AS DESCARGAS ELETROSTÁTICAS E A MANUTENÇÃO DE EQUIPAMENTOS SENSÍVEIS NO ÂMBITO DO SETOR ELÉTRICO N. S. R. QUOIRIN LACTEC

Documentos relacionados
Programação Básica em Arduino Aula 7

MODELAGEM MATEMÁTICA DE UM SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA EM MÉDIA TENSÃO 1. Gabriel Attuati 2, Paulo Sausen 3.

EXPERIÊNCIA 9 DIODOS SEMICONDUTORES E CURVAS CARACTERÍSTICAS

Instalações Elétricas de BT I. Odailson Cavalcante de Oliveira

MODERNIZAÇÃO DOS SISTEMAS DE MEDIÇÃO DE TEMPERATURA E REGULAÇÃO DE TENSÃO DE UM TRANSFORMADOR DE POTÊNCIA 60 MVA VAGNER VASCONCELLOS CPFL PIRATININGA

E-TPS CONTROL. (antigo em caixa metálica para uso com EFI-4) Manual de Instalação e Operação

Eletrônica: conceitos básicos

Interferência em Subestação Caso SE Val de Palmas 69kV

FONTE DE ALIMENTAÇÃO CHAVEADA LINHA CH

Especificação Disjuntores Baixa Tensão

Métodos empregados para a melhoria do desempenho das linhas de transmissão

Manuseio de Equipamentos [5] Manutenção de. Prof.: Ari Oliveira

APARELHOS DE ILUMINAÇÃO ELÉTRICA E ACESSÓRIOS

MANUAL DE INSTALAÇÃO E OPERAÇÃO ST8000C

Fonte de alta tensão CA/CC simultânea. Manual de operação

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE ENGENHARIA ELÉTRICA E INFORMÁTICA UNIDADE ACADEMICA DE ENGENHARIA ELÉTRICA ELETRÔNICA

ROTEIRO DE AULA PRÁTICA Nº 03

DISPOSITIVOS OPTOELETRÔNICOS Leds e Fotodiodos

MANUAL DE INSTRUÇÕES 6 a Edição 07/2007. HipER-1. Fonte para Soldagem Submarina.

ELETRICIDADE APLICADA INTERFERÊNCIA ELETROMAGNÉTICA(IEM) Turma: Red2N

EMBASAMENTO NORMATIVO:

MANUAL DE INSTALAÇÃO DA CORTINA DE AR INTERNATIONAL

Melhorando a qualidade de energia elétrica para o sistema de sinalização metroferroviário

MANUAL DE OPERAÇÃO MANUTENÇÃO DOSADOR MICRO-ESFERA E MOTOR DE PASSO

INF Técnicas Digitais para Computação. Conceitos Básicos de Circuitos Elétricos. Aula 2

4.1 Esquema de ligação para Baixa Tensão

Concurso Público para Cargos Técnico-Administrativos em Educação UNIFEI 13/06/2010

LEI Nº O PREFEITO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Através de suas realizações experimentais, mantendo constante a temperatura do condutor, Ohm pôde chegar às seguintes afirmações e conclusões:

Metodologia Para Avaliação da Vida Útil Remanescente dos Cabos Tipo PILC MT da AES Eletropaulo

ARCO ELÉTRICO ANDRÉ LUIS MACAGNAN GABRIELA GARCIA MARTINS DARIO GONÇALVES GALINDO

CURSO DE INSTRUMENTAÇÃO. Erros de Medição. Cedtec 2007/2. Sem equivalente na Apostila 1 Pressão e Nível

Capacitor em corrente contínua

Corrente Elétrica. Eletricidade e magnetismo - corrente elétrica 1

LIMITAÇÕES DAS DISTORÇÕES HARMÔNICAS EM INSTALAÇÕES ELÉTRICAS RURAIS

A INFLUÊNCIA DO DIMENSIONAMENTO CORRETO DOS TRANSFORMADORES NA CONSERVAÇÃO DA ENERGIA

CENTRO TECNOLÓGICO ESTADUAL PAROBÉ CURSO DE ELETRÔNICA

Fundamentos de Transmissão de Dados. Universidade Católica de Pelotas Curso de Engenharia da Computação Disciplina: Redes de Computadores I

