O ART. 28 DA LEI DE DROGAS NO PROJETO DE LEI 111/2010 (PENA DE DETENÇÃO OU TRATAMENTO)



Documentos relacionados
BuscaLegis.ccj.ufsc.br

A Lei /2001 e o Código Penal análise.

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

Art. 1º Estabelecer orientações para a implementação no âmbito do Projeto Bolsa- Formação dos ciclos especiais de capacitação:

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA UnB FACULDADE DE DIREITO FDD TEORIA GERAL DO PROCESSO /1 TURMA A PROFESSOR: DR. VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

I Congresso Internacional de Direito e Psiquiatria Forense. São Paulo, SP - 24 a 26 de fevereiro de Avaliação de Periculosidade

Lei n /11: o art. 310 do CPP e a inafiançabilidade na visão do STF

DIREITO AMBIENTAL. Prof.: LEONARDO BARRETO

Página 2 de 5 01 Centro de Referência para até casos novos anuais 02 Centros de Referência para > casos novos anuais 03 Centros de

Superior Tribunal de Justiça

DECRETO N.º 382/XII. A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Juizados Especiais Cíveis

PARECER Nº, DE RELATOR: Senador ROMERO JUCÁ I RELATÓRIO

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI N 4.330, DE 2004.

SENADO FEDERAL PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 422, DE 2011

AÇÃO CIVIL EX DELICTO

PARECER N, DE RELATORA: Senadora VANESSA GRAZZIOTIN. A proposta está estruturada em três artigos.

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

O Congresso Nacional decreta:

AULA 8 31/03/11 O RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Nº 17599/CS

CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO PARECER COREN-SP GAB Nº 040 / 2011

Dec. de Rectificação n.º 22/2008 de 24 de Abril - Série I

PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA

Curso de Regimento Interno da Câmara dos Deputados Prof. Gabriel Dezen Junior. Avulso 5

CIRCULAR GEPE N.º 007/2005. Gerências Regionais de Recursos Humanos, Unidades de Controle de Pessoal das demais Secretarias, gerências da GEPE.

1 NORMA REGULAMENTADORA 1 DISPOSIÇÕES GERAIS ( )

Processo penal eficiente? Prof. Dr. Nestor E. A. Santiago Unifor

UNIFICAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

A responsabilidade do preposto no exercício de sua função. Solange Dias Neves Advogada OAB/RS

CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL V EXAME UNIFICADO PADRÃO DE RESPOSTA PROVA DO DIA 4/12/2011 DIREITO PENAL

PROCEDIMENTOS PARTE I PROCEDIMENTO ORDINÁRIO

QUESTIONÁRIO SOBRE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA REDAÇÃO FINAL PROJETO DE LEI Nº C DE O CONGRESSO NACIONAL decreta:

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 24, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2015.

PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 47, DE 2015

SOCIEDADE informações sobre recomendações de incorporação de medicamentos e outras tecnologias no SUS RELATÓRIO PARA A

SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PRIMARIA À SAÚDE NO BRASIL. Dr Alexandre de Araújo Pereira

RESOLUÇÃO 18 DE 29 DE SETEMBRO DE 1995

CONCURSO PÚBLICO PARA BOLSA DE ESTÁGIO SECRETARIA DE AÇÃO SOCIAL E CIDADANIA

Gestão de Tecnologias em Saúde na Saúde Suplementar. GRUPO TÉCNICO REVISÃO DO ROL Karla Santa Cruz Coelho Fevereiro/2009

Privativas de Liberdade. Alternativas: que se subdividem em restritivas de direitos e multa.

Ministério da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação - INEP CONCEITO PRELIMINAR DE CURSOS DE GRADUAÇÃO

DO PROCESSO E PROCEDIMENTO

[Digite aqui] GUIA PARA OS CMDCAS A RESPEITO DA RESOLUÇÃO 164/2014

Liberdade provisória sem fiança.

LICENÇA POR ACIDENTE EM SERVIÇO

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Secretaria de Recursos Humanos. Ofício-Circular nº 03 /SRH/MP Brasília, 10 de março de 2004.

Extensão dos efeitos de decisão judicial transitada em julgado a quem não foi parte na relação processual

IV Meeting dos Profissionais do Direito Privado Brasileiro

INDICIAMENTO E FORMAL INDICIAMENTO. DISTINÇÃO.

EDITAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA SNC FUNDOS Nº 02/11 Prazo: 18 de julho de 2011

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA SEPN Quadra 514 norte, lote 7, Bloco B Brasília DF. CEP

PARECER Nº, DE RELATORA: Senadora LÍDICE DA MATA

NOVO CPC: A HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DE DIVÓRCIO CONSENSUAL

PEÇA PRÁTICO PROFISSIONAL

REGULAMENTO DELEGADO (UE) N.º /.. DA COMISSÃO. de

COMISSÃO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, COMUNICAÇÃO E INFORMÁTICA

Livramento condicional

O GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ, no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, inciso V, da Constituição Estadual,

1. PRISÃO (CONTINUAÇÃO) Pode ser decretada pelo juiz de ofício, a requerimento do Ministério Público ou a requerimento do querelante.

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO CONSELHO SUPERIOR

REGRAS DE ADVERTÊNCIA E DE SUSPENSÃO AO FUNCIONÁRIO

MEDIDA: PRISÃO PREVENTIVA PARA ASSEGURAR A DEVOLUÇÃO DO DINHEIRO DESVIADO

PARECER Nº, DE RELATOR: Senador LUIZ HENRIQUE I RELATÓRIO

NOTA TÉCNICA. Assunto: Esclarecimentos sobre Leito 87- Leito de Saúde Mental

CAMARÁ MUNICIPAL DE FORTALEZA GAUINETE DO VEREADOR PAULO DIÓGENES LÍDER DO PSD. Projeto de Lei /2015

INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIADE ALCOOLISTAS E TOXICÔMANOS, UM DIREITO DA FAMÍLIA

O ART. 306 DO CTB NO PLS N. 48/2011: DA LEI NÃO TÃO SECA À TOLERÂNCIA ZERO COM CULPA ALCOÓLICA

REGULAMENTO DE CONCURSO

CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO PARECER COREN-SP GAB Nº 046 / 2011

IMPUGNAÇÃO 1 PREGÃO 09/2016

DECRETO Nº 4.613, DE 11 DE MARÇO DE

Assunto: Posicionamento do Ministério da Saúde acerca da integralidade da saúde dos homens no contexto do Novembro Azul.

SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE COORDENADORIA DE SERVIÇOS DE SAÚDE - CSS

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE CUIABÁ 1ª VARA ESPECIALIZADA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

O projeto tramitando no Congresso prevê que seja alterado o artigo 228 da Constituição Federal, que estabelece que todo indivíduo menor de 18 anos é

PARECER Nº, DE RELATOR: Senador JOSÉ PIMENTEL I RELATÓRIO

VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Orientações de interação com o Sistema de Controle Processual do TJPE (JUDWIN 1º GRAU)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

DOM DE 03/09/2014 Republicada, no DOM de 09/09/2014, por ter saído incompleta. Alterada pela IN nº 36/2014, no DOM de 15/10/2014.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO GABINETE DO SECRETÁRIO

COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO

SENADO FEDERAL PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 724, DE 2011

Lista de bases jurídicas previstas no Tratado de Lisboa que prescrevem o processo legislativo ordinário1

Publicada Resolução que regulamenta o Exame de Suficiência da área contábil

REGIME JURÍDICO DA SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

RESOLUÇÃO Nº. 39/2002 CSPP RESOLVE: Juiz de Fora, 29 de agosto de Prof. Dr. Murilo Gomes Oliveira Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Resumo da Lei nº8080

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS FACULDADE DE FILOSOFIA

HIPÓTESES DE DECRETAÇÃO DO ESTADO DE DEFESA

O CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE, no exercício de suas atribuições legais e regimentais,

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 218, DE 2015

PARECER N, DE RELATOR: Senador GARIBALDI ALVES FILHO

Transcrição:

