ANATOMIA FOLIAR DE CROTON LINEARIFOLIUS MULL. ARG. 1 Mateus Santos Brito 2, Daniela Deitos Fries 3, Sandra Lúcia da Cunha e Silva 3, Simone Andrade Gualberto 3. 1. Projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq 2. Graduando em Ciências Biológicas, UESB, Campus de Itapetinga, BA, Brasil. 3. Professores do Departamento de Estudos Básicos e Instrumentais, UESB, Campus de Itapetinga, BA, Brasil. E-mail: friesdd@hotmail.com Data de recebimento: 07/10/2011 - Data de aprovação: 14/11/2011 RESUMO O gênero Croton L. destaca-se entre as plantas nativas da caatinga que apresentam metabólitos secundários com interesse econômico. Entretanto, pouco se conhece sobre características anatômicas desse gênero. Objetivou-se descrever a anatomia foliar de C. linaerifolius, a fim de identificar características de adaptação ao estresse hídrico e contribuir com o conhecimento dos aspectos morfológicos de órgãos vegetativos dessa espécie. Folhas de C. linearifolius foram coletadas in natura na FLONA, fixadas e conservadas em álcool 70%. Realizou-se secções transversais e paradérmicas nas folhas, com posterior montagem de lâminas semi-permanentes e avaliação em microscópio de luz. Alguns cortes transversais foram corados com Safrablau. As folhas apresentaram-se anfiestomáticas, com maior ocorrência de estômatos na superfície inferior da folha, os quais apresentam paracíticos. Em vista frontal observou-se tricomas glandulares unicelulares e tricomas estrelados multicelulares. Os tricomas das duas faces possuem parede lignificada e se conectam a tricomas da outra superfície da folha por meio de esclereídes. A epiderme é unisseriada e irregular, o mesofilo é dorsiventral, com o parênquima paliçádico formado por uma única camada de células e o esponjoso apresenta de 4 a 5 camadas. Em todo o mesofilo encontram-se idioblastos com drusas. As folhas de C. linearifolius apresentam características de adaptação à deficiência hídrica. PALAVRAS-CHAVE: estômatos, tricomas, idioblastos. LEAF ANATOMY OF CROTON LINEARIFOLIUS MULL. ARG. ABSTRACT The genus Croton L. stands out among the native plants of the Caatinga with secondary metabolites that have an economic interest. However, little is known about the anatomical characteristics of this genre. The objective was to describe the leaf anatomy of C. linearifolius in order to identify characteristics of adaptation to water stress and contribute to the knowledge of the morphology of organs of this species. Leaves of C. linearifolius were collectes in natura in FLONA, fixed and preserved in alcohol 70%. We carried out cross-sections and paradermic leaves, with subsequent assembly of semi-permanents slides and evaluation under a light microscope. Some cross-section was stained with Safrablau. The leaves are amphistomatic presented a ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 77
greater occurrence of stomata on the lower surface of the leaf, which was paracitics. In front view there was glandular trichomes unicellular and stellate trichomes multicellular. The trichomes of the two sides have walls lignified and connect to trichomes to the other surface of the sheet by means of sclereids. The epidermis is uniseriate and irregular, the mesophyll is dorsiventral with a palisade arenchyma formed by a single layer of spongy parenchyma cells and 4 to 5 layers. Throughout the mesophyll idioblasts are with druses. The leaves of C. linearifolius have characteristics of adaptation to water stress. KEYWORDS: stomata, trichomes, idioblasts. INTRODUÇÃO Em diversas populações, o uso de plantas medicinais como recurso terapêutico, auxiliar ou exclusivo, é observado por pesquisadores de todo o mundo. De acordo com MELO et al. (2007), o conhecimento de comunidades tradicionais sobre o uso de plantas constitui-se em um mercado rentável que movimenta bilhões de dólares por ano. Ainda, segundo este autor, o aumento do