Ruído IPT DEM/DITT/DEC

GUIA DE INSTALAÇÃO MULTIBIO 700

1 Transformadores de Corrente

Protótipo de um túnel de vento com Controle de Vazão e Temperatura em ambiente LabVIEW

DDS Cercas Elétricas. Cercas Elétricas

CAPÍTULO IV SISTEMA DE PROTEÇÃO

Capítulo VI. Teoremas de Circuitos Elétricos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELÉTRICA EEL7011 ELETRICIDADE BÁSICA

APARELHOS DE ILUMINAÇÃO ELÉTRICA E ACESSÓRIOS

Data: Experiência 01: LEI DE OHM

Plano de Trabalho Docente Ensino Técnico

Prof. Daniel Oliveira

Nota de Aplicação. Migração Altivar 58(F) para Altivar 71 com rede Profibus. Suporte Técnico Brasil. Versão: 1.0

DETECTOR TRANSMISSOR/RECEPTOR/1

CORROSÃO DE MATERIAIS

e a parcela não linear ser a resposta do sistema não linear com memória finita. Isto é, a

PLOTTER CNC PARA CONFECÇÃO DE PLACAS DE CIRCUITO IMPRESSO RESUMO

ANEXO I CADERNO DE ESPECIFICAÇÕES AQUISIÇÃO/INSTALAÇÃO DE NO-BREAK MICROPROCESSADO E BANCO DE BATERIAS CAPACIDADE 150 KVA

MANUAL DE INSTRUÇÕES DA ESTAÇÃO DE SOLDA MODELO TS-920

Curso de Manutenção de ferrovias Eletrotécnica II. Sistemas de força e energia. Aula 02

Circuito integrado Temporizador 555. Circuito Integrado Temporizador (Timer) 555

14/01/2010 CONSERVAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA CAP. 3 ESTUDOS DE CASOS CAP.3 ESTUDO DE CASOS CAP.3 ESTUDO DE CASOS. Mário C.G. Ramos

As condições anormais de operação devem ser limitadas no tempo de duração e na amplitude.

TDR-500 Transmissor de temperatura microprocessado USB 4~20mA

ESPECIFICAÇÃO TÉCNICA CLIENTE: UNIFACS UNIVERSIDADE SALVADOR DISCIPLINA DE EXPRESSÃO GRÁFICA E PROJETOS ELÉTRICOS

MANUAL DE INSTRUÇÕES DO MULTÍMETRO ANALÓGICO IK-180

Dispositivos de proteção contra surtos (DPS) Proteção contra descargas atmosféricas

Bussmann. Soluções em Proteção de Circuitos

Reabilitação e Reforço de Estruturas

maior lucro menores custos

MOTORES DE INDUÇÃO MONOFÁSICOS

EPUSP PCS 2021/2308/2355 Laboratório Digital GERADOR DE SINAIS

Eletrônica Analógica

Apostila de Treinamento. Eletrodo Revestido (SMAW)

Alta Tensão em Corrente Contínua (HVDC) Componentes: Danilo Barreto Igor Alves Luiz Carlos Rafael Saback

Módulo 08 - Mecanismos de Troca de Calor

Como especificar um TTA: Conceitos e dúvidas mais frequentes.

ÍNDICE MANUAL DO USUÁRIO BALANÇAS ELETRÔNICA DE BANCADA. 1 - Introdução Embalagem Montagem Destravamento...

