A escrita se altera, muda o espírito (Laufer, p. IX)

Documentos relacionados
Weber e o estudo da sociedade

Serviço Público Federal CONCURSO PÚBLICO 2014 INSTRUÇÕES GERAIS. Nº do doc. de identificação (RG, CNH etc.): Assinatura do(a) candidato(a):

Desvios de redações efetuadas por alunos do Ensino Médio

Promover a participação de toda comunidade escolar no projeto PIBID;

SOB O DOMÍNIO DE NAPOLEÃO

ISO/IEC 12207: Gerência de Configuração

---- ibeu ---- ÍNDICE DE BEM-ESTAR URBANO

FATEC Cruzeiro José da Silva. Ferramenta CRM como estratégia de negócios

AS LEIS DE NEWTON PROFESSOR ANDERSON VIEIRA

RJ TV- TV Globo- Data: 05/07/08

PERGUNTAS E RESPOSTAS NOVAS REGRAS PARA ESCOLHA DE BENEFICIÁRIOS

Roteiro VcPodMais#005

PROJETO DE LEITURA E ESCRITA LEITURA NA PONTA DA LÍNGUA E ESCRITA NA PONTA DO LÁPIS

Faculdade de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Educação RESUMO EXPANDIDO DO PROJETO DE PESQUISA

Dia_Logos. café teatral

Palavras-chave: Educação Matemática; Avaliação; Formação de professores; Pró- Matemática.

Minuta de Resolução Programa de Ações Afirmativas da Udesc

ANÁLISE DOS TEXTOS PRODUZIDOS POR UMA TURMA DO 3ºANO DO ENSINO MÉDIO À LUZ DOS CRITÉRIOS DO ENEM

f r a n c i s c o d e Viver com atenção c a m i n h o Herança espiritual da Congregação das Irmãs Franciscanas de Oirschot

TÉCNICAS DE PROGRAMAÇÃO

Informativo G3 Abril 2011 O início do brincar no teatro

O interesse por atividades práticas contribuindo na alfabetização através do letramento

ASPECTOS HISTÓRICOS: QUANTO A FORMAÇÃOO, FUNÇÃO E DIFULCULDADES DO ADMINISTRADOR.

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

Chantilly, 17 de outubro de 2020.

O consumo de conteúdos noticiosos dos estudantes de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Manual de Mídia. Escrevendo notícias. Volume 1. Equipe Regional de Imagem e Comunicação - RS.

Fabyanne Nabofarzan Rodrigues

História da Probabilidade. Série Cultura. Objetivos 1. Apresentar alguns fatos históricos que levaram ao desenvolvimento da teoria da probabilidade.

BRINCANDO COM GRÁFICOS E MEDINDO A SORTE

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

JOSÉ DE ALENCAR: ENTRE O CAMPO E A CIDADE

Como escrever um bom Relato de Experiência em Implantação de Sistema de Informações de Custos no setor público. Profa. Msc. Leila Márcia Elias

ANÁLISE DE COMPREENSÃO DE TEXTO ESCRITO EM LÍNGUA INGLESA COM BASE EM GÊNEROS (BIOGRAFIA).

Conta-me Histórias. Lê atentamente o texto que se segue.

ATUAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS/ LÍNGUA PORTUGUESA NO IES 1

PLURALIDADE CULTURAL E INCLUSÃO NA ESCOLA Uma pesquisa no IFC - Camboriú

EDUCAÇÃO E PROGRESSO: A EVOLUÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA ESTADUAL ELOY PEREIRA NAS COMEMORAÇÕES DO SEU JUBILEU

SISTEMA INTEGRADO DE GESTÃO ACADÊMICA

GRUPOS. são como indivíduos, cada um deles, tem sua maneira específica de funcionar.

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

ESTADO DE GOIÁS PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA DE GOIÁS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO SANTA BÁRBARA DE GOIÁS. O Mascote da Turma

As crianças adotadas e os atos anti-sociais: uma possibilidade de voltar a confiar na vida em família 1

Duração: Aproximadamente um mês. O tempo é flexível diante do perfil de cada turma.

