Identificação genética de aves vítimas do tráfico de animais silvestres



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Entendendo a herança genética (capítulo 5) Ana Paula Souto 2012

Entendendo a herança genética (capítulo 5) Ana Paula Souto 2012

Transcrição:

Identificação genética de aves vítimas do tráfico de animais silvestres ISSN 1981-8874 9 771981 887003 0 0 1 6 5 Carlos Benigno Vieira de Carvalho* O tráfico de animais silvestres representa uma ameaça à sobrevivência das espécies nativas brasileiras. Na medida em que muitas vezes retira indivíduos diretamente da natureza, o comércio ilegal de espécies silvestres reduz a biodiversidade e altera os ecossistemas, colocando em risco as populações naturais (Alacs & Georges 2008). A crença na impunidade, bem como as altas taxas de lucro obtidas com o comércio ilegal de espécies de animais, são alguns dos fatores que contribuem para que esta atividade ilícita seja bastante difundida no Brasil. Estimativas sugerem que o tráfico de animais silvestres no Brasil movimente cerca de um bilhão de dólares por ano, sendo que as aves são os animais mais encontrados no comércio ilegal (Renctas 2001). Embora as aves nativas brasileiras encontrem-se protegidas pela atual legislação, muitas vezes os espécimes apreendidos não são facilmente identificáveis, o que prejudica a caracterização do crime e a definição da pena, dificultando a punição dos responsáveis. Ao contrário do que ocorre com a maior parte das aves adultas íntegras, nem sempre é possível por meio da morfologia identificar corretamente a espécie a que pertencem ovos e imaturos. Quando a identificação morfológica não é possível, podem ser utilizadas para este fim técnicas Figura 1. Imagem ilustrativa de um dos ovos encaminhados para identificação. baseadas na análise do DNA nuclear ou mitocondrial (Alacs et al. 2009). do mamíferos (Tsai et al. 2007), répteis (Wong et al. 2004), peixes O uso do DNA mitocondrial na identificação de espécies apre- (Kyle & Wilson 2007) e aves (Gupta et al. 2005; Parik et al. senta algumas vantagens quando comparado ao DNA nuclear. 2008), inclusive seus ovos (Jacques & Grattapaglia 2004; Cogh- Entre elas pode-se citar o fato de estar presente em um grande lan et al. 2011). número de cópias em cada célula, não sofrer recombinação gené- No Brasil, a identificação genética de espécies de aves com finatica e apresentar grandes taxas de mutação, o que faz com que mes- lidade forense ainda é feita em casos restritos e por poucas institumo espécies próximas apresentem diferenças que possibilitam a ições. Este artigo apresenta um desses casos, mostrando como a sua distinção (Linacre & Tobe 2011). Além disso, as técnicas de análise de sequências do citocromo b, realizada no Laboratório de identificação baseadas no DNA mitocondrial podem se valer de DNA do Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de primers universais para a amplificação da mesma região informa- Polícia Federal, foi eficaz para identificar as espécies de origem tiva em diversos grupos animais, permitindo a realização de exa- de ovos e indivíduos imaturos de aves silvestres vítimas do tráfico mes sem conhecimento prévio do material analisado. de animais. Diversas