MANUAL DE INSTRUÇÕES DO ALICATE ANALÓGICO MODELO SK-7200

Vmax Disjuntores de média tensão a vácuo. IEC:... 17,5 kv; A;... 31,5 ka ANSI: kv; A;... 31,5 ka

FONTE DE ALTA TENSÃO Hipot 60KV CC-5mA

Simples e prático: A escolha inteligente para aplicações básicas. Disjuntores 3VT. Answers for industry.

DEOP DIRETORIA DE ENGENHARIA E OPERAÇÕES EPE PLANEJAMENTO E ENGENHARIA MANUAL DE TUBULAÇÕES TELEFÔNICAS PREDIAIS

O ENSINO DE TÉCNICAS DE ALTA TENSÃO NO CURSO DE ENGENHARIA ELÉTRICA DA UFPB

ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS SISTEMA DE DETECÇÃO VEICULAR OVERHEAD

W22 Motor trifásico. Motores Energia Automação Tintas. g Alto rendimento. g Economia de energia. g Baixo custo operacional.

MANUAL DE INSTRUÇÕES DO CADINHO DE SOLDA MODELO TS agosto de 2012

Esquemas de ligação à Terra em baixa tensão

SOLDAGEM DOS METAIS CAPÍTULO 4 FÍSICA DO ARCO ARCO ELÉTRICO

Bancada de Medidas Elétricas - XE 201 -

Calor Específico. 1. Introdução

CENTRAIS GERADORAS FOTOVOLTAICAS.

Anexo 1 Termos de Referência. Contratação de empresa para elaboração de Projeto Elétrico para o Escritório da FAO no Brasil.

ELIPSE POWER CONFERE MAIOR CONFIANÇA E SEGURANÇA AO CENTRO DE OPERAÇÃO INTEGRADO DA DISTRIBUIÇÃO NA CEMAR

SISTEMAS DE REFERÊNCIAS DO INMETRO EM ALTA TENSÃO E ALTA CORRENTE

Qualidade de Produto. Maria Cláudia F. P. Emer

BANCADA PARA TESTES DE MOTORES DE CORRENTE CONTÍNUA COM APLICAÇÃO EM ARREFECIMENTO AUTOMOTIVO

Universidade Federal de Juiz de Fora Laboratório de Eletrônica CEL 037 Página 1 de 7

Guias de Telecomunicações

Memorial Técnico Descritivo do Alarme de Incêndio

Moldura: construída em policarbonato branco com aditivo anti-uv. Não amarela com o tempo, mantendo a luminária sempre com aspecto de nova.

Disciplina: Máquinas e Automação Elétrica. Prof.: Hélio Henrique DIRETORIA DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA COORDENAÇÃO DO CURSO DE ELETROTÉCNICA

Transcrição:

GRUPO I ELETROTÉCNICA AS DESCARGAS ELETROSTÁTICAS E A MANUTENÇÃO DE EQUIPAMENTOS SENSÍVEIS NO ÂMBITO DO SETOR ELÉTRICO R. L. ARAÚJO * LACTEC N. S. R. QUOIRIN LACTEC L. M. ARDJOMAND LACTEC 1.0 RESUMO O fenômeno das descargas eletrostáticas (ESD, do inglês electrostatic discharge), apesar de amplamente conhecido, é negligenciado em muitos casos, principalmente no âmbito da manutenção de equipamentos eletrônicos instalados junto ao sistema elétrico de potência (relés, cartões eletrônicos, controladores lógicos programáveis, etc). Este trabalho tem por finalidade a apresentação de uma visão geral sobre os possíveis efeitos das descargas eletrostáticas. Serão apresentadas medidas preventivas contra o problema, visando a uma maior eficiência no processo de manutenção, além de maior confiabilidade na operação de equipamentos sensíveis instalados em subestações, usinas e outros. 2.0 PALAVRAS-CHAVE Descarga eletrostática, interferência eletromagnética, manutenção. 3.0 INTRODUÇÃO A descarga eletrostática (ESD, do inglês electrostatic discharge) é um fenômeno natural que consiste na transferência de cargas entre dois corpos em potenciais diferentes. Uma descarga eletrostática, além de poder causar choques elétricos, pode produzir interferências eletromagnéticas, degradar o desempenho de um equipamento ou até mesmo danificar componentes sensíveis. Atualmente, devido à crescente miniaturização dos componentes eletrônicos, estes efeitos adversos são cada vez mais freqüentes 1, 2, 3. As descargas eletrostáticas são amplamente conhecidas no setor elétrico; entretanto, em muitos casos não são adotadas medidas adequadas para a proteção de componentes e equipamentos. Este trabalho apresenta diversos acessórios de custo reduzido e aplicação simples, como pulseiras anti-estáticas e mantas dissipativas, com o objetivo de reduzir ou evitar a ocorrência de efeitos adversos de ESD s. Para verificar o correto desempenho de um equipamento frente a descargas eletrostáticas, deve-se realizar um ensaio de imunidade. Existem várias normas internacionais de ensaio de imunidade a descargas eletrostáticas. Neste trabalho, apresenta-se a norma IEC 61000-4-2, uma das mais adotadas. Este trabalho tem como finalidade fornecer uma visão geral e prática das descargas eletrostáticas, apresentando possíveis efeitos adversos e destacando soluções gerais de forma a propiciar uma maior confiabilidade e eficiência operacional. 4.0 A DESCARGA ELETROSTÁTICA O aparecimento de descargas eletrostáticas é resultante do desequilíbrio de cargas gerado pelo atrito entre objetos de determinados tipos de materiais, especialmente aqueles que apresentam uma grande resistência elétrica superficial 1. O fenômeno pelo qual um determinado material perde ou ganha cargas gera tensões eletrostáticas em relação ao terra ou a outros objetos. A tendência de um material com desequilíbrio de cargas é voltar ao equilíbrio eletrostático. Durante o retorno ao equilíbrio, o fluxo de cargas gera uma descarga elétrica com um tempo de duração muito pequeno (da ordem de dezenas de nano-segundos). Este fenômeno pode ser visualizado na forma de um pequeno arco elétrico; no entanto, na maioria das vezes a descarga ocorre sem que sua presença seja sentida. Uma ESD envolve correntes de alguns poucos ampères e tensões de até 35 mil volts. As descargas não são prejudiciais ao ser humano porque a energia dissipada é muito pequena. Na Figura 1 é apresentada a forma de onda de corrente típica de uma descarga eletrostática ocasionada pelo toque de um ser humano eletricamente carregado em uma superfície aterrada 1. * Centro Politécnico da UFPR Caixa Postal 19067 CEP 81531-990 Curitiba PR Tel.: 41 361-6240 Fax: 41 366-7373 E-mail: rluiz@lactec.org.br

