CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO- MESTRADO E DOUTORADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO POLÍTICAS PÚBLICAS



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Transcrição:

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO- MESTRADO E DOUTORADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO POLÍTICAS PÚBLICAS Tatiana Martins do Amaral A (IN)EFICÁCIA DO ESTADO NA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA, ENQUANTO POLÍTICAS PÚBLICAS DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CIDADANIA. Santa Cruz do Sul 2012

Tatiana Martins do Amaral A (IN)EFICÁCIA DO ESTADO NA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA ENQUANTO POLÍTICAS PÚBLICAS DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CIDADANIA. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, na Área de Concentração Políticas Públicas, Linha de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social, para obtenção do título de mestre. Orientadora Drª. Marli Marlene Moraes da Costa Santa Cruz do Sul 2012

Tatiana Martins do Amaral A (IN)EFICÁCIA DO ESTADO NA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA ENQUANTO POLÍTICAS PÚBLICAS DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CIDADANIA. Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Direito- Mestrado e Doutorado; Área de concentração em Políticas Públicas; Linha de Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social; Universidade de Santa Cruz do Sul- UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Professora Dra. Marli Marlene Moraes da Costa Orientadora Professor Dr. Mauro Gaglietti Avaliador Professor Dr. Clóvis Gorczevski Avaliador Santa Cruz do Sul, 2012

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço a Deus, por sempre iluminar meu caminho, me mostrando respostas para os problemas que tive ao longo destes dois anos de mestrado, e me dando forças para seguir em frente. Aos meus pais Edson e Dilza, que em nenhum momento mediram esforços para realização dos meus sonhos. Ao meu irmão que, mesmo à distância, sempre me apoiou quando precisei. A minha amiga, quase irmã, Larissa Lauda Burmann, pelo apoio, nos piores e melhores momentos, aos meus colegas de mestrado, em especial, Aline Casagrande e Patrícia Messa Urrutigaray, esses dois anos de convivência com vocês será, para mim, inesquecível meninas. À minha professora orientadora, Marli Marlene Moraes da Costa, pelo auxílio, dedicação e paciência, por ser tão especial e amiga, apesar do vínculo profissional que nos unia, sempre terei um carinho especial, encanto, respeito e admiração pela profissional que és, e serei grata pelo apoio que me deu na realização desse trabalho. E a todos meus amigos mais próximos que estiveram comigo no decorrer desses dois anos, me ajudando sempre que preciso. Muito obrigada a todos vocês!

"É certo que irás encontrar situações tempestuosas novamente, mas haverá de ver sempre o lado bom da chuva que cai, e não a faceta do raio que destrói. Tu és jovem. Atender a quem te chama é belo, lutar por quem te rejeita é quase chegar à perfeição. A juventude precisa de sonhos e se nutrir de lembranças, assim como o leito dos rios precisa da água que rola e o coração necessita de afeto. Não faças do amanhã o sinônimo de nunca, nem o ontem te seja o mesmo que nunca mais. Teus passos ficaram. Olhes para trás, mas vá em frente, pois há muitos que precisam que chegues para poderem seguir-te". Charles Chaplin

RESUMO O presente trabalho pretende fazer uma abordagem sobre o conflito social de interesses e suas formas alternativas de solução, em específico sobre violência de gênero envolvendo mulheres em situação de risco. Dentro de um contexto de crise do Poder Judiciário será referida uma análise sobre a necessidade de desjudicialização e das formas alternativas a prestação de tutela jurisdicional, e para o caso em análise, a justiça restaurativa, a qual pode ser uma alternativa viável ao problema de efetividade das ações destinadas a tutela das mulheres vítimas de violência doméstica, frente à demora e ineficácia na concessão das medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06. Para fins de análise sobre efetividade, pretende-se realizar uma pesquisa sobre o número de medidas protetivas requeridas junto à Delegacia da Mulher de Santa Maria/RS e quantas dessas são concedidas pelo judiciário, na Vara Criminal local que recebe esses processos. Tal pesquisa, também analisará a efetividade da lei em questão enquanto política pública de combate ao problema da violência familiar praticada contra mulheres, bem como, o controle ou não do Poder Público quanto às medidas que foram instituídas pelo texto legal. Palavras-chaves: Alternativas a tutela jurisdicional. Desjudicialização. Justiça Restaurativa. Violência de Gênero.

