Subida de taxas moderadoras leva portugueses aos hospitais privados No primeiro trimestre, os hospitais públicos registaram uma quebra nos atendimentos das urgências. Já o sector privado verificou um aumento de 15% nas urgências. Há beneficiários da ADSE que pagam menos no privado do que no SNS. - piz
Taxas moderadoras mais caras empurram doentes para o privado Os atendimentos nas urgências dos hospitais privados aumentaram 15% até Março. Aumento das taxas moderadoras estão na base da maior procura. Lígia Simões ligia.simoes@economico.pt O aumento das taxas moderadoras está a levar a uma transferência de doentes das urgências dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para os privados. No primeiro trimestre, enquanto os hospitais públicos realizaram menos 6,7% atendimentos, o sector privado registou um acréscimo de utentes de 15% nas urgências. O maior número de atendimentos nos hospitais privados foi revelado ao Diário Económico pela Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), que atribui esta evolução ao aumento do preço a pagar pelos cuidados de saúde no SNS. "Verificamos um aumento de 15% nas urgências dos hospitais do sector privado e resulta da subida das taxas moderadoras e da abertura de novas unidades priva - das que motivaram um crescimento da procura", avançou ao Diário Económico Teófilo Leite, presidente da APHP, realçando que "em alguns casos é mais vantajoso recorrer aos hospitais privados nas urgências, como nos casos de convenções com a ADSE ou com a GNR e PSP". Segundo este responsável, a manter-se, até ao final de 2012, esta tendência de crescimento "a previsão é terminar este ano comperto de dois milhões de atendimentos na urgência [dos privados]". Um aumento de 250 mil face aos mais de 1,7 milhões de atendimentos em 2011. Os números revelados por esta associação - que integra 70 unidades privadas das cerca de cem existentes no País -, contrapõem com os dados oficiais do Ministério da Saúde que concluem por uma diminuição de atendimentos, em igual período, nos hospitais públicos e nos Serviços de Atendimento Permanente (SAP) dos centros de saúde: realizaram, respectivamente, menos 114 mil urgências e menos 242 mil atendimentos. O afastamento dos utentes do SNS e a sua transferência para o sector privado confirma agora o que diversos especialistas e os partidos da Oposição anteciparam no final de 2011, com o anúncio do aumento das taxas moderadoras para este ano, a face mais visível da'troika'nosns. O memorando de entendimento impôs o aumento dos preços no acesso aos cuidados públicos de saúde e desde o dia 1 de Janeiro que o preço a pagar pelos cuidados de saúde custa, em alguns casos, mais do dobro. Uma urgência polivalente custa agora 20 euros, quando até ao final do ano passado o preço era de 9,60 euros. E uma visita ao médico de família no centro de saúde custa hoje cinco euros, quando não ia além dos 2,25 euros. Mas apesar das taxas terem ficado mais caras, a conta final do utente em cada visita à urgência não pode ultrapassar agora os 50 euros. Em 2012, o Governo estima receitas de 199 milhões com as taxas moderadoras. ADSE é mais barato no privado A ida a um hospital privado pode ficar mais barato do que recorrer ao SNS. Os funcionários públicos pagam menos por uma consulta da especialidade nos serviços privados do que nos hospitais públicos (ver quadro). A APHP adianta ainda que os seguros de saúde tornam também mais atractivos os preços das consultas no privado. O que poderá levar a um desvio para hospitais privados, principalmente em áreas como a cardiologia e a dermatologia, as mais requisitadas pelos utentes. Críticas do pai do SNS O socialista António Arnaut já tinha alertado que o aumento das taxas moderadoras levaria o Governo a encaminhar doentes para fora do SNS: "Esta debandada para o sector privado não me surpreende. Eu próprio alertei o Governo para este risco. Eraexpectável face ao aumento desmesurado das taxas moderadoras - e criação de novas taxas - e à degradação da qualidade, nomeadamente com o aumento dos tempos de espera", reitera Arnaut. O pai do SNS não tem dúvidas que "está em marcha a destruição do SNS. O Governo em vez de fazê-lo por decreto, vai deixando-o definhar". Salienta aqui que a sua preocupação não é o aumento da procura pelo sector privado, mas antes o facto de "a