Corrente 0 10 20 30 40 50 60 Tempo [ns] Figura 1 - Forma de onda típica de uma descarga eletrostática. Embora uma ESD não represente perigo ao ser humano, ela é altamente prejudicial a circuitos microeletrônicos, cada vez mais comuns em instalações do setor elétrico, como usinas e subestações. Descargas com tensões superiores a 10 V podem ser prejudiciais a componentes eletrônicos mais sensíveis. Além de danos físicos em um equipamento, uma ESD pode causar falhas operacionais, como o desligamento inadvertido de equipamentos, causando danos de severidade variável de acordo com a importância do sistema afetado. A ESD tem seu surgimento propiciado em ambientes com baixa umidade relativa do ar. Portanto, em regiões úmidas o fenômeno é praticamente inexistente. Porém, deve-se considerar que, em grande parte das situações, os equipamentos suscetíveis encontram-se instalados em salas com condicionamento de ar, que reduz significativamente a umidade relativa do ar e favorece o surgimento de ESD s. Além dos locais de instalação, outros exemplos deste tipo de ambiente são laboratórios de manutenção e de calibração de equipamentos. O simples ato de caminhar com sapatos de solado de borracha isolante sobre um tapete em dias secos pode carregar o corpo humano com níveis elevados de tensões eletrostáticas capazes de danificar gravemente equipamentos eletrônicos sensíveis. No momento da ocorrência de uma descarga eletrostática, o corpo humano pode ser representado como um capacitor carregado com uma determinada energia. A Figura 2 apresenta o modelo elétrico básico do corpo humano. Figura 2 Modelo elétrico básico do corpo humano 5.0 OS EFEITOS DAS DESCARGAS ELETROSTÁTICAS No momento em que um indivíduo carregado toca em algum ponto aterrado, a energia potencial acumulada em seu corpo é descarregada. A descarga pode ocorrer pelo contato direto de alguma parte do corpo humano ou através de algum objeto metálico segurado pelo indivíduo (por exemplo, uma chave de fenda não isolada). Em função da energia acumulada no corpo, a descarga pode ocorrer com ou sem a presença de arco elétrico. Os principais efeitos de uma descarga eletrostática sobre um equipamento eletrônico podem ser resumidos da seguinte forma 2 : danos definitivos; degradação de desempenho; interferência eletromagnética. Uma descarga eletrostática normalmente afeta um equipamento durante sua instalação ou transporte, ou durante sua manutenção, ao ocorrer contato direto com os seus circuitos eletrônicos. A seguir é feita uma apresentação dos efeitos das ESD s. 5.1 Danos definitivos A energia proveniente de uma descarga eletrostática pode danificar severamente diversos tipos de equipamentos eletrônicos, como cartões de automação, relés eletrônicos e equipamentos micro-processados em geral. O dano ocorre pela passagem da corrente da descarga (ou de uma parte desta) por componentes sensíveis de um equipamento - em geral, circuitos integrados e transistores. No interior destes componentes existem condutores elétricos com espessura centenas de vezes inferior à de um fio de cabelo. Estes condutores podem ser rompidos facilmente pela passagem da corrente da descarga, através da dissipação da energia (efeito Joule). Os pequenos condutores não resistem ao aquecimento excessivo e terminam rompendo-se, causando um dano definitivo no equipamento afetado pela descarga 2. 5.2 Degradação de desempenho Um efeito bastante comum da ESD é a degradação do desempenho. Neste caso, a energia da descarga eletrostática não é suficiente para causar um dano 2

permanente neste equipamento; porém, ocorre a degradação dos condutores internos de seus componentes eletrônicos. A degradação eleva a resistência elétrica destes condutores, causando pontos de aquecimento quando o mesmo está operando em regime permanente. Este problema pode dificultar o trânsito de informações digitais e analógicas, causar perdas de algumas funções ou mesmo progredir para um rompimento definitivo dos condutores internos 2. Nas Figuras 3 e 4 são apresentadas duas imagens de trilhas internas a um componente eletrônico atingido por uma descarga eletrostática. Em ambas as imagens, pode-se notar claramente o aparecimento de pontos degradados pelo efeito Joule. Figura 3 - Dano em componente eletrônico (cortesia da revista Scientific American Brasil) Figura 4 - Dano em componente eletrônico (cortesia da revista Scientific American Brasil) A descarga com potencial para produzir um fenômeno deste tipo pode ocorrer em qualquer caso de contato entre uma pessoa eletricamente carregada e um circuito eletrônico. Em geral, existe um total descaso com o manuseio de placas de automação, controle ou outro tipo de equipamento, tanto no processo de armazenamento e instalação quanto na manutenção destes. Esta deficiência explica o fato de alguns equipamentos sensíveis não funcionarem após estocagem, ou falharem após a primeira manutenção quando excessivamente manuseados sem o devido cuidado. Após a instalação de um equipamento, a falha por ESD pode não se manifestar de imediato. Porém, caso o seu circuito eletrônico tenha sido afetado por uma descarga eletrostática, a falha é latente como um vírus, bastando apenas tempo e condições adequadas para sua manifestação. Desta forma, o fenômeno da ESD é ignorado em grande parte das empresas, pois as falhas em equipamentos raramente são associadas a uma descarga eletrostática ocorrida em algum momento do processo de manuseio. Defeitos sucessivos e freqüentes em um equipamento sem causa aparente podem ser um indicativo de falhas ocasionadas por ESD ocorrida no manuseio e manutenção. 5.3 Interferência eletromagnética Uma descarga eletrostática pode ser caracterizada como um sinal elétrico de freqüência elevada, o que a torna uma fonte bastante severa de interferência eletromagnética. A elevada freqüência é o resultado das grandes variações de corrente e de tensão da descarga em relação ao tempo (di/dt e dv/dt). O tempo de subida da forma de onda da corrente de uma ESD é de aproximadamente 1 ns (como apresentado na Figura 1). Alguns equipamentos são severamente afetados em seu funcionamento quando submetidos a descargas eletrostáticas 2. Os efeitos mais comuns são os seguintes: colapso do sistema operacional (travamento do software); reset involuntário; perda de memória; falhas de comunicação; erros na medição de grandezas. A energia de uma descarga eletrostática pode ser transferida para um equipamento de duas formas básicas: Descarga direta: a corrente da descarga passa diretamente através do circuito vítima. Neste caso, apesar de não acontecer a queima do equipamento ou de seus componentes, pode haver a ocorrência de interferência eletromagnética. A Figura 5, apresentada a seguir, mostra a ocorrência de uma descarga eletrostática direta sobre um semicondutor. Figura 5 - ESD direta em componente Descarga indireta: uma parte da energia da descarga é transferida para o equipamento vítima através de indução ou acoplamento 3

