SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE UM MURO EXPERIMENTAL SOLO-PNEUS



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Transcrição:

SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE UM MURO EXPERIMENTAL SOLO-PNEUS Ana Cristina. C. F. Sieira sieira@civ.puc-rio.br Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Departamento de Engenharia Civil Rua Marquês de São Vicente, 225 Gávea, CEP: 22453-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Denise M. S. Gerscovich deniseg@uerj.br Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Estruturas e Fundações Rua São Francisco Xavier, 524 Maracanã, CEP: 20550-013, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Luciano V. de Medeiros medeiros@civ.puc-rio.br Alberto S. F. J. Sayão sayao@civ.puc-rio.br Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Departamento de Engenharia Civil Rua Marquês de São Vicente, 225 Gávea, CEP: 22453-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Resumo: Este trabalho apresenta os resultados da simulação numérica da construção de um muro experimental solo-pneus. O muro apresentou 60m de comprimento e 4m de altura, tendo sido construído com camadas horizontais de pneus, amarrados entre si e preenchidos com solo compactado. O muro foi executado com 4 seções instrumentadas, com características diferentes quanto `a geometria, amarração e configuração dos pneus. O comportamento tensão-deformação do material solo-pneus é analisado, comparando-se os resultados da instrumentação de campo com os valores previstos numericamente para duas seções com geometrias distintas. Os resultados da análise indicam que muro solo- pneus com 4m de altura e seção transversal constante, com largura de 3 pneus, podem ser utilizados em obras de contenção de taludes. Palavras-chave: Pneus usados, Estabilização de taludes, Modelagem numérica. 1. INTRODUÇÃO Pneus usados constituem um lixo indesejável, que se acumula em grandes proporções principalmente em áreas urbanas. O destino final de pneus usados é um problema de âmbito mundial, existindo uma crescente preocupação com políticas de incentivo à reciclagem, redução e reutilização dos rejeitos de pneus. A utilização de pneus descartados em obras de engenharia civil tem crescido nos últimos anos, apresentando-se como uma alternativa que associa a eficiência mecânica e o baixo custo do material. Experiências de utilização de pneus como elemento de reforço de aterros, como barreiras contra impactos ou ruídos e como elemento de redistribuição de tensões em dutos enterrados, têm sido relatadas na literatura (Long, 1990, Schlosser et al, 1994).

