28... E DE RAIAS. 4 A RAIA ESCRITA BOLEROS A MODA DE REGUENGOS Antonio Lobo Antunes e Xose Carlos Caneiro



Documentos relacionados
O PASTOR AMOROSO. Alberto Caeiro. Fernando Pessoa

Era uma vez, numa cidade muito distante, um plantador chamado Pedro. Ele

Festa da Avé Maria 31 de Maio de 2009

Os encontros de Jesus. sede de Deus

DESENGANO CENA 01 - CASA DA GAROTA - INT. QUARTO DIA

Os dois foram entrando e ROSE foi contando mais um pouco da história e EDUARDO anotando tudo no caderno.

Em algum lugar de mim

Português Língua Estrangeira Teste (50 horas)

A Rainha, o guarda do tesouro e o. papel que valia muito ouro

Anexo Entrevista G1.1

E alegre se fez triste

Caridade quaresmal. Oração Avé Maria. Anjinho da Guarda. S. João Bosco Rogai por nós. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Bom dia a todos!

Estudo de Caso. Cliente: Rafael Marques. Coach: Rodrigo Santiago. Duração do processo: 12 meses

ATIVIDADE DE ESTUDOS SOCIAIS 3ª S SÉRIES A-B-C-D

Lucas Liberato Coaching Coach de Inteligência Emocional lucasliberato.com.br

MULHER SOLTEIRA. Marcos O BILAU

4ª - Sim, já instalei o programa em casa e tudo. Vou fazer muitas músicas e gravar-me a cantar nelas também.

Vinho Novo Viver de Verdade

PERTO DE TI AUTOR: SILAS SOUZA MAGALHÃES. Tu és meu salvador. Minha rocha eterna. Tu és minha justiça, ó Deus. Tu és Jesus, amado da Minh alma.

Músicos, Ministros de Cura e Libertação

O menino e o pássaro. Rosângela Trajano. Era uma vez um menino que criava um pássaro. Todos os dias ele colocava

Temario Serie 1. Introducción / Lección 1. Competencias: Gramática: Vocabulario: Las Introducciones. Nombres Tudo bem!

PREGAÇÃO DO DIA 08 DE MARÇO DE 2014 TEMA: JESUS LANÇA SEU OLHAR SOBRE NÓS PASSAGEM BASE: LUCAS 22:61-62

Não é o outro que nos

Desafio para a família

[Comentários sobre isso. Não transcrito, mas explicado em diário de campo]

ALEGRIA ALEGRIA:... TATY:...

Roteiro para curta-metragem. Aparecida dos Santos Gomes 6º ano Escola Municipalizada Paineira NÃO ERA ASSIM

Para a grande maioria das. fazer o que desejo fazer, ou o que eu tenho vontade, sem sentir nenhum tipo de peso ou condenação por aquilo.

Há 4 anos. 1. Que dificuldades encontra no seu trabalho com os idosos no seu dia-a-dia?

Homens. Inteligentes. Manifesto

ENTRE FERAS CAPÍTULO 16 NOVELA DE: RÔMULO GUILHERME ESCRITA POR: RÔMULO GUILHERME

O céu. Aquela semana tinha sido uma trabalheira!

Assunto: Entrevista com a primeira dama de Porto Alegre Isabela Fogaça

Harmonizando a família

VAMOS CONSTRUIR UMA CIDADE

HINOS DE DESPACHO O DAIME É O DAIME. O Daime é o Daime Eu estou afirmando É o divino pai eterno E a rainha soberana

OS AMIGOS NÃO SE COMPRAM

Aluno(a): Nº. Disciplina: Português Data da prova: 03/10/2014. P1-4 BIMESTRE. Análise de textos poéticos. Texto 1. Um homem também chora

INQ Já alguma vez se sentiu discriminado por ser filho de pais portugueses?

4 o ano Ensino Fundamental Data: / / Atividades de Língua Portuguesa Nome:

1 O número concreto. Como surgiu o número? Contando objetos com outros objetos Construindo o conceito de número

O que procuramos está sempre à nossa espera, à porta do acreditar. Não compreendemos muitos aspectos fundamentais do amor.

SAMUEL, O PROFETA Lição Objetivos: Ensinar que Deus quer que nós falemos a verdade, mesmo quando não é fácil.

1ª Leitura - Ex 17,3-7

Material: Uma copia do fundo para escrever a cartinha pra mamãe (quebragelo) Uma copia do cartão para cada criança.

