investigações mostram 13. 63

Para Ackermann e Altini 13 (1990) e Colgan et al. 6 (2002), a denominação cisto dentígero lateral é questionável. Estes autores sugerem que a lesão representaria um cisto paradental, não uma variante do cisto dentígero, e afirmam que o sinal de Colgan seria um achado útil para distinguir os cistos paradentais dos dentígeros, pelo fato de indicar que a maior parte do folículo não está envolvida no processo de desenvolvimento cístico 6. Slater 14 (2003) também critica o fato de se propor o diagnóstico de cisto dentígero para imagens radiolúcidas hemisféricas localizadas na distal de coroas de terceiros molares inferiores parcialmente erupcionados, sugerindo que tais lesões não representariam um cisto paradental, mas, sim, uma bolsa periodontal balonizante, associada a um dente em erupção e desenvolvida após o fusionamento do epitélio reduzido do esmalte folicular com o epitélio gengival. As características histopatológicas do caso apresentado estão de acordo com a literatura, uma vez que se evidenciou na análise microscópica do tecido fibroso curetado concomitantemente à exodontia do terceiro molar presença de um revestimento epitelial de espessura variável e cápsula de tecido conjuntivo com intenso infiltrado inflamatório crônico. Invariavelmente, os cistos paradentais são revestidos por epitélio escamoso estratificado não queratinizado, que se apresenta hiperplásico, suportado por uma parede de tecido de granulação e tecido fibroso 3,6. Porém, alguns poucos casos são revestidos por epitélio delgado sem evidências de proliferação 6. A presença de um intenso infiltrado inflamatório crônico ou misto no tecido conjuntivo fibroso é um sinal constante. Outros achados histológicos comuns aos cistos inflamatórios, como focos de pigmento de hemossiderina e cristais de colesterol, também podem estar presentes 3,6. É importante lembrar que os achados histopatológicos do cisto paradental são semelhantes aos do cisto radicular 3,5,10, o que justifica um acurado exame clínico com avaliação da vitalidade pulpar do dente envolvido, associado à correta interpretação radiográfica para a diferenciação. A análise microscópica também é útil para se distinguir o cisto paradental do cisto dentígero. Os cistos dentígeros raramente se apresentam revestidos por epitélio odontogênico proliferativo espesso, contendo geralmente de duas a quatro camadas de células epiteliais cuboidais. Em casos de cistos dentígeros abscedados originados de dentes inclusos infectados pelo dente decíduo homólogo, o epitélio odontogênico também pode se tornar espesso, o que pode levar a uma semelhança com o aspecto microscópico do cisto paradental. Contudo, a correta interpretação dos dados clínicos e radiográficos auxilia na distinção dessas lesões. O tratamento de escolha para o cisto paradental associado aos terceiros molares é a exérese da lesão, juntamente com a extração do dente. No caso descrito, após a remoção do dente e da lesão, foi verificada a presença de uma cavidade óssea remanescente na área em que o cisto foi curetado. A observação, durante a cirurgia, da presença de cavidade óssea e de conteúdo cístico, é achado que indica lesão cística e, portanto, pode se tornar relevante para diferenciar pequenos cistos paradentais ou dentígeros de folículos pericoronais aumentados, principalmente nos casos de dentes totalmente inclusos com imagem radiolúcida envolvendo a coroa 9. Nos casos de cisto paradental associado a primeiro e segundo molares, o tratamento recomendado consiste na enucleação da lesão com manutenção do dente envolvido 3,7,10. Quando o cisto é completamente removido, a ocorrência de recidiva é rara. Davi et al. 15 (1998) e Gomez et al. 16 (2001) reportaram evidências de que alguns cistos paradentais podem ser autolimitantes e apresentar resolução espontânea. Considerações finais Pelas características do caso descrito com a revisão literária, conclui-se que o cisto paradental deve ser considerado no diagnóstico diferencial de lesões ósseas localizadas na região de terceiro molar inferior. Geralmente, está relacionado a dentes parcialmente erupcionados com história de pericoronarite. Apesar de apresentar, na maioria das vezes, imagem radiográfica peculiar, com halo semilunar envolvendo a raiz e coroa do dente, a sua distinção em relação a outros cistos, como o dentígero e o radicular, deve ser realizada por adequada interpretação conjunta dos dados clínicos, cirúrgicos, radiográficos e microscópicos. Abstract The paradental cyst is an odontogenic lesion which occurs next to the cervical margin of the lateral surface of the root as a consequence of an inflammatory process in a pocket periodontal. It is usually located on the buccal and distal aspects of partially or fully erupted mandibular third molars. The objective of this study was to report a case of bone lesion located in the distal region of a partially erupted mandibular third molar, which was found a routine radiographic exam of a female patient who showed pericoronitis. The diagnosis of paradental cyst was defined after correlation of the radiographic, surgical and microscopic findings. These findings and the differential diagnosis of the paradental cyst with other lesions are also considered.. Key words: Odontogenic cysts. Jaw cysts. Jaw diseases. 64

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