GT27 - Narrativas, disputas e representatividade no sistema das artes: abordagens multidisciplinares

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Transcrição:

45º. Encontro Anual da Anpocs GT27 - Narrativas, disputas e representatividade no sistema das artes: abordagens multidisciplinares Curadorias etnográficas, polifonias e cacofonias Elisa de Souza Martinez Universidade de Brasília

Em 2014, o Centre Georges Pompidou, em Paris, realizou um conjunto de eventos para rememorar a exposição Magiciens de la terre. O evento, organizado em 1989 como parte das comemorações do bicentenário da Revolução Francesa, é considerado um marco na história das exposições internacionais. Seu subtítulo, desafiador, a primeira exposição mundial de arte contemporânea, colocava em questão a maneira como até então o campo das artes relegava a produção artística das margens a uma posição eminentemente subalterna. A proposta de simetria entre representações do mundo era marcada por uma meta numérica: 50 artistas das margens seriam colocados lado a lado 50 artistas do centro 1. Desse modo, haveria um panorama equânime da arte contemporânea, contrariando a cronologia eurocêntrica da história da arte, segundo a qual o mais recente, e evoluído, é a arte contemporânea produzida nos grandes centros europeus e estadunidenses. Entre os eventos comemorativos de 2014, destacamos a exposição Magiciens de la terre Retour sur une exposition légendaire e o seminário organizado pela Bibliothèque Kandinsky, do mesmo Centre Pompidou, Magiciens de la terre Le 25ème anniversaire d une exposition pionnière, à l orée de la mondialisation de l art, de 1 a 10 de julho de 2014 2. A exposição teve curadoria de Annie Cohen-Solal (Curadora Geral), Stéphanie Rivoire e Didier Schulmann, e foi aberta ao público de 2 de julho a 8 de setembro de 2014. Uma decisão importante marcou a exposição comemorativa de 2014: não haveria remontagem de Magiciens de la terre 3. Desse modo, o retorno era um encontro com 1 Conforme depoimento de Jean-Hubert Martin, durante o Seminário que comentaremos neste texto, a exposição teve, de fato, 104 artistas participantes. 2 Outro seminário foi realizado nos dias 27 e 28 de março de 2014, com o objetivo de reunir docentes, curadores e críticos de arte dos cinco continentes para avaliar contribuições e influências da exposição de 1989 na compreensão de uma situação mundial atual. Este seminário teve as contribuições de Jean-Hubert Martin, Laurent Jeanpierre, Jonathan Mane-Wheoki, Daniel Soutif, Niru Ratnam, Christine Eyéné, Annie Cohen-Solal, Hans Belting e Saskia Sassen. 3 No artigo Exposições memoriais e tipos expográficos, publicado nos Anais do 24º. Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap) analiso a aplicabilidade uma tipologia de exposições que representa eventos paradigmáticos, com o objetivo de refletir sobre sua aplicabilidade no Brasil. Texto disponível em: http://anpap.org.br/anais/2015/simposios/s11/elisa_de_souza_martinez.pdf. Recentemente, uma versão atualizada dessas reflexões foi apresentada no 40º. Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA) com o título Hegemônicos e subalternos em reedições curatoriais, cujo resumo está disponível em: http://www.cbha.art.br/coloquios/2020/templates/elisa_martinez.pdf.

