REFORMA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA A recente reforma da organização judiciária dá sequência aos compromissos estabelecidos no Memorando de Entendimento celebrado entre o Estado Português, o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia, em Maio de 2011, no sentido do alargamento da reorganização iniciada com as três comarcas criadas, em regime piloto, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto. A reforma é norteada por três orientações basilares: o alargamento da base territorial das circunscrições judiciais, a implementação de jurisdições especializadas em todo o território nacional e a criação de um novo modelo de gestão dos tribunais. A estrutura fundamental da reforma assenta em dois diplomas legais, entrados em vigor no dia 1 de Setembro de 2014: A Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 Agosto e alterada pela Declaração de Retificação n.º 42/2014, de 24 de Outubro, que, conforme o respetivo art.º 1.º, estabelece as normas de enquadramento e organização do sistema judiciário; E o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (ROFTJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, que, conforme o respetivo art.º 1.º, procede à regulamentação da LOSJ e estabelece o novo regime de organização e funcionamento dos tribunais judiciais. Com a sua entrada em vigor foram revogados os diplomas legais da anterior organização judiciária:
A Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), e os arts.º 1 a 159 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que aprovou a primeira; O Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, organização judiciária das comarcas piloto, e o Decreto-Lei n.º 28/2009, de 28 de Janeiro, regulamentação da LOFTJ quanto a essas comarcas; E o Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, regulamentação da LOFTJ. Quanto à implementação prática da reforma, desde 26 de Agosto de 2014 o sistema informático de apoio à atividade dos tribunais (CITIUS) tem padecido constrangimentos no respetivo acesso e utilização, que têm dificultado ou impedido a prática de atos processuais por essa via. Em virtude deles, no dia 13 de Outubro de 2014 entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 150/2014, de 10 de Outubro, destinado a clarificar o regime aplicável à prática de atos processuais na vigência dos constrangimentos. De acordo com o referido diploma: A contagem dos prazos processuais em curso a 26 de Agosto de 2014 ou iniciados a partir de então esteve, sem prejuízo dos atos processuais praticados desde essa data, suspensa desde a mesma e foi retomada a partir da entrada em vigor deste diploma. Os constrangimentos são reconhecidos como justo impedimento à pratica de atos processuais pela plataforma CITIUS, que, assim, podem ser praticados pelas demais vias legalmente previstas. As secretarias dos tribunais podem reconhecer o justo impedimento para a prática dos atos em suporte físico, se o acesso aos autos não for possível também por esta via.
Os constrangimentos consideram-se cessados com a publicitação da declaração da completa operacionalidade da plataforma CITIUS, pelo Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça I.P. (IGFEJ, I.P.), que pode ser feita de uma só vez para a totalidade das comarcas, ou comarca a comarca à medida que a operacionalidade nelas for gradualmente sendo conseguida. Já quanto ao seu conteúdo, a reforma traduz-se, fundamentalmente, nas seguintes alterações: 1. Reorganização da divisão judicial do território e especialização da competência dos tribunais judiciais de primeira instância: 1.1. Divisão judicial do território nacional: O território nacional passa a estar judicialmente estruturado em 23 comarcas: Açores, Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Lisboa, Lisboa Oeste, Lisboa Norte, Madeira, Portalegre, Porto, Porto Este, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Em regra as comarcas têm o nome e a área territorial dos respetivos distritos ou regiões autónomas e estão sediadas nas suas capitais. A esta regra excecionam-se as seguintes especificidades: As 3 comarcas do distrito de Lisboa, com as seguintes áreas e sedes: Lisboa - municípios de Lisboa (sede), Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo e Seixal; Lisboa Oeste - municípios de Sintra (sede), Amadora, Cascais, Mafra e Oeiras;
Lisboa Norte - municípios de Loures (sede), Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, Lourinhã, Odivelas, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira; E as 2 comarcas do distrito do Porto, com as seguintes áreas e sedes: Porto municípios do Porto (sede), Gondomar, Maia, Matosinhos, Póvoa do Varzim, Vila do Conde, Santo Tirso, Valongo e Vila Nova de Gaia; Porto-Este municípios de Penafiel (sede), Amarante, Baião, Felgueiras, Lousada, Marco de Canavezes, Paços de Ferreira e Paredes. 1.2. Especialização da competência dos tribunais judiciais de primeira instância: Os tribunais judiciais de primeira instância são constituídos pelos tribunais de comarca e pelos tribunais de competência territorial alargada. 1.2.1. Tribunais de comarca: Os tribunais judiciais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca, que têm o nome, a sede e a área territorial da respetiva circunscrição. A competência material destes tribunais pode ser genérica ou especializada e compreende os processos que não são da competência de outros tribunais. Os tribunais de comarca desdobram-se em instâncias centrais e locais. As instâncias centrais não têm, necessariamente, que estar instaladas apenas na sede da comarca. E integram secções de competência especializada. As secções de competência especializadas podem ser cíveis, criminais, de instrução criminal, de família e menores, de trabalho, de comércio e de execução. Podem, ainda, ser criadas secções de competência especializada mista.