ABSTRACT This work intends to make an approach to social conflict of interests and their alternative solution, specifically on gender violence involving women at risk. Within a context of crisis of the judiciary will be referred to an analysis of the need for alternative forms of desjudicialização and the provision of judicial review, and the case, restorative justice, which can be a viable alternative to the problem of effectiveness actions aimed at protection of women victims of domestic violence, compared to the delay and inefficiency in the provision of protective measures provided for by Law 11.340/06. For analysis of effectiveness, we intend to conduct a survey on the number of protective measures required by the Women's Police Station Santa Maria / RS and how many of those are granted by courts in criminal court location that receives these processes. Such research will also analyze the effectiveness of the law in question as a public policy to combat the problem of family violence committed against women, as well as control or not the Government on the measures that were imposed by the legal text. Keywords: Alternatives to judicial review. Desjudicialização. Restorative Justice. Gender Violence.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 À VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO CONTEXTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA. 2.1 A violência de gênero do âmbito doméstico: conceitualizações e abordagens históricas. 2.2 Justiça Restaurativa sob o enfoque da percepção da violência contra a mulher no âmbito doméstico. 3 ANÁLISE DA LEI 11.340/2006 DA EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS À LUZ DA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS. 3.1 Algumas considerações sobre as medidas especiais de proteção previstas na Lei Maria da Penha e sua real efetividade. 3.2 As medias protetivas para mulheres em situação de risco sob o enfoque da Teoria da Justiça proposta por Rawls. 4 A (IM)POSSIBILIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA JUNTO AS DELEGACIAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE SANTA MARIA/RS. 4.1 Atuação e efetividade da delegacia da mulher e do Poder Judiciário diante da violência âmbito doméstico na cidade de Santa Maria/RS 4.2 Os obstáculos a implementação da Justiça Restaurativa na Delegacia da Mulher de Santa Maria/RS. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO A ANEXO B

1 INTRODUÇÃO A atual realidade do Poder Judiciário brasileiro é de descrença e crise, eis que por muito tempo se difundiu o ideal do acesso a justiça e garantia da busca pela tutela jurisdicional. Todavia hoje se vive o inverso, os cidadãos conscientes de seus direitos passaram a buscar cada vez mais o judiciário, e ver nesse poder a única alternativa para solução de seus problemas e conflitos sociais, o que gerou um número excessivo de demandas, mas as respostas passaram a não ser tão rápidas e eficazes às pretensões almejadas. Assim, os operadores do direito começaram a repensar forma como se dará soluções aos conflitos, buscando novos mecanismos em contraponto à tutela judicial, sedo tais mecanismos vistos como alternativas mais céleres e menos ortodoxas. No atual conjuntura social brasileira passamos a rever a forma tradicional de contenciosidade das demandas e questionamos a efetividade do poder judiciário e, em tal contexto, fora aprovada a Emenda Constitucional n o 45 de 2004, instituindo a busca de uma tutela jurisdicional eficaz, mas célere, tanto aos processos administrativos quanto, e principalmente, aos judiciais. Em razão de tal alteração constitucional tivemos uma série de propostas legislativas que, todavia, vem se mostrado ineficientes a tão almejada justiça rápida. Hoje vivenciamos um consenso que muitos doutrinadores, e até mesmo os legisladores, refletem sobre a necessidade de alternativas viáveis e eficazes à prestação de tutela jurisdicional, sendo cada vez mais constante as discussões a respeito da desjudicializaçao da tutela e dos instrumentos hábeis a pacificação social, tais como a conciliação, a mediação e a justiça restaurativa. Tais meios, não tem como escopo o enfraquecimento do Poder Judiciário, mas tão somente, servir como alternativa ao cidadão que poderá escolher entre a solução do conflito por meio da tutela estatal ou paraestatal. Portanto, o atual ambiente de crise institucional no qual vive nosso judiciário ocasionado pela excessiva morosidade, e também pelos altos custos da tutela estatal, dentre outros tantos fatores determinantes, acabaram por conduzir a sociedade e os operadores do direito na busca pelos denominados meios alternativos para solução dos conflitos, dentre os quais destacamos para o presente