documentos, com a memória do evento. Vitrines exibiam uma seleção de documentos reunidos pelos curadores no decorrer da pesquisa que antecedeu a mostra lendária: esquemas, anotações, catálogos, fotografias, entre outros registros das missões de cada um dos curadores pelo mundo: Jean-Hubert Martin, Mark Francis, Aline Luque, André Magnin e Jacques Soulillou. No quarto andar do Centre Pompidou, a parede entrada da galeria (Galerie du Musée) servia de fundo para a disposição de três grandes vitrines horizontais para a mostra de itens impressos que situavam um contexto para o retorno do visitante às ideias norteadoras de Magiciens, algumas referências e inspirações. Os documentos que introduziam a visitação eram variados, e ofereciam ao visitante um conjunto de fatos históricos que marcaram aquela década de 1980 e, sobretudo, antecederam a realização do evento que tinha o propósito de apresentar arte em seu sentido mais amplo, conforme as palavras de Jean- Hubert Martin 4. A ênfase na amplitude se manifestava com alguns princípios metodológicos para a pesquisa de campo dos curadores, conforme foi possível comprovar durante o seminário 5. De acordo com um dos textos explicativos da exposição de 2014, a metodologia foi inspirada pela etnografia. Com essa afirmação, descreve-se a curadoria como trabalho de campo: Visitas a ateliês e encontros com artistas são estágios clássicos na fase de preparação de uma exposição, mas Magiciens de la terre foi única ao incluir múltiplas missões ao redor do mundo. Apoiada em sólida documentação visual, cada missão tinha o objetivo de encontrar criadores e vê-los trabalhando em seu ambiente original. Quatro curadores e em torno de vinte coordenadores de projetos foram designados para buscar material em galerias, centros artísticos, escolas, ateliês e vilarejos nos países selecionados. A metodologia escolhida refletia o método etnográfico. Desse modo, diários de viagem, numerosas séries de fotografias e relatórios das missões possibilitaram o acompanhamento das reuniões e dos problemas encontrados durante as viagens, para que fosse possível compreender as questões levantadas pela equipe, as negociações e as impressões, e, em alguns casos, compreender a complexidade envolvida quando se pretendia evitar uma abordagem comparativa. 4 No texto, inserido em uma das vitrines para apresentar um grupo de documentos, Jean-Hubert Martin descreve seu interesse pelo encontro que havia ocorrido entre os artistas Joseph Beuys e Robert Filliou com o Dalai Lama, na Documenta 7, em Kassel (Alemanha). Em seu comentário sobre esse episódio, Martin critica a presença sempre minoritária das representações de arte não-ocidental em eventos internacionais. Por esse motivo, parte do princípio de que o equilíbrio numérico poderia produzir uma representação do mundo equânime. 5 Minha participação neste seminário foi possível com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), com recursos do Edital n.01/2014.

Na sequência de vitrines, tem-se uma ideia geral. Na vitrine da esquerda, viam-se os mapas 6. A equipe de curadores optou pela utilização do mapa elaborado pelo australiano Stuart McArthur em 1979 com o propósito de redefinir a imagem do mundo, atribuindo um protagonismo visual evidente a seu país. Instaura-se com esse mapa uma preocupação em pensar a viagem como trajeto do pensamento visual que, como tal, não se configura a partir apenas de referências conceituais, e expressa também motivações políticas e econômicas. A relação entre mapa, geografia do pensamento e deslocamento cognitivo parece evidente em decorrência do desconforto frente à distribuição dos continentes segundo uma localização convencional e arbitrária. Não casualmente, na galeria em frente à parede de apresentação da exposição-documento, na Galerie d art graphique, outra exposição apresentava 26 desenhos originais de Francis Picabia para as capas da Revue Littérature publicadas entre 1922 e 1924. As referências ao surrealismo, às expedições para conhecer culturas de regiões distantes e a maneiras de se contrapor às tradições artísticas europeias reverberam na documentação de Magiciens de la terre. Na parede em face à entrada na exposição-documento uma enorme foto de Picabia em preto e branco saudava os visitantes da exposição de seus desenhos, olhando também para os visitantes do retorno à Magiciens de la terre, dando-lhes a aprovação de um mentor complacente e satisfeito ao ver que a lição ensinada foi, de fato, aprendida. A vitrine seguinte contém catálogos de exposições que antecederam o evento de 1989, entre as quais encontrava-se o da célebre e polêmica exposição Primitivism in 20th Century Art: Affinity of the Tribal and the Modern 7 e o de Modernidade art brésilien du 20ème siècle 8. 6 Na pesquisa dos documentos de Magiciens de la terre, disponibilizados pela Bibliothéque Kandinsky, encontrei entre o material de pesquisa para elaboração da identidade visual do evento uma reprodução de uma página de livro inglês, sem referências, com um texto sobre mapas medievais, ilustrado com dois mapas t-maps dos séculos dez e treze, respectivamente. 7 Exposição realizada pelo Museum of Modern Art de Nova York (MoMA-NY), de 27 de setembro de 1984 a 15 de janeiro de 1985, com curadoria de William Rubin e Kirk Varnedoe. Essa é uma das exposições que, de maneira polêmica, parte da comparação entre objetos de arte tribal e obras de arte moderna europeia e estadunidense, destacando aspectos dos primeiros que são caros ao gosto moderno. 8 Exposição realizada pelo Musée d Art Moderne de la Ville de Paris, de 10 de dezembro de 1987 a 14 de fevereiro de 1988, com curadoria de Marie-Odile Briot, Aracy Amaral, Frederico Morais e Roberto Pontual. Sobre essa exposição, ver o artigo Modernidade, art brésilien du 20e siècle (Paris, 1987): uma exposição entre assimilação e deslocamento na história internacional da arte, de Camila Campelo Bechelany (Revista VIS, Vol.15, nº2/julho-dezembrode 2016).