uso de plantas medicinais pode estar associado a diversos fatores, seja de ordem econômica ou sócio-cultural, mas os seres humanos não são os únicos usuários das propriedades benéficas dos fitoterápicos. A medicina veterinária, de posse dos saberes populares, atrelada a uma metodologia científica de comprovação de tais saberes, também tem intensificado o uso de plantas no controle de ectoparasitas e de endoparasitas, melhorando a qualidade de produção de alimentos de origem animal (SILVA et al., 2010). A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimula o uso de plantas medicinais em países em desenvolvimento, uma vez que as pesquisas para o desenvolvimento de fármacos quimioterápicos são lentas e de alto custo (FRANK- DE-CARVALHO et al., 2005). Uma peculiar atenção deve ser dada à identificação da espécie botânica a que se pretende utilizar como fitoterápico. As análises morfoanatômicas são avaliações qualitativas úteis na diferenciação de espécies vegetais de interesse econômico, auxiliando no controle de qualidade da matéria-prima e na padronização de insumos (ZANETTI et al., 2004). Além disso, problemas taxonômicos típicos a alguns grupos podem ser resolvidos por meio de estudos morfológicos, uma vez que, a convergência da morfologia de órgãos vegetativos pode gerar problemas para a determinação de espécies (JACOMASSI et al., 2007). Euphorbiaceae é uma das maiores famílias da divisão Magnoliophyta, demonstrando uma notável variedade morfológica (LUCENA & SALES, 2006), o que dificulta o reconhecimento e diferenciação de seus representantes. Nesta família, o gênero Croton L. apresenta complexidade taxonômica, pois as informações existentes são controversas. Segundo SILVA et al. (2009), é necessário mais estudo das espécies brasileiras de Croton L., para facilitar sua identificação, uma vez que, o gênero foi (e ainda é) negligenciado pelos estudiosos em detrimento de gêneros de classificação mais delimitada (LIMA & PIRANI, 2008). Ainda segundo esses autores, o gênero Croton L. apresenta diversos metabólitos secundários de interesse econômico, voltados às mais diversas aplicações, principalmente terapêuticas. SILVA et al. (2010) demonstraram que o extrato etanólico de caule de Croton linearifolius Mull. Arg. tem atividade inseticida sobre indivíduos adultos de Cochliomyia macellaria, chegando ao conhecimento dessa espécie e seu respectivo ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 78
uso através de levantamento etnobotânico. Contudo as informações sobre C. linearifolius na literatura são escassas, necessitando de variados estudos para se conhecer seus diversos aspectos. A caracterização anatômica de órgãos de plantas pode fornecer subsídios para uma melhor descrição das espécies, principalmente, quando se trata de espécies com potencial farmacológico ou bioinseticida. Objetivou-se descrever a anatomia foliar de C. linaerifolius, a fim de identificar características de adaptação ao estresse hídrico e contribuir com o conhecimento dos aspectos morfológicos desta espécie. MATERIAL E MÉTODOS Sob o registro HUEFS 146620, do herbário da Universidade Estadual de Feira de Santana, estão as exsicatas de C. linearifolius, usadas para identificação da espécie. As folhas coletadas no hábitat natural da caatinga, na Floresta Nacional (13 55'37.08"S e 41 05'52.03"O), localizada no muni cípio de Contendas do Sincorá- Bahia, foram fixadas e armazenadas em álcool 70%. Foram realizadas secções paradérmicas à mão livre das faces abaxial e adaxial da folha. As secções transversais foram realizadas com micrótomo manual, clarificadas em hipoclorito de sódio e coradas com Safrablau (Safranina:Azul de Astra, 3:7), segundo BUKATSH (1972). As lâminas foram montadas em água glicerinada 50% e as estruturas analisadas em microscopia de luz. RESULTADOS E DISCUSSÃO As folhas de C. linearifolius são anfiestomáticas, com maior quantidade