Dedico este livro a todas as MMM S* da minha vida. Eu ainda tenho a minha, e é a MMM. Amo-te Mãe!

ESTUDO 1 - ESTE É JESUS

Tendo isso em conta, o Bruno nunca esqueceu que essa era a vontade do meu pai e por isso também queria a nossa participação neste projecto.

Afonso levantou-se de um salto, correu para a casa de banho, abriu a tampa da sanita e vomitou mais uma vez. Posso ajudar? perguntou a Maria,

HINÁRIO. Glauco O CHAVEIRÃO. Glauco Villas Boas 1 01 HÓSPEDE

Arte em Movimento...

ASSOCIAÇÃO ESPÍRITA LUZ E AMOR

Ficha Técnica: Design e Impressão Mediana Global Communication

SUMÁRIO Páginas A alegria 10 (A alegria está no coração De quem já conhece a Jesus...) Abra o meu coração 61 (Abra o meu coração Deus!...

I Tessalonicensses 4:13~18; a descrição do encontro

Atividade: Leitura e interpretação de texto. Português- 8º ano professora: Silvia Zanutto

FESTA DO Pai-Nosso. 1º ano. Igreja de S. José de S. Lázaro. 7 de Maio de 2005

sinal de tristeza. Sinal de morte!

Freelapro. Título: Como o Freelancer pode transformar a sua especialidade em um produto digital ganhando assim escala e ganhando mais tempo

Transcriça o da Entrevista

9º Plano de aula. 1-Citação as semana: Não aponte um defeito,aponte uma solução. 2-Meditação da semana:

Iva Joana & Magno Énio

RIBEIRINHA DAS ORIGENS À ACTUALIDADE

Entrevista Noemi Rodrigues (Associação dos Pescadores de Guaíba) e Mário Norberto, pescador. Por que de ter uma associação específica de pescadores?

1º VESTIBULAR BÍBLICO DA UMADUP. Livro de João

MÚSICAS. Hino da Praznik Sempre Quando vens p ras colónias Sei de alguém Menino de Bronze Tenho Vontade VuVu & ZéZé

A Cura de Naamã - O Comandante do Exército da Síria

PESCADOR. Introdução: A E D E (2x) Mais qual é o meu caminho, qual a direção. E qual é o meu destino, minha vocação


Roteiro para curta-metragem. Nathália da Silva Santos 6º ano Escola Municipalizada Paineira TEMPESTADE NO COPO

O Coração Sujo. Tuca Estávamos falando sobre... hm, que cheiro é esse? Tuca Parece cheiro de gambá morto afogado no esgoto.

Jesus contou aos seus discípulos esta parábola, para mostrar-lhes que eles deviam orar sempre e nunca desanimar.

AS VIAGENS ESPETACULARES DE PAULO

Eu sempre ouço dizer. Que as cores da pele são diferentes. Outros negros e amarelos. Há outras cores na pele dessa gente

De Luiz Carlos Cardoso e Narda Inêz Cardoso

Meu filho, não faça isso

Bíblia para crianças. apresenta O SÁBIO REI

CELEBRAÇÃO DA FESTA DA PALAVRA

CATEQUESE 1 Estamos reunidos de novo. CATEQUESE 1 Estamos reunidos de novo

A DIVERSIDADE NA ESCOLA

Arthur de Carvalho Jaldim Rubens de Almeida Oliveira CÃO ESTELAR. EDITORA BPA Biblioteca Popular de Afogados

BOLA NA CESTA. Roteiro para curta-metragem de Marcele Linhares

este ano está igualzinho ao ano passado! viu? eu não falei pra você? o quê? foi você que jogou esta bola de neve em mim?

HINÁRIO O APURO. Francisco Grangeiro Filho PRECISA SE TRABALHAR 02 JESUS CRISTO REDENTOR

Duração: Aproximadamente um mês. O tempo é flexível diante do perfil de cada turma.

RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS (4. a edição) Autor: Mia Couto Capa: Pedro Proença Editorial Caminho ISBN

Sinopse I. Idosos Institucionalizados

Toda bíblia é comunicação

A ESPERANÇA QUE VEM DO ALTO. Romanos 15:13

INTRODUÇÃO. Fui o organizador desse livro, que contém 9 capítulos além de uma introdução que foi escrita por mim.

