PARECER Nº 14.665 1. FÉRIAS. CONVERSÃO DE UM TERÇO DO PERÍODO EM ABONO PECUNIÁRIO. ARTIGO 143 DA CLT. 2. MEDIDAS DE CONTENÇÃO DE DESPESAS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO ESTADO. DECRETO Nº 44.867/07, ARTIGO 2º, INCISO VIII. O Diretor Superintendente em exercício da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) encaminha ofício à Procuradora-Geral do Estado, solicitando orientação acerca do Decreto nº 44.867, de 17 de janeiro de 2007, que adotou medidas de contenção de despesas a serem observadas pelos órgãos da Administração Direta, Autarquias e Fundações do Estado, mais especificamente quanto ao inciso VIII do artigo 2º, que suspendeu, pelo prazo de cem dias, a conversão de férias em pecúnia. Explica o consulente que a escala de férias daquela autarquia, para o ano de 2007, foi aprovada em dezembro de 2006, e que vários servidores requereram, em tempo hábil, a conversão de um terço do período de férias a que faziam jus em abono pecuniário, nos termos do artigo 143 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O Procurador-Geral Adjunto para Assuntos Jurídicos desta PGE acolhe a consulta ainda que não ratificada pelo Chefe da Pasta à qual vinculada a autarquia consulente, e atribui à mesma caráter de urgência. A Coordenadora da Procuradoria de Pessoal determina que o expediente tenha trâmite conjunto com outros dois, de nºs 60-05.61/07-0 e 740-05.67/07-2, remetidos pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, os quais contêm indagação sobre a mesma matéria. Esse o relatório. Inicio transcrevendo dispositivos do questionado Decreto nº 44.867, de 17 de janeiro de 2007: Art. 1º Fica vedado aos órgãos da Administração Pública Direta, incluídas as Autarquias e Fundações do Estado, pelo prazo de cem dias contados da data da publicação deste Decreto, a assunção de compromissos que impliquem em gastos com as seguintes despesas: (...) Art. 2º - Ficam suspensas na Administração Direta e Indireta, nas Autarquias e nas Fundações, pelo período estipulado no artigo 1º, as seguintes iniciativas relativas a pessoal: (...) VIII conversão de férias em pecúnia. A questão suscitada pelas entidades consulentes reside na seguinte dúvida: estaria o Decreto em referência, ao suspender por cem dias a conversão de férias em pecúnia, malferindo o artigo 143 da CLT, que faculta ao empregado 2
converter um terço do período a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes? Isso porque compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho, consoante estabelece o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, razão por que o ato normativo local afetaria direito dos empregados públicos estaduais que manifestassem interesse na aludida conversão. Relevante, então, examinar as normas da CLT que disciplinam o direito a férias e sua duração, concessão e época, remuneração e abono pecuniário: Art. 129. Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração. Art. 130. Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: Art. 134. As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses subseqüentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito. Art. 135. A concessão das férias será participada, por escrito, ao empregado, com antecedência de, no mínimo, 30 (trinta) dias. Dessa participação o interessado dará recibo. 1º - O empregado não poderá entrar no gozo das férias sem que apresente ao empregador sua CTPS, para que nela seja anotada a respectiva concessão. Art. 136. A época da concessão das férias será a que melhor consulte os interesses do empregador. Art. 137. Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração. Art. 143. É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de 3
férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. 1º - O abono de férias deverá ser requerido até 15 (quinze) dias antes do término do período aquisitivo. A conversão de um terço do período de férias em abono pecuniário, à luz do artigo 143 da CLT, constitui direito potestativo, porquanto se concretiza mediante declaração unilateral de vontade do empregado. É faculdade exclusiva deste, e independe da aquiescência do empregador. No dizer de Arnaldo Süssekind, trata-se de uma opção a ser feita pelo empregado, a que o empregador não se poderá opor, salvo se não manifestada no prazo legal. Direito potestativo, portanto, cuja eficácia se opera pela simples declaração de vontade do seu titular, distinguindo-se, assim, da pretensão (in Instituições de Direito do Trabalho, 22ª edição, SP:LTR, 2005, v. 2, p. 910). O prazo para a solicitação do abono de férias vem fixado no 1º do artigo 143 da CLT, qual seja até quinze dias antes do término do período aquisitivo, e não quinze dias antes do início das férias. Postulado fora desse interregno, ou até mesmo já no período concessivo, o empregador não estará obrigado a pagá-lo, pois o prazo legal não foi observado. Por outro lado, a edição do Decreto nº 44.867/07 configura típico ato de gestão, por intermédio do qual a Sra. Governadora está indicando como os administradores devem gerir a coisa pública no período de cem dias ali delimitado. A idéia central é conter despesas nesse prazo. Relativamente ao objeto da consulta, resta evidente que, para não gerar a obrigação de pagar o abono pecuniário de que trata o artigo 143 da CLT, o administrador deve evitar a concessão de férias no período indicado. Estão, portanto, 4
