Área de Prática - Direito do Desporto Fevereiro 2013 Um novo regime jurídico das sociedades desportivas? Preliminares 1. No passado dia 25 de janeiro foi publicado o Decreto-Lei n.º 10/2013 o qual, de acordo com o seu artigo 1º, nº 1, estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendem participar em competições desportivas profissionais. Este diploma revoga o Decreto -Lei n.º 67/97, de 3.04, alterado pela Lei n.º 107/97, de 16.09, e pelos Decretos -Leis n.ºs 303/99, de 06.08, e 76-A/2006, de 29.03., entrando em vigor em 1 de Julho de 2013, sendo aplicável às sociedades desportivas que pretendam participar em competições profissionais, na época desportiva de 2013/2014. No universo da legislação desportiva substitui-se, deste modo, um dos regimes legais que se manteve inalterado por mais tempo (desde 1997). Os sublinhados no texto preambular Do preâmbulo do diploma retiram-se as seguintes ideias fundamentais da reforma: Com base no regime anterior foram constituídas pouco mais de três dezenas de sociedades desportivas, correspondendo a grande maioria à modalidade do futebol; No regime anterior não existia nenhuma obrigação legal de constituição de sociedades desportivas, como forma legal de participação nas competições desportivas profissionais; Nessas competições, ao clube abriam-se duas possibilidades: constituir uma sociedade desportiva ou, em alternativa, participar na vertente competitiva profissional com as vestes - já existentes de uma associação sem fins lucrativos, sujeito, no entanto a um regime especial e gestão; No essencial, este regime era composto por um conjunto de regras mínimas que pretendiam assegurar a indispensável transparência e rigor na respetiva gestão, e que era suposto ter efeitos penalizantes para os respetivos dirigentes; Os interesses, designadamente de natureza económica, que, na atualidade, gravitam em torno do desporto de alto rendimento aconselham a criar novas formas jurídicas que esbatam a apontada desigualdade e coloquem todos os participantes nessas competições no mesmo patamar, com obrigações e deveres análogos; Este novo regime vem impor que a participação em competições desportivas profissionais se concretize sob a forma jurídica societária extinguindo -se o chamado regime especial de gestão, admitindo-se agora que as entidades desportivas de natureza associativa, ou aquelas que pretendam constituir ex novo uma sociedade desportiva, possam optar entre a constituição de uma sociedade anónima desportiva (SAD) ou de uma sociedade desportiva unipessoal por quotas (SDUQ, Lda.); pág. 1
A estas sociedades continuam a aplicar-se subsidiariamente as regras gerais aplicáveis às sociedades comerciais, anónimas e também por quotas, e conservam naturais especificidades decorrentes das especiais exigências da atividade desportiva que constitui o seu objeto; De entre as especificidades, realçam-se os seguintes domínios: 1. Capital social mínimo e sua forma de realização; 2. Sistema especial de fidelização da sociedade ao clube desportivo fundador; 3. Estabelecimento de regras especiais para a transmissão do património do clube fundador para a sociedade desportiva, 4. Possibilidade de as Regiões Autónomas, os municípios e as associações de municípios poderem subscrever até 50% do capital social, não podendo, em qualquer caso, essa participação exceder 50% dos capitais próprios. Deste modo, põe-se termo à dualidade tipológica de participação dos clubes nas competições desportivas profissionais, passando a exigir-se a fórmula societária. Do mesmo passo, adiantam-se dois modelos: SAD ou SDUQ, Lda. Alguns destaques do novo regime Mantendo princípios e regras já estabelecidos em 1997, o novo regime trás, todavia, aspetos inovatórios. Uma sociedade para uma ou mais do que uma modalidade desportiva Em conformidade com o artigo 2º, nº 1, o objeto essencial de uma sociedade desportiva consiste na participação numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espetáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades que estas sociedades têm por objeto. Um clube desportivo que constitua uma sociedade para mais do que uma modalidade desportiva só pode ter uma única sociedade desportiva (nº 2). Um clube desportivo só pode dar origem a duas ou mais sociedades desportivas se cada uma delas tiver por objeto uma única modalidade desportiva (nº3) No regime legal anterior a sociedade desportiva tinha como objeto a participação numa única modalidade (artigo 2º). A transformação de uma sociedade desportiva Estabelece o artigo 4º, nº 1, que uma sociedade desportiva pode transformar-se numa sociedade desportiva de tipo societário diferente. A realização do capital social Dispõe o artigo 9º que a realização, em dinheiro, de metade do capital social pode ser diferida, por um prazo máximo de dois anos. pág. 2