24 Acorde Maior X Acorde Menor - Conteúdo

COMO ESCREVER UM LIVRO INFANTIL. Emanuel Carvalho

TECNOLOGIAS NO COTIDIANO: DESAFIOS À INCLUSÃO DIGITAL

PERGUNTAS E RESPOSTAS CONDUTORES DA TOCHA OLÍMPICA RIO 2016

Ajuda ao SciEn-Produção O Artigo Científico da Pesquisa Experimental

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA GRADUAÇÃO EM SISTEMAS DE INFORMAÇÃO DEPARTAMENTO DE INFORMÁTICA E ESTATÍSTICA DATA MINING EM VÍDEOS

GRITO PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

PARANÁ GOVERNO DO ESTADO

Critérios de Avaliação. 3º Ano. Agrupamento de Escolas Pedro Jacques de Magalhães 1º Ciclo

Todos Batizados em um Espírito

Questionário Sociodemográfico e Clínico

PROVA BIMESTRAL Língua portuguesa

PROJETO: ESCOLA DIGITAL

CAPÍTULO 3 - TIPOS DE DADOS E IDENTIFICADORES

Pedro Bandeira. Leitor em processo 2 o e 3 o anos do Ensino Fundamental

ANÁLISE DE VÍDEOS DOCUMENTAIS: PERSPECTIVAS PARA DISCUSSÕES ACERCA DO PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA NEVES

3 Classificação Resumo do algoritmo proposto

(Prof. José de Anchieta de Oliveira Bentes) 3.

PROJETO: TEATRO NA EDUCAÇÃO FÍSICA - MULTIPLICIDADE DE MOVIMENTOS E SUPERAÇÃO DAS DIFICULDADES. INTRODUÇÃO

O que é número primo? Série O que é?

Novas possibilidades de leituras na escola

Aline de Souza Santiago (Bolsista PIBIC-UFPI), Denis Barros de Carvalho (Orientador, Departamento de Fundamentos da Educação/UFPI).

TREINAMENTO PARA A 1ª FASE DA PROVA DA OBMEP: A E.B.M. PROFESSORA CLOTILDE RAMOS CHAVES

FORMANDO AS LIDERANÇAS DO FUTURO

PROJETO ARARIBÁ. Um projeto que trabalha a compreensão leitora, apresenta uma organização clara dos conteúdos e um programa de atividades específico.

Cultura Inglesa São Paulo automatiza backup diário em 18 unidades com arcserve

Sai da frente que atrás vem gente

GÍRIA, UMA ALIADA AO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA ESTRANGEIROS Emerson Salino (PUC-SP) João Hilton (PUC/SP)

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ALUNO COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO ENSINO REGULAR

E-book. Como organizar todos os seus objetivos em quarenta minutos

A EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES -PROBLEMA NA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DE FRAÇÕES. GT 01 - Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

Educação de Filhos de 0 a 5 anos. Edilson Soares Ribeiro Cláudia Emília Ribeiro 31/03/2013

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E S C O L A D E A R T E S, C I Ê N C I A S E H U M A N I D A D E

O estudante de Pedagogia deve gostar muito de ler e possuir boa capacidade de concentração porque receberá muitos textos teóricos para estudar.

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

Requisitos de Software

Aprendendo a ESTUDAR. Ensino Fundamental II

Arquivo Público do Estado de São Paulo Oficina O(s) uso(s) de documentos de arquivo na sala de aula

A Grande Importância da Mineração de Dados nas Organizações

Resumo Aula-tema 01: A literatura infantil: abertura para a formação de uma nova mentalidade

O Intérprete de Libras no Contexto da Sala de Aula na Cidade de Pelotas-RS

Para a grande maioria das. fazer o que desejo fazer, ou o que eu tenho vontade, sem sentir nenhum tipo de peso ou condenação por aquilo.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AD NOS PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO DA PUC/RS E DA UFRGS

46 Dona Nobis Pacem: alturas Conteúdo

O Indivíduo em Sociedade

Comemoração da 1ª semana de Meio Ambiente do Município de Chuvisca/RS

5. A pesquisa Sujeitos

SISTEMA DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS - REDMINE MANUAL DE USO

Mostrei minha obra-prima à gente grande, perguntando se meu desenho lhes dava medo.