O ART. 28 DA LEI DE DROGAS NO PROJETO DE LEI 111/2010 (PENA DE DETENÇÃO OU TRATAMENTO) Renato Marcão Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva), Estatuto do Desarmamento (Saraiva), Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva); Crimes Ambientais (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva), dentre outros. SUMÁRIO: 1). Introdução; 2). O Projeto de Lei 111/2010; 3). Ligeiras reflexões; 3.1) Quem poderá ser encaminhado à avaliação técnica; 3.2.). Recusa em submeter-se à avaliação técnica; 3.3.). Conclusões da avaliação técnica; 3.4.). Proposta de transação penal; 3.5.). Sentença no processo de conhecimento 3.6.). Recusa ao tratamento; 3.6.1). Inviabilidade da execução compulsória do tratamento; 3.6.2.). Impossibilidade de conversão do tratamento especializado em pena privativa de liberdade; 3.6.3). Algumas consequencias práticas na execução; 4). Conclusão. 1). Introdução Uma das consequências da política de redução de danos adotada na Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas) é o abrandamento do rigor punitivo em relação às condutas anotadas no art. 28 (caput e 1º), onde a realização típica sujeita o agente às penas de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. A pena de advertência tem por finalidade avivar, revigorar e, em alguns casos, incutir, na mente daquele que incidiu em qualquer das condutas do art. 28, as consequências danosas que o uso de drogas proporciona à sua própria saúde; ao seu conceito e estima social; à estabilidade e harmonia familiar; à comunhão social, buscando despertar valores aptos a ensejar contraestímulo ao estímulo de consumir drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal e regulamentar. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é pena de todos conhecida, notadamente em razão da notoriedade e status alcançados após a edição da Lei n. 9.714/98. Consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, conforme a definição do art. 46, 1º, do CP, e, para as hipóteses típicas do art. 28 (caput e 1º), será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. A pena de comparecimento a programa ou curso educativo atende fielmente à política de redução de danos adotada na Lei de Drogas. É induvidoso que o programa ou curso educativo a que se refere a lei diz respeito ao tema drogas. Portanto, programas ou cursos voltados à prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Na realidade prática, entretanto, a ausência de eficácia destas penas tem proporcionado fundada preocupação, e muitas são as razões para o desalento decorrente.

Com efeito, se o apenado não cumprir qualquer das penas aplicadas e persistir no descumprimento, mesmo após ser submetido às medidas coercitivas de admoestação verbal e multa ( 6º do art. 28 da L.D), incidentes para fazer cumprir as penas anteriormente aplicadas, nada de efetivo se poderá fazer contra o mesmo, e a execução restará sem efeito algum. Não se atingirá, como em regra não se tem atingido, qualquer das finalidades da pena criminal. Perdeu-se, com isso, a efetividade da regra punitiva. Desprovida de qualquer rigor, caíram no descrédito popular e dos operadores do Direito as penas atualmente cominadas. Some-se a isso o fato de que na esmagadora maioria dos processos relacionados com o art. 28 da Lei de Drogas a Justiça Criminal tem desconsiderado a regra impositiva do 7º do mesmo artigo, onde se lê que o juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. 2). O Projeto de Lei 111/2010 Atento à realidade acima narrada, o Senador Demóstenes Torres apresentou o Projeto de Lei 111/2010, com vistas a restabelecer a pena de prisão para o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Conforme o Projeto, as condutas tipificadas no art. 28 e seu 1º, que ficam mantidas, passariam a ser punidas com detenção, de 6 (seis) meses a 1(um) ano, sendo certo que o juiz substituirá a pena privativa de liberdade por tratamento especializado, nos termos do art. 47 da Lei de Drogas, que também deve ter sua redação modificada conforme é a pretensão do PL 111/2010, para regular a necessidade de existência de uma Comissão Técnica a que deverá ser encaminhado o autor do fato/acusado visando apurar a necessidade, ou não, de ser submetido a tratamento contra dependência de drogas. A comissão instituída pelo artigo 47, caput, funcionará junto ao tribunal ou juízo competente, terá seus membros designados pelo Conselho Municipal Antidrogas e será composta por três profissionais com experiência em dependência e efeitos das drogas, sendo ao menos um deles médico, conforme regulamento. Nos precisos termos do 2º do art. 47, com a nova redação proposta no PL 111/2010, o juiz poderá, a qualquer momento, encaminhar o acusado para tratamento especializado, após ouvida a referida Comissão Técnica. Repetindo o que hoje encontramos no 7º do art. 28, nos termos do 3º do art. 47, conforme a redação proposta, o juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do condenado, gratuitamente, estabelecimento de saúde para tratamento especializado. Em síntese, a pretensão do legislador é no sentido de ver cominada pena de detenção de 6 (seis) meses e 1 (um) ano (assim formalmente individualizada), cumprindo seja substituída por tratamento especializado sempre que indicada a substituição no caso concreto, conforme conclusão a ser apontada pela Comissão Técnica a que será submetido o autor do fato para efeito de avaliação do grau de seu envolvimento com as drogas; tratamento indicado etc. O PL 111/2010 também visa à alteração do 5º do art. 48 da Lei de Drogas, para dispor que nas hipóteses em que admita transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95) o Ministério Público poderá propor o encaminhamento imediato do autor do fato para tratamento especializado. 3). Ligeiras reflexões

