FILOSOFIA POLÍTICA: O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO E DA ORIGEM DO ESTADO.

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Transcrição:

FILOSOFIA POLÍTICA: O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO E DA ORIGEM DO ESTADO.

A justificação contratualista de John Locke -A proposta de Locke, em seu Segundo tratado sobre o Governo civil (1690), é mais influente do que a de Aristóteles; -Segundo Locke, o Estado tem origem em uma espécie de contrato social; - Esse contrato proporciona, segundo ele, a transição do Estado de natureza à sociedade civil Teoria de Locke é contratualista.

Mas o que levou essas pessoas a estabelecer este contrato? Para responder essa pergunta precisamos primeiro entender como eram as coisas antes de existir tal pacto, isto é, antes da existência do Estado, quando não havia poder político, nem governo, nem tribunais.

Lei natural e Estado de Natureza O Estado de natureza: - As pessoas viviam em perfeita liberdade; - Cada um era senhor absoluto da sua pessoa e de seus bens, sem ter que prestar contas a ninguém; - As pessoas viviam em um estado de completa igualdade, sem qualquer tipo de hierarquia; - Viviam de acordo com a lei natural que determina que ninguém infrinja os direitos dos outros nem ofenda-os.

Lei Natural - Segundo Locke, elabora-se a lei natural usando a razão natural, que é comum a todas as pessoas e independente de convenções humanas; - Estabelece a seguinte distinção:lei NATURAL versus LEI POSITIVA; - As leis positivas são leis que resultam das convenções humanas, são as leis que realmente existem nas sociedades civis organizadas em Estados.

- Enquanto que no Estado de Natureza as pessoas nada têm acima de si, a não ser a lei natural, na sociedade civil as pessoas aceitam submeter-se à autoridade de um governo; - A única lei que vigora no Estado de Natureza é a lei natural. Locke distingue a lei natural da lei positiva, mas também da lei divina

Lei Natural Lei Positiva Lei divina -É dada pela natureza; -É racional, porque é alcançada apenas pela razão e porque agir contra a lei natural é agir contra a razão; -É independente das convenções humanas, pois não depende do local e da época em que as pessoas vivem; -É convencional, pois é aplicada apenas nos locais em que essa convenção foi estabelecida; -É revelada por Deus através dos profetas e das escrituras; -Aplica-se àqueles a quem Deus escolheu revelá-la.

- Para Locke a lei natural não é uma lei científica que descreve o funcionamento efetivo da natureza como pensava Aristóteles. - Locke defende que a lei natural é normativa, isto é, que determina como nós devemos agir e não como nós de fato agimos. - Ora, dado que no Estado de Natureza as pessoas vivem conforme a lei natural, elas têm os direitos decorrentes da aplicação dessa lei. Quais sejam:

Os direitos oriundos da Lei Natural: 1. Todas as pessoas são iguais, pois têm exatamente o mesmo conjunto de direitos naturais; 2. Todas as pessoas têm o direito de julgar, por si, quais ações estão de acordo com a Lei natural quais não estão, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural nem autoridade especial para julgar pelos outros; 3. Todas as pessoas têm individualmente o direito de se defender usando a força, se necessário dos que tentarem interferir em seus direitos e violar a lei natural;

O contrato social e a origem do governo - Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas exceto os casos de auto-defesa ou de execução da lei natural só é legítimo se tiver seu consentimento, seu acordo. -Por isso, a existência de um poder político só pode ter tido origem em um acordo, ou contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para formar a sociedade civil. - Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase perfeito, não deixa de reconhecer alguns problemas que podem instabilizar a vida nesse estado.

Problemas do Estado de Natureza Segundo Locke alguns problemas surgem no estado de natureza que podem provocar sua instabilidade, a saber: -Como o homem é movido por interesses, pela ganância ou pela ignorância ele pode recusar seguir a lei natural, ameaçando constantemente os direitos de propriedade das pessoas; -Além disso, podemos julgar alguém erroneamente ou por interesse.

Propriedade, segundo John Locke - Por propriedade Locke concebe algo bastante genérico. Representam propriedades das pessoas: além de seus bens materiais, também suas vidas e liberdade. -Aqueles problemas justificam o abandono do homem do estado de natureza em troca da proteção e estabilidade do governo civil. -Os problemas que podem surgir no estado de natureza podem também conduzir para um estado de guerra e confusão, prejudicial à todos.

Locke aponta 3 aspectos importantes que faltam no estado de natureza mas são garantidos pelo poder político: 1. Falta uma lei estabelecida e aprovada por consentimento, que sirva de padrão para decidir sobre ações de acordo ou desacordo com a lei natural. Por que apesar de a lei natural ser clara nós divergimos e a compreendemos mal.

2. Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja juízes que decidam em causa própria. Pois quando as pessoas julgam em causa própria têm a tendência de ser parciais e injustas; 3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas, evitando que os mais fracos ou em menor número sejam injustiçados pelos mais fortes e em maior número.

Portanto, é para enfrentar todas essas dificuldades que surgem no estado de natureza que, segundo John Locke, as pessoas decidem abrir mão dos privilégios daquela situação cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem escolhidos segundo as regras da comunidade. E, mesmo que digamos que ninguém nos perguntou se aceitamos viver numa sociedade civil, Locke defende que, a partir do momento em que usufruímos das suas vantagens estamos CONCORDANDO com a sociedade civil, isto é, com a existência do Estado.

Ou, na próprias palavras de Locke: O grande e principal objetivo, portanto, da união dos homens em estados e de colocar-se sob governo é a preservação da sua propriedade. E, para isso, no estado de natureza há muitas coisas que não estão à altura. Referências bibliográficas: ALMEIDA, Aires de; et al. A arte de pensar. Lisboa: Didactica. 2007. BAKER, Ann; BONJOUR, Laurence. Filosofia: textos fundamentais comentados. Porto Alegre:Artmed. 2010.

Referências bibliográficas: ALMEIDA, Aires de; et al. A arte de pensar. Lisboa: Didactica. 2007. BAKER, Ann; BONJOUR, Laurence. Filosofia: textos fundamentais comentados. Porto Alegre:Artmed. 2010. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Lisboa: Edições 70. 1999,