trabalho a temática da Justiça Restaurativa, pela qual, há possibilidade de composição de interesses e solução do litígio em um ambiente de diálogo entre vítima e opressor. Dentro deste contexto, alternativas à tutela estatal e violência doméstica situaremos o trabalho aqui desenvolvido, sabendo da gravidade da questão envolvendo mulheres que são agredidas diariamente por seus maridos, noivos, namorados e companheiros, e que essas nem sempre podem esperar pela justiça pública para a garantia de sua vida ou integridade, ou ainda para uma tentativa de reconciliação com a composição amigável entre as partes. Após as organizações internacionais tomarem conhecimento do aumento do índice de mulheres vítimas de agressões no ambiente familiar - seja por seus companheiros, maridos, namorados e filhos - e também da omissão do Brasil no amparo dos direitos das mulheres; em 7 de Agosto de 2006 foi sancionada, então, a Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo tal uma resposta estatal à problemática da violência de gênero no País. Com a criação da mencionada lei vieram significativos avanços como: a proposta de implantação de Juizados Especializados em Violência Doméstica e Familiar (JVDFM), que terão competência para julgar os crimes praticados contra as mulheres; e a vedação da aplicação da Lei de Execução Penal pelo fato dos crimes praticados contra as mulheres não serem mais considerados de pequeno potencial ofensivo e, principalmente, a possibilidade de concessão de medidas protetivas para as vítimas em situação de urgência ou risco. Assim, a criação da lei Maria da Penha implicou alterações nos diplomas do Código Penal e Código de Processo Penal e foi uma resposta legislativa do Estado na tentativa de solucionar o problema da violência de gênero no Brasil, com a implementação de uma política pública que visa o enfrentamento. Sendo uma legislação criada para tutelar as mulheres, e que, inegavelmente, tende a considerar que tais, tradicionalmente, ocupam uma posição de vulnerabilidade social em relação ao homem, a Lei Maria da Penha deve ser vista também como a busca de implementação de uma política pública de proteção e combate a violência de gênero, pelo que, temos que as medias protetivas referidas anteriormente, são regulamentadas também em razão da necessidade de prestação de tutela jurisdicional rápida para casos de urgência, como o são esses.

Tal será o ponto aqui desenvolvido se houve a efetividade de tutela judicial para esses conflitos mediante a concessão das medidas protetivas pleiteadas ou se, em razão da morosidade o texto legal acaba por ser inefetivo, e nesse caso, seria viável falar-se em formas alternativas a tutela estatal. Partindo-se da premissa de que pode haver esse quadro de morosidade e isso acarretar na ineficácia da prestação da tutela jurisdicional para as mulheres vítimas de violência doméstica e que se encontram em situação de risco, devemos considerar como hipótese ao problema apresentado no projeto de pesquisa que origina o presente trabalho, que é possível que a justiça restaurativa, uma vez implementada junto às delegacias de proteção à mulher, seja um importante instrumento para composição de tais litígios, bem como contribua, e muito, para a reestruturação do diálogo em determinadas relações, o que em alguns casos é o que desejam as mulheres vítimas. No desenvolvimento do presente trabalho será utilizado o método dedutivo de abordagem, que corresponde à extração discursiva do conhecimento a partir de evidências concretas. Sendo assim, o estudo deverá obedecer a diferentes etapas, constituídas em uma pesquisa bibliográfica, na qual será coletado o esboço legal e doutrinário sobre a Lei Maria da Penha e a violência de gênero, bem como a possibilidade de implementação da Justiça Restaurativa para uma fase pré-processual na busca por tornar mais efetivas as medidas nelas previstas ou mesmo para que se realize uma tentativa de composição dos danos ocasionados pela violência doméstica. Será então abordado, no primeiro capítulo, o estudo converge para os dois pontos principais do trabalho que são a Justiça Restaurativa, como prática alternativa para solução de conflitos, conceituação e evolução histórica e a violência que vítima as mulheres, a dita de gênero, tomada também sobre seu enfoque doutrinário e conceitual. No segundo capítulo, a efetividade das medidas protetivas previstas na Lei, sua necessidade e concessão enquanto modalidade de tutela de urgência, bem como a visão dos conflitos familiares da violência doméstica no enfoque da Teoria da Justiça de John Rawls. Ainda, se fará uma abordagem sobre a inefetividade/omissão quanto a aplicação das medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 para mulheres em situação de risco pelos juizados de violência