Um amplo projeto de pesquisa foi desenvolvido na PUC-Rio com o propósito de estudar a utilização de pneus usados em obras de engenharia civil. Especial atenção foi dada a sua utilização como material de construção de muros de arrimo. Este tipo de estrutura tem a finalidade de resistir a empuxos de terra e sua estabilidade contra deslizamento e tombamento é garantida por seu peso próprio. No âmbito desta pesquisa, foi construído um muro experimental de pneus e solo, totalmente instrumentado, de 4m de altura e 60m de comprimento. Com o objetivo de estabelecer a magnitude dos parâmetros de deformabilidade do material solo-pneus e tendo em vista a impossibilidade prática de realização de ensaios de laboratório com este material, foram realizadas simulações numéricas do processo construtivo do muro. Para tal, utilizou-se um programa de elementos finitos para análise de tensões e deformações, desenvolvido na PUC-Rio. Os deslocamentos horizontais previstos foram confrontados com os medidos no campo e os parâmetros de deformabilidade do material solopneus foram ajustados de forma a reproduzir, da melhor forma possível, os deslocamentos do muro. 2. MURO EXPERIMENTAL SOLO-PNEUS O muro experimental foi construído em uma área plana a jusante de uma encosta que apresentava sinais de instabilidade, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. O muro alcançou 4m de altura, sendo constituído por camadas horizontais de pneus preenchidos com solo residual compactado e amarrados entre si com corda ou arame. A face externa do muro apresenta uma inclinação média de 1:8 (horizontal : vertical). Ao término da construção, foi adicionada uma sobrecarga de 2m de altura de solo. Os deslocamentos horizontais e verticais do muro foram monitorados através de inclinômetros e extensômetros magnéticos, respectivamente. As tensões horizontais atuantes atrás do muro foram acompanhadas por células de pressão. Com o objetivo de comparar o comportamento de diferentes configurações, o muro foi composto de 4 seções transversais distintas, medindo 15m de comprimento cada. As seções transversais apresentaram as seguintes características: Seção A: composta por pneus inteiros, amarrados com corda de polipropileno de 6mm de diâmetro. Apresenta largura variável, com 6 pneus na base e 4 pneus no topo, como ilustra a Fig. 1(a); Seção B: apresenta características de geometria e amarração semelhantes às da seção A, sendo porém composta por pneus cortados (sem uma das bandas laterais). A Fig. 2 mostra um pneu inteiro e um cortado; Seção C: similar à seção B, estando os pneus amarrados com arame de gabiões; Seção D: similar à seção B, diferindo apenas por apresentar uma geometria mais esbelta, com largura constante de 3 pneus, como ilustra a Fig. 1(b). O solo local foi utilizado tanto para preenchimento dos pneus quanto para execução do retro-aterro. O material pode ser classificado como um silte areno-argiloso, proveniente do intemperismo de rocha gnáissica. O peso específico do material solo-pneu foi possível de ser determinado através de ensaios de densidade in situ, tendo sido observado um valor médio da ordem de 16 kn/m 3 (Sieira, 1998). No total, foram utilizados cerca de 15 mil pneus de automóveis para a execução do muro experimental. A Fig. 3 apresenta diferentes fases da construção do muro. Maiores detalhes sobre os aspectos construtivos, instrumentação de campo e características dos materiais estão apresentados em Andrade et al (1997), Medeiros et al (1997 e 1999) e Garga et al (1999).

2m sobrecarga 2m sobrecarga 4 pneus 4m 5 pneus retro-aterro 4m 3 pneus retro-aterro 6 pneus 3,6m (a) Seções A, B e C 1,8m (b) Seção D Figura 1 - Seções transversais típicas do muro experimental. Figura 2 Pneu inteiro e cortado 3. SIMULAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DO MURO A simulação numérica da construção do muro teve como objetivo estabelecer a magnitude dos parâmetros de deformabilidade do material solo-pneus. A metodologia adotada consistiu na subdivisão da análise em 2 etapas: muro isolado e conjunto muro/retro-aterro. Na 1 a etapa, o empuxo gerado pelo retro-aterro foi substituído por forças nodais equivalentes. Nesta etapa, os parâmetros de deformabilidade do conjunto solo-pneus foram estabelecidos de forma a reproduzir os deslocamentos horizontais observados no interior do muro. Uma vez definidos estes parâmetros, simulou-se a construção do conjunto muro/retro-aterro (2 a etapa), comparando-se mais uma vez os deslocamentos horizontais previstos com os observados. A escolha dos deslocamentos horizontais como parâmetro de avaliação da qualidade da simulação, se deveu ao fato de que as tensões independem dos parâmetros de deformabilidade (E,ν) do material, quando este é considerado homogêneo e elástico. As análises foram realizadas utilizando-se o programa de elementos finitos GESSDA, desenvolvido na PUC-Rio. Este programa utiliza elementos isoparamétricos de 4 nós e incorpora os modelos elástico-linear e hiperbólico, para reproduzir o comportamento tensão νs deformação dos materiais. O programa permite a simulação das etapas construtivas, através de técnica incremental (Murrugarra, 1996). Na primeira etapa, utilizou-se uma malha de elementos finitos constituída por 243 elementos, dispostos em 16 camadas. Esta malha corresponde às seções do muro experimental construídas com 6 pneus na base e 4 pneus no topo. Na segunda etapa, a malha era constituída

por 451 elementos. A Fig. 4 apresenta as malhas correspondentes à etapa de final da construção do muro. (a) Início da construção (b) Detalhe da amarração dos pneus (c) Detalhe da face do muro (d) Final de construção Figura 3 Etapas distintas da construção do muro. (a) Etapa I: muro e fundação (b) Etapa II: muro, retro-aterro e fundação Figura 4 - Malha de elementos finitos

