LOIRAS FILIGRANA. Cabelos d oiro



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Transcrição:

LOIRAS FILIGRANA Cabelos d oiro É uma arte milenar tradicional, que a maioria julga muito portuguesa. Mas à filigrana estão a ser dadas novas formas. Nas mãos de jovens designers que criam jóias de autor, a técnica mais perfeita ganhou asas REPORTAGEM DE KATYA DELIMBEUF

O COLAR LEVEZA FOI A PRIMEIRA EXPERIÊNCIA DE LILIANA GUERREIRO COM FILIGRANA. USAN- DO APENAS O FIO E O GRÃO, LIBERTOU A JÓIA DE ARMAÇÕES E ELE- MENTOS BARROCOS. TEM QUATRO HORAS DE TRABALHO E CUSTA 960 São horas e horas com as mãos e os olhos presos nesta dança de precisão, gestos firmes e criatividade à flor dos dedos. Liliana enrola habilmente o fio de filigrana, fino como um cabelo, com o ferrinho de enrolar que inventou no curso de ourivesaria. Delicadamente, vai ganhando a forma de espiral, que a jovem de 26 anos corta com uma tesoura e encaixa na armação da jóia em causa. Uma a uma, as espirais de filigrana são pressionadas umas contra as outras, com todo o cuidado. Um movimento mais brusco pode fazê-las saltar... e é preciso começar tudo de novo. Esta é uma das dificuldades da técnica da filigrana, além de ser morosa. Uma jóia pode ter dezenas de espirais, até preencher cada secção e podem ser cinco ou seis por peça. O fio de filigrana é milimétrico, mas Liliana não usa lupas nem lentes de aumentar. E ao fim do dia, não doem as mãos, os olhos? Os olhos, sim. Mas quem faz isto por gosto, não se cansa, diz a jovem que conseguiu tornar-se joalheira por via da persistência. A filigrana é um desafio à paciência. O primeiro contacto não foi fácil, conta, recordando as tentativas no primeiro ano do curso. Começámos por fazer um alfinete com meia flor, de pétalas em filigrana. Aconteceu-me encher uma, duas secções, e na altura da solda, as espirais não estarem bem encaixadas e... soltarem-se. A filigrana é uma coisa difícil. Mas eu gosto de coisas difíceis, confidencia. E a beleza da peça, no fim de tudo, vale bem a pena. Sentada na sua banca de ourives, recuperada, personalizada e pintada à mão, Liliana Alves ocupa uma sala com cerca de 20 m 2 numa incubadora escondida