Na terceira vitrine, o contexto 9 é complementado por uma documentação fotográfica de eventos artísticos que, testemunhados por Jean-Hubert Martin, vinculam seu pensamento a preocupações inspiradoras, como as ações de Joseph Beuys e Robert Filliou. Acima das vitrines, na parede, encontra-se um conjunto de 14 primeiras páginas de periódicos franceses, jornais e revistas, que situam o panorama no contexto nacional. A referência, ou inspiração, marcada pela exposição de Nova York é fundamental. Primitivism marca, na década de 1980, a retomada da discussão iniciada em 1938, com a primeira edição do livro Primitivism in Modern Painting, de Robert Goldwater. No prefácio do catálogo de Primitivism, William Rubin resgata o trabalho de Goldwater que, em quase cinquenta anos, havia permanecido irretocável. Enfatiza a contribuição do historiador da arte, assim como sua erudição equitativa no conhecimento do tribal e do moderno, e avalia sua contribuição para que se possa ver o homem invisível, presente na arte do século vinte, de modo inquestionável. Atualmente, o argumento pode parecer ultrapassado, sobretudo se considerarmos o que se denomina efeito Magiciens 10. Situar esse problema hoje é também insuficiente. A visão de Rubin apresenta um mundo que gira em torno da existência de uma pintura, Les Demoiselles d Avignon (1907), de Pablo Picasso, da coleção permanente do museu em que ele trabalha como curador. Embora rechace duramente o uso de clichês em artigos de jornal que apresentam a arte para o grande público, descrevendo o que seriam as qualidades das formas primitivas, seu propósito é levantar questões sobre uma relativa invisibilidade para a arte dos povos não-ocidentais 11. Seu ponto de partida, que admite ser uma correção de rumo, é a necessidade de reparar a curadoria que havia feito para a exposição Dada and Surrealist Art, na década de 1960. Seus objetivos para a exposição de 1984 são relativamente modestos, sobretudo se considerarmos que o catálogo é um livro que se propõe 9 Além dos catálogos citados, encontravam-se também o da Segunda Bienal de la Habana (1986) e da exposição D um autre continente L Australie, le rêve et le réel (18986), realizada também no Musée d Art Moderne de la Ville de Paris. 10 Inúmeros artigos têm sido publicados para, com ironia, refletir sobre a imagem totalizante que parece ter favorecido a sacralização de Magiciens de la terre. Uma dessas críticas pode ser, mas não apenas, o fato de que a exposição teve grande repercussão porque foi realizada em Paris, e não em uma capital do mundo não- Ocidental. 11 Usamos alguns termos como não-ocidental apenas para situar o pensamento que norteava as escolhas dos projetos analisados. Atualmente, a escolha terminológica poderia ser muito mais rica e complexa.