Capítulo II O QUE REALMENTE QUEREMOS


HINÁRIO O APURO. Francisco Grangeiro Filho. Tema 2012: Flora Brasileira Araucária

1. Substitui as palavras assinaladas pelos sinónimos (ao lado) que consideres mais adequados.

Missão Arronches 2012 Artigo Cluny

MALDITO. de Kelly Furlanetto Soares. Peça escritadurante a Oficina Regular do Núcleo de Dramaturgia SESI PR.Teatro Guaíra, no ano de 2012.

SEU GUIA DEFINITIVO PARA PLANEJAR E EXECUTAR DE UMA VEZ POR TODAS SEU SONHO ENGAVETADO

Transcrição:

ARRAIANOS4 OUTONO 2005 A todo porquinho lle chega o seu San Martinho. Os voluntarios podedes escribirnos a arraianos@arraianos.com ou meter o fuciño en www.arraianos.com 2 XANELA ARRAIANA Andreia 3 LIMIAR 4 A RAIA ESCRITA BOLEROS A MODA DE REGUENGOS Antonio Lobo Antunes e Xose Carlos Caneiro 9 AS RAIAS DO CEO 10 CORRESPONDENTES ARRAIANOS A BARRAGEM DE VILARINHO DA FURNA Manuel de Azevedo Antunes 14 IMPOSTO ARRAIANO Baldo Ramos, Susa Blanco, Anonimo da Vila, Veronica Martinez, Luis Boullosa, Noelia Rodriguez, Conchita Sanz, Lois Anton, Anxo Angueira 21 FIMOTECA ARRAIANA Xulio Medela 22 DE RIOS... O RIO DEVA, O MEU DEVA Juan J. Moralejo 24 O CANAL DE ESCUDEIROS Xoan Carlos Dominguez Alberte 27 FOTOGRAFIA. LUANA FISCHER 28... E DE RAIAS TRALAS PEGADAS DE FREI GONZALO COELHO Ruben Perdiz TERAPIA ARRAIANA. POLA SERRA DO LEBOREIRO O Ranger Arraiano 35 FOTODENUNCIA Pepe San Luis 36 VIAXE POETICA AO CAUREL Baldo Ramos 38 OBOBRIGA, UNHA MISTERIOSA CIDADE NO XURES Xose Lamela Bautista 4O XEOGRAFI A ARRAIANA. UBICAR O COUTO MIXTO Xose Benito Reza 42 LEMBRANDO A... ANTON PATIN O REGUEIRA Jose Rodriguez Cruz 44 MEMORIA HISTORICA O COMPORTAMENTO DA IGREXA CATOLICA NA GUERRA CIVIL Xesus Alonso Montero 48 UN DISPARO NA NOITE Emilio Grandio Seoane 50 EU NUNCA SEREI YO Por Sechu Sende 52 A TERRA ESCOLA SILVOPASTORIL DO REXO Bernardo Varela Lopez 54 O APICULTOR DA RAIA SECA Roman Cid 55 MEMORIAS DE CELANOVA. A TABERNA DA MARINA Quique Moreiras 56 A FONDO A ECONOMI A DO LUME Redaccion Arraianos/Comite de defensa do monte galego 60 A NECESIDADE DE MUDAR A POLI TICA FORESTAL Pedro Alonso 64 RECOMENDAMOS XOGOS POPULARES DA MEMORIA ARRAIANA. O XOGO DOS VINTE Manuel Rivero Perez 66 MUSICA Dylan Boulas 68 LIBROS Xose L. Mendez Ferrin, Xulio Medela, Armando Requeixo, Luis M. Garcia EDICIÓN ASOCIACIÓN ARRAIANOS COORDINADOR ASER ÁLVAREZ COMPOSICIÓN ANDREA LÓPEZ DESEÑO PORTADA BALDO RAMOS ILUSTRACIÓNS BALDOMERO MOREIRAS E ÓSCAR CANAL IMPRESIÓN&FOTOMECÁNICA IMPRENTA CELANOVA E UNIDIXITAL ISSN 1698-9953 Depósito legal OU-2/05

X ANELA A RRAIANA Monstros da Floresta, ANDREIA 2 ARRAIANOS/ XANELA ARRAIANA / outono 05