doméstica o que acaba, por muitas vezes em tornar morosa a proteção legal que se pretende conferir a essas mulheres. E por último, no terceiro capítulo, pretende-se estudar a importância das práticas alternativas para solução dos conflitos familiares, mediante estudo direcionado, com coleta de dados sobre a efetividade ou não das medidas protetivas junto à delegacia de violência doméstica de Santa Maria, analisando, especificamente, a possibilidade de implementação da justiça restaurativa nessa e, quais seriam os benefícios para as partes envolvidas, na adoção desse meio alternativo ao jurisdicional. Neste último capítulo teremos uma pesquisa de campo para informações necessárias, coletadas inicialmente na Delegacia da Mulher de Santa Maria, na qual se questionará sobre o número de medidas protetivas requeridas mensalmente no ano de 2010, e posteriormente, já em sede judicial, junto a 4 Vara Criminal de Santa Maria, dados relativos a concessão dessas medidas ou não pelo Poder Judiciário no referido ano. O objetivo da pesquisa de campo é, no confronto de dados, policiais e judiciais, analisar se há uma real efetividade na concessão das medidas legalmente previstas como de proteção às mulheres vítimas de violência, se há uma preocupação do Estado com a avaliação positiva ou não da política pública implementada. A pertinência temática do trabalho tem relação direta com o fato de que os conflitos de interesse sempre motivaram a organização e desenvolvimento do Poder Judiciário, a partir do momento em que o Estado chamou para si a responsabilidade para solucionar tais litígios e aplicar a lei ao caso concreto. Atualmente vivemos um tempo em que os conflitos são muitos e quase tudo acaba por virar demanda e terminar em uma tutela estatal perante um dos órgãos do poder judiciário que, assoberbado, busca alternativas que assegurem a solução pacífica de tais conflitos, de forma efetiva e célere. Nesse contexto, ganham cada vez mais espaço as denominadas formas alternativas para solução dos conflitos em um fenômeno que muitos têm denominado de busca pela desjudicialização, sendo exemplos emblemáticos a mediação, a arbitragem e as práticas da justiça restaurativa. Em especial, no tocante aos casos envolvendo mulheres em situação de violência doméstica, mesmo após a regulamentação de tais pela Lei 11.340/2006, se

faz necessário que se busque formas alternativas para uma eficaz composição de interesses entre vítima e opressor, com a implementação de uma cultura restaurativa em um espaço local, no caso as delegacias de violência doméstica, visando fortalecer a cidadania das vítimas, à reabilitação do agressor e o restabelecimento da segurança da comunidade. Portanto tal estudo tem especial importância no que refere sobre a análise pontual direcionada à possibilidade e eficácia de uma eventual implementação das práticas da justiça restaurativa junto ás delegacias de violência doméstica no município estudado, no caso Santa Maria. Considerando a linha de pesquisa políticas de inclusão social vinculada a Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul o presente projeto se encontra perfeitamente ajustado à proposta institucional pois que, será feita uma abordagem quanto a uma situação concreta de violência de gênero, com estudo especial das políticas públicas destinadas a tutelar as mulheres em situação de risco, bem como fazendo um estudo da implementação da justiça restaurativa como ferramenta pacificadora dos conflitos, desenvolvendo no campo específico ações políticas de cooperação com a implementação de um espaço voltado ao diálogo entre vítima e opressor. O ponto analisado na verdade refere sobre a implementação de uma política pública por parte do Poder Público, que visa combater o problema da violência de gênero, se houve ou não nessa ação a efetividade almejada e até que ponto há um compromentimento do Estado com as atividades por ele propostas, no momento de avaliação da prática adotada.