3.1) Quem poderá ser encaminhado à avaliação técnica Da mesma maneira que a vigente Lei 11.343/2006, o PL 111/2010 não distingue expressamente as figuras do experimentador, usuário eventual e dependente. Quer nos parecer, entretanto, que somente o dependente é que poderá ser encaminhado à Comissão Técnica visando avaliar seu grau de comprometimento com as drogas, para fins de eventual tratamento. Por exclusão lógica, para o experimentador e o usuário eventual a pena prevista no projeto de lei é a de detenção, o que já representa alguma distinção no enfrentamento da matéria. 3.2.). Recusa em submeter-se à avaliação técnica Caso o autor do fato/acusado recuse submeter-se à dita avaliação, em caso de condenação ficará inviabilizada a possibilidade de substituição da privativa de liberdade por tratamento. Não é possível submetê-lo à apreciação da Comissão Técnica contra sua vontade. Portanto, havendo condenação a pena a ser aplicada será a privativa de liberdade (detenção de 6 meses a 1 ano). 3.3.). Conclusões da avaliação técnica A avaliação técnica que se realizar poderá concluir que o autor do fato/acusado não é dependente de droga, e que, portanto, não necessita de qualquer tratamento. Poderá ainda apontar que é dependente e poderá receber tratamento ambulatorial. Poderá, por fim, concluir que a dependência recomenda tratamento em regime de internação; hipótese mais comum. 3.4.). Proposta de transação penal A proposta de transação penal, pelo Ministério Público, nos termos do 5º do art. 48 (redação do PL 111/2010), somente poderá envolver tratamento especializado se por ocasião do art. 76 da Lei n. 9.099/95 já existir nos autos laudo da avaliação a que tenha se submetido o autor do fato, realizada pela Comissão Técnica, indicando a necessidade de determinado tratamento. Não cabe ao Ministério Público, ao juiz ou à Defesa escolher e indicar sem qualquer base técnico-científica um determinado tratamento, exatamente por faltar-lhes conhecimento específico a respeito da matéria. A terapêutica indicada para o caso só poderá decorrer de conclusão apontada pela Comissão Técnica de que cuida o art. 47 do PL 111/2010. 3.5.). Sentença no processo de conhecimento Não sendo caso de transação penal, observado o devido processo legal e encerrada a instrução processual, que envolverá a avaliação pela Comissão Técnica, caberá ao juiz proferir sentença, que poderá ser: absolutória em sentido próprio; absolutória imprópria; condenatória com aplicação de pena de detenção (com possibilidade de substituição por penas alternativas; regime aberto ou semiaberto); condenatória com substituição da pena privativa de liberdade por tratamento especializado ( 3º do art. 28 do PL 111/2010). Interessa-nos, por agora, deitar reflexões sobre a última hipótese: condenação com substituição da pena privativa de liberdade por tratamento especializado. Pela proposta legislativa, ao proferir sentença condenatória o juiz deverá aplicar pena privativa de liberdade (detenção, de 6 meses a 1 ano), e, em seguida, sendo caso, ainda na sentença determinar a substituição pelo tratamento (recomendado pela