regiões do DNA mitocondrial podem ser utilizadas na identificação de espécies animais, entre elas, o gene citocromo b Material e Métodos (cytb), que tem sido uma escolha tradicional para este fim há bas- Nos anos de 2009 e 2010, foram realizadas pela Polícia Federal tante tempo (Parson et al. 2000; Hasieh et al. 2001). Na literatu- apreensões de ovos suspeitos com passageiros que embarcariam ra, podem ser encontrados inúmeros exemplos do uso desta no Aeroporto Internacional de Brasília. Após as apreensões, os região na identificação de vertebrados para fins forenses, incluin- ovos foram encaminhados para incubação no Jardim Zoológico 40

Tabela 1. Resultado da comparação entre as sequências dos espécimes examinados e aquelas com maior similaridade depositadas no GenBank. Item Figura 2. Imagem ilustrativa de um dos imaturos mortos encaminhados para identificação. Espécime/ Registro Espécie com maior similaridade (número de acesso ao GenBank) Cobertura* Similaridade** 1 ovo (329) Amazona aestiva (AY283469.1)*** 100% 99% 2 ovo (329) Amazona aestiva (AY283469.1)*** 100% 99% 3 ovo (329) Amazona aestiva (AY283469.1)*** 100% 99% 4 ovo (329) Amazona aestiva (AY283469.1)*** 100% 99% 5 ovo (329) Amazona aestiva (AY283469.1)*** 100% 99% 6 ovo (329) Alipiopsitta xanthops (AY669441.1) 100% 99% 7 ovo (329) Alipiopsitta xanthops (AY669441.1) 100% 99% 8 ovo (329) Alipiopsitta xanthops (AY669441.1) 100% 99% 9 ovo (329) Alipiopsitta xanthops (AY669861.1) 100% 100% 10 ovo (229) Ara chloropterus (AY669858.1) 100% 98% 11 cadáver (329) Amazona aestiva (AY283469.1)*** 100% 99% 12 cadáver (232) Ara chloropterus (AY669858.1) 100% 100% 13 cadáver (233) Ara chloropterus (AY669858.1) 100% 100% 14 cadáver (247) Ara chloropterus (AY669858.1) 100% 100% 15 cadáver (233) Ara chloropterus (AY669858.1) 100% 98% 16 cadáver (329) Aratinga aurea (AY286208.1) 86% 99% 17 cadáver (329) Megascops choliba (AJ004021.1) 97% 99% *Mostra o quanto a sequência questionada alinha com a sequência de maior similaridade. **No trecho alinhado entre a sequência questionada e a de maior similaridade. ***Embora seja de A. aestiva a sequência com maior homologia à sequência do espécime examinado, o alto grau de similaridade encontrado também com sequências de A. ochrocephala não permite apontar com segurança a qual das duas espécies pertence o espécime questionado. de Brasília em uma tentativa de preservar a sua viabilidade e proceder a sua identificação morfológica posterior. Na medida em que os ovos foram se tornando inviáveis ou que indivíduos imaturos pereciam, o material era congelado e encaminhado para exame. Dessa forma, o Laboratório de DNA do Instituto Nacional de Criminalística recebeu um total de 10 ovos e oito exemplares mortos de aves (como se trata de material de apreensões, o mesmo foi registrado no Laboratório de DNA sob os números 229, 232, 233, 247 e 329). Os ovos eram predominantemente brancos e possuíam tamanho variável entre 4,0 e 5,5 cm (maior diâmetro) Os exemplares mortos apresentavam diferentes tamanhos e estavam em fases iniciais de seu desenvolvimento, não sendo possível a sua identificação com base em características morfológicas (Figuras 1 e 2). Inicialmente, foram coletadas amostras do material