Ministério Público Federal. Programa Farmácia Popular do Brasil. Orientações para fiscalização



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Transcrição:

Ministério Público Federal Programa Farmácia Popular do Brasil Orientações para fiscalização

Programa Farmácia Popular do Brasil Orientações para fiscalização

Procurador-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos Vice-Procuradora-Geral da República Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira Vice-Procuradora-Geral Eleitoral Sandra Verônica Cureau Ouvidora-Geral do MPF Ela Wiecko Volkmer de Castilho Secretário-Geral do MPU Lauro Pinto Cardoso Neto Secretário-Geral Adjunto Danilo Pinheiro Dias 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF Patrimônio Público e Social Coordenadora Denise Vinci Tulio Membro Titular Rodrigo Janot Monteiro de Barros Membro Titular Antônio Carlos Pessoa Lins Membro Suplente Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini Membro Suplente Raquel Branquinho P. M. Nascimento Membro Suplente Sérgio Monteiro Medeiros

Ministério Público Federal Programa Farmácia Popular do Brasil Orientações para fiscalização Brasília - DF 2013

Ministério Público Federal 5ª Câmara de Coordenação e Revisão SAF Sul Quadra 4 Conj. C CEP 70050-900 Brasília DF Telefone: (61) 3105-5100 http://www.pgr.mpf.gov.br Elaboração Redação Organização Editoração Projeto Gráfico Secretária de Comunicação Social Formatação Revisão de Provas Copyright 2013 Ministério Público Federal Todos os direitos desta edição reservados ao Ministério Público Federal Permitida a reprodução desde que citada a fonte. Tiragem: 1000 exemplares Impresso no Brasil

Índice O que é o Programa Farmácia Popular do Brasil? Quais são as normas aplicáveis ao convênio? É preciso alguma formalidade para o lançamento de uma venda? O que é o kit-legalidade? Sem a produção e a consevação do kit-legalidade para cada transação, o que garante a venda declarada como verdadeira? O Estado tem que provar a irregularidade de cada venda se quiser ser ressarcido por todas as fraudes? Como posso conferir o valor repassado todo mês pela União, a cada empresa conveniada? Pela mera consulta dos repasses, através da Internet, é possível detectar alguma empresa como suspeita? Qual a principal fraude a ser combatida? O comerciante pode lançar quantas vendas fantasmas quiser, sem se sujeitar a nenhum controle? As vendas fantasmas deixam provas? Qual metodologia de apuração pode ser adotada pelo MPF vrespeito das vendas declaradas pelos comerciantes? O que fazer quando os indícios de irregularidades se fortificam? 11 13 14 15 16 17 18 19 21 22 23 25 29

Apresentação No final do ano de 2010, a Procuradoria da República em Franca (SP) recebeu, da Associação de Farmácias e Drogarias de Franca (SP), notícia informando que quatro farmácias da cidade haviam recebido repasses concernentes ao Programa Federal Farmácia Popular em valores extremamente superiores àqueles auferidos por entidades congêneres, no mesmo período, pedindo que o Ministério Público Federal (MPF) procedesse à averiguação dos fatos, tendo em vista que o elevado faturamento poderia indicar emprego de fraude. Após empreender diligências para constatar a localização, o porte e os responsáveis legais por tais estabelecimentos, o MPF em Franca expediu ofício ao Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), em Brasília, solicitando a realização de auditoria nas empresas apontadas. Findas as conclusões dos trabalhos daquele órgão, ficou confirmado que as quatro farmácias denunciadas, de fato, empregaram fraudes, consistentes na simulação de dispensação de medicamentos, a fim de obter os repasses federais em valores que superaram R$ 2,5 milhões em praticamente dois anos. A gravidade destes fatos nos motivou a iniciar uma fiscalização dos repasses do Programa em questão de forma mais aprofundada e constante. Assim, em consulta ao site do Fundo Nacional de Saúde (www.fns.saude.gov.br), passamos a conferir os pagamentos feitos a todas as farmácias conveniadas ao Programa nas cidades pertencentes à circunscrição da PRM/Franca. De imediato, dez drogarias despertaram suspeitas em razão de seu elevado faturamento. Foram instaurados procedimentos administrativos a fim de constatar a regularidade dos pagamentos. Como o DENASUS possui um exíguo número de servidores apenas quatro para todo o Estado de São Paulo, sendo que estes não fazem apenas fiscalizações concernentes ao Farmácia Popular, mas a toda e qualquer questão atinente ao âmbito do Ministério da Saúde, percebemos que se fossemos esperar que o DENASUS fizesse, so-