transferência de uma certa classe média significar que o SNS ficará para os pobres, o que levará a uma degradação da qualidade do serviço". Arnaut frisa ainda que "resta saber se esta transferência foi desejada pelo Governo". E conclui: "Se foi, é muito mais grave e neste caso o ministro da Saúde está a ser cúmplice da destruição do SNS". "Esta debandada para o privado não me surpreende. Eu próprio alertei o Governo para este risco. Se foi desejada pelo Executivo é multo mais grave", diz António Arnaut, pai do SNS. Menos urgências e mais consultas no SNS No primeiro trimestre deste ano registou-se uma quebra de 114.043 de atendimentos nas urgências do Serviço Nacional de Saúde. Trata-se de uma diminuição de 6,7% face ao mesmo período do ano passado, de acordo com o relatório da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) sobre a actividade assistencial nos hospitais e centros de saúde nos primeiros três meses de 2012.N0 mesmo período, os SAP (Serviço de Atendimento Permanente) efectuaram menos 241.917 atendimentos (menos 26,2% do que em igual período de 2011), o que segundo o Ministério da Saúde se deve "essencialmente aos encerramentos destes serviços ou redução dos seus horários de atendimento". As consultas hospitalares aumentaram, por seu turno, 2% (mais 56.601 consultas realizadas), enquanto as consultadas efectuadas nos centros de saúde cresceram 2,9%. De acordo com os mesmos dados, as consultas médicas domiciliárias, a cargo dos cuidados de saúde primários, aumentaram 14,8%, passando de 53.258, em 2011, para 61.128 este ano. LS. 6,7% Quebra de atendimentos nas urgências dos hospitais públicos no primeiro trimestre de 2012. DECO diz que preços afastam doentes do SNS Governo nega diminuição de pessoas nos centros de saúde após aumento das taxas. A Associação de Defesa dos Direitos do Consumidor (DECO) alertou, na semana passada, que o aumento das taxas moderadoras fez com que algumas pessoas deixassem de ir ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). A DECO aponta muitos constrangimentos no acesso à saúde, nomeadamente a demora na marcação de consultas, numa altura em que os dados do Ministério da Saúde apontam para uma diminuição das urgências hospitalares e dos centros de saúde. O secretário de Estado de Estado Adjunto do ministro da Saúde defende que é "totalmente falso" que o número de pessoas que vão aos centros de saúde esteja a diminuir devido ao aumento das taxas moderadoras. "Afirmar que vão menos pessoas ao médico por causa das taxas moderadas e que os mais pobres não vão lá porque não têm dinheiro para pagar é totalmente falso" afirmou Fernando Leal da, Costa, na passada quinta-feira, dia em que a DECO alertou para o afastamento de utentes do SNS, no âmbito da segunda conferência do ciclo "Políticas & Consumidores" sobre as principais áreas da sociedade portuguesa que mais têm sido afectadas pela crise, como é o caso da saúde. Fernando Leal da Costa apressou-se a contrariar a conclusão da DECO: "Essa é uma daquelas afirmações que não têm pés nem cabeça". O secretário de Estado comentava a posição de Ana Fialho, da direcção da DECO, sobre os efeitos da revisão das taxas moderadoras, quer nos montantes, quer nas isenções.
Uma medida que esta responsável diz ter "consequências imediatas", nomeadamente algumas pessoas estarem a deixar de ir ao SNS. Ana Fialho deu ainda conta que entre as muitas queixas que chegam à DECO, há também as relativas ao longo tempo de espera para a marcação de uma consulta, bem como reclamações referentes a pagamentos do mesmo serviço que diferem de local para local. Para o secretário de Estado não existe, no entanto, "nenhuma evidência" que sustente a posição da DECO de fuga de utentes do SNS, até porque, observou, "o número de consultas está a aumentar", destacando também que o actual Governo "aumentou o número de pessoas isentas de taxas moderadoras por circunstâncias que têm a ver com o seu rendimento económico". O número de utentes isentos por insuficiência económica aumentou para 2.638.006, mais 830.152 do que no ano anterior, tendo já o ministro da Saúde assumido que há mais de cinco milhões de isentos destas taxas. Fernando Leal da Costa destacou ainda que está "a diminuir algum excesso de procura nos serviços de urgência, o que até considerou positivo, uma vez que se regista "um aumento das consultas programadas".» L.S.