2 À VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO CONTEXTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA. Ao trabalharmos violência de gênero e suas implicações e conceitualizaçoes nos próximos tópicos também será abordada à possibilidade de aplicação de práticas restaurativas a tais conflitos como resposta a morosidade da tutela estatal. 2.1 Violência de gênero no âmbito doméstico: conceitualizações e abordagens. Em uma abordagem inicial contextualizando o termo violência, e mais especificamente, a violência de gênero, temos que tal se trata de um fenômeno complexo e polissêmico ao que temos até mesmo nomeclaturas diversas para a sua designação, tais como, a tradicional violência contra a mulher mais geral e de toda ordem, violência intrafamiliar- aquela que advém de um núcleo familiar específico, a violência conjugal mais comum e numerosa pois surge dos desentendimentos nas relações conjugais, e violência doméstica contra a mulher o que seria mais abrangente e talvez até englobaria todas as demais, ou ainda o termo mais moderno, que aqui utilizaremos, que é violência de gênero. Pela própria dificuldade, e não unanimidade em conceituar o termo, tal está diretamente relacionado com a amplitude do fenômeno social a que refere e, bem como, com a necessidade de ações governamentais positivadas no sentido de coibilo. Sobre todos os aspectos, e terminologias, observamos uma estrita relação com a área do conhecimento envolvida, assim teremos algumas nomeclaturas diferentes para o direito, a psicologia, a antropologia, a sociologia ou a saúde pública, os quais definem essa modalidade de violência de acordo com os elementos operativos e problemáticas envolvidas, bem como, tomam por referência a partir de suas perspectivas, o que não significa que entre estes campos de conhecimento não exista um ponto comum, que em tese seria a designação aqui adotada. No ramo do direito o conceito legal define a violência contra a mulher de uma forma específica e distinguindo o bem jurídico ofendido de tal forma que seja possível classificar o tipo de agressão para que então se possa punir o agressor na forma como fora tipificado pelo legislador. Analisando a questão da violência como conflito social Nordenstahl esclarece

Que o crime sempre foi uma preocupação para o homem é uma verdade incontestável. Na primeira página da Bíblia já se pode ler sobre um assassinato, e a partir daí até nossos dias a humanidade fez da questão um dos principais assuntos de análise, discussão e objetivo das políticas públicas. Tanto é assim que toda uma ciência foi construída ao redor do delito. E não foi só uma questão epistemológica: leis, polícia, estrutura administrativa, cadeias, Judiciário, fábrica de armas e equipamentos de segurança, estatísticas, discursos políticos, etc., dão conta do tema que hoje é talvez o mais importante ponto de interesse de qualquer pesquisa. O certo é que tudo sempre girou em torno do deliquente. A vítima ficava quase em outro plano, quase escondida como ator secundário. 1 Com a criação da lei Maria da Penha foram alterados o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. Esta última teve vedada sua aplicação em crimes que envolvam violência sofrida pela mulher, pelo fato de considerar lesões corporais como sendo de menor potencial ofensivo. Já no Código de Processo Penal, foi acrescentada a hipótese da autorização de prisão preventiva do agressor, estatuída no artigo 313 2, quando o crime doloso envolver violência doméstica e familiar, tendo as mulheres violentadas à garantia da execução das medidas protetivas de urgência. No Código Penal tivemos alterações no que diz respeito das agravantes genéricas, estatuída no artigo 61 3 do referido Estatuto; principalmente quando cometidas com excesso de poder ou sobressaindo-se de relações domésticas, como de coabitação ou hospitalidade. Já em seu artigo 129 4, qual trata sobre o delito de 1 NORDENSTAHL, Ulf Christian Eiras. Contribuições da vitimologia à Justiça Restaurativa. In SPENGLER. Fabiana Marion. E outro.(organizadores) Justiça restaurativa e Mediação. Editora Unijuí.2011, p.21-40. 2 Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). [...] III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). [ ] 3 Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) [...] f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006) 4 Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. [...]

lesão corporal, a pena para esses tipos de crimes foi aumentada de seis meses até um ano para três anos e três meses. E se o crime for perpetrado contra uma pessoa deficiente física a pena será acrescida em um terço. Com a lei Maria da Penha foram criadas medidas protetivas de urgência; considerada um dos maiores avanços legais, uma vez que protege a vítima, seus familiares e também seu patrimônio. As medidas que protegem a ofendida estão concentradas no artigo 23, já referido e trabalhado. E em sua maioria são medidas na esfera das relações familiares, que visam a proteção dessa, quais sejam: o encaminhamento da vítima e seus filhos a programa de proteção ou atendimento; a determinação da volta da vítima e seus dependentes ao seu domicílio após a saída do agressor; o afastamento da vítima do lar, sem nenhum prejuízo relativo à guarda, bens e alimentos; e por fim que seja determinada a separação do agressor da ofendida. Nesta seara, as medidas protetivas da mulher correspondem às necessidades reais para garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da vítima e de seus dependentes. 5. Assim, dentre outras medidas que não estão estatuídas no artigo 23, outras medidas de cunho patrimonial, por exemplo. É o que se observa com a obrigação do agressor ter de devolver bens subtraídos da vítima, bem como a suspensão das procurações oferecidas por aquela ao seu agressor para o pagamento de caução provisória, mediante depósito judicial, com a finalidade de reparar os danos materiais ocasionados em decorrência da violência doméstica e familiar. Senão vejamos Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: 9 o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006) 10. Nos casos previstos nos 1 o a 3 o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no 9 o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004) 11. Na hipótese do 9 o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006) 5 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1133, 8 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764> Acesso em: 06 maio 2010.