zinho, todas as auditagens, provavelmente não seria possível fiscalizar todos os entes suspeitos dentro de um prazo razoável. Por isso, decidimos realizar, paralelamente, apurações internas, por meio da análise da documentação apresentada pelas empresas. Das dez farmácias fiscalizadas, oito apresentaram graves indícios de fraude. Três delas não entregaram a documentação solicitada, justificando que havia sido perdida ou furtada. Outras duas remeteram parte da documentação, explicando que a parcela omitida teria sido incendiada por engano. Quatro delas confessaram a prática das fraudes e ressarciram os valores obtidos irregularmente (mais de R$ 700 mil). As demais apresentaram parte da documentação, na qual foram comprovadas falsificação de receituário médico, falsificação de assinaturas de clientes, vendas feitas a pessoas que jamais compraram no estabelecimento, vendas a pessoas falecidas etc. Segundo os levantamentos realizados, tanto pelo DENASUS, como pelo MPF, as fraudes, que dizem respeito somente ao período de 2009 e 2010, ultrapassaram R$ 3 milhões. O Programa desenvolvido pelo Ministério da Saúde é extremamente fácil de ser fraudado. Basta ao proprietário do ente conveniado, ou alguém a seu mando, ter em mãos um número de CPF, um número de CRM e o código de barras de uma caixa de medicamento abrangido pelo Programa para registrar a venda no sistema e receber, no mês seguinte, o repasse correlato. Assim, o fraudador aufere os valores sem nunca ter entregue qualquer medicamento. Decidimos fazer consultas no site do Fundo Nacional de Saúde sobre os pagamentos feitos a drogarias situadas em municípios fora da circunscrição de Franca para saber se também naqueles locais havia indícios de fraude. O resultado foi estarrecedor. De imediato, os indícios de irregularidade já saltavam aos olhos. Foi neste momento que surgiu a ideia da Cartilha para Fiscalização do Programa Farmácia Popular. Antes de remeter o material

contendo as suspeitas para os Procuradores atuantes naquelas PRMs, numa modesta iniciativa de compartilhar experiências e auxiliar os colegas e seus assessores no trato desta questão, foi elaborado um manual para auxiliar a realização do trabalho de fiscalização. O material, criado a partir da experiência obtida durante os trabalhos de investigação em Franca, contém diretrizes e informações úteis sobre o funcionamento do sistema e os meios de acompanhar sua regularidade. A cartilha aborda itens como a legislação que normatiza o Programa e seu funcionamento, além de apresentar o kit-legalidade que, como explicado no material, é formado por três comprovantes necessários para fundamentar qualquer venda realizada pela drogaria dentro do Programa. Há, ainda, orientações sobre como detectar os primeiros indícios de fraude, além de uma sugestão de metodologia de apuração. Esperamos que a leitura deste manual seja útil a todos aqueles que atuam na defesa do patrimônio público e represente um estímulo à realização de fiscalizações pelo próprio MPF. Desde já, colocamo-nos inteiramente à disposição dos colegas para ajudar no que preciso for.