a registrar o resultado de cinco anos de pesquisa, inúmeras colaborações, e, sobretudo, rever uma grande parte dos clichês que rondam o homem invisível 12 e as relações entre arte europeia e coleções de objetos exóticos. Cita como grande motivação para suas pesquisas uma conversa que mantivera com Pablo Picasso, no ano que antecedeu a morte deste pintor. E, mantendo o fio condutor de suas pesquisas, a precedência da arte eurocêntrica, pergunta: Por que os Cubistas preferiram as esculturas africanas e não as da Oceania, e os Surrealistas preferiram o oposto? 13 Recusa-se a afirmar que o catálogo-livro seja uma publicação definitiva sobre o assunto e, no lugar disso, prefere registrar que é, na melhor das hipóteses, uma abertura para uma nova fase de pesquisa sobre o tema 14. A exposição do MoMA foi segmentada em quatro partes: conceitos, história, afinidades e explorações contemporâneas. O esquema geral partiu de princípios conservadores, mapeando um campo conceitual, ou um conjunto de conceitos-chave, para determinar o tipo de abordagem que se pretende e as referências teóricas que serão adotadas e, ao final, reafirmar a relevância da abordagem construída em uma perspectiva histórica. Uma metodologia contrastante com a de Magiciens de la terre. Recorrendo a outro tipo de linearidade, a da passagem sucessiva das páginas de um livro, o catálogo se estrutura com outro tipo de sequência unidirecional: objetos de arte tribal chegam no Ocidente para ser, em seguida, assimilados ao repertório da Arte Moderna. Ou, como era então recorrente afirmar, contribuem para a Arte Moderna na medida em que são assimilados a um vasto repertório de formas e processos intuitivos de manipulação de matérias e experiências. Ambos os argumentos, tanto o que afirma a tarefa do curador como árbitro das apropriações da arte primitiva quanto o do historiador preocupado em preencher lacunas em uma narrativa consolidada, convergem para um pensamento hegemônico. A perspectiva adotada por Rubin não afasta os problemas da história da arte, com as lacunas que seu texto denuncia, para outros territórios. Sua missão 12 A expressão utilizada por William Rubin para definir a presença do primitivismo na arte moderna e, especificamente, na produção acadêmica do século vinte, é um jogo de palavras. Remete-se a obra Invisible Object (Hands Holding the Void (1934), de Alberto Giacometti, cuja análise ocupa capítulo especial no segundo volume do catálogo, escrito por Rosalind Krauss. 13 Cf. William Rubin, Prefaces, in: Primitivism in 20 th Century Art. New York: The Museum of Modern Art, 1984, p. x. 14 Ibidem.

é iluminar alguns aspectos negligenciados por narrativas da arte e expor o modo como artistas modernos se apropriaram de formas ditas primitivas para ampliar um repertório formal 15. O segundo volume do catálogo de Primitivism traz um conjunto de ensaios em que são analisadas as apropriações nas obras de artistas que, além de Gauguin, Matisse e Picasso (sem esquecer os fauves) expressam uma busca das origens do primitivo no indivíduo, em um contato primordial com os mistérios da natureza, resgatando algo daquele espírito romântico do século dezenove. Desse modo, o foco deixa de ser as contribuições do primitivismo, do exótico, para a consolidação de um espírito moderno 16 e passa a ser o primitivo que habita em cada artista, em cada criador. Em termos conceituais, desde a década de 1960, quando práticas artísticas também passam a ser definidas como atos mágicos, ou narrativas míticas, esse tema se torna recorrente na arte contemporânea. Ver a obra de arte como esse lugar de experiência fugaz, única, é o que aproxima quem vislumbra a obra Spiral Jetty, de Robert Smithson, de 1970, dos geoglifos em Nazca, no Peru, realizados há algumas centenas de anos. A referência a esse primitivismo da land art é explícita em Magiciens de la terre, em que a realização in situ da obra Read Earth Circle, de Robert Long, é vizinha de Yam Dreaming, uma obra igualmente efêmera realizada por seis artistas Yuendumu da Australia 17. A obra de Longo, um grande círculo efêmero que se tornou indissociável da identidade visual de Magiciens de la terre, foi realizada de modo semelhante ao de outras obras do mesmo artista, em que utiliza terra como pigmento na sua execução de pintura mural. Em Primitivism 15 Alguns anos mais tarde, realizou-se no Brasil a exposição Trópicos visões a partir do centro do globo, com curadoria de Alfons Hug, Peter Junge e Viola König, que ocupou as galerias do Centro Cultural Banco do Brasil de 15 de outubro de 2007 a 4 de maio de 2008. A exposição foi organizada a partir da coleção do Museu Etnológico de Berlim, em parceria com o Instituto Goethe do Rio de Janeiro e com a colaboração do Museu de Arte Asiática de Berlim e do Museu do Índio do Rio de Janeiro. A remitologização dos trópicos se manifestava, de fato, como mais um discurso de enaltecimento das contribuições do efeito estético, da exotização realizada pelo olhar europeu. 16 E, lembramo-nos aqui do uso da palavra espírito em diversas situações ao longo do século vinte para definir um modo universal para compreender os fenômenos artísticos. 17 Um dos argumentos mais defendidos por Jean-Hubert Martin foi a importância de não citar mais os artistas fora do circuito hegemônico como membros de um grupo. Entretanto, no índice de artistas do catálogo de Magiciens de la terre encontra-se apenas a menção à Yuendumu (communité) em lugar dos nomes dos artistas: Francis Jupurrurla Kelly, Franck Bronson Jakamarra Nelson, Neville Japangardi Poulson, Paddy Japaljarri Sims, Paddy Japaljarri Stewart e Towser Jakamarra Walker.