L IMIAR Cómpre ter moito coidado con estes arraianos (proverbio decimonónico remoído pola vaca Pisca) E STACIÓN TRANSICIÓN Primeiro foi o verán, espontáneo e con capas vernellas, fogoso e arroutado coma un buxato arraiano. Aparecimos tamén no inverno, grises coma o pegureiro perdido e aterecido que espanta o frío do monte cun fogar onde arden as rachelas desa estirpe única que non deixaremos morrer. A primavera, verde, levounos a lembrar o pasado e facermos unha primeira exploración de vellas feridas que serán revisitadas no futuro. Neste outono dourado de benditas matanzas e sabañón trala orella dereita, sacamos peito de novo cun número de transición, pechando así un ciclo máis na vida desta aldea arredada que comeza a bocexar de novo. Detémonos agora na estación transición, cunha parada para falarmos de amor, de morte e de esperanza, de ríos e de raias, de pobos asolagados por encoros e de países que arden misteriosamente, de xogos que xa non son practicados e de libros que salvan do esquecemento o mellor da nosa tradición oral e inmaterial arraiana. Lembramos vellas tabernas e terribles métodos de represión. Voltamos á terra con novos trebellos e metemos para a aldea na procura dunha infancia que se nos resiste, coma o poema. O día 25 de novembro imos chegar a outra estación tamén de transición. É a meta dunha longa singradura pero non é máis que o comezo doutra xeira máis importante. Nesa xornada, a Unesco proclamará a candidatura do patrimonio inmaterial galego-portugués como obra mestra da humanidade. Sabemos que se trata dun patrimonio rico e vivo aínda, pero tamén somos conscientes de que está en perigo de desaparición. Cada día que pasa perdemos a oportunidade de conservar anacos dese espíritu do pobo arraiano que se vai cos mortos. Hai moito traballo por diante e será necesario máis ca un recoñecemento da Unesco para que esta cultura única non desapareza. As regueifas, as angueiras dos gandeiros, agricultores e mariñeiros, a tradición oral, as festas, cíclicas coma esta publicación, os oficios, costumes, mitos e crenzas tampouco saben de raias. A nosa cultura común merece un recoñecemento, pero se non sabemos codificala con xeito e proxectar este legado cara o futuro non seremos quen de conservalo e mantelo vivo. E, como dicía o outro, todo podería quedar en pataca menuda e grandes verbenas coa Banda de Carmiña Burana ante a Unesco. ASOCIACIÓN ARRAIANOS

H 2 L H B OLEROS A MODA DE R EGUENGOS A raia escrita ai quen pensa que non se pode vivir sen amor. Non estamos de acordo. Para vivir cómpre moi pouco, apenas osíxeno, alimentos, auga, unha temperatura razoábel (digamos entre 0 e 40 graos) e un puñado de moedas. O amor é outra cousa. Como dicía Lord Chesterfield a propósito do sexo: O pracer que produce é momentáneo, a posición, ridícula, e o gasto, deplorábel. Mesmamente un akelarre, un escándalo, un formidábel despilfarro emocional, biolóxico, social. Calquera adolescente estafado, é dicir, calquera adolescente, sabe que isto é unha ruina. Por que seguimos neste choio?, a que ven esta fodenda xeral? Os biólogos non teñen, creo, unha resposta concluínte (algúns din que todo podería proceder da búsqueda dunha defensa contra parásitos e axentes patóxenos, non é coña). Unha mina para escritores de raza. 4 ARRAIANOS/ A RAIA ESCRITA / outono 05