O que é o Programa Farmácia Popular do Brasil? O Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) é uma medida social do Estado brasileiro para a promoção da saúde da população do país. Em modalidade de parceria com as farmácias e drogarias da rede privada, o Programa subsidia até 100% do valor de determinados medicamentos vendidos no varejo. Basta o comerciante cadastrado declarar a venda no sistema informatizado que operacionaliza o convênio para, no mês seguinte, receber um depósito com o repasse da quantia referente à droga dispensada. É simples assim: a União paga o total ou a maior parte do preço e o cliente quita somente a diferença, se houver. Por exemplo, o remédio Atenolol 25 mg custava no balcão, em 2010, R$ 7,80, mas com a Farmácia Popular, qualquer pessoa só gastava R$ 2,13 na sua compra. No período mensal subsequente, o ente estatal saldava o restante - no caso, os R$ 5,67, devidos à drogaria conveniada. Veja a imagem na página seguinte: 11

No caso exemplificado, a União arcou com cerca de 73% da despesa do cidadão com saúde, depositando a soma na conta da empresa conveniada. 12

Quais são as normas aplicáveis ao convênio? No site www.saude.gov.br podem ser encontradas todas as regras. A Lei nº 10.858/2004, o Decreto nº 5.090/2004 e a Portaria nº 184/2011 do Ministério da Saúde - a qual pouco mudou em relação à Portaria anterior, nº 3089/2009 - são os principais diplomas normativos que, atualmente, disciplinam e regulamentam a matéria. Nos dispositivos legais mencionados, as dúvidas mais frequentes podem ser solucionadas, tais como: De que modo uma farmácia ou drogaria se cadastra e passa a fazer parte do Programa? Quais os deveres jurídicos das partes contratantes? Qual o rol dos medicamentos abrangidos? Qual o valor subsidiado pelo governo para cada remédio? 13

É preciso alguma formalidade para o lançamento de uma venda? Para adquirir o medicamento subsidiado, o paciente precisa apresentar o receituário médico que lhe prescreve a droga solicitada, além de seu CPF. Uma cópia da receita médica é produzida e também é exigida a assinatura do cliente em um cupom vinculado ao cupom fiscal emitido em seu nome. A reprodução da prescrição do produto e o cupom vinculado rubricado pelo paciente são os meios de convencimento estabelecidos previamente pela legislação do convênio para a comprovação, a princípio, tanto da efetiva necessidade do remédio como da presença do comprador no local solicitando o item. Os papéis assim produzidos devem ser guardados por cinco anos, em ordem cronológica, atestando dessa maneira na linha do tempo a materialidade e a regularidade de venda, conforme o determinado pelos artigos 26 e 27, 1 e 2º da Portaria 184/2011, em reconstituição da rotina das dispensações registradas. 14

O que é o kit-legalidade? Pode ser chamado de kit-legalidade o conjunto formado pelos três comprovantes necessários para fundamentar qualquer venda realizada pela farmácia ou drogaria dentro do Programa Farmácia Popular: a) o cupom fiscal da operação discriminando o produto e a quantidade em que foi adquirido; b) o cupom vinculado correspondente, assinado pelo cliente; c) a cópia da receita médica que motivou o negócio. Esses comprovativos agrupados legitimam a transação lançada pelo ponto comercial conveniado. Sem tais papéis, devidamente preenchidos e arquivados, o lançamento registrado pelo comércio cadastrado carece de quaisquer provas em relação ao suporte fático que o teria originado. 15

Sem a produção e a conservação do kit-legalidade para cada transação, o que garante a venda declarada como verdadeira? Sem a rubrica do cliente no cupom vinculado, nada assegura que ele de fato tenha comparecido ao estabelecimento ou efetivamente tenha solicitado a medicação dispensada. Da mesma forma, a falta da cópia da receita não permite sequer ter a certeza de que o sujeito cujos dados foram utilizados padece, realmente, do mal para o qual o remédio supostamente entregue se destina. A venda pode ter sido simplesmente inventada pelo comerciante mal intencionado, com a única finalidade de se locupletar ilicitamente através de repasses ilegítimos, gerados de maneira ilegal. Por isso, aquele que voluntariamente adere ao Programa não tem somente o ônus. Bem mais do que isso, possui o dever de comprovar a veracidade e a legalidade de cada operação por ele declarada no sistema, por meio das formas de convencimento previamente eleitas pela legislação vigente. Tanto que leva até multa e é penalizado se não cumpre tal encargo deixando de exigir a assinatura do titular do CPF ou o atestado médico em nome do adquirente, conforme os artigos 44, II e 49 da Portaria nº 184/2011. Ou existe a prova de que o dinheiro público saiu de maneira legal dos cofres da União ou ele tem que voltar. 16