FILIGRANA Comecei com 50 euros de material, conta Liliana Alves, que chegava ao fim do dia cheia de dores nas costas INSTRUMENTO PARA ENROLAR O FIO DE FILIGRANA E PÓ DE SOLDA. FEITAS AS ESPIRAIS COM O FIO, ESTAS SÃO CUIDADOSA- MENTE ENCAIXADAS UMA A UMA NA SECÇÃO DA JÓIA. NO FIM, SOL- DA-SE COM O MAÇARICO no piso de baixo dum imóvel da Câmara das Caldas da Rainha, que lhe permite o pagamento de uma renda simbólica. Tudo ali foi conquistado a pulso como a maquinaria, no compartimento ao lado, para polimento de metais ou para espalmar o fio da filigrana. Ou, apesar de não ser corpórea, também ali estar a sua marca, que ela conseguiu registar ao fim de dois anos de terror e burocracia. Agora, naquele pequeno espaço, convivem a sua mesa de trabalho, as ferramentas, penduradas na parede, e expositores com peças suas, para mostrar a quem lá vai. Liliana tem na versatilidade uma das características-chave das suas jóias: por exemplo, um colar com vários terminais pode ser usado de várias maneiras, e as peças que o compõem podem ser destacadas e usadas como pregadeiras. A joalheira também gosta de misturar materiais metais com prata, pedras semipreciosas e materiais orgânicos, madeiras nobres como o ébano com apontamentos de filigrana. As lições de um professor muito velhinho. Relativamente a esta técnica, Liliana sempre teve claro o que queria fazer: tornar as jóias com filigrana mais clean, mais modernas, menos pesadas, o que para ela implica fazer menos secções. E quanto menos secções, mais difícil é de encher. Porque as espirais de filigrana deixam de ter apoio, e são como que encostadas, sem suporte. Isto torna o trabalho muitíssimo mais difícil. É um desafio. Mas eu gosto de desafios, repete ela. Gosta de inovar. Num anel que criou, em forma de coração, fez terminais com padrões aleatórios, ao invés dos em forma de olho da filigrana tradicional. Já no curso de ourivesaria que tirou no CINDOR, em Gondomar, durante três anos, foi sempre incentivada a desenrascar-se, explica, mesmo sem grandes instrumentos, a saber fazer tudo à mão... Depois, deu-se a sorte de desenvolver uma grande empatia com o professor de filigrana, um senhor muito velhinho, que me deixava ir à escola à noite vê-lo trabalhar e experimentar... Olhe, foi quem me ensinou a fazer os olhinhos de filigrana, conta. Foi lá que aprendeu duas maneiras de fazer filigrana, e onde criou o tal instrumento de enrolar o fio. Findo o curso, decidiu arriscar e avançar por conta própria, dando uso à criatividade que levou a mãe, em todos os Natais, a nunca comprar prendas era sempre a filha que as fazia, sob forma de trabalhos manuais. Comecei com 50 euros, conta. Comprou prata, mais acessível, pedras e outros materiais, contactou amigos e começou a vender aos poucos. Trabalhava em casa. Chegava ao fim do dia cheia de dores nas costas, antes de comprar uma cadeira própria, de joalheiro. Hoje, é o pai, comerciante, quem lhe vende as jóias em ourivesarias pelo país. Ele é o homem do terreno. E sabe que não é qualquer loja que tem abertura para receber jóias de autor. Mas, aos poucos, o novo design vai conquistar o seu espaço no mercado, considera. Em 2007, Liliana fez um blogue (http://- joiaslilianalves.blogspot.com) e aumentou as encomendas. Hoje, trabalha uma média de 7 horas por dia, desde que chega, pelas 9h30, até que sai, às 19h. Já consegue viver da actividade de joalheira, tirando uma média de mil e poucos euros por mês, mas tem noção de que não faz pagar caro a mão-de-obra nem a autoria do design das suas jóias. Por exemplo: o colar Metamorfose, com vários terminais e oito utilizações possíveis, que conta mais de dez horas de mão-de-obra, está a ser vendido por 234 euros. Mensalmente, consegue fazer cerca de 15 peças. A inspiração tanto pode surgir num passeio durante o qual tropeça num bocado de pinha e isso dá origem a uns brincos como surgir em sonhos. Ou antes de adormecer. Consciente de que está ainda a começar, para Liliana trabalhar com uma técnica tão ancestral como a filigrana e dar-lhe vida nova é uma honra. A outra Liliana. No seu ateliê de design vanguardista em Paredes de Coura, o cenário de outra Liliana (Guerreiro de apelido) é bem diferente. Poderíamos estar no norte da Europa, a atentar nas linhas arquitectónicas rectilíneas, no alumínio em chapa ondulada que forra a fachada, no interior dominado pelo branco e por janelas redondas inundadas de luz, com vista para o verde forte da paisagem. Parece quase uma ilha na aldeia minhota. E este ateliê seria de facto uma ilha se Liliana Guerreiro não fosse daqui e não tivesse decidido voltar a casa. Aos 34 anos, Liliana condiz com o seu cenário. Olhos de gato castanhos amendoados, aprumada num elegante vestido preto, apenas uma nota de cor sobressai do todo: o verde dum anel desenhado por si, em resina. Há sete anos que trabalha como joalheira e tem TIAGO MIRANDA 40 REVISTA ÚNICA 15/08/2009

LILIANA ALVES COM O ANEL BATIMENTOS COM FORMA ( 65); DE CIMA PARA BAIXO: O COLAR FOLHAS DE OUTONO ( 156, 7 HORAS DE TRABALHO); PREGADEIRA PÁSSARO ( 102, 8 HORAS DE TRABALHO); ALFINETE DE PEITO COM PEDRA LÁPIS CRICOLA ( 150); PREGADEIRA DE FILIGRA- NA ( 94, 7 HORAS DE TRABALHO)