Comissão Técnica), que poderá, inclusive, ter duração superior ao máximo da privativa de liberdade cominada, conforme a complexidade do caso. Não há possibilidade de aplicação alternativa da pena privativa de liberdade ou de tratamento especializado, e isso irá acarretar sérias discussões caso o condenado resolva não se submeter ao tratamento, na hipótese do PL 111/2010 não ser alterado para se fazer mais claro a respeito das consequências que poderão decorrer do não tratamento determinado em sentença. Permanecendo como está, caso venha a ser convertido em lei irá tumultuar as instâncias judiciárias, na medida em que proporcionará milhares de recursos evitáveis visando discutir as consequências do descumprimento da sentença que determinou o tratamento especializado. 3.6). Recusa ao tratamento 3.6.1). Inviabilidade da execução compulsória do tratamento Caso se submeta à avaliação técnica, restando provada a necessidade de tratamento e aplicada pelo juiz a substituição da privativa de liberdade, poderá o condenado submeter-se, ou não, ao tratamento, a seu exclusivo critério. Na hipótese, não é possível o tratamento contra a vontade do condenado, ainda que determinado por sentença condenatória, porquanto inviável, em termos de execução do julgado a internação compulsória para tratamento. Menos possível, ainda, será o tratamento ambulatorial compulsório ou sua regressão para internação. Pensar de forma diversa é entrar em rota de colisão com a própria terapêutica indicada para os casos de drogadição, salvo se a ideia for impor uma consequência punitiva com o tratamento forçado, neste caso, de duvidosa eficácia em termos de redução de danos, e que terminaria por contrariar a política expressamente adotada na Lei de Drogas. Da justificativa do projeto de lei retiramos o texto que segue: A outra parte, que trata da popularmente denominada internação compulsória, resgata a possibilidade de prisão para o usuário de drogas, pois a despenalização foi uma experiência ruim, servindo unicamente para potencializar o sofrimento dos próprios viciados e seus familiares. Evidentemente, o propósito não é levar ao cárcere alguém só por estar fumando crack ou maconha, cheirando cocaína, usando ecstasy. Tome-se cuidado com os termos técnicos. Internação compulsória ou prisão como resposta ao não tratamento? Com todo respeito, a posição adotada na proposta de alteração legislativa não ficou clara na justificativa, e menos ainda no texto que se quer aprovar. A ressalva tome-se cuidado com os termos técnicos, utilizada com referência à internação compulsória é no mínimo estranha (e não desconhecemos o contexto em que inserida), visto não ser lógico interpretar de maneira vulgar os termos técnicos. Não se pode compreender seja um termo técnico utilizado na lei interpretado de forma diversa do que realmente significa. Exatamente um termo técnico? 3.6.2.). Impossibilidade de conversão do tratamento especializado em pena privativa de liberdade Converter o tratamento especializado em pena de detenção, observada a originariamente aplicada e substituída é medida não contemplada no PL 111/2010 e não se pode invocar, por aqui, a possibilidade de conversão com fundamento no 4º do art. 44 do Código Penal, porquanto prejudicial ao condenado. Nem se queira argumentar que a medida de tratamento especializado (seja ela qual for) teria a mesma natureza que as denominadas penas alternativas. Não tem mesmo.

3.6.3). Algumas consequencias práticas na execução Aplicada pena privativa de liberdade, poderá ocorrer a substituição por restritiva de direito, na forma do art. 44 do Código Penal, cuja execução não integra o rol das preocupações que este trabalho pretende expor. Quanto ao regime de cumprimento da privativa de liberdade, poderá ser o aberto ou o semiaberto, a depender da conjugação das regras aplicáveis, observadas as particularidades do condenado. Como se sabe, mas não é demais lembrar, não é possível a fixação de regime fechado para o cumprimento de pena de detenção. Pois bem. Determinada na sentença a substituição da pena privativa de liberdade por tratamento especializado, ainda que o condenado queira se submeter ao tratamento, outra dificuldade exsurge: a ausência de local adequado para tratamento ambulatorial na grande maioria dos municípios e, especialmente, a ausência de clínica especializada para internação, por força de decisão judicial. Diz a respeito o projeto de lei: o juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do condenado, gratuitamente, estabelecimento de saúde para tratamento especializado ( 3º do art. 47). Embora com outro enfoque, tal regra é a mesma que hoje se encontra no 7º do art. 28 da Lei 11.343/2006, e que não tem sido aplicada exatamente por não existirem em número suficiente clínicas públicas especializadas para tratamento. Muito embora o acesso universal à saúde seja garantia constitucional expressa no art. 196 da Constituição Federal e a dependência de droga seja reconhecida como doença pela Organização Mundial de Saúde, também aqui o Estado brasileiro tem deixado ao desamparo a parcela da sociedade que de tal atendimento especializado necessita. Como, então, executar a sentença penal condenatória que aplicar medida de tratamento especializado? 4). Conclusão É preciso ajustar o PL 111/2010 em busca de uma melhor eficiência do sistema punitivo que se pretende repristinar, sob pena de continuar tudo exatamente como hoje se encontra na realidade prática. Não basta; não é suficiente, entretanto, para o responsável e eficiente enfrentamento do grave problema de que ora se cuida, a só correção dos rumos legislativos. É preciso, dentre outras providências urgentes, uma rede de estrutura pública adequada, à disposição da sociedade. Não basta estar na lei. Por fim, é preciso destacar que não há política criminal que possa dar certo sem uma adequada postura de todos os envolvidos no enfrentamento da pandemia em que se tornou a dependência de drogas no Brasil.