encaminhado. Cada um dos exemplares mortos teve amostrada uma porção de tecido muscular de aproximadamente 0,3 cm³. Com relação aos ovos, os mesmos foram abertos e foi coletada uma pequena porção do tecido embrionário existente em seu interior (aproximadamente 0,3 cm³). Após incubação em tampão de extração com DTT e proteinase K, as amostras foram submetidas à extração orgânica seguida por diálise e concentra- MR ção em membrana Centricon (Millipo- MR re ), seguindo o protocolo adaptado de Comey et al (1994). As amostras de DNA extraído tiveram um fragmento de 358 pares de bases do gene mitocondrial do citocromo b (cytb) amplificado utilizando-se os primers e as condições de PCR descritas por Branicki et al. (2003). Após a verificação em gel de agarose, o produto de amplificação foi submetido a tratamento enzimático com ExoI e SAP e sequenciado através do método de terminação de cadeia nos sentidos direto e reverso com auxílio do kit Big Dye Terminator v1.1 (Applied Biosystems) em um analisador genético ABI 3100-Avant (Applied Biosystems). As sequências obtidas foram montadas e tiveram sua qualidade avaliada com auxílio do programa SeqScape v2.6 (Applied Biosystems). As sequências com qualidade suficiente para as análises foram editadas para a retirada dos segmentos iniciais e finais (correspondentes às sequências dos primers) e foram comparadas com aquelas existentes no GenBank, banco de dados de sequências genéticas do National Center for Biotechnology Information (NCBI), utilizando-se a ferramenta BLASTn. Para a identificação das espécies foram considerados os diferentes parâmetros apresentados para as 41

sequências resultantes, incluindo o percentual de alinhamento, a identidade máxima e a significância do resultado obtido. As sequências utilizadas se encontram listadas no Anexo 1. Os resultados obtidos por meio da ferramenta BLASTn foram posteriormente comparados com os resultados de árvores filogenéticas construídas com as sequências aqui obtidas e outras sequências homólogas de espécies próximas. O programa MEGA 5 (Tamura et al. 2011) foi utilizado no alinhamento das sequências e para as análises posteriores. As árvores foram construídas utilizando o modelo de substituição nucleotídica Maximum Composite Likelihood e o método de construção de árvores baseado na distância genética Neighbor- Joining (Saitou & Nei 1987), com teste de bootstrap (1000 réplicas) para avaliação da topologia resultante. Resultados Com exceção de um dos espécimes foi possível extrair DNA de todos os outros itens amostrados. A amplificação e o sequenciamento do fragmento do gene citocromo b foi bem sucedida para todos os 17 espécimes que tiveram o DNA extraído. O confronto das sequências obtidas com aquelas existentes no GenBank possibilitou a identificação dos 17 espécimes sequenciados, sendo 11 (65%) até o nível de espécie e seis (35%) pelo menos até o nível de gênero, pertencentes a duas famílias diferentes. Da família Psittacidae, foram identificados indivíduos pertencentes às espécies Alipiopsitta xanthops (anteriormente Amazona xanthops) (papagaio-galego), Ara chloropterus (arara-vermelha-grande), Aratinga aurea (periquito-rei) e ao gênero Amazona, enquanto da família Strigidae, foi identificado