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. 6 Conforme já referido o artigo 5º da lei Maria da Penha a violência doméstica e familiar contra a mulher é definida como sendo qualquer ato comissivo ou omissivo que lhe causar morte, lesão, sofrimento físico ou sexual e dano moral ou material. A violência doméstica esta elencada no primeiro inciso do artigo 5º da Lei Maria da Penha como sendo na unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive às esporadicamente agregadas. 7 Já a violência familiar vem elencada no segundo inciso como sendo no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. 8 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul trata das formas de violência praticadas contra a mulher: LEI 11.340/06. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. A Lei 11.340/06 procura proteger as mulheres de todo e qualquer tipo de violência praticada no âmbito doméstico e familiar, tanto o é que o texto legal, exemplificativamente, enumera no art. 7º algumas formas de violência contra a mulher, dentre elas, a física, moral, psicológica, etc. A violência psicológica e a ameaça de agressão física se inserem nesses três tipos de violência. Assim, deve ser firmada a competência no Juizado de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, competente para o processamento e julgamento do feito. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE. 6 LIMA FILHO. Altamiro de Araujo. Op. Cit., p.83. 7 BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 09 jun. 2010. Artigo 5º, I: no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; 8 Ibidem. Artigo 5º, II: no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

(Conflito de Jurisdição Nº 70034780502, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 20/05/2010). 9 Neste sentido, o artigo 7º da mencionada lei, dispõe com clareza tipos de violência, quais sejam: a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e por fim a violência moral, assim como outras. De imediato se faz necessário contextualizar que o sujeito passivo da lei é apenas a mulher que sofre violência doméstica, familiar ou decorrente de relação intima de afeto, nos moldes do texto legal. Um ponto interessante que emerge desse contexto da vítima de violência de gênero refere ao transexual, que fez cirurgia modificativa de sexo e obteve judicialmente a alteração do seu registro civil para sexo feminino ponto no qual surge a divergência se seria possível ser sujeito passivo também da violência de gênero. Embora legalmente o transexual seja considerado mulher, é questionável que seja considerado sujeito passivo para fins de violência doméstica, em razão do gênero, pois que, de acordo com tudo que até então se referiu sobre o tema, o fundamento legal para o sistema de proteção imposto pela lei é justamente a fragilidade física e, em muitos casos, psicológica da mulher o que nesse caso restaria comprometida porque a genética do transexual é de homem. Nesse sentido temos Porto Mesmo um transexual que, cirurgicamente, logrou modificar sua genitália para assemelhar-se a uma mulher e, com isto, tenha alterado seu registro de nascimento, continua geneticamente a ser um homem e, salvo melhor juízo, equipara-lo a uma mulher importaria em uma analogia in malan partem, absolutamente vedada em Direito Penal. 10 Também não é possível que se aplique o texto legal aos travestis já que, legalmente, são considerados homens, e pela mesma razão não se justificaria uma proteção contra violência praticada em decorrência do gênero, que não detém. Da mesma forma não é possível conceber que o sujeito ativo, aquele que comete a violência, seja mulher, em face de outra mulher, porque isso também iria de encontro à proteção legal em razão do gênero, é o que refere também Porto 9 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Conflito de jurisdição n. 70034780502. Lei 11.340/06. Lei Maria da penha. Violência doméstica. Conflito de jurisdição. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 09 jun. 2010. 10 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Domestica e Familiar contra a mulher. 2007, Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora.