de estômatos na face abaxial (Figuras 1A e 1B). A presença de estômatos nas duas superfícies da folha é comum em plantas xerofíticas, apresentando mecanismos fisiológicos altamente eficientes (MENEZES et al., 2006). Os estômatos de ambas as faces são paracíticos, apresentando as células guarda circundadas por duas células subsidiárias desiguais paralelas ao ostíolo (Figuras 1C e 1D). Em secção transversal podem ser observadas as cristas estomáticas (Figura 1E). Em vista frontal, tanto a epiderme adaxial como a abaxial são formadas por células de paredes levemente sinuosas e apresentam tricomas glandulares e tricomas tectores estrelados (Figuras 2A e 2B). Os tricomas glandulares são unicelulares, apresentando as células da epiderme dispostas radialmente em volta de sua base (Figuras 2A e 2C). Os tricomas tectores têm paredes celulares lignificadas e estão conectados com os tricomas da outra superfície da folha por esclereídes (Figura 3B e 3C). Segundo MENEZES et al. (2006), essas estruturas devem estar relacionadas com a translocação de água, sendo mais uma adaptação à deficiência hídrica. Esses tricomas são do tipo estrelado com um raio central ereto (Figura 3A, 3B e 3F) e apresentam características diferenciadas entre as faces da folha. Na face abaxial, apresentam a base de seus raios laterais unidos entre si (Figura 3D) e o raio central é menor que os laterais (Figura 3A). Essa característica de união entre os raios laterais é denominada por alguns autores como estrelados-rotados ou estreladoslepidotos, para aqueles que apresentam de 5 a 49% de seus raios laterais unidos (LUCENA & SALES, 2006), ou pseudo-lepidoto, com raios laterais unidos em 20 a ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 79
30% de seu comprimento total, e estrelado lepidoto, com união de 30 a 50% (LIMA & PIRANI, 2008). Dessa forma, como no presente trabalho, os tricomas apresentaram menos de 10% de união entre os raios laterais podem ser classificados como estrelados-rotados e apresentam-se sésseis ou subsésseis (Figura 3B). Apesar de serem um pouco diferentes, os tricomas da epiderme adaxial também são do tipo estrelados-rotados, com o raio central ligeiramente menor que os laterais (Figura 3E) e estes não apresentam união entre si (Figura 3F). FIGURA 1. Distribuição estomática da face abaxial (A) e da face adaxial (B) das de folhas de Croton linearifolius; Estômatos paracíticos da face abaxial (C) e da face adaxial (D); E) Secção transversal com detalhes das células guarda e câmara subestomática. CG, Células Guarda; CS, Câmara Subestomática. FONTE: Autores. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 80
FIGURA 2. Epiderme adaxial e abaxial da folha de Croton linearifolius. A) Vista frontal das células epidérmicas e tricoma glandular (seta) da face adaxial; B) Vista frontal dos tricomas estrelados da face adaxial; C) Tricoma glandular da epiderme abaxial em secção transversal. As barras correspondem à 50 µm. FONTE: Autores. FIGURA 3. Tricomas estrelados-rotados de Croton linearifolius. A) Tricoma subséssil da face abaxial da folha em secção transversal; B) Secção transversal da folha; C) Esclereíde conectada a um tricoma séssil da face adaxial em secção transversal; D) Visão frontal de tricoma da face abaxial; E) Tricoma séssil da face adaxial da folha; F) Visão frontal de tricoma da face adaxial. EAb, Epiderme Abaxial; EAd, Epiderme Adaxial; Id, Idioblastos; Esc, Esclereíde. Setas Raio central do tricoma. As barras correspondem à 100 µm. FONTE: Autores. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 81