A lei anterior excecionava da regra da realização em dinheiro o clube fundador que, de acordo o disposto nos artigos 11º e 31º, realizar em espécie. Não é clara a nova solução, uma vez que, adiante, ao referir a possibilidade de o clube fundador poder transferir para a sociedade desportiva, no ato de constituição desta, ou em momento posterior, a totalidade ou parte dos direitos e obrigações, no artigo 22º utiliza a epígrafe (entradas em espécie). Do órgão de administração das sociedades desportivas Neste domínio verificam-se pontuais alterações com a disciplina dos artigos 15º e 16º. De acordo com ao artigo 15º (Administração da sociedade), o órgão de administração da sociedade é composto por um número de membros, fixado nos estatutos, no mínimo de um ou de dois gestores executivos, consoante se trate de uma sociedade desportiva unipessoal por quotas ou de uma sociedade anónima desportiva (nº 1). Os membros executivos dos órgãos de gestão devem dedicar -se a tempo inteiro à gestão das respetivas sociedades (nº 2). No que respeita a incompatibilidades determina o artigo 16º: 1 - Não podem ser administradores ou gerentes de sociedades desportivas: a) Os titulares de órgãos sociais de federações ou associações desportivas de clubes da mesma modalidade; b) Os praticantes profissionais, os treinadores e árbitros, em exercício, da respetiva modalidade. 2 - Aos gestores de sociedades desportivas aplica-se igualmente o regime das incompatibilidades estabelecidas para os demais dirigentes desportivos na lei geral e em normas especiais, designadamente de caráter regulamentar, relativas à modalidade a que respeitam. Das sociedades desportivas unipessoais por quotas Como seria de esperar esta figura recolhe especial atenção em face da sua novidade. O capital da sociedade unipessoal por quotas deve ser representado por uma quota indivisível que pertence integralmente ao clube fundador (artigo 11º, nº 1). É lícito à sociedade desportiva unipessoal por quotas realizar operações de aumento de capital com a participação de terceiros, desde que as mesmas sejam instrumentais da transformação da sociedade em anónima (artigo 11º, nº 3). Uma associação desportiva, qualquer que seja a sua natureza, pode ser titular de mais do que uma sociedade desportiva unipessoal por quotas, desde que respeitante a diferentes modalidades (artigo 13º). A quota única é intransmissível (artigo 14º, nº 1). Nos aumentos do capital das sociedades desportivas unipessoais por quotas participa exclusivamente o sócio único, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 11.º (artigo 17º, nº 4). pág. 3
Alguns registos sobre o funcionamento das sociedades desportivas Quanto a autorizações especiais da assembleia geral da sociedade, mantendo-se o regime quanto à alienação ou oneração, a qualquer título, de bens que integrem o património imobiliário (artigo 18º, nº 1), introduziu-se uma alteração quanto aos atos que excedam as previsões inscritas no orçamento. Refere agora o nº 2: Carecem igualmente das autorizações referidas no número anterior os atos que globalmente excedam em 20 % as previsões inscritas no orçamento. O anterior artigo 18º, nº2, dispunha do seguinte modo: Carecem igualmente de autorização da assembleia geral os atos que excedam as previsões inscritas no orçamento. Limitações ao exercício de direitos sociais Sobre esta matéria incide o artigo 19º. Estabelece o seu nº1: Os direitos dos acionistas que sejam titulares de ações em mais do que uma sociedade anónima desportiva que tenha por objeto a mesma modalidade desportiva só podem ser exercidos numa única sociedade, com exceção dos