O Estado tem que provar a irregularidade de cada venda se quiser ser ressarcido por todas as fraudes? Como já mencionado, a legislação do Programa Farmácia Popular, sabiamente, estabelece que é a empresa conveniada quem deve demonstrar a normalidade de todos os negócios por ela contabilizados, e não o Poder Público a ilicitude de cada um deles. Até porque isso constituiria probatio diabolica em desfavor do interesse coletivo. Afinal, é exatamente o ente privado o responsável pela confecção e guarda de todo o material probatório exigido, aquele que possui maior facilidade para a produção das provas pedidas, e não o Estado. Se a farmácia ou drogaria não se desincumbe da obrigação imposta pelo artigo 43 da Portaria 184/2011, se não fornece o material comprobatório da normalidade das dispensações autorizadas, o non liquet só pode se resolver em seu desfavor. 17

Como posso conferir o valor repassado todo mês pela União, a cada empresa conveniada? O caminho é simples. Basta entrar no site www.fns.saude.gov.br. Uma vez lá, vá em Consulta de pagamentos, escolha a opção Consulta Detalhada e, em seguida, Outros pagamentos. Os campos de pesquisa aparecerão na tela. Preencha Estado e Município. Em Blocos, selecione Transferências não regulamentadas por bloco de financiamento - Diversos. Em Componente, selecione Farmácia Popular. Em Ação/Serviço/Estratégia, opte por Expansão do Programa Farmácia Popular do Brasil. Finalmente, determine o tempo a que diz respeito a consulta, no campo Ano. Pronto: clique em Consultar e todos os nomes das entidades privadas cadastradas no Programa e situadas na cidade informada serão conhecidos. Para saber o montante auferido por farmácia ou drogaria em determinado período, basta verificar ente por ente na lista surgida na tela. 18

Pela mera consulta dos repasses, através da Internet, é possível detectar alguma empresa como suspeita? Sim, os primeiros indícios de infração podem ser descobertos por meio da rede. A abrupta alteração de faturamento com os subsídios a partir de determinado mês, seja para mais, seja para menos, é um sinal de irregularidade. Como os medicamentos são mercadorias sujeitas a uma demanda pouco variável, nem mesmo estratégias brilhantes de mercado podem explicar o aparecimento repentino da procura. Além disso, a publicidade do Programa é restrita e possui regras rígidas de contenção, justamente para evitar que um grupo com maior poder econômico possa se aproveitar de tal condição para a promoção de uma propaganda mais agressiva, captando novos negócios e, consequentemente, mais recursos estatais do que os outros entes participantes. Todos os conveniados, certamente, devem estar em pé de igualdade para auferir o dinheiro público derivado do custeio dos medicamentos. Mutatis mutandis, a queda drástica dos valores de uma competência mensal para a outra também indica a existência de irregularidades, sugerindo a cessação ou a diminuição do número de fraudes nos períodos de lucro reduzido. Mesmo que não haja subidas rápidas nem declives inesperados, a mera presença de valores altos, igualmente, pode sinalizar a existência das fraudes. O método para aferir se um valor de repasse pode ser considerado alto é o comparativo. Empresas de mesmo porte, no mesmo município, servem de 19