um indivíduo da espécie Megascops choliba (corujinha-do-mato). O alto grau de similaridade encontrado entre as sequências de alguns indivíduos e sequências de A. aestiva e A. Figura 3. Cladograma derivado de uma árvore Neighbor-Joining consensual (árvore condensada, ramos com valores de bootstrap <50% foram colapsados), construída com sequências nucleotídicas de citocromo b dos espécimens identificados como pertencentes ao gênero Amazona e Alipiopsitta neste trabalho e sequências dos mesmos gêneros, de ocorrência no Brasil, disponíveis no GenBank (sequências obtidas no GenBank são precedidas por seus números de acesso, = sequências obtidas neste trabalho). está relativamente bem representado em número de sequências ochrocephala não permite identificá-los até o nível de espécie depositadas no GenBank. Neste trabalho, a análise de sequências com base apenas no fragmento do citocromo b analisado (Tabela do citocromo b possibilitou a identificação até o nível de espécie 1). de 65% dos indivíduos sequenciados, o que confirma o seu valor As árvores filogenéticas construídas para cada uma das cinco como ferramenta para identificação de espécies. Para os espéciespécies identificadas se mostraram concordantes com os resul- mes identificados neste estudo como pertencentes ao gênero Amatados obtidos com o uso da ferramenta BLASTn, confirmando a zona, os dados obtidos não permitiram identificá-los com seguidentificação dos espécimes pertencentes às espécies A. xant- rança como pertencentes à espécie A. aestiva ou à A. ochrocephahops, A. chloropterus, A. aurea e M. choliba. A filogenia para os la, sendo necessários estudos adicionais. De fato, estudos filogeoutros seis espécimes pertencentes ao gênero Amazona resultou néticos anteriores baseados em diferentes genes mitocondriais no agrupamento destes com indivíduos das espécies A. aestiva e apontam para a grande similaridade genética entre A. aestiva e A. ochrocephala. Conforme mencionado anteriormente, estes grupos do complexo A. ochrocephala, mostrando que a classifiresultados não permitem afirmar com total segurança a qual das cação taxonômica do grupo é bastante complexa e precisa ser duas espécies pertencem os seis espécimes analisados (Figura melhor estudada (Eberhard & Bermingham 2004, Ribas et al. 3). 2007, Caparroz et al. 2009). Devido ao colorido de suas penas, comportamento e capaci- Discussão dade de vocalização, membros da família Psittacidae são bas- Pelo fato de já ser utilizado há bastante tempo em uma série de tante populares entre colecionadores, com o seu preço podendo estudos filogenéticos com aves, o gene mitocondrial citocromo b atingir milhares de dólares no mercado internacional (Alacs & 42

Georges 2008; Coughlan et al. 2011). Este é um dos motivos Branicki, W., T. Kupiec & R. Pawlowski. (2003) Validation of Cytochrome b pelo qual o comércio da maior parte das espécies do grupo se Sequence Analysis as a Method of Species Identification. Journal of Foren- sic Sciences 48(1): 83-87. encontra regulado pela Convenção sobre o Comércio Internaci- Coghlan, M. L., N. E. White, L. Parkinson, J. Haile & P. B. S Spencer (2011) Egg onal de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de forensics: An appraisal of DNA sequencing to assist in species identification Extinção CITES. Tal convenção, da qual o Brasil é signatário, of illegally smuggled eggs. Forensic Science International: Genetics: In tem por objetivo evitar que o comércio de espécies da fauna e da press. flora ameace a sua sobrevivência na natureza (www.cites.org). Comey, C. T., B. W. Koons, K. W. Preley, J. B. Smerick, C. A. Sobieralski, D. M. Embora no Brasil não existam muitas informações publicadas Stanley & F. S. 