ANTÓNIO LOBO ANTUNES Tenho a sensaçâo de que nâo sou eu que escrevo os livros. É a mâo. Escrevo sempre a mâo. O meu problema é estar suficientemente cansado até a mâo estar autónoma e tornar-se feliz. Naceu en 1942 en Lisboa, na zona de Benfica, onde tamén se criou. Fillo de médico, licenciouse en medicina e especializouse en psiquiatría pensando que aquilo era o máis próximo á literatura. Traballou como clínico en Angola durante a Guerra Colonial e despois en Portugal. En 1979 publicou a súa primeira obra, Memória de Elefante, e dende 1985 adícase maiormente a escribir. Van xa quince obras publicadas. É sempre igual: começo a escrever ás duas da tarde, quando posso, ás dez da manhâ, mas nem sempre é possível, e traballo até as duas, três da manhâ, com uma pausa para almoçar e outra para jantar. Eu hei-de amar uma pedra é a súa última novela. Naceu dunha historia que lle contaron no hospital Miguel Bombarda, referida a unha velliña de máis de 80 anos: um homem e uma mulher que se amaram uma vez, perderam-se e reencontraram-se, quando já nâo podiam amar-se. Mas que se amavam e por isso se encontravam ás escondidas sem quase se consentirem amar.... Tan pouca cousa como nas grandes narracións, dende Homero até agora, polos séculos dos séculos: O que é a Odisseia? Tenho a minha mulher á espera. É só isto, umas coisas que o gajo arranja para nâo ir para casa P RIMEIRA CONSULTA Doente de 82 anos, sexo?, idade aparente coincidindo com a real. Orientada no tempo e no espaço, alo e heteropsiquicamente, memória conservada de acordo com os parâmetros etários, contacto adequado, sintónico embora retraído, com dificultade em verbalizar o motivo da consulta ( nâo sei porque vim, se calhar nâo sou capaz de dizer nada etc) ao responder-lhe que isto é um hospital, nâo uma clínica privada e tenho outros pacientes á espera (sempre gostava de saber o motivo de me transformarem em burro de carga) olha na direcçâo da porta e faz mençâo de levantar-se. Além da carteira acompanha-a um saquito de crochet e a enfermeira conta que passou o tempo na sala de espera sem comunicar com quem quer que fosse a aperfeiçoar um naperon. Lembra-me nâo sei que pessoa há lustros e lustros, na época em que fui criança (ou adolescente, nâo consigo precisar) e a recordaçâo, apesar de confusa, afigura-se-me agradável mau grado nâo ser capaz de localizá-la (sorrisos, cheiro de sabonete, uma palma na minha cara, coisas dessas) de modo que lhe sugiro que torne a sentar-se (na janela do gabinete uma ambulância, um internado com princípios a abrir uma laranja e a guardar as cascas no bolso, regra elemental que por exemplo o pessoal nâo cumpre, sujam tudo, devia apresentar-lhes o internado como modelo -Tomem nota) e por respeito aos tais sorrisos, ao tal cheiro de sabonete, á tal palma peço-lhe que me desfie as suas queixas enquanto desenho uma estrela paciente no bloco de receitas, a seguir a estrela um quarto minguante, a seguir ao quarto minguante uma casinha com uma chaminé a deitar fumo, a medio da espiral de fumo percebo que a doente, mesmo nâo olhando para ela, está a interessarse pela casinha e a imaginar varandas, porta, cortinas o que me leva a voltar o bloco ao contrário, articula (nunca este verbo foi tâo bem empregue) uma frase que nâo entendo (extraordinária designaçâo, articular, se aplicada á voz, que espertalhaço a inventou confesem-me, articular palavras como se os ditongos dobradiças, gonzos, um boneco articulado aceita-se, um braço articulado vá lá, agora articular palavras encaixá-las umas nas outras, dobrá-las santo Deus) a doente a quem privei da casinha (e já agora do quarto minguante, da estrela) um murmúrio de novo, coloco a tampa na caneta para impedir o bico de devaneios plásticos, mudo o calendário de posiçâo (esses calendários de argolas em que cada folhinha um dia, acaba o dia, e passa-se a folha nos anéis cromados -Nâo hás-de regressar) e vinte e quatro horas a menos que gaita, quantos milhares de folhas voltei nestes anos, numa delas, longínqua, acho que um saquito de crochet também, irrecuperável, a doer-me, mudo o calendário de lugar distanciando-o de mim ARRAIANOS 5