3.1 Etapa I: muro isolado Nesta etapa, os módulos de deformabilidade (E) do material solo-pneus foram estabelecidos em função da reprodução dos deslocamentos horizontais medidos pela instrumentação instalada no interior do muro. O material solo-pneus foi considerado como linear-elástico e subdividido em 7 camadas horizontais distintas, para se identificar uma possível variação do módulo de Young (E) com a altura do muro. O coeficiente de Poisson (ν) foi mantido constante e igual a 0,35, pois a magnitude das deformações mostrou-se pouco afetada por variações deste parâmetro. O empuxo no muro, provocado pelo retro-aterro, foi substituído por forças nodais equivalentes, cuja magnitude foi determinada segundo as considerações da teoria clássica de Coulomb. Admitiu-se uma distribuição linear das tensões horizontais com a profundidade e um ângulo de atrito solo-muro (δ) igual a 2/3 do ângulo de atrito do solo (φ ). A Fig. 5 apresenta a comparação entre os deslocamentos previstos (Etapa I) e os observados no campo, para a seção B ao final de construção. Comportamento semelhante foi observado nas demais seções. Em todas as seções, o módulo de deformabilidade (E), constante ao longo da altura do muro, foi o que melhor reproduziu os resultados experimentais. Os valores de E situaram-se na faixa entre 1,8 e 3,0MPa. Estas variações foram atribuídas aos diferentes processos de amarração ou de configuração dos pneus (Sieira, 1998). Elevação (m) 3 2 simulação com forças nodais (1 a. Etapa) simulação com modelo hiperbólico (2 a. Etapa) iinclinômetro 1 0 0 10 20 Deslocamento horizontal (mm) 30 Figura 5 Deslocamentos horizontais: medidos e previstos 3.2 Etapa II: conjunto muro/retro-aterro Uma vez estabelecidos os parâmetros de deformabilidade (E, ν) do material solo-pneus, realizou-se uma segunda etapa de análise, ampliando-se a geometria da malha de forma a incorporar o retro-aterro. O comportamento tensão vs deformação do solo do retro-aterro foi simulado através do modelo hiperbólico (Sieira et al, 2000). Os resultados desta etapa de simulação, para o caso da seção B, estão apresentados na Fig. 5, em conjunto com os deslocamentos horizontais previstos na etapa I e os medidos no

campo. Estes resultados indicam que o modelo hiperbólico permite uma reprodução adequada do comportamento do conjunto muro/retro-aterro. A Fig. 6 mostra que as tensões horizontais previstas apresentam uma boa concordância com as observadas nas células de carga no campo. Estes resultados correspondem à situação de final de construção do muro. Elevação ( m ) 3 2 Células de pressão Numérico 1 0 5 10 15 20 25 30 35 Tensão horizontal (kpa) Figura 6 - Tensões horizontais: medidas e previstas (Final de Construção) 4. ANÁLISE DA SEÇÀO TRANSVERSAL DO MURO Uma das seções do muro experimental foi construída com geometria mais esbelta, apresentando uma largura constante de 3 pneus. Nesta seção, a estimativa de E não pôde ser executada de acordo com a metodologia descrita anteriormente, uma vez que os inclinômetros foram danificados durante a construção. Assim sendo, estabeleceu-se como critério adotar, para esta seção, o mesmo módulo E de 2,5MPa, obtido para a seção B. Esta abordagem teve como princípio, o fato de que ambas as seções foram executadas com o mesmo arranjo; isto é, pneus cortados e amarrados entre si com corda de polipropileno. A avaliação das dimensões da seção transversal do muro foi feita comparando-se os níveis de tensões normais e cisalhantes desenvolvidos no interior das seções B e D. Neste estudo, arbitraram-se, para o material solo-pneus, os mesmos parâmetros de resistência obtidos no solo do retro-aterro. O ângulo de atrito (φ ) foi considerado igual a 29º e o intercepto coesivo (c ) variando entre 0 e 13kPa. Adicionalmente, foi utilizado o parâmetro R (razão de ruptura) para estabelecimento das regiões em estado limite de ruptura: R = ( σ1 σ3) ( σ σ ) 1 3 f mob onde: (σ 1 -σ 3 ) f é a tensão desviadora na ruptura e (σ 1 -σ 3 ) mob é a tensão desviadora mobilizada. Neste caso, valores de R 1 correspondem à condição de ruptura ou de instabilidade localizada. A Fig. 7 apresenta os resultados desta análise, para ambas as seções e para duas condições limites de intercepto coesivo. Considerando que o desenvolvimento de tensões é (1)