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Os resultados aqui obtidos, onde a maior parte das espé- line 150: 37-40. cies identificadas também pertence à família Psittacidae, bem Eberhard, J. R. & E. Bermingham (2004). Phylogeny and biogeography of the como de outras apreensões efetuadas pela Polícia Federal em Amazona Ochrocephala (Aves: Psittacidae) complex. The Auk 121(2): anos anteriores, corroboram a ideia de que os membros desse 318-332. grupo são alvos preferenciais para o comércio ilegal de aves sil- Gogliath, M., E. L. Bisaggio, L. B. Ribeiro, A. E. Resgalla & R. C. Borges (2010) vestres. Avifauna apreendida e entregue voluntariamente ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama de Juiz de Fora, Minas Gerais. Atuali- Tendo em vista não se tratar de uma espécie comercialmente dades Ornitológicas On-line 154: 55-59. valorizada, a presença de uma coruja da espécie Megascops cho- Gupta, S. K., S. K. Verma & L. Singui (2005) Molecular insight into a wildlife criliba entre os Psittacidae identificados neste trabalho pode ter me: the case of a peafowl slaughter. Forensic Science International 154: outras explicações. Uma delas seria a inclusão de ovos de uma 214 217. espécie menos visada entre ovos de Psittacidae em uma tentati- Hsieh, H., H. Chiang, L. Tsai, S. Lai, N. Huang, A. Linacre & J. C. Lee (2001) va de ludibriar eventuais compradores. Outra explicação seria a Cytochrome b gene for species identification of the conservation animals. Forensic Science International 122: 7-18. ocorrência natural de ovos de M. choliba entre ovos de Psittaci- Jacques, G. S. & D. Grattapaglia (2005) Identiûcação de espécies animais utilidae, uma vez que algumas espécies desse grupo podem expulsar zando genes mitocondriais no combate aos crimes contra a fauna. Resumos adultos de M. choliba das cavidades ou ocos onde estes nidifi- do 50º Congresso Brasileiro de Genética. 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Nei (1987) The neighbor-joining method: a new method for Agradecimentos reconstructing phylogenetic trees. Molecular Biology and Evolution 4(4): 406-25. Aos colegas Peritos Criminais Federais Gabriel Egito, Guilher- Tamura, K., D. Peterson, N. Peterson, G. Stecher, M. Nei & S. Kumar (2011) Moleme Jacques, Gustavo Chemale, Jeferson Badaraco e Jorge Freitas cular Evolutionary Genetics Analysis using Maximum Likelihood, Evolutipela cuidadosa revisão do manuscrito original e valiosas suges- onary Distance, and Maximum Parsimony Methods. Molecular Biology tões ao texto. Aos revisores de Atualidades Ornitológicas, e a and Evolution: In Press. Anderson Vieira Chaves, pelas correções, sugestões e comentáricies Tsai, L., M. Huang, C. Hsiao, A. C. Lin, S. Chen, J. C. Lee & H. Hsieh (2007) Speos, identification of animal specimens by cytochrome b gene. Forensic Sci- que contribuíram bastante para a melhoria do texto final. ence Journal 6(1): 63-65. Referências Bibliográficas Wong, K., J. 