(some-te da minha frente com os teus dias passados, infeliz) interrogo a doente -Perdâo? sem me atrever a observá-la porque existem assuntos que mesmo que nâo se queira vâo mexendo com a gente, episódios que ferem, a minha primeira mulher (para mencionar só um) uma bela tarde, sem mais nem menos, chego do consultório e ela nâo me dando sequer tempo de poisar a pasta -Deixei de gostar de ti exactamente desta maneira, nâo acrescento nem tiro, deixei de gostar de ti, e eu com a argola das chaves a baloiçar do indicador, eu parvo, a voz do costume, a entonaçâo do costume, tudo igual, a perninha cruzada, o cigarro, só que em vez de olá -Deixei de gostar de ti e a mala em cima da cama á espera, o secador desaparecido da casa de banho, exceptuando o secador nâo faltava nada e no entanto se desse um passo o soalho abria-se até o centro da terra e engolia-me, as chaves, mais leves que eu, a baloiçarem atrás de mim no vazio, eu caindo, caindo, a furar os apartamentos sob o nosso, décimo primeiro, décimo, nono, onde os vizinhos comiam sem que nenhum se preocupasse, nem um adeus ao menos, uma curiosidade, um espanto -Olha aquele uma amostra de dó -Lá vai o médico do décimo segundo coitado a ambulância foi-se embora na janela mas o internado da laranja enfiava a grainhas no bolso também (um parroquiano e pêras meus irmâos em Cristo, se mandasse metiao numa vitrine a educar aos portugueses) enquanto eu tentava identificar quem seria a pessoa que a doente me lembra, que sorrisos, que cheiro de sabonete, se ao menos a palma, qualquer que fosse a dona, me visitase aqui (há momentos em que a gente por muito forte que seja) o monte dos dias passados maior que o dos dias futuros no calendário da secretária e o que fiz desses dias, como consenti que partissem, quantos faltam ainda, de repente no meio deles (um dia igual aos outros e porquê esse dia?) acabou-se, depressa (ou seja a dar por isso e a cesar de dar por isso no instante em que dava por isso) ou devagar com tratamentos e seringas e dores, acabou-se e por se ter acabado os sorrisos por favor, a palma depresinha, o cheiro de sabonete (em Castelo-Branco?) e eu feliz -Cheiro de sabonete obrigado (Em Castelo-Branco nâo, ou antes ou depois) porque no cheiro um conforto, uma paz, eucaliptos sim, as bagas dos eucaliptos, um triciclo com um guiador cor de pérola, um terraço e aonde, o internado contava as grainhas com o indicador minucioso, o terraço em Almada, uma muralla de granito, a delicadeza de um gato quase nâo tocando na pedra, cada pata uma falange de pianista em cuidados sem peso, tomando atençâo percebiam-se as notas, pequenininhas, lentas António Lobo Antunes Eu hei-de amar uma pedra ed. Dom Quixote, Lisboa, 2004, pp. 251-254 6 ARRAIANOS/ A RAIA ESCRITA / outono 05

AAAAHHH! XOSÉ CARLOS CANEIRO Cando digo que te amo / poalla surbia cómbaro mencía xardo / polpa pórfiro caruma queipa enxuro ábaco / digo mar terra tempo infinito / morte vida verso ceo canto / digo as palabras todas meu amor / cando digo / que te amo. Demasiado galega ás veces a literatura galega, demasiado pudor mal entendido. Tiña que ser este arraiano de Verín, (1963, xeneración Cardú certamente) quen lle metese o dente de cheo ao tinglado amoroso. Autor dunha obra tan abundante e variada en xéneros e rexistros que vendo os papeis semella máis ser froito dunha factoría que dun home só, ataca en Ámote este asunto. É a historia dun periodista misántropo, hipocondríaco, bebedor, namoradizo e perseguidor dunha dama incerta de ollos verdes. Un pecador coma calquera de nós. Quero á muller do soño, a muller dos meus soños, as duascentas mulleres que soñei amándome. Princesas queridísimas, lindas, lindísimas, lirios, rosas, chuchameles verdescentes do meu cavilar enfermo. Ahhh, como me gusta a vida! como me gusta, demo! Gústame falar só e beberme a vida entre Cardú. Antes bebía gintonic. Deixeino porque soñei que ti, meu amor, preguntabas como podía beber unha bebida que sabía tan mal. E deixeino. Porque hai que seguir o camiño dos soños. E un soñador que non segue ese camiño está condenado á desaparición inmediata. Un asilo, unha asistenta social, unha tristeza barbeando a súa mañá de xubilado. Eu sigo o camiño dos soños. E soñei que a ti non che gustaba o gintonic. Agora, desgraciadamente, cando se me seca a boca de tanto e tanto Cardú, dedico as miñas ansias á bebida incontinente e desconsiderada de cubalibres. Ron e cocacola. Probablemente ese é o sabor da túa pel, cariño, meu cariño, anda, dime que me queres aínda como eu te quero a ti. E bícame. Íspeme. Primeiro o xersei, tócame, lentamente, non te apresures, xa son maior, amor, así, así, os labios deixándose ir pola pel abaixo, e os dedos, quieta, anda, por favor, que non me toquen máis, apenas podo respirar, o corazón, a tensión, o late late das miñas veas cando te sinto, e non estás, nunca estás, como lastima o amor!, si, corazón, si. Ahhh, vida, vida. Lograrei madurar algún día? Ou ti, Jesusito de mi vida, vas permitir que morra como nacín, neno, sentindo as mans da avoa sobre a miña fronte de aplicado estudiante? Non vou crecer nunca? Seguirei chorando os poucos anos que me restan? Joder, Ulises, que os homes non poden ser tan sensibles. A lúa, o aire da primavera, a neve do inverno, a noiteboa, o carnaval, o verán de auga fría dun río que só existe na túa memoria, unha canella de terra fronte á túa casa, o lugar onde deches o teu primeiro bico. A ti, meu amor, a ti. Sensible. E non quero pasar a vida sensibleando, que todos rin de min, coño. Quero crecer, Jesusito. Crecer. Simplemente iso. E quererte. A ti. A ti. O primeiro bico na canella de terra fronte á casa da avoa. Como me acaricia a memoria!, amor, amor. (...) Ámote. Ámote, miña vida. Vivirei de ilusións ata o último minuto, ata que morra? Jesusito non podes facer nada para solventar esta carencia afectiva, esta neurose, este desasosego? Ti nunca podes facer nada, Jesusito. Anda, colega, non me abandones. Non, golfo, non. Menos mal que me quedas ti, amor, os teus ollos verdes paseándome nesta noite de delirio, a túa boca grande rabuñando a soidade, miña, lenta, dolorida, infame, os teus ollos verdes, a túa cara de bruxa arredor das teclas que tecoloteo con paixón animal, para perderme, os teus ollos verdes, cariño, cariño por que non deixas todo o que estás facendo neste preciso instante? ( estás durmindo? estás soñando cun tipo de cen quilos e ARRAIANOS 7