direitos à repartição e perceção de dividendos e à transmissão de posições sociais. A restrição aplica-se, também a sociedades relativamente às quais a sociedade anónima desportiva e o acionista se encontrem em posição de domínio ou de grupo (nº 2). A entidade dominante de uma sociedade desportiva, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, não pode deter em sociedade desportiva concorrente mais de 10 % do respetivo capital (nº 3). Relativamente ao artigo 20º do diploma de 1997 assiste-se à eliminação da norma restritiva presente no nº 2 aplicável ao cônjuge, parente ou afim em linha reta, qualquer pessoa com quem viva em economia comum. Por outro lado, o nº 3 é totalmente inovatório. Sociedades que resultem da personalização jurídica das equipas Mantêm-se previsões específicas para a forma de criação que, de longe, foi a mais acolhida até ao momento. Assume especial relevância o artigo 23º sobre a participação do clube fundador na sociedade anónima desportiva: 1 - Nos casos referidos na alínea c) do artigo 3.º, a participação direta do clube fundador na sociedade anónima desportiva não pode ser inferior a 10 % do capital social. 2 - No caso referido no número anterior, as ações de que o clube fundador seja titular conferem sempre: pág. 4
a) O direito de veto das deliberações da assembleia geral que tenham por objeto a fusão, cisão, ou dissolução da sociedade a mudança da localização da sede e os símbolos do clube, desde o seu emblema ao seu equipamento; b) O poder de designar pelo menos um dos membros do órgão de administração, com direito de veto das respetivas deliberações que tenham objeto idêntico ao da alínea anterior. 3 - Os estatutos da sociedade desportiva podem subordinar determinadas deliberações da respetiva assembleia geral à autorização do clube fundador. 4 - O clube fundador pode também participar no capital social da respetiva sociedade desportiva através de uma sociedade gestora de participações sociais, sem prejuízo do disposto no n.º 1. Aparte o disposto no nº 3, as soluções agora plasmadas na lei divergem do regime anterior artigo 30º -, sendo que ao nº4 pode ser apontada uma função de esclarecimento de dúvida que então ocorria. Destino do património Determina o artigo 27º que em caso de extinção da sociedade desportiva, as instalações desportivas, se não forem indispensáveis para liquidar dívidas sociais, devem ser atribuídas ao clube desportivo fundador e permanecer afetas a fins análogos aos da sociedade extinta. Aqui registe-se a inserção da limitação da indispensabilidade para a liquidação de dívidas sociais. Disposições finais e transitórias O artigo 30º qualifica, para efeitos do diploma, como competições desportivas profissionais, as competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Esta é uma qualificação limitada, uma vez que, em virtude de diploma próprio, só as competições da I Liga e da II Liga são profissionais e já não a Taça da Liga. Participação de entes públicos O artigo 20º do diploma admite que as Regiões Autónomas, os municípios ou as associações de municípios podem deter uma participação de até 50% do capital social das sociedades anónimas desportivas sediadas na sua área de jurisdição, não podendo, contudo, tal participação exceder 50% dos capitais próprios da sociedade, sem prejuízo do disposto no artigo 31.º Este último artigo, como norma transitória, determina que tal participação no capital social das sociedades anónimas desportivas constituídas ao abrigo da legislação anterior pode manter -se até o máximo de 50 % do respetivo capital social nas primeiras duas épocas desportivas subsequentes à entrada em vigor do novo regime jurídico. Contactos dos responsáveis da Área de prática: Luís Filipe Carvalho lf.carvalho@abbc.pt / António Moura Portugal a.portugal@abbc.pt / José Manuel Meirim j.meirim@abbc.pt Esta newsletter é de distribuição individual, sendo vedada a sua cópia ou circulação. A informação disponibilizada é de carácter geral e não dispensa o recurso a aconselhamento jurídico na apreciação das situações em concreto. pág. 5 ABBC & Associados. Largo de São Carlos, nº 3, 1200-410 Lisboa - Portugal. Tl: +351 21 358 36 20. Fax: +351 21 315 94 34. mail: abbc@abbc.pt. www.abbc.pt