Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia A PESQUISA ETNOBOTÂNICA COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DA PERCEPÇÃO LOCAL SOBRE O MEIO AMBIENTE Larissa Santos de Almeida; João Ricardo Vaconcellos Gama Realização Apoio
INTRODUÇÃO A biodiversidade existente no Brasil torna-se ainda mais importante após a adoção do conceito de sociobiodiversidade (BRASIL, 2009), que envolve vários povos e comunidades com visões, saberes e práticas culturais próprias, principalmente no contexto amazônico. Os diferentes saberes sobre as plantas têm sido objeto, durante anos, de diversos estudos buscando-se reunir informações sobre espécies vegetais e seus usos, por meio da pesquisa etnobotânica. Em Assentamentos Rurais, criados pelo governo federal como resposta à necessidade de uma reforma no campo (MICHELOTTI et al., 2007), as comunidades tendem à adquirir este saber de diferentes maneiras e esta apropriação é capaz de demonstrar a visão dessas populações inseridas na floresta sobre o contexto regional no qual estão inseridas. No Assentamento Mojú I e II, especificamente na comunidade Santo Antônio, a apropriação do conhecimento sobre o meio ambiente evoluiu ao longo do tempo e as dinâmicas regionais, ocorridas ao redor do núcleo da comunidade, podem ser percebidas em suas afirmações no momento da pesquisa etnobotânica. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 2
OBJETIVO O objetivo deste estudo foi avaliar as mudanças ocorridas na percepção comunitária sobre o contexto socioambiental regional, na comunidade Santo Antônio, Assentamento Mojú I e II, por meio de uma nova forma de interpretar os resultados dos estudos etnobotânicos ali desenvolvidos. METODOLOGIA Esta percepção local vem sendo avaliada desde o ano de 2005, na comunidade Santo Antônio, localizada no Assentamento Mojú I e II (3 32 58.89 S e 54 43 57.11 W), área sob influência da BR-163 (Rodovia Santarém Cuiabá), vicinal do km 124 (Figura 1). A área localiza-se na mesorregião do Baixo Amazonas e na microrregião de Santarém, oeste do Pará (IBGE, 2008). Esta análise foi justificada pelo fato da região ser fortemente influenciada por novas culturas social e agrícola, com o advento dos plantadores de soja, principalmente, para as novas fronteiras do norte do país através da BR-163 (STEWARD, 2004), que contribuíram também para consideráveis mudanças na paisagem da chamada região do Planalto santareno. A região também compõe uma área influenciada por empresas mineradoras e projetos de hidroelétricas. A pesquisa foi conduzida junto aos comunitários por meio de entrevistas, com aplicação de questionários estruturados e o método mais utilizado para as avaliações foi a observação participante, conforme a metodologia para pesquisa social proposta por Good e Hatt (1969) e Lakatos e Marconi (2001). Figura 1: Mapa de localização geográfica do Assentamento Mojú I e II, Pará, Brasil. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO Os questionamentos etnobotânicos realizados em 2010 revelaram uma forte relevância da floresta sobre a vida dos comunitários. A importância dos produtos e subprodutos de origem vegetal utilizados localmente é percebida, por exemplo, na afirmação [...] a gente conhece o óleo do piquiá como bom pra queimadura. Eu uso ele quando meus meninos tão gripados, junto com a andiroba, um pouquinho de copaíba e mel pra ajudar a soltar aquele catarro do peito, como se fosse um xarope [...], quanto ao uso medicinal da floresta. Na mesma proporção, a pesquisa etnobotânica atestou a percepção dos comunitários no aspecto econômico, na comparação entre a venda de uma árvore e seu potencial não madeireiro; e, ecológico, na compreensão do beneficio de se manter a floresta em pé após as mudanças percebidas na conversão da paisagem, como se observa na afirmação [...] agora no momento já está com pouco piquiá na mata, mas a gente não pensa mais em cortar porque além de eu ter o fruto pra alimentação eu tenho pra tirar o óleo. Hoje a gente já tem um conhecimento maior porque, vamos supor, eu vendo uma árvore a 70 reais, aí eu ia acabar com esse dinheiro que não ia dar pra quase nada, enquanto que se eu deixar pra tirar o óleo eu vou ganhar muito mais e é bem melhor pra floresta [...]. Tal afirmação mostrou um forte dinamismo entre o passado e o presente do comportamento dos comunitários diante da demanda pela madeira de seus lotes por parte de empresas madeireiras. Finalmente, a pesquisa etnobotânica refletiu o aspecto social: na citação do valor de utilização dos produtos da sociobiodiversidade dentro no núcleo familiar, através da alimentação e uso medicinal, além da consciência local da importância da floresta: [...] Uchi tem muito, nesse mato a gente passa por cima de uchi. A gente (família) come aqui é com farinha. O óleo dele serve muito também pra baque. Tudo na natureza serve pra gente [...]. Esta nova visão da pesquisa etnobotânica corrobora com a idéia de Alves (2006), que defende o uso de técnicas participativas para obter conhecimento e encaminhamento de soluções coletivas, por meio de indicadores de sustentabilidade. Os estudos realizados em oficinas no Reassentamento Mariana e no Assentamento São João, localizadas no município de Porto Nacional e Palmas, respectivamente, vão ao encontro da idéia de pesquisas participativas, como os diagnósticos etnobotânicos e participativos de interesse, realizados no Mojú, na construção e compreensão da história local. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora não existam sucessivas gerações na área do Assentamento, tal como no caso dos povos tradicionais, a apropriação do conhecimento advêm de diferentes fontes, desde televisão até o convívio social intra e extra-comunitário. Isto foi perceptível nas afirmações dos comunitários, na mudança de consciência e no nível de conhecimento local sobre o uso dos recursos naturais. De modo geral, as informações obtidas a partir das ferramentas da etnobotânica podem contribuir para o planejamento participativo para as futuras atividades no nível das comunidades e podem promover a criação de programas participativos de conservação. AGRADECIMENTOS bolsa. A primeira autora agradece ao CNPq, pelo auxílio financeiro e concessão de Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, J. M. Medida da convergência entre distintos olhares na sub-bacia hidrográfica do Ribeirão São João: indicador de sustentabilidade em planejamento participativo. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006. 77 p. BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral. Projeto RADAMBRASIL. Folha SA. 21. Santarém, geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro, 1976. 522 p. BRASIL. Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Ministério da Saúde. Brasília. 2009. 136 p. IBGE. Base de dados (2008). Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em 26 de fev 2010. GOODE, W. J.; HATT, P. K. Métodos em Pesquisa Social. 3ªed., São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969. LAKATOS E.M., MARCONI M.A. Fundamentos de Metodologia Científica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001. MICHELOTTI, F.; RIBEIRO, B.; SOUZA, H.; FREITAS, R. L. de; O agrário em questão: uma leitura sobre a criação dos assentamentos rurais no sudeste do Pará. In: II Encontro da Rede de Estudos Rurais. 11 a 14 de setembro de 2007. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, RJ, 2007. STEWARD, C. The Santarém Agricultural Landscape, Pará, Brazil: A working paper on agroindustrial and smallholder agriculture in Santarém. Tropical Resources Institute. Working Paper. n. 110, 2004. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 6