FILIGRANA A filigrana não é especificamente portuguesa. Mas a nossa é a mais minuciosa e perfeita, explica Liliana Guerreiro NO CARRINHO DE PUXAR FIO, A FILIGRANA PASSA PELO RUBI E FICA CADA VEZ MAIS FINA. AS CONTAS DE VIANA SÃO EXECUTADAS COM EMBUTIDOR E MARTELO. LILIANA USA-O PARA FAZER O SEU ANEL DE ESFERAS (PÁG. AO LADO) o seu próprio ateliê. Desde que saiu do curso de joalharia na Escola Superior de Arte de Design, de Matosinhos, até ao Prémio Internacional que ganhou, em 2007, no concurso internacional Reanimar a Filigrana, cumpriu já várias etapas de um percurso que lhe permite ter um discurso sobre o tema. Só gosto de fazer o que me apetece, confessa, frontalmente. Por isso, quando terminaram os estudos, juntou-se a duas amigas e começou a desenhar jóias. Depois, decidiu dar o salto. Montou ateliê e voltou a Paredes de Coura. Só anos mais tarde, porém, num workshop relacionado com filigrana, Liliana tomou contacto com esta arte pela primeira vez. Numa oficina de Travassos, a aldeia da filigrana por excelência, onde hoje apenas subsistem quatro ou cinco lojas, das dezenas de outrora, Liliana apaixonou-se. Na oficina dos irmãos Rodrigues. Guilherme e Joaquim, com quem mantém uma relação de quase família, foram fundamentais na sua descoberta da filigrana. A primeira vez que lá estive, pedi-lhes para trazer uma madeixa de fio de ouro e quando cheguei a casa fiz a minha primeira peça em filigrana: um colar, a que chamei Leveza. Quis libertar a filigrana das armações, usando só o fio e o grão. Deste primeiro contacto com a técnica ancestral sairia um I Prémio na Feira de Artesanato de Lisboa e o início de uma caminhada. Liliana não mais voltaria a deixar de usar a filigrana, sempre numa abordagem moderna. De resto, afirma nunca ter gostado das peças tradicionais, que considera demasiado pesadas e barrocas. Seguiu-se, em 2005, o Concurso Internacional de Filigrana, de onde saiu com outro 1º prémio. Com o colar Malha de Filigrana, a designer inventou e patenteou uma nova malha, desenvolvida a partir da repetição contínua, em espiral, dos terminais dos relicários do século XIX. Usei o fio do terminal, em conjunto com um fio liso, construído em espiral a partir do centro, explica ela, como se fosse simples. Isto deu origem a uma nova malha, que é soldada em todos os pontos, com maçarico de boca. Hoje, o colar premiado é vendido por mil euros, preço que tem de pagar a semana que demora a ser feito. Aí, Liliana não transige e reclama para os seus ajudantes a contribuição devida. A filigrana tem de ser bem paga, porque dá muito trabalho. E eles Guilherme e Joaquim Rodrigues são muito perfeitos a trabalhar. São os mais perfeitos de todos, defende. Por isso é que são sempre eles que fazem as minhas peças em filigrana porque são muito mais perfeitos que eu. Regressa à importância dos irmãos e da oficina de Travassos no seu percurso e no seu processo criativo. Adoro o caos e a desarrumação daquela oficina. Ali, a inspiração surge-me muitas vezes, a mexer em coisas ou a falar com eles e a ouvir as histórias que têm para contar... Não são pessoas que trabalhem facilmente com toda a gente, mas com ela entenderam-se desde o princípio. A designer lembra bem as gargalhadas que os irmãos Rodrigues com 45 anos de experiência de filigrana e 60 de idade deram nas primeiras vezes que viram as peças dela. Mas depois experimentavam fazê-las e agora, adoram-nas. Até já ofereceram algumas a familiares, afiança. Actualmente, Liliana faz sempre a primeira peça, e eles executam-nas em série, libertando-a para tarefas criativas. Exposição em Nova Iorque. Neste momento, a designer tem uma série de ideias novas de jóias que quer criar, porque já está cansada das suas peças. Há quatro anos que olho para elas. Preciso de criar novas, partilha. Por ora, o seu dia-a-dia divide-se entre as feiras onde vende as suas peças, no país e lá fora. Vai pelo menos a três feiras todos os anos na Suíça, Áustria e Alemanha. Vende ainda para cerca de 20 lojas e para museus, como o Guggenheim de Bilbau ou o Museu de Serralves. Este ano, pela primeira vez, foi convidada para participar numa feira de joalharia contemporânea no estrangeiro e foi seleccionada para integrar a exposição que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque dedica todos os anos a um país (no caso, Portugal), o que significa que as suas jóias estarão à venda no próximo ano na loja do museu (pode ver algumas peças em http://lilianajoias.blogspot.com). Uma coisa é certa ou melhor, duas: a primeira é que são os clientes nacionais quem mais admira e adquire as peças em filigrana. Outra, é que se esta arte não é especificamente portuguesa existe filigrana na Colômbia, na China, na Malásia, a Portuguesa é a mais minuciosa, a mais perfeita. É bom ver associado uma característica como o perfeccionismo à nossa identidade nacional. Ou não fosse para Liliana filigrana sinónimo de pormenor. n RUI DUARTE SILVA 42 REVISTA ÚNICA 15/08/2009

LILIANA GUERREIRO USANDO VÁRIOS DOS SEUS ANÉIS; EM CIMA, ALIANÇAS COM UMA MALHA DE FILIGRANA INVENTADA PELA JOA- LHEIRA (PRATA: 108; OURO: 204); EM OURO E PRATA ( 300 E 96); PENDENTE GRÃOS DE CAFÉ ( 108); O COLAR MALHA DE FILIGRANA (5 DIAS DE TRABALHO, 1000); ANEL ESFERA ( 90); ANEL EM MALHA DE FILIGRANA, EM OURO E PRATA ( 102)