capacitivo. A Figura 6 apresenta uma descarga eletrostática indireta. No caso apresentado nesta imagem, a descarga sobre um capacitor terá pouco efeito sobre o componente, mas a indução ou o acoplamento capacitivo irão transferir uma parte da energia da descarga para o circuito integrado situado nas proximidades. Como este circuito opera com pequenos sinais elétricos, possivelmente ocorrerá interferência eletromagnética. Figura 7 - Pulseira para proteção contra ESD Figura 6 - ESD indireta em componente 6.0 SOLUÇÕES CONTRA OS EFEITOS DA ESD Existem diferentes formas de atenuar o efeito das descargas eletrostáticas ou mesmo impedir sua ocorrência2. As soluções em geral são simples e de custo reduzido, permitindo um efetivo ganho de confiabilidade em processos de manutenção, operação e armazenagem de equipamentos e componentes. As principais técnicas são apresentadas a seguir: 6.1 Utilização de acessórios adequados Como regra geral, jamais deve-se manusear o circuito eletrônico de um equipamento desnecessariamente. Quando tal procedimento for necessário no caso de instalação ou manutenção de um equipamento ou cartões eletrônicos, deve-se sempre utilizar medidas de prevenção, apresentadas a seguir: a) Pulseira anti-estática: é uma pulseira conectada a um cabo aterrado que permite que qualquer acúmulo de cargas no corpo do operador do equipamento seja desfeito com o retorno ao equilíbrio. A pulseira possui um resistor (1 M ) acoplado em série para limitar a corrente de curto circuito, protegendo o usuário caso o mesmo venha a tocar em algum componente energizado. Figura 8 - Utilização de pulseira para proteção contra ESD b) Manta dissipativa: a manta dissipativa é necessária para a execução do procedimento de manutenção de um equipamento eletrônico sensível. A manta é composta de um polímero dopado capaz de conduzir corrente elétrica com uma certa resistência característica. As cargas elétricas geradas na mesa de manutenção ou em objetos nela situados são eliminadas através do eletrodo de aterramento da manta. Assim como na pulseira, no cabo de aterramento da manta também é instalado um resistor (1 M ) para a limitação de uma eventual corrente de curto circuito. Figura 9 - Manta dissipativa (em azul) 4