TEUS PENSAMENTOS Projeto 203

Cálculo utilizando variáveis do tipo DATA

APRESENTAÇÃO. Sobre Fernando Pessoa

Atividade: Leitura e interpretação de texto. Português- 8º ano professora: Silvia Zanutto

Avaliação da aprendizagem... mais uma vez

Transcrição:

PALAVRAS SOBRE PALAVRAS: DIFERENÇAS MORFOLÓGICAS E SINTÁTICAS NAS EDIÇÕES DA OBRA BUGRINHA, DE AFRÂNIO PEIXOTO Érica Azevedo Santos (UEFS) ericazevedo_ba@hotmail.com Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz (UEFS) ritaqueiroz@e-net.com.br A escrita se altera, muda o espírito (Laufer, p. IX) PALAVRAS INICIAIS A escrita constitui-se um divisor de águas para a história da humanidade. É através dela que o individuo registra suas memórias e tradições. Todas as ações do homem são postas no papel: sua literatura, sua ciência, seu direito, sua religião etc. [...] O homem, suas i- déias e seu mundo são vistos através desses artefatos. (Queiroz, 2005, p. 19-20). Por isso, é fundamental que tais registros não sejam indevidamente adulterados para que se possam fazer as corretas interpretações da história. Num ensaio em que se discorre a respeito do livro Jorge Luis Borges afirma que o [...] mais importante de um livro é a voz do autor, a voz que chega até nós. (1996, p. 10). Mas o que acontece quando a voz do autor muda a cada edição ou quando a voz de terceiros se mistura à voz daquele? Qual é a voz que deve chegar aos leitores? Obviamente a missão primeira do texto (neste caso o texto literário escrito) é a comunicação. Contudo, podem ocorrer ruídos que impeçam o texto de levar a voz de seu autor. Para que se possa assegurar ao leitor um texto que seja a mais genuína realização de seu autor existe a Crítica Textual, ramo da Filologia dedicado à investigação das mudanças a que uma obra é suscetível. Com o advento da imprensa acreditava-se que as alterações seriam menores que aquelas introduzidas nos manuscritos medievais, o que de fato não 1

aconteceu. Desta forma, advertem Cambraia e Megale (1999, online) que [...] a preocupação com a autenticidade do texto é também importantíssima mesmo quando se trata de obras que datam já de depois da imprensa. AUTOR E OBRA Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947) nasceu em Lençóis, na Chapada Diamantina, região do estado da Bahia, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte de sua vida. Um cidadão que obteve sucesso e respeito em todos os campos em que atuou: na medicina, na literatura, na educação, na história e na política. Entre as ocupações e os títulos recebidos, somente para citar alguns, estão a presidência da Academia Brasileira de Letras (1923); o cargo de reitor da Universidade do Distrito federal (1934); o titulo de doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa (1924) e pela Universidade de Coimbra (1935), a função de professor no primeiro curso de criminologia do país na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro (1932). Na literatura, não somente dedicou-se à produção de obras como também realizou pesquisas importantes, a exemplo das obras de Camões e Castro Alves. Como escritor, deixou-nos obras que retratam a cultura de sua terra natal. Sua estréia literária ocorreu em 1900, com a publicação de Rosa Mística, drama polêmico, repudiado por ele próprio. Após a publicação desta obra só voltou a escrever em 1911, ao ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, publicando A Esfinge, seu primeiro romance, livro que alcançou grande sucesso e teve a tiragem esgotada em poucos dias, possuindo duas edições no mesmo ano. Publicado em 1922, Bugrinha é o quarto romance de Afrânio Peixoto, penúltimo sertanejo (Seus romances são classificados, do ponto de vista do cenário, em urbanos e sertanejos), fazendo parte também da linha de romances da mineração do diamante. Protagonizado por Bugrinha e Jorge, [...] um romance que faz um raio-x de uma cidade, de sua gente, tão semelhante às outras da chapada. (SALES, 1988, p.45). O romance foi traduzido para o francês e o espanhol, sendo adaptado para o cinema no longa Diamante Bruto, di- 2