. Ora ao basear no gênero o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, o legislador, forcosamente, está restringindo este conceito a violência praticada pelo homem contra a mulher, caso contrário a locução baseada no gênero seria desnecessária e é princípio da hermenêutica metodológica o de que a lei não contém palavras inúteis. A ideia de gênero e muito cara ao movimento feminista; trata-se efetivamente de um conceito que revela a relação de discriminação e violência praticada pelo homem contra a mulher, por isso que a violência praticada entre mulheres não é baseada no gênero e não caracteriza a violência doméstica e familiar de que trata a Lei 11.340/06. Com efeito, uma mulher não pode discriminar a outra por pertencer ao gênero feminino, já que ambas pertencem ao mesmo gênero. [...]quando, no ambiente doméstico, afetivo ou familiar, uma mulher agride, ameaça, ofende ou lesa patrimonialmente outra mulher, o sucedido criminoso opera-se entre partes supostamente iguais duas mulheres e não justifica um tratamento mais severo a mulher que agride outra mulher do que aquela que lesiona, ofende ou ameaça um homem. A Lei 11.340/06 não finaliza dar uma proteção indiscriminada a mulher, mas sim proteger a mulher em face do homem, supostamente mais forte, ameaçador e dominante no quadro cultural, dai por que não se aplica a referida legislação quando sujeito ativo for do gênero feminino, podendo-se, destarte, afirmar que o sujeito ativo de crimes praticados em situação de violência doméstica ou familiar contra a mulher, para os feitos da Lei 11.340/06, é apenas o homem. 11 Ademais, quanto à violência em si tutelada, se estabeleceu no inciso I, do artigo 5 que o âmbito de unidade doméstica ao qual se refere o texto é o espaço dito de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, bem como aí incluídas aquelas ali esporadicamente agregadas. Vê-se pela leitura do referido inciso que a lei buscou dar proteção para todas as pessoas que convivem em uma casa, residência, habitação bem como moradia, sendo esse convívio tido por estável, e mais, no contexto legal, insere-se que a violência doméstica pode ser praticada independentemente de um vínculo de parentesco, mas esse pode existir. Também devemos considerar que a proteção da lei abrange aquilo que denomina de esporadicamente agregados, sendo tais consideradas as empregadas domésticas e as diaristas, porém nessa última teremos que ter um convívio permanente, ou seja, que se prolongue no tempo e não uma prestação de serviço de um dia somente. Para termos de violência praticada entre familiares no âmbito doméstico no inciso II, do artigo anteriormente referido, temos como família a comunidade formada por indivíduos que são ou possam assim se considerar como aparentados, sendo tais unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Pelo texto legal o âmbito familiar abrange os parentescos natural e civil (artigos 226, 4º e 227, 11 PORTO, Pedro Rui da Fontoura, Op.cit. p.31.

6º, da Constituição Federal) e ainda o parentesco por afinidade (artigo 226, 1º a 3, da Constituição Federal). Cabe ressaltar que as formas de violência capituladas no artigo 5º não se tratam de um rol numerus clausus porque poderemos ter o reconhecimento de outras formas e ações que também configurem violência doméstica e familiar praticada em razão do gênero no âmbito doméstico e que nem por isso estão fora da tutela legal, porque devemos considerar que toda forma de agressão à mulher merece tutela e proteção legal, independentemente de estar, ou não, ali especificamente referida. Quanto ao parentesco por afinidade teremos a violência doméstica nas relações que decorrem do casamento ou da união estável, consoante se refere no texto do artigo 1595 do Código Civil 12, tal vínculo se limita aos ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge ou do companheiro. Já o parentesco natural ou parentesco de sangue, chamado de consanguinidade na lei de proteção a violência doméstica, temos como aqueles que são unidos por um laço natural, esse laço, nos termos do que dispõe o ordenamento civil, pode se referir aos parentes em linha reta 13, os em linha colateral 14, no primeiro caso temos uma relação direta de ascendência ou descendência que provém de um troco comum entre os parentes, no segundo caso, teremos uma relação entre parentes que descendem de um tronco comum mas não um do outro, sendo essa relação considerada como parentesco civil somente até o quarto grau. Na referência ao parentesco por vontade referida no texto da lei Maria da Penha temos o parentesco civil relativo ao vínculo proveniente da adoção. Por fim, temos a tutela legal das denominadas relações íntimas de afeto que vêm referendadas no inciso III do artigo em comento e que determina que qualquer relação íntima de afeto na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação merece tutela nos termos ali referidos, 12 Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. 13 Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes. 14 Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.