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Anexo 1. Sequências utilizadas. >Itens 1, 2, 3 e 11 CTTTGGGTCTCTCCTAGGAATTTGCCTAGCAA CACAAATCCTAACAGGTTTACTCCTAGCCGCAC ACTACACCGCAGACACCTCCCTAGCCTTCTCAT CTGTGGCTAACACATGCCGGAACGTACAGTACG GCTGACTAATCCGCAACCTTCACGCAAACGGA GCCTCACTCTTCTTCATCTGCATCTACCTGCATA TCGCCCGAGGCTTCTACTATGGCTCATACCTGTA TAAAGAAACCTGAAACACAGGAATCATCCTTCT CCTAACCCTCATGCAACAGCCTTCGTAGGATAC GTCCTGCCA >Itens 4 e 5 CTTTGGGTCTCTCCTAGGAATTTGCCTAGCAA CACAAATCCTAACAGGTTTACTCCTAGCCGCAC ACTACACCGCAGACACCTCCCTAGCCTTCTCAT CTGTGGCTAACACATGCCGGAACGTACAGTACG GCTGACTAATCCGCAACCTTCACGCAAACGGA GCCTCACTCTTCTTCATCTGCATCTACCTGCATA TTGCCCGAGGCTTCTACTATGGCTCATACCTGTA TAAAGAAACCTGAAACACAGGAATCATCCTTCT CCTAACCCTCATGGCAACAGCCTTCGTAGGATA CGTCCTGCCA >Itens 6, 7 e 8 CTTTGGGTCCCTCCTAGGAATCTGCCTAACAA CACAAATCCTAACAGGCCTACTCCTAGCCACCC ATTACACTGCAGACACCTCCCTAGCCTTCTCAT CCGTAGCCAACATATGCCGAAACGTACAATACG GCTGACTAATCCGCAACCTCCATGCAAATGGAG CCTCACTCTTCTTTATCTGCATTTACCTACATATC GCCCGGGGCTTCTACTACGGCTCGTACCTATATA AAGAAACCTGAAACACAGGAATTATCCTCCTCC TCACCCTTATAGCAACAGCCTTTGTAGGCTACG >Item 9 CTTTGGGTCCCTCCTAGGAATCTGCCTAACAA CACAAATCCTAACAGGCCTACTCCTAGCCGCCC ATTACACTGCAGACACCTCCCTAGCCTTCTCAT CCGTAGCCAACATATGCCGAAACGTACAATACG GCTGACTAATCCGCAACCTCCATGCAAATGGAG CCTCACTCTTCTTTATCTGCATTTACCTACATATC GCCCGGGGCTTCTACTACGGCTCATACCTATATA AAGAAACCTGAAACACAGGAATTATCCTCCTCC TCACCCTTATAGCAACAGCCTTTGTAGGCTACG >Item 10 CTTCGGGTCCCTSTTAGGAATCTGCTTAAAAA CACAAATCCTAACAGGCCTACTCCTAGCTGYCC AAYACTGCAGACACCTCTCTGGCCTTCTCTTCT GTGGCTAATATGTGTCGAAACGTACAATATGGTT GACTAATTCGAAACCTCCATGCAAACGGAGCCT CATTCTTCTTCATCTGTATCTACCTTCATATCGCC CGAGGCTTTTATTACGGCTCATACCTATACAAAG AAACCTGAAACACAGGTATCATCCTTCTACTTA CCCTCATAGCCACAGCCTTTGTTGGCTATGTCTT ACCA >Itens 12, 13 e 14 CTTCGGGTCCCTCTTAGGAATCTGCTTAACAA CACAAATCCTAACAGGCCTACTCCTAGCTGCCC ATTACACTGCAGACACCTCTCTGGCCTTCTCTT CTGTGGCTAATATGTGTCGAAACGTACAATATG GTTGACTAATTCGAAACCTCCATGCAAACGGAG CCTCATTCTTCTTCATCTGTATCTACCTTCATATC GCCCGAGGCTTTTATTACGGCTCATACCTATACA AAGAAACCTGAAACACAGGTATCATCCTTCTAC TTACCCTCATAGCCACAGCCTTTGTTGGCTATGT CTTACCA >Item 15 CTTCGGGTCCCTCTTAGGAATSTGCKTRACAA CACAAATCCTAACAGGCCTACTCCTAGCTGCCC ATCACACTGCAGACACCTCTCTGGCCTTCTCTT CTGTGGYTAATATGTGTCGAAACGTACAATATG GTTGACTAATTCGAAACCTCCATGCAAACGGAG CCTCATTCTTCTTCATCTGTATCTACCTTCATATC GCCCGAGGCTTTTATTACGGCTCATACCTATACA AAGAAACCTGAAACACAGGTATCATCCTTCTAC TTACCCTCATAGCCACAGCCTTTGTTGGCTATGT CTTACCA >Item 16 CTTCGGGTCCCTCCTAGGAATCTGCCTAATAA CACAAATCCTAACCGGCCTACTCCTAGCCGCTC ACTACACTGCAGACACTTCTCTAGCTTTCTCTC CGTAGCTATACATGCCGAAATGTACAATACGGTT GACTAATCCGAAATCTCCACGCAAACGGAGCCT CATTCTTCTTCATCTGCATTTACCTCCACATTGC TCGAGGTTTCTACTATGGTTCATACCTGTATAAA GAAACCTGAAACACAGGTATCATCCTCCTACTC ACCCTTATAGCCACAGCCTTTGTTGGCTATGTAC TACCA >Item 17 CTTCGGATCCCTACTAGCAATCTGCCTAGCAA CTCAAATCATCACAGGCCTCCTCCTCGCCACAC ACTATACAGCCGACTCAACCCTAGCATTCACAT CCGTGTCACACACCTGCCGGAATGTTCAATACG GCTGACTACTGCGTAACCTCCATGCAAATGGAG CCTCATTTTTCTTCATCTGCATCTATCTACACATC GGACGGGGCCTGTACTACGGCTCATATCTCTATA AAGAAACCTGAAATACAGGCATTATTCTTTTAC TCACCCTCATAGCAACTGCCTTCGTAGGTTACG 44