parâmetro umas para as outras. Durante a análise, é sempre importante lembrar que existe, como já mencionado, uma regulamentação que ombreia os entes conveniados, com as mesmas condições de vender o produto subsidiado e receber o dinheiro público, minimizando as diferenças de fato que acaso os distanciem. Nesse contexto de busca pela isonomia para a percepção das transferências federais, nada pode explicar que certas empresas faturem quantias exorbitantemente acima das demais participantes se não há, com efeito, nenhum fator justificante à altura da disparidade verificada. Para dar um exemplo, em Franca (SP), município com cerca de 300 mil habitantes, as farmácias que apresentaram os maiores lucros receberam em torno de R$ 5 mil por mês, de forma constante ou elevando os seus ganhos de repente, na competência de 2010. Cerca de dez empresas se apresentaram nessa situação de desconfiança por auferirem recursos dessa monta, verificados como superiores aos recebidos pelas demais drogarias do município. Durante a fiscalização, pelo menos oito estabelecimentos tiveram ratificadas as suspeitas existentes. Até dados de pessoas falecidas foram utilizados por essas empresas para o cômputo das vendas irreais. Quatro farmácias, inclusive, chegaram a confessar os delitos, devolvendo mais de R$ 700 mil ao Fundo Nacional de Saúde (FNS), após ajuste celebrado com o MPF, quanto à sua responsabilidade civil. Somadas, as quantias ilícitas a serem ressarcidas por parte dos investigados já ultrapassou o montante de R$ 500 mil. Sem falar no caso de outras quatro drogarias da cidade que, juntas, desviaram cerca de R$ 2,5 milhões. 20

Qual a principal fraude a ser combatida? A venda fantasma é a infração mais grave e preocupante, utilizada pelos maus comerciantes para a obtenção de lucros ilícitos. Trata-se de uma operação irreal, fictícia, inventada apenas com o fim de obter os repasses da União de maneira ilegítima. Basta o infrator ter ao seu dispor um número de CPF para simular a presença de um cliente no estabelecimento e a numeração de um CRM para imitar a apresentação de uma receita médica. De posse dos dados pessoais do hipotético comprador e das informações profissionais do médico escolhido, o responsável lança a venda forjada no sistema, passando, instantaneamente, a ser credor do subsídio federal devido para o mês seguinte, apesar de não ter havido, na realidade, nenhum negócio fundamentando o benefício alcançado. Dessa maneira criminosa, o erário é assombrado pelo delito continuado de estelionato qualificado, praticado justamente por quem deveria ser o parceiro do ente público no Programa: a farmácia ou drogaria conveniada, ou melhor, os seus responsáveis legais. 21

O comerciante pode lançar quantas vendas fantasmas quiser, sem se sujeitar a nenhum controle? Existe uma inteligência artificial que, automaticamente, barra operações, prima facie, consideradas suspeitas pelo sistema. Uma vigilância informatizada sobre as transações evita o registro de quantidades estabelecidas como acima da média, segundo os padrões firmados para cada item. A periodicidade de dispensações das drogas também se acha sob o rigor de restrições previamente fixadas, de acordo com a posologia normal de cada produto. Acima das cotas preestabelecidas, o vendedor não consegue computar o negócio em nome do cliente. Por isso, a pessoa que teve seus dados ilicitamente utilizados para a simulação de uma compra poderá, de fato, não conseguir o remédio quando precisar dele se naquele período já tiver sido extrapolado o teto estabelecido para a dosagem do medicamento de que necessita. Isso mesmo: quem realmente precisa do medicamento pode ficar sem se o seu CPF foi utilizado ilegalmente para a contabilização de vendas falsas até o limite fixado. As fraudes, portanto, nunca se revelam em números absurdos de dispensações para um mesmo paciente porque não conseguem burlar a dose certa já firmada para cada medicação. 22

As vendas fantasmas deixam provas? O criminoso que lança uma venda fantasma jamais tem o lastro probatório que legitima o negócio, a não ser, claro, que o falsifique. Assim, quando notificado pelo MPF para comprovar a materialidade e a regularidade das inúmeras operações lançadas no sistema, tem somente duas saídas. A primeira e natural via é criar alguma desculpa para não enviar o kit-legalidade de cada transação. Qual, então, a escusa mais comum, apresentada pelo ente conveniado, para não entregar todos os comprovativos requisitados? A alegação de furto, roubo ou extravio dos papéis é frequente, com a apresentação, inclusive, de um boletim de ocorrência a respeito da suposta força maior que o teria impedido de remeter a documentação exigida. Em Franca (SP), para refutar as explicações fantasiosas acerca do desaparecimento das provas pré-constituídas devidas, o MPF destacou, por exemplo, ser o B.O simples peça formal, de mera publicidade. Com conteúdo livre, em muitas situações pode ser feito até pela internet, diretamente pelo declarante, sem qualquer chancela oficial do Estado sobre a autenticidade ou não do informe trazido. A notícia nele contida não pode, com efeito e per si, prevalecer. Ainda mais quando é elaborado em um contexto em que se acha praticamente isolado, sem qualquer outro elemento de convicção que concorra em seu favor, com a data de sua lavratura, inclusive, muitas vezes, posterior à data de ciência do auditado sobre a fiscalização desenvolvida. 23