para ser. para humano metro sesenta e sesenta anos que acaricia coa lingua as túas mamilas de algodón e nuez?, estás pensando que os meus moitos defectos non resultan un obstáculo para unha relación pracenteira e confortable?, quéresme, ti tamén me queres, como eu, como eu te quero?), deixa todo, deixa de durmir, de soñar, de aliviar ao home que repousa ao teu carón e ama arriba abaixo desama ama o teu corpo de feroz madrépora encarnada de todas as marés e lácteas vías do universo, deixa todo, bonita, deixa todo e corre ao despacho do faraón para falar de amor, dos teus ollos verdes, da lúa verde, da literatura incluso, verde, como a esperanza. Corre, cariño, corre. Ámote, rula. Ámote. E os teus ollos están chorándome. Como chuvia, meu amor. Xosé Carlos Caneiro Ámote ed. Galaxia, Vigo 2003, pp. 51-52 e 77-78 Unha destas noites, corazón, vou deitarme nos labios do amencer para buscarte. Gritarei que me faltas, como un aire, un bico, un abrazo (aínda que nunca me faltes). Unha destas noites, prometo, beberei as farolas da alba e falarei de amor, de ti, cos individuos de malvivir que me acompañen: esa tropa de insensatos que bebe para recordar. Porque só o amor axuda a vivir, resistir, sentir, crecer, gozar. O demais, o diñeiro a fama o éxito, son circunstancias. Unha destas noites vou crer todos os contos de princesas e piratas que me conten. Chorarei as lágrimas de mil noites de voda que me xustifican, que falan de nós, como seres humanos (ser, humano: qué gran definición). Cantarei as cancións imposibles pegado aos teus ollos de auga. Escribirei esa novela que falta, que me leve ás grandes obras que enaltecen a memoria do lector que fun e son: todas novelas amatorias. Qué outra cousa era o Ulises de Joyce: a novela do amor a unha cidade e a unha muller, Dublín e Molly. Flaubert, Proust, Broch, Musil, García Márquez e o seu amor que desafiou ao cólera e aos anos. Qué era a pólvora e a magnolia de Ferrín se non era, antes que nada, unha obra mestra escrita con enardecidos versos de lume e paixón. Qué é a esmorga pola que nos levou Eduardo, as odas de mar de Manuel Antonio e os bicos laranxas que puxo na nosa pel aquela que camiñaba descalza pola area, de Castro, Rosalía. Unha destas noites vou partir a pel do mencer para arrancarlle follas ao calendario, para que non exista. Disfrazareime de soño para que as sombras envolvan as palabras e non poder escribir doutra cousa que non sexas ti, amore. Amor. Aquel que iniciaba a comedia divina que escribiu o poeta da Florencia: o amor move o sol e as demais estrelas. O amor de Quevedo, que non quero esquecer, porque ninguén escribiu os sonetos que él escribía e que me saltan aos ollos, como lágrimas: polvo serán mas polvo enamorado. Amor de boleros, de tango, de alcohol que rompe a gorxa do solpor e do abrente. Amor como medicina. E como literatura, agora que queremos ser replicantes fríos, frívolos, e escribir só a literatura automática inventada hai cen anos. Nada máis moderno que o amor, nada máis clásico e eterno. Soñarei, cantarei, escribirei, dormirei apoiado nun amor invisible que cada tarde me abraza, mentres escribo liñas de White Label e melancolía, mentres leo aos imbéciles pululando como ratas nun foro de internet. E ao frío hei de repetirlle o verso aquel de Guillén, ou Salinas: Me gusta la nieve, nos junta a los dos. Unha destas noites de outono, ou na invernía, hei de unirme cos gatos e pasearei as prazas baleiras, escoitándote nos pasos, amore, amore. Antes de que corra o tempo e me borre, e me mate, e parta a miña alma de fracasado que non soubo escribir unha novela que non fose triste. Debuxando con xiz unha lágrima que escapa, lentísima. Antes de tanto amor barato que ofrecen os sicarios do sistema. Antes, amor, vou deitarme nos labios do amencer para buscarte. Para ser. Para humano. 8 ARRAIANOS/ A RAIA ESCRITA / outono 05