Long realizou um círculo semelhante no espaço expositivo, como marca do primitivo contemporâneo. 2014: o retorno Primitivism nunca foi reencenada, tendo sido alvo de críticas recorrentes ao reducionismo e à voz hegemônica de seu discurso curatorial. Por outro lado, em Magiciens de la terre o contraponto entre uma exposição de documentos, em que reproduções fotográficas substituem a presença de obras e artistas, e a exposição original cria um afastamento incontestável entre evento e memória, e o risco de mitificar o primeiro. Além da ênfase na experiência, que não se repete, a lembrança de Magiciens de la terre evoca uma das críticas às decisões cenográficas realizadas em 1989. A exposição se distribuiu entre dois locais, em bairros diferentes de Paris: o Musée National d art moderne/centre Georges Pompidou e a Grande Halle La Villette. Apesar dos diagramas, alguns dos quais foram exibidos em 2014, em que uma grande confluência de ideias parece ter influenciado um desenho de exposição articulado, com partes em harmônica comunicação, a exposição segmentava a maioria das obras em salas, isoladas, e evitava o confronto visual, a aproximação entre obras por afinidades formais ou comparações. Desse modo, viam-se relações formais óbvias entre as figuras recortadas em ferro por Gabriel Bien-Aimé, do Haiti, e as de Christian Boltanski, da França. Entretanto, a aproximação era estabelecida no percurso do visitante, em sua leitura individual, sem qualquer recurso expográfico que a favorecesse. Em 2014, não havia um sentido de exposição sinalizado, que orientasse o caminhar do visitante, e a Galerie du musée se dividia em duas salas contíguas. Ao visitante cabia escolher por onde iniciar seu percurso. Do projeto cenográfico de Laurence Fontaine, destacavam-se três elementos marcantes: as paredes eram revestidas com uma colagem de fotografias da exposição de 1989, documentos de todo tipo eram expostos em vitrines e havia espaço para estudo da documentação. Fotografias de grandes dimensões forravam as paredes das salas como se tivessem sido, casualmente, capturadas de uma reunião de trabalho, desordenadas. De certo modo, a distribuição, em que se sobrepuseram imagens, contaminando a imagem de

uma obra com outra, parecia responder a crítica ao isolamento das obras, feita em 1989. Nas vitrines, assim como enxertadas em alguns locais entre as reproduções, exibiam-se documentários curtos em pequenos monitores de vídeo. Na sala da esquerda, além das vitrines, encontravam-se três nichos na parede, intercalados por dois monitores de vídeo, em que eram expostos livros, catálogos de exposições e revistas que, de certo modo, davam uma ideia do quão influente o evento parisiense passou a ser após 1989. Entre as publicações expostas encontra-se o livro Impressions d Afrique, de Raymond Roussel, o catálogo da Triennale do Palais de Tokyo de 2012, além de um catálogo dos artistas brasileiros na 20ª. Bienal Internacional de São Paulo e outro da exposição The Decade Show: frameworks of identity in the 1980s organizada por The New Museum of Contemporary Art, em Nova York, em 1990. Na sala à direita, além de duas pequenas vitrines horizontais, uma grande mesa ocupava a maior parte do espaço. As paredes ao redor também eram forradas com fotografias de grande formato da exposição original e, ao lado da mesa, via-se na parede uma sequência linear de fotografias pequenas, em preto e branco, de performances. Rodeada de bancos e cadeiras, mobiliário para o seminário, a grande mesa também era recoberta de documentos, todos protegidos por um grande vidro. Essa sala e a anterior eram unidas por uma imagem no chão: um grande círculo com linhas que representam meridianos e paralelos do globo terrestre era divido ao meio pela parede que separava os ambientes, cada semicírculo em uma sala. O seminário, que se realizava na sala à direita da entrada, era dividido em dois turnos, sendo o vespertino aberto ao público. A partir do horário de abertura do museu, e das galerias, o que ocorria no seminário era público. Pesquisadores de diferentes países apresentaram suas contribuições em grupos, enfocando os seguintes aspectos: Génealogie d une exposition phare. Génétique des pratiques et des documents, Réception critique. Le tournant des Magiciens de la terre, Déplacer le canon, ouvir les disciplines. Le partage des connections et des savoirs dans l espace museal 18. 18 Além do grupo de 24 pesquisadores selecionados, a programação teve também as contribuições de antropólogos, geógrafos, curadores, historiadores e artistas em todas as discussões.