suspensas as iniciativas nesse sentido. Por óbvio, aquelas situações já consolidadas dificilmente serão revertidas. Daí se extrai que o artigo 2º, inciso VIII, do Decreto nº 44.867/07, não atinge o direito daqueles empregados que já foram avisados da concessão das férias, na forma do artigo 135 da CLT, e tenham requerido a conversão de um terço do período em pecúnia, nos termos do artigo 143, 1º, do mesmo diploma consolidado. Duas são as exigências que devem ser satisfeitas antes do ingresso do servidor em férias: comunicação por escrito a cargo da entidade e exibição, pelo empregado, da sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), para a respectiva e obrigatória anotação. Assim, não poderão ser canceladas as férias do servidor que já recebeu o correspondente aviso e apresentou a CTPS regularmente, salvo mediante anuência do próprio empregado ou em hipóteses de caso fortuito ou força maior, em que o trabalho for imprescindível para o atendimento de circunstância realmente grave, que justifique sacrificar o período de repouso. Conseqüentemente, não há como o empregador se furtar à conversão de um terço do período de férias em abono pecuniário, se a vontade do empregado é manifesta nesse sentido. Entretanto, na presente consulta, a Superintendência de Portos e Hidrovias simplesmente menciona a elaboração de escala de férias, aprovada em dezembro de 2006. Tal medida, cujo escopo reside na organização do serviço, embora de caráter profilático, não afasta a incidência do artigo 136 da CLT, que dispõe caber exclusivamente ao empregador a escolha do período de concessão de férias. De sorte que, na esteira da orientação do Decreto nº 44.867/07, se não houver interesse do empregador em conceder férias aos empregados que 5
tenham solicitado o abono pecuniário, a fruição das mesmas poderá ser agendada ou reagendada para períodos não abrangidos pelo ato normativo, desde que inocorrente a hipótese do artigo 135 da CLT, conforme antes preconizado. Deve-se atentar, também, para a possibilidade de existirem empregados que, embora não avisados da concessão de férias, estejam com o período de gozo expirando e tenham solicitado a conversão de um terço em pecúnia. Nesses casos, entendo que as férias devem ser concedidas, acrescidas do pagamento do abono pecuniário, se cumpridas as formalidades legais, sob pena de adimplemento em dobro (artigo 137 da CLT), o que se tornaria mais oneroso para os cofres públicos, desvirtuando-se, inclusive, a lógica que inspirou a edição do Decreto. Por fim, convém ressaltar que, durante o prazo de vigência das medidas de contenção de despesas instituídas pelo Decreto nº 44.867/07, a concessão de férias dos empregados públicos estaduais interessados na conversão de um terço do período em abono pecuniário deverá ser evitada, tendo presente a restrição posta no artigo 2º, inciso VIII, do ato governamental. Diante do exposto, concluo: a) o Decreto nº 44.867, de 17 de janeiro de 2007, que adota medidas de contenção de despesas a serem observadas pelos Órgãos da Administração Direta, Autarquias e Fundações do Estado, configura típico ato de gestão, por intermédio do qual a Sra. Governadora está indicando como os administradores devem gerir a coisa pública no período ali delimitado; b) o artigo 2º, inciso VIII, do Decreto nº 44.867/07, que suspende, por cem dias, as iniciativas relativas a pessoal tendentes à conversão de férias em pecúnia, deve sofrer hermenêutica que lhe preserve a legalidade, atentando-se, em especial, para as normas que disciplinam a concessão e a época das férias (artigos 134, 135, 136 e 137 da CLT). Para não gerar, portanto, a obrigação de pagar o 6
abono pecuniário de que trata o artigo 143 da CLT, o administrador deve evitar a concessão de férias no período indicado; c) em face da suspensão contida no artigo 2º, inciso VIII, do Decreto nº 44.867/07, o abono pecuniário a que se refere o artigo 143 da CLT, quando postulado dentro do prazo legal, somente é devido aos empregados públicos com férias já concedidas, observadas as exigências do artigo 135 e parágrafos da CLT, e na impossibilidade de serem as mesmas canceladas. Esse o parecer. Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2007. EUZÉBIO FERNANDO RUSCHEL, PROCURADOR DO ESTADO. Processo nº 000653-18.36/07-9 Processo nº 000060-05.61/07-0 Processo nº 000740-05.67/07-2 7
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Processos n.ºs 000653-18.36/07-9, 000060-05.61/07-0 e 000740-05.67/07-2 Acolho as conclusões do PARECER n.º 14.665, da Procuradoria de Pessoal, de autoria do Procurador do Estado Doutor EUZÉBIO FERNANDO RUSCHEL. Restitua-se o expediente ao Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Infra-Estrutura e Logística, ressaltando-se que as próximas consultas solicitadas por essa estatal deverão atender ao Of. Circ. GAB n.º 001/07, cópia que ora se anexa. Em 23 de fevereiro de 2007. Eliana Soledade Graeff Martins, Procuradora-Geral do Estado.