rigido por Orlando Senna em 1977. Esta obra deu continuidade à respeitada carreira literária de Afrânio Peixoto. Seis edições do romance, publicadas em vida do romancista, foram analisadas a fim de se perceber as mudanças ocorridas ao longo dos vinte e cinco anos que separam a primeira da última edição. Afrânio Peixoto era um autor que acompanhava e revisava as edições de suas obras. AS MUDANÇAS No texto literário cada vocábulo ou sinal de pontuação possui uma função específica dentro do texto. Cada termo adquire um significado especial que perpassa por questões espaciais, históricoculturais e temporais. Desta forma, um acréscimo, uma supressão ou uma substituição de qualquer termo, por mais simples que pareça, introduz sérias mudanças na interpretação de uma dada obra, haja vista que cada parte do texto estabelece determinada relação para com o todo e o [...] objeto só se configura em sua plena realidade [...] graças à estrutura (Carone, 1991, p. 12) Para este trabalho, foram tomados para análise os dois primeiros capítulos do romance Bugrinha. A partir da segunda edição já se notam mudanças às quais algumas se mantêm até a sexta, outras são novamente modificadas. Apresentam-se, ainda, correção de alterações anteriores. Buscou-se perceber as diferenças sintáticas e morfológicas. Estas não serão apresentadas separadamente, visto que, às vezes, uma mudança morfológica implica numa mudança sintática e viceversa. Para a melhor compreensão de como tais modificações afetam o plano do significado do texto cada uma delas será explicitada a partir de trechos da obra, sendo subdivididas as mudanças de pontuação e as mudanças de vocábulos. As Mudanças de Pontuação Os sinais de pontuação são elementos importantes dentro do texto. Sua presença ou ausência altera significativamente um enunci- 3

ado. No entanto, trata-se de algo pouco perceptível ao leitor comum. Dificilmente será notado o acréscimo de uma vírgula ou a sua substituição por outro sinal, por exemplo, mesmo que o leitor tenha lido edições distintas de uma mesma obra, uma vez que não se lembrará de toda a sua construção, o que pode levá-lo a outras interpretações. Nos dois capítulos analisados de Bugrinha as mudanças relacionadas à pontuação são muito presentes. Texto da primeira, segunda e terceira edição Na grande paz da casa fechada e adormecida, escutava dentro de si, o clamor de suas emoções e de seus pensamentos, cuja festa lhe parecia mais encantada que um repouso efêmero, 1 ou esquecimento passageiro da vida. Texto da primeira, quarta, quinta e sexta edição O coração que batia compassado, parece que lhe assegurava a intuição simples, dessas verdades tranqüilas e contentes. Por isso, perdera o sono e não o procurava. Texto primeira edição Olhava para ela, 3 Maria do Carmo, e logo para Mateus, como a indicar a este o que parecia não ver, ou não querer ver. Texto a partir da quarta edição Na grande paz da casa fechada e adormecida, escutava dentro de si, o clamor de suas emoções e de seus pensamentos, cuja festa lhe parecia mais encantada que um repouso efêmero ou esquecimento passageiro da vida. Texto da segunda e terceira edição O coração que batia compassado, parece que lhe assegurava a intuição simples, dessas verdades tranqüilas e contentes. Por isso, perdera o sono, 2 e não o procurava. Olhava para ela Maria do Carmo, e logo para Mateus, como a indicar a este o que parecia não ver, ou não querer ver. As mudanças de vocábulos As alterações de vocábulos podem atribuir outro sentido ao texto, o que pode causar sérios problemas de interpretação e prejudicar a compreensão da obra, visto que há várias vozes num mesmo texto. 1 Supressão da vírgula em edições posteriores; 2 Acréscimo da vírgula na segunda e terceira edição e supressão da mesma a partir da quarta; 3 Vírgula suprimida a partir da segunda edição; 4