Uma exposição e seus documentos A exposição de 2014 se apresentava como um registro de viagem. Nesse caso, uma viagem no tempo. Somente o deslocamento, ao contexto da época ou ao mundo em que aquela exposição foi realizada no ano do bicentenário da Revolução Francesa, poderia ajudar o visitante a compreender que, de fato, via vestígios. A opção por evitar a simulação do evento original colocava o visitante diante de uma tênue impressão do impacto da grandiosidade do evento de 1989. Em grande parte, não há como recuperar o contexto original e, sem o impacto das obras e seus autores, tampouco as questões que se produziram ali. Tendo em vista que o questionamento central levantado pela exposição de 1989 é a produção de discursos pelo mercado de arte contemporânea que afirmam a mundialização de uma cronologia hegemônica que poderia ser considerada, de fato, regional, destacam-se as obras que, conceitualmente, analisam o uso das imagens dos mapas. Entre essas encontra-se o trabalho de Alfredo Jaar, La géographie, ça sert d abord à fair ela guerre, cuja reprodução no catálogo da exposição original (1989, p.155) vem acompanhado do seguinte texto: A África está se tornando o lugar de despejo de milhões de toneladas de resíduos industriais tóxicos dos chamados países "desenvolvidos". Este novo "desenvolvimento" é a versão "moderna" do comércio de escravos. Embora esse tráfego ainda seja de mão única, ele não opera mais na mesma direção. Este "novo" estado de coisas nas relações internacionais não deveria causar surpresa. Os limites que se estendem "daqui para lá" já se foram e aqui temos a prova definitiva. Desnecessário dizer que os limites do "Aqui para Lá" estão mais fortes do que nunca. Na exposição de 2014, um texto, Mapping and representation of the world, apresentando a vitrine das cartografias descrita anteriormente, sinaliza que enquanto a geografia é fundamentalmente útil para fazer guerras (...) por muito tempo mapas foram representações extremamente codificadas, eurocêntricas do mundo até sua reinterpretação pelos surrealistas. A referência retoma, mais uma vez, a sintonia com a obra de Francis Picabia e Andre Breton. Picabia é homenageado em outra exposição, citada anteriormente neste texto, no mesmo museu. Breton é citado de maneira explícita em uma das vitrines da exposição-documento,

com uma foto de objetos que pertenceram à sua coleção particular que atualmente se encontram na coleção permanente do Centre Pompidou. Além disso, a vitrine dos mapas exibe o desenho Le monde au temps des Surrealistes, publicado em página dupla na revista Variétes, em junho de 1929. O texto da vitrine também descreve o papel dos surrealistas, proporcionando viagens reais ou imaginárias, tornando-se base para a demarcação de uma nova representação do mundo, de distâncias e de relações entre territórios. Permitindo-nos associar os documentos de Magiciens de la terre ao pensamento surrealista, resgatamos a revista Documents, editada por Georges Bataille. O título dessa publicação encobre, com ironia, o caráter testemunhal dos textos, bem como sua extrema subjetividade e apego ao gosto individual. A ambivalência predominante, como estratégia para abrir a leitura a múltiplas possibilidades interpretativas, dos documentos, parece criar uma presença simultânea de opiniões originais que não refletem qualquer tipo de lógica conhecida acerca de temas de interesse arqueológico e artístico. Segundo Bataille, a tarefa era publicar textos sem valor literário, sem originalidade 19, como podem ser os documentos reunidos na exposição de 2014. Em 1930, no sétimo número de Documents, Bataille incluiu o texto A Arte Primitiva, em que questiona a ousadia de G.H. Luquet, autor de L Art Primitif, publicado naquele mesmo ano, em Paris. Luquet nega, de modo questionável, a existência de uma única arte figurativa, em sintonia com um único conjunto de valores estéticos. Bataille cita a definição de Luquet para a arte figurativa que pode ser encontrada tanto em nossas crianças quanto em adultos, até mesmo profissionais, de meios humanos numerosos e variados, sobre os quais somos informados pela pré-história, pela história e pela etnografia. Uma vez que essas produções artísticas têm como caráter comum sua oposição à arte das civilizações adultas, é legítimo reuni-las num único gênero, a que convém o nome de arte primitiva. Levando em conta a idade dos artistas, poderemos distinguir, nesse 19 Na apresentação da edição brasileira (Desterro-Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.), encontra-se o texto de Denis Hollier, O valor de uso do impossível, publicado como prefácio da reimpressão de Documents, de 1991, organizada pelo mesmo autor.