c) Armazenamento: um dos casos mais comuns do surgimento de defeitos relacionados a ESD em equipamentos e componentes eletrônicos ocorre durante o processo de armazenamento e transporte. Tal fenômeno ocorre principalmente devido ao manuseio incorreto destes objetos sem as devidas precauções ou a um armazenamento inadequado. O manuseio de um equipamento durante sua desembalagem deve ser feito com pulseira e sobre manta dissipativa sempre que o fabricante indicar suscetibilidade aos efeitos das descargas eletrostáticas. Esta informação é fornecida no manual, na embalagem ou no corpo do próprio objeto. O armazenamento de equipamentos ou componentes sensíveis jamais deve ser feito em sacos e caixas plásticas comuns que possuem como característica intrínseca o acúmulo de cargas elétricas potencialmente geradoras de descargas eletrostáticas. O modo correto de armazenar um objeto suscetível é a utilização de sacos plásticos e caixas devidamente preparadas para a dissipação de cargas elétricas. Em geral estes são construídos com materiais dopados (principalmente carbono) e que não acumulam cargas elétricas 7. Na Figura 10 é apresentado o símbolo de alerta contra descargas eletrostáticas, aceito internacionalmente. Este símbolo informa que o equipamento ou componente é suscetível a ESD, devendo-se neste caso observar os cuidados de manuseio já mencionados. Figura 10 - Símbolo de alerta a ESD As Figuras 11 e 12 apresentam, respectivamente, a embalagem metalizada e a caixa plástica especial utilizadas para o armazenamento de equipamentos sensíveis a ESD. A Figura 13 apresenta uma espuma especial com propriedades dissipativas, utilizada para o armazenamento de componentes eletrônicos, especialmente circuitos integrados e transistores sensíveis. Embalagem metalizada (contra ESD) Embalagem comum (não utilizar) Figura 11 Armazenamento Figura 12 - Caixa de plástico dopado Figura 13 - Espuma dissipativa 6.2 Ensaios de Compatibilidade Eletromagnética Uma das maneiras mais eficazes de garantir o correto funcionamento de um equipamento quando submetido a ESD é a realização de um ensaio de imunidade a descargas eletrostáticas. Tal ensaio é bastante simples, devendo ser exigido de qualquer fornecedor de produtos eletrônicos. O ensaio de imunidade a ESD é feito conforme normas específicas. A norma mais utilizada é a IEC 61000-4-2: Electromagnetic Compatibility (EMC) Part 4-2: Testing and measurements techniques Electrostatic discharge immunity test, editada pelo IEC (International Electrotechnical Commission), Genebra, Suiça. A IEC 61000-4-2 visa simular as descargas eletrostáticas típicas causadas pelo corpo humano em um equipamento, especificando a aplicação de descargas sobre um equipamento de duas formas diferentes: Descargas diretas: aplicadas através de contato físico entre o simulador de ESD e o equipamento sob ensaio e através do ar, quando há uma ruptura do dielétrico (ar) entre o simulador e o equipamento, provocando, em geral, um arco elétrico visível. Descargas indiretas: as descargas são aplicadas em um plano metálico instalado nas proximidades do objeto sob ensaio, de forma 5