Os tricomas tectores nas superfícies das folhas atuam na reflexão da radiação, promovendo uma regulação na temperatura foliar e, consequentemente, influenciando indiretamente a economia de água. Além disso, eles podem formar um microclima com uma atmosfera saturada em água em volta da folha, apresentando importante adaptação a ambientes xéricos, pois, dessa forma, favorecem a assimilação de CO 2 e a manutenção da fotossíntese (LARCHER, 2000). Em secção transversal (Figura 4A), a epiderme apresenta-se unisseriada e irregular, com células de tamanhos variados. Essa característica é mais evidente na epiderme abaxial, a qual é mais delgada, apresentando células menores. Os estômatos localizam-se no mesmo nível das células epidérmicas (Figura 1E). O mesofilo é dorsiventral, com parênquima paliçádico formado por uma única camada de células, a qual ocupa em torno de 50% do mesofilo (Figuras 4A e 4B). O parênquima esponjoso apresenta de 4 a 5 camadas de células (Figura 4A). Em todo o mesofilo encontram-se idioblastos (Figura 3B e 4B) com drusas (Figura 4C) de diversos tamanhos. Os cristais, como as drusas, apresentam-se como uma adaptação que reflete a radiação solar entre as células do mesofilo, favorecendo a fotossíntese (LARCHER, 2000). FIGURA 4. Secções transversais de folhas de Croton linearifolius. A) Detalhes das epidermes adaxial e abaxial e dos parênquimas paliçádico e lacunoso; B) Idioblastos no mesofilo; C) Drusa. EAb, Epiderme Abaxial; EAd, Epiderme Adaxial; PPal, Parênquima Paliçádico; PEsp, Parênquima Esponjoso; Id, Idioblastos. As barras correspondem à 50 µm. FONTE: Autores. CONCLUSÕES As folhas de C. linearifolius apresentam-se anfiestomáticas, com estômatos paracíticos e tricomas glandulares e tricomas tectores estrelados-rotados em ambas as faces da folha. A presença e características dos tricomas tectores estrelados, com interconexão entre as faces da folha realizada por esclereídes, assim como, as drusas são características de adaptação ao estresse hídrico. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUKATSH, F. Benerkungren zur doppelfarbung astra blau safranina. Mikrocosmos, v. 61, p. 255, 1972. FRANK-DE-CARVALHO, S. M.; GRACIANO-RIBEIRO, D. Arquitetura, anatomia e histoquímica das folhas de Gomphrena arborescens L.f. (Amaranthaceae). Acta Botanica Brasilica, v. 19, n. 2, 2005. JACOMASSI, E.; MOSCHETA, I. S.; MACHADO, S. R. Morfoanatomia e histoquímica de Brosimum guadichaudii Trécul (Moraceae). Acta Botanica Brasilica, v. 21, n. 3, p. 575-597, 2007. LARCHER, W. Ecofisiologia Vegetal. Rima, 2000. LIMA, L. R.; PIRANI, J. R. Revisão taxonômica de Croton sect. Lamprocroton (Müll. Arg.) Pax (Euphorbiaceae s.s.). Biota Neotropica, v. 8, n. 2, p. 177-230, 2008. LUCENA, M. F. A.; SALES, M. F. Tricomas foliares em espécies de Croron L. (Crotonoideae-Euphorbiaceae). Rodriguésia, v. 57, n. 1, p. 11-25, 2006. MELO, J. G.; MARTINS, J. D. G.; AMORIM, E. L. C.; ALBUQUERQUE, U. P. Qualidade de produtos a base de plantas medicinais comercializados no Brasil: castanha-da-índia (Aesculus hippocastanum L.), capim-limão (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf ) e centela (Centella asiatica (L.) Urban). Acta Botanica Brasilica, v. 21, n. 1, p. 27-36, 2007. MENEZES, N. L. de; SILVA, D. C.; PINNA, G. F. A.M. de. Folha. In: APPEZZATO- DA-GLÓRIA, B.; CARMELLO-GUERREIRO, S. M. Anatomia Vegetal. UFV, 2006. 2 ed., Cap.12, p. 303-326. SILVA, J. S.; SALES, M. F.; CARNEIRO-TORRES, D. S. O gênero Croton (Euphorbiaceae) na microrregião do Vale do Ipanema, Pernambuco, Brasil. Rodriguésia, v. 60, n. 4, p. 879-901, 2009. SILVA, S. L. C.; CARVALHO, M. G. de; GUALBERTO S. A.; CARNEIRO-TORRES, D. S.; VASCONCELOS, K. C. F. de; OLIVEIRA, N. F. de. Bioatividade do extrato etanólico do caule de Croton linearifolius Mull. Arg. (Euphorbiaceae) sobre Crochliomyia macellaria (Diptera: Calliphoridae). Acta Veterinaria Brasilica, v. 4, n. 4, p. 252-258, 2010. ZANETTI, M.; CAZETTA, J. O.; MATTOS JÚNIOR, D.; CARVALHO, S. A. Influência do extrato pirolenhoso na calda de pulverização sobre o teor foliar de nutrientes em limoeiro cravo. Revista Brasileira de Fruticultura, v. 26, n. 3, p. 529-533, 2004. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 83