pouco influenciado pelos parâmetros de deformabilidade (E, ν), as diferenças entre os diagramas se devem principalmente à geometria da seção e independem da configuração de pneus e/ou amarração adotada (Sieira et al, 2000). Independente da geometria do muro, a existência de uma pequena coesão reduz significativamente a amplitude da região com R 1 (região sombreada). Esta redução é tanto maior quanto maior for a largura da seção. No caso hipotético de intercepto de coesão nulo, a ruptura dos muros seria iminente. Convém ressaltar, que a adoção dos parâmetros de resistência do solo para representar o conjunto solo-pneus é uma abordagem bastante conservadora. A presença de pneus amarrados entre si no interior do muro certamente fornece ao conjunto uma resistência ao cisalhamento superior à do solo propriamente dito. Em particular, pode-se afirmar que ocorre um incremento substancial no parâmetro de coesão (c ) do conjunto solo-pneus (Long, 1990). c = 0kPa c = 13kPa (a) Muro com seção transversal variável (6 pneus na base e 4 pneus no topo) c = 0 c = 13kPa (b) Muro com seção transversal constante (3 pneus) Nota: Figuras fora de escala. Figura 7 Análise da instabilidade interna do muro de pneus. Os resultados obtidos nesta simulação são de particular interesse para a prática da engenharia geotécnica, pois demonstram que muros de solo-pneus com geometria mais esbelta podem se apresentar como uma alternativa segura de contenção de taludes.

Para se avaliar a influência da largura do muro nos deslocamentos previstos, realizou-se um estudo paramétrico para seções retangulares, cuja largura variou de 2 a 6 pneus. Os resultados, apresentados na Fig. 8, consideram o muro com altura de 4m e sobrecarga de 2m. Nota-se que há uma variação significativa dos deslocamentos, quando a largura da base passa de 2,5 para 2 pneus. Assim sendo, sugere-se que 2,5 pneus (aproximadamente 1,5m de largura) seja a largura mínima teoricamente adequada para a seção do muro em questão (Sieira et al, 2001). Para menores larguras, os deslocamentos aumentam em grande proporção, o que permite concluir que a seção seria levada à ruptura. 3 Largura: 6 3 2,5 2 pneus Elevação (m) 2 1 0 0 20 40 60 80 100 Deslocamento horizontal (mm) Figura 8 - Variação dos deslocamentos em função da largura do muro de pneus. 5. CONCLUSÕES A simulação numérica da construção do muro experimental mostrou-se uma ferramenta útil para o estabelecimento dos parâmetros de deformabilidade do material solo-pneus. Adicionalmente, permitiu uma avaliação das dimensões da seção transversal, adequadas para projetos de engenharia civil. As análises indicaram que o conjunto solo-pneus pode ser representado como um material homogêneo, linear e elástico, com módulo de deformabilidade E igual a 2,5MPa. Em todas as análises, o coeficiente de Poisson foi mantido constante e igual a 0,35. Quanto à estabilidade da estrutura, o projeto do muro com largura da seção transversal constante e igual a 3 pneus, apresentou-se como uma alternativa segura para projetos de estabilização de taludes. Agradecimentos Os autores agradecem ao IDRC (International Development Research Centre, Canadá) e à Fundação Geo-Rio (Prefeitura do Rio de Janeiro) pelo financiamento do projeto de pesquisa. Os autores agradecem ainda ao apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil), da FAPERJ (Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) e da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). REFERÊNCIAS Andrade, M.H.N; Medeiros, L.V; Garga, V.K., Sayão; A.S.F.J. & Vieira, L.O.M. (1997)