a observar o efeito da indução no objeto sob ensaio. As descargas diretas são aplicadas em pontos do equipamento sob ensaio que são acessíveis apenas para o operador durante a utilização normal. Desta forma, uma conclusão muito importante é que mesmo que um equipamento tenha sido ensaiado de acordo com uma norma internacional, o processo de manuseio e manutenção do mesmo deve levar em conta os cuidados com ESD já mencionados anteriormente, uma vez que o equipamento será imune apenas quando já instalado e em operação normal. As descargas são aplicadas nos pontos selecionados do objeto sob ensaio ou nos planos de acoplamento (descargas indiretas) com polaridade positiva e negativa, sendo aplicadas 10 descargas de cada polaridade em cada ponto de aplicação. A IEC 61000-4-2 especifica 4 níveis possíveis de tensão para a realização do ensaio. Os níveis são escolhidos em função da importância de um equipamento e seu local de utilização. Os níveis são listados na Tabela 01 abaixo: Tabela 1 Níveis de tensão da IEC 61000-4-2 Nível de ensaio Tensão da Descarga Por Contato Pelo Ar 1 2 kv 2 kv 2 4 kv 4 kv 3 6 kv 8 kv 4 8 kv 15 kv Na Figura 14 é apresentada uma imagem da instalação necessária para a execução do ensaio de imunidade a descargas eletrostáticas conforme a norma IEC 61000-4-2. Figura 14 - Simulador de ESD 6.3 Limpeza do ambiente Em bancadas utilizadas para manutenção de equipamentos, deve-se evitar a todo custo o acúmulo de materiais plásticos que não sejam indispensáveis ao processo, pois tais materiais são possíveis fontes de geração de descargas eletrostáticas. 6.4 Ferramentas, Acessórios e Roupas Especiais Em ambiente de manuseio e manutenção de equipamentos muito sensíveis a ESD, recomenda-se a utilização de diversos tipos de precauções adicionais, como por exemplo: roupas especiais de algodão; ionizadores de ar; ferramentas anti-estáticas; cadeiras e mesas anti-estáticas; piso anti-estático. Existe no mercado uma infinidade de soluções para ambientes especiais. Recomenda-se a ajuda de um especialista na especificação e projeto deste tipo de instalação. 7.0 CONCLUSÕES Este artigo forneceu uma visão geral dos possíveis problemas causados pelo fenômeno das descargas eletrostáticas. Foram apresentadas diversas maneiras de contornar o problema, de modo a evitar gastos desnecessários, tornar mais confiável o processo de manutenção e garantir a eficiência operacional de equipamentos eletrônicos importantes. As descargas eletrostáticas podem provocar danos permanentes, degradação do desempenho de equipamentos ou interferências eletromagnéticas. No entanto, existem diversas maneiras de evitar a ocorrência de descargas eletrostáticas, seja pelo uso de acessórios, como pulseira anti-estática e manta dissipativa, seja pela realização de ensaios de compatibilidade eletromagnética, de forma a determinar a imunidade dos equipamentos a descargas eletrostáticas. 8.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (1) KODALI, V. P. Engineering electromagnetic compatibility - Principles, measurements and technologies, New York: IEEE Press, 1996. (2) SANCHES, D. Interferência eletromagnética, Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 2003. (3) MORGAN, D. A handbook for EMC testing and measurement, IEE Electrical Measurement Series 8, 1994. (4) CHRISTOPOULOS, C. Principles and techniques of electromagnetic compatibility, CRC Press, 1995. (5) WHITE, D. R. J. A handbook on electromagnetic shielding - Materials and performance, Germantown: Don White Consultants, 1980. (6) INTERNATIONAL ELECTROTECHNICAL COMMISSION. Electromagnetic Compatibility EMC Part 4: Testing and Measurements Techniques Section 2: Electrostatic Discharge Immunity Test. IEC 61000-4-2. Genebra, Suíça, 1995. (7) DANGELMAYER, T. & WELSHER, T. ESD Packaging Considerations. Disponível em: <http://www.ce- 6

mag.com/archive/03/09/dangelmayer.htm> Acesso em: 14/01/2004. (8) HENRY, L. G. Roseta Stone: ESD Origins, Concept and Application. Disponível em: <http://www.ce-mag.com/archive/03/09/henry.htm> Acesso em: 14/01/2004. (9) WILLIAMS, T. Response of 74XX logic circuits to ESD transients. Disponível em: <http://www.elmac.co.uk/74xx_esd.htm> Acesso em: 14/01/2004. (10) DANGELMAYER, T. ESD Myths and Latency Controversy. Disponível em: <http://www.cemag.com/archive/02/spring/dangelmayer.htm> Acesso em: 14/01/2004. 7