Texto da primeira edição Esses quatro anos, como que os não vivera, ou apenas dormitara, indo, vindo,crescendo, botando corpo, sem tento, sem a consciencia sequer da vida, 4 que não está na gente, mas que é feita apenas da reciprocidade do sentimento, o que vivem por nós, e nós por eles, ou por ele. Texto da primeira edição Ela concentrara o seu nesse dom de si 5, absoluto, que lhe fizera e só para ele queria viver. Texto da primeira edição [...] Uma palpitação de asas ao vento, uma alegria buliçosa nos campos em torno, neblina 6 e fumos. Texto da primeira edição De fato já se ouviam sons de música rude 7, que se aproximava. Em pouco à vista se mostrava 8 o grupo de peregrinos, que tornavam 9 à cidade, engrossada à passagem por meninos e desocupados, seguindo a charanga ladeira a- cima, pelo lavrado afóra. Bugrinha, silenciosa, conservara 10 a mesma polidez; abaixara, porem, os o- lhos, seus grandes olhos que ensobravam longos cílios negros Esses quatro anos, como que os não vivera, ou apenas dormitara, indo, vindo,crescendo, botando corpo, sem tento, sem a consciencia sequer, que não vem da gente, mas é feita apenas da reciprocidade do sentimento, o que vivem por nós, e nós por eles, ou por ele. Ela concentrara o seu nesse dom de si mesma, absoluto, que lhe fizera e só para ele existia. Texto a partir da quarta edição [...] Uma palpitação de asas ao vento, uma alegria buliçosa nos campos em torno, névoa e fumos. De fato já se ouviam sons de música que se aproximava. Em pouco, assomavam ao longe o grupo de peregrinos, que volvia à cidade, engrossada à passagem por meninos e desocupados, seguindo a charanga ladeira acima, pelo lavrado afora. Bugrinha, silenciosa, conservava a mesma polidez; abaixara, porem, os o- lhos, seus grandes olhos que ensobravam longos cílios negros 4 A partir da segunda edição ocorre a supressão do termo vida, a substituição de que não está na gente por que não vem da gente e a supressão do que (antecedido pelo vocábulo conjuntivo mas); 5 Acréscimo do termo enfatizador mesmo a partir da segunda edição e substituição da locução verbal queria viver por existia ; 6 Substituição de neblina por névoa. 7 Vocábulo suprimido em edições posteriores 8 Substituição de à vista se mostrava por assomavam ao longe 9 Substituído por volvia em edições posteriores 10 Substituição da forma verbal no pretérito-mais-que-perfeito pelo mesmo no pretérito imperfeito em edições posteriores. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS A preocupação primeira do profissional que possui como objeto de estudo o texto escrito deve ser com a genuinidade do mesmo, visto que de maneira contrária pode-se calar a voz do autor ou, ainda, adulterá-la. Através da análise da obra tratada e dos exemplos de mudanças que acreditamos autorais por que Afrânio Peixoto acompanhava as edições de seus romances é possível demonstrar o quanto um texto é passível de mudança. Por isso a necessidade de buscar a genuinidade do texto e a importância de se trabalhar com o texto crítico. REFERÊNCIAS BORGES, Jorge Luís. Cinco visões pessoais. Tradução Maria Rosinda Ramos da Silva. 3ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1996. CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1991. MEGALE, Heitor; CAMBRAIA, César Nardelli. Filologia portuguesa no Brasil. In: DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. São Paulo, vol. 5, nº especial, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-44501999000300001&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 10 mar. 2009. LAUFER, Roger. Introdução à textologia. Tradução Leda Tenório da Motta. São Paulo: Perspectiva, 1972. PEIXOTO, Afrânio. Bugrinha. Rio de Janeiro: Castilho, 1922.. Bugrinha. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1924.. Bugrinha. 3ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1928.. Bugrinha. 6ª ed. Rio de Janeiro: W. M. Jacksom INC, 1947. QUEIROZ, Rita de Cássia Ribeiro de. A filologia e a documentação manuscrita. Revista Philologus, Rio de Janeiro, ano11, nº 32, p. 18-29, 2005. SALES, Fernando. Aspecto da vida e obra de Afrânio Peixoto. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1987. 6