Utilización de Neumáticos en la Construcción de Muros, I Cong. Paraguayo de Ingeniería Geotécnica, Assuncion, vol. 1, pp. 147-157. Fontes, A.E.B. (1997) - Ensaios de Campo e Laboratório no Retro-Aterro do Muro Experimental de Pneus. Dissertação de Mestrado, Departamento de Engenharia Civil, PUC-Rio, Brasil, 126p. Garga, V.K.; Shaughnessy, V.O.; Medeiros, L.V.; Sayão A.S.F.J. (1999) Behaviour of Scrap Tire Reinforced Retaining Walls: Canadian and Brazilian Experiences, 11 th Panamerican Conf. on Soil Mechanics and Geotech. Engineering, Foz do Iguaçu, Brasil, vol. 3, p. 1199-1206. Long, N.T. (1990) - The Pneusol. Publication GT44, Laboratoire Central des Ponts et Chaussées, France, 76p. Murrugarra, D.A.P. (1996) - Modelagem Numérica do Comportamento Estático e Sísmico de Barragens de Terra. Departamento de Engenharia Civil, PUC-Rio, Brasil, 165p. Medeiros, L.V.; Sayão, A.S.F.J.; Garga, V.K. and Andrade, M.H. (1997) Use of Scrap Tires in Slope Stabilization, 2 nd Pan. Am. Simp. Landslides, 2 nd COBRAE, Rio de Janeiro, Brasil, p. 637-643 Medeiros, L.V; Garga, V.K.; Gerscovich, D.M.S.; Sayão, A.S.F.J. and Andrade, M.H.N. (1999) - Analysis of the Instrumentation of a Scrap Tire Reinforced Retaining Wall. XI Panamerican Conference on Soil Mechanics and Geotechnical Engineering, Foz do Iguaçu, Brasil, vol.1, p. 19-25. Schlosser, F.; Soyez, B. and Wojnarowicz, M., (1994) - Aspects Geotechniques de la Gestion desdechets Industriels en France. France. pp 91-100. Sieira, A.C.C.F. (1998) Análise do Comportamento de um Muro de Contenção Utilizando Pneus. Dissertação de Mestrado, Departamento de Engenharia Civil, PUC-Rio, Brasil, 110p. Sieira, A C. F.; Sayão, A.S.F.J.; Gerscovich, D.M.S.& Medeiros, L.V. (2000), Numerical Simulation of the Construction of a Soil-tire Retaining Wall. IV Seminar on Special Foundations and Geotechnical Problems (IV SEFE), v.2, pp. 532-540. Sieira, A. C. C. F.; Sayão, A.S.F.J.; Medeiros, L.V. & Gerscovich, D.M.S. (2001), Experimental Soil-tire Retaining Wall, Revista Portuguesa de Geotecnia, no. 91, 17p. NUMERICAL MODELING OF AN EXPERIMENTAL SOIL-SCRAP TIRE RETAINING WALL

Abstract: This paper describes the results of a numerical analysis of the construction of a 60m long and 4m high experimental soil-scrap tire retaining wall. The wall was made of horizontal layers of tires, tied together and are filled with compacted soil. The experimental wall has four instrumented sections, with distinct geometry, tying system and tires configuration. The stress strain behavior of two sections has been analyzed in detail, comparing field measurements with numerical predictions. The results show that a constant wall width comprising a minimum of 3 tires satisfies all stability requirements. Keywords: Scrap tires, Slope stability, Numerical analysis.