Se os comprovativos não foram cuidadosamente armazenados e vieram a se perder, ou seja, se não foram enviados sem a concorrência de uma justificativa plausível, a empresa contratante não tem como se livrar do seu ônus, não consegue se desincumbir do seu dever de provar, de acordo com a maneira e os meios de convencimento eleitos pelo Programa, a licitude e a veracidade das operações declaradas por ela no sistema informatizado. Sem prejuízo da investigação criminal, os repasses assim auferidos, cuja regularidade não se achar normalmente demonstrada, devem ser imediatamente devolvidos. A outra saída dos fraudadores envereda por um caminho mais grave: com ousadia, a farmácia ou drogaria falsifica os papéis e os apresenta, no intuito de assegurar a ocultação, a impunidade e a vantagem dos crimes cometidos. Essa falsificação consiste em quê? Geralmente, são falsificações materiais de receituários médicos ou imitações das assinaturas dos supostos clientes nos cupons vinculados, em busca de conferir aparência de normalidade às transações registradas. 24

Qual metodologia de apuração pode ser adotada pelo MPF para fiscalizar as farmácias suspeitas e descobrir a verdade a respeito das vendas declaradas pelos comerciantes? A metodologia pode ser dividida em cinco passos: 1. Selecionar as farmácias alvo da fiscalização pelo acompanhamento dos repasses na Internet, detectando os primeiros indícios de fraude. 2. Notificar o estabelecimento escolhido para que entregue o kit legalidade de cada transação ocorrida dentro do período averiguado. 3. Uma vez recebido o material probatório exigido, somar as quantias de repasse inscritas nos cupons, conferindo se equivalem com o montante informado pelo site do FNS como total transferido, pois é comum que mandem documentos a menos na esperança de que os valores a serem justificados não sejam realmente contados em sua totalidade. Dentro da expectativa de que a fiscalização seja negligente, mandam apenas parte da documentação mas afirmam que tudo foi enviado, omitindo os montantes ilegítimos com a entrega apenas da documentação aparentemente mais correta ou com a remessa somente da quantidade de documentos que conseguem falsificar. Uma observação: os valores considerados para a conferência são somente os referentes aos repasses do Ministério da Saúde, não os preços finais inscritos nos cupons vinculados ou as diferenças pagas pelos clientes. Assim, ilustrativamente, na figura abaixo, somente a quantia grifada em verde, R$ 4,86, é considerada para os cálculos. 25

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4. Após a conferência do total enviado com a totalidade devida, ou de maneira a ela concomitante, ver quais os cupons vinculados estão assinados pelos clientes, separando os que não estão, pois estes últimos, sem as correspondentes rubricas dos adquirentes, realmente nada comprovam. São só papéis em branco, que nada atestam senão o que todos já sabem: que o estabelecimento fiscalizado lançou vendas no Programa, pelo que obteve, inclusive, as vantagens financeiras questionadas. 5. diz respeito aos kits que apresentarem a mínima regularidade formal cobrada (qual seja, pelo menos a assinatura dos clientes, no cupom vinculado). Em Franca (SP), para tentar descobrir se os comprovativos aparentemente regulares eram ou não produto de falsificação, o MPF procedeu da seguinte maneira: consultou os dois elos inocentemente envolvidos na farsa, os médicos e os pacientes cujos nomes constavam nos papéis. Em uma frente de trabalho, reuniu os kits a partir das receitas médicas, compondo grupos, separados pelos nomes dos médicos. Com a exibição dos papéis ao profissional ou com o fornecimento dos nomes dos pacientes declarados, após rápido exame sobre os papéis ou simples consulta em seu arquivo de prontuários, ele já podia dizer se realmente aquelas pessoas haviam ou não sido atendidas, ou seja, se o receituário era genuíno ou falso. Como um único médico, geralmente, enfeixava vendas para diversos pacientes, sobretudo na ocorrência de fraudes, a resposta de apenas um profissional sempre esclarecia diversas transações suspeitas. Em outra frente de atuação, os supostos clientes é que foram entrevistados. Através de pesquisas nos sistemas de dados do governo, como Serpro, Cnis e Infoseg, os sujeitos puderam ser localizados e contatados para que confirmassem ou negassem a veracidade das compras dispensadas em seus nomes. 27