As instâncias locais integram secções de competência genérica e secções de proximidade. As primeiras podem, ainda, ser desdobradas em secções cíveis, criminais e de pequena criminalidade. Podem ser realizadas audiências de julgamento e outras diligências judiciais em todas as secções dos tribunais de comarca. Na distribuição da competência material entre as diferentes secções dos tribunais de comarca, destacam-se, nas instâncias centrais, as secções de competência especializada: Cíveis com competência, entre outros casos legalmente previstos, para ações declarativas de processo comum e providências cautelares de valor superior a 50.000,00; e Criminais com competência, entre outros casos legalmente previstos, para o julgamento e termos subsequentes dos processos da competência do tribunal coletivo ou de júri. 1.2.2. Tribunais de competência territorial alargada: Estes tribunais são aqueles que têm competência sobre mais do que uma comarca ou sobre áreas especialmente referidas na lei. Têm competência especializada, distribuída nos termos legalmente previstos. E são os seguintes: da propriedade intelectual; da concorrência, regulação e supervisão; marítimo; de execução de penas; e central de instrução criminal. 1.2.3. Departamentos de investigação e ação penal (DIAP): Passam a existir DIAP nas sedes das seguintes comarcas: Açores, Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Faro, Leiria, Lisboa, Lisboa Norte, Lisboa Oeste, Madeira, Porto, Setúbal e Viseu.
2. Implementação de um novo modelo de gestão dos tribunais judiciais de primeira instância: O desempenho dos tribunais judiciais de primeira instância é norteado por objetivos estratégicos e processuais legalmente previstos. A gestão dos tribunais de comarca é feita pelos seguintes órgãos: 2.1. Juiz presidente do tribunal de comarca: Cada tribunal de comarca tem um juiz presidente, escolhido pelo Conselho Superior de Magistratura, em comissão de serviço e pelo período de 3 anos passível de renovação, sujeito a curso de formação, que exerce as competências legalmente previstas e pode ser coadjuvado por magistrados judiciais coordenadores de secções do tribunal. 2.2. Magistrado do Ministério Público coordenador de comarca: Os serviços do Ministério Público em cada comarca são dirigidos por um magistrado do Ministério Público coordenador, escolhido pelo Conselho Superior do Ministério Público, em comissão de serviço e pelo período de 3 anos passível de renovação, sujeito a curso de formação, que exerce as competências legalmente previstas e pode ser coadjuvado por magistrados do Ministério Público com funções de coordenação sectorial. 2.3. Administrador judiciário: Cada tribunal de comarca tem, igualmente, um administrador judiciário, nomeado pelo juiz presidente de entre candidatos selecionados pelo Ministério da Justiça e ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador, em comissão de serviço e pelo período de 3 anos passível de renovação, sujeito a aprovação em curso de formação, que exerce as competências legalmente previstas, sob a orientação do juiz presidente e do magistrado do Ministério Público coordenador, consoante os casos.
2.4. Conselho de gestão e conselho consultivo: Cada comarca tem, também, um conselho de gestão, presidido pelo juiz presidente, que reúne os órgãos de gestão supra vistos e exerce as competências legalmente previstas. 2.5. Conselho consultivo: Cada comarca tem, ainda, um conselho consultivo, presidido pelo juiz presidente, que exerce as competências legalmente previstas e que, para além dos demais membros do conselho de gestão, integra, em mandato não superior a 3 anos, representantes: (i) dos municípios da comarca; (ii) dos juízes, magistrados do Ministério Público, oficiais de justiça, advogados e solicitadores da comarca; e (iii) dos utentes dos serviços de justiça. José Gonçalo Pereira / Maria Macias