gênero, duas espécies, a arte infantil e a arte primitiva dos adultos, mas essas duas espécies apresentam exatamente as mesmas características. 20 Detém-se o autor, e Bataille acompanha o desenvolvimento de suas ideias, na gênese da arte primitiva, e não naquilo que pode vir a diferenciar garatujas de expressões plásticas. No texto de Luquet, o que falta não é diferenciar os elementos que caracterizariam a arte primitiva para que esta seja propriamente identificada, mas sim definir o que seria o realismo intelectual que, diferentemente da imitação da natureza segundo o cânone da academia francesa, parece ser apenas uma expressão arbitrária que não se sustenta diante do realismo visual que se encontra nas pinturas rupestres do paleolítico. Paradoxalmente, o realismo intelectual culmina, para Bataille, na decomposição e não na reprodução de um cânone figurativo. Ainda que reconheça a contribuição de Luquet para falar sobre arte primitiva, ainda que desconfie da aproximação que este autor tenta estabelecer entre evolução do indivíduo (arte da criança) e evolução histórica (arte dos povos primitivos). Outro aspecto a ser destacado na reflexão sobre territórios e exclusão é o potencial das obras que eram, em 1989, colocadas na parte externa do espaço expositivo. No Centre Pompidou, a obra Homeless Vehicle, de Krzysztof Wodiczko 21, exposta na parte externa do edifício, representava a proposta curatorial de levantar questões dos visitantes sobre situações sociais e políticas específicas, e o destino de minorias e desfavorecidos 22, nesse caso, os sem teto que perambulas pelos grandes centros urbanos. Mundos e universos 20 G.H. Luquet, L Art Primitif. Paris: G. Doin, 1930, apud G. Bataille, A Arte Primitiva. In: Documents, tradução: João Camillo Penna e Marcelo Jacques de Moraes. Desterro (Florianópolis): Cultura e Barbárie 2018, p. 207. 21 Para conhecer esta obra, recomendamos uma visita ao website do artista: https://www.krzysztofwodiczko.com/instrumentation#/homeless-vehicle-project/. 22 Trecho do texto que, em uma das vitrines da exposição de 2014, com documentos do projeto Homeless Vehicle de Wodiczko, da instalação-denúncia do apartheid na África do Sul, de Hans Haacke, One Day, the Lions of Dulcie September Will Spout Water in Jubilation; e do projeto de Ilya Kabakov, no qual se apresenta com ironia a vida comum na União Soviética daqueles tempos que antecederam a Perestroika.

Um dos efeitos de Magiciens foi a mostra Universalis, na 23. Bienal Internacional de São Paulo 23. Para essa ocasião, Jean-Hubert Martin foi convidado como exímio africanista para assumir a curadoria da mostra Picasso, uma das salas especiais, e a seleção de artistas africanos e oceânicos. Mas, a reverberação se fez sentir em outros discursos, como o de Agnaldo Farias no texto Notas à margem, de apresentação à representação brasileira. Segundo o crítico Que identidade é possível se existem sistemas armados nos vários centros de decisões ocupados em engendramentos a enfeixarem pessoas, grupos e nações em imagens homogêneas e estereotipadas? Qual subjetividade será capaz de resistir incólume, sem se desenraizar, sem se desmaterializar, ao trespassamento por imagens de subjetividades que, não bastasse a arbitrariedade com que são revestidas, ainda são programadas para durarem não mais que uma temporada? 24 23 A exposição foi realizada de 5 de outubro a 8 de dezembro de 1996, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera. 24 Agnaldo Farias, Notas à margem. In: AGUILAR, Nelson (org.). Catálogo da Exposição Universalis da 23ª. Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1996, p. 36-37.