Isso, claro, quando o encontro se fazia possível, pois a experiência em Franca revelou que, de maneira não invulgar, foram utilizados dados de pessoas já falecidas ou residentes em cidades distantes para a prática dos ilícitos. Uma dica: o site gratuito www.achecerto.com.br, em sua busca avançada através de diferentes critérios, é muito eficaz para a pesquisa de números de telefone por todo o Brasil. Por fim, completando o caminho da fiscalização, o MPF ainda pode dar um último passo, requisitando ao Ministério da Saúde (mais especificamente, ao DAF) o chamado Relatório de Autorizações Consolidadas - uma planilha em que todas as dispensações do ente conveniado estão contabilizadas. A folha em pauta descreve em ordem cronológica a sucessão de todas as transações registradas pelo comerciante cadastrado. Assim dispostas e organizadas, as operações descritas, muitas vezes, revelam outro indício das fraudes: a incompatibilidade dos horários das dispensações com a dinâmica normal do movimento comercial. Uma farmácia da cidade de Franca, por exemplo, tinha todas as operações registradas em períodos concentrados de no máximo uma hora, como se todo dia, num mesmo momento, todos os clientes (20, em média), em uma coincidência absurda, aparecessem juntos, em bloco, para comprar os remédios do Programa em vendas que, inclusive, tinham por base, não raramente, os dados do mesmo médico. Além disso, o documento traz todos os detalhes das transações, permitindo, por exemplo, a identificação das pessoas cujos dados foram utilizados - o que, na hipótese de ocultação ou omissão dolosa no envio dos comprovativos, permite chegar aos clientes e profissionais que supostamente teriam adquirido ou prescrito a medicação dispensada, a fim de que confirmar ou não a veracidade das operações, a despeito da ausência dos papéis devidos. 28

O que fazer quando os indícios de irregularidades se fortificam? A primeira preocupação é impedir que os recursos federais continuem sendo desviados pelos infratores. Com fundamento no artigo 45, da Portaria nº 184/2011 do Ministério da Saúde, o MPF pode exigir a suspensão preventiva dos pagamentos e o bloqueio imediato do ente averiguado com o sistema Datasus, que operacionaliza as vendas. Dentro da leitura que a Procuradoria da República em Franca fez da normatização que regulamenta o convênio, a inteligência do artigo 50, parágrafo único, ainda permite a extensão da medida para todos os estabelecimentos da rede se os mesmos responsáveis estão por trás do negócio, desconsiderando a personalidade jurídica da parte contratante. Afinal, a intenção é punir, precipuamente, as pessoas físicas, não os entes morais, meramente controlados por elas. Ademais, não é razoável que a pessoa jurídica possa servir de biombo para ocultar a identidade dos verdadeiros fraudadores ou mesmo como blindagem capaz de esvaziar totalmente a providência preventiva tomada pelo Estado, permitindo que os investigados, por meio de outros estabelecimentos, continuem a dilapidar o erário, de forma infrene, como se se aproveitassem do ritmo ponderado e cauteloso do Estado nas apurações. A segunda, e derradeira providência, só pode ser a responsabilização civil e criminal dos responsáveis beneficiados pela vantagem ilícita, quando o resultado apurado nos trabalhos assim o indicar. 29

Este material é destinado para uso interno no MPF. Tem fins meramente didáticos.

Ministério Público Federal