FOTOS AEREAS AS RAIAS DO CEO ARRAIANOS 9

CORRESPONDENTES ARRAIANOS A BARRAGEM DE VILARINHO DA FURNA Manuel de Azevedo Antunes Nascido em Vilarinho da Furna, última aldeia de Portugal, à entrada da Galiza, pela Portela do Homem, hoje submersa por uma barragem. Formado em Filosofia, Administração e Ciências Sociais. Autor de vários trabalhos publicados, nomeadamente sobre Vilarinho da Furna. Fundador do Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna e do Museu Subaquático de Vilarinho da Furna. Presidente da Direcção da AFURNA Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna. Presidente da Direcção da AP-PENEDA-GER S Associação dos Proprietários do Parque da Peneda-Soajo-Amarela-Gerês. Professor Universitário. Director do Centro de Estudos da População, Ambiente e Desenvolvimento, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Lisboa. O CASO DE VILARINHO DA FURNA Vilarinho da Furna era uma pequena aldeia da freguesia de S. João do Campo, situada no extremo nordeste do concelho de Terras de Bouro, distrito de Braga, na PenedaGerês, vizinha da Galiza. A sua origem perde-se na bruma dos tempos. Segundo uma tradição oral, transmitida de geração em geração, teria começado a sua existência por ocasião da abertura da célebre estrada da Jeira, um troço da VIA XVIII do Itinerário de Antonino, que de Braga se dirigia a Astorga, num percurso de 240 Kms, e daqui a Roma. Estaríamos, segundo a opinião mais provável, pelos anos 70 da nossa era. E é possível que alguns dos traços da maneira de viver do povo de Vilarinho se filiassem na cultura dos povos pastores e ganadeiros indoeuropeus, provavelmente lá introduzidos por migrações pré-romanas e reforçados pelas invasões suevas. Mas tudo o que hoje se pode dizer sobre o nascimento de Vilarinho da Furna se resume num levantar de hipóteses, num formular de perguntas que paira no ar, em busca de uma solução que ainda não se divisa. 10 ARRAIANOS/ CORRESPONDENTES ARRAIANOS/ outono 05

Todavia, no meio de toda esta incerteza, um facto se apresenta incontestável: se não a sua origem romana, pelo menos a sua romanização. Aqui, como em muitas outras partes do império, os romanos chegaram, passaram e deixaram rasto. Já lá vão quase dois mil anos!... Passado obscuro, quase sem história, é o passado de Vilarinho da Furna. Não fosse a sua riqueza etnográfica e a construção da barragem que pôs termo à sua existência e Vilarinho da Furna seria hoje uma aldeia esquecida, anónima como o seu passado, qual pérola perdida na vastidão das serras do Minho. Mas tal não aconteceu porque os olhos dos etnólogos descobriram em Vilarinho uma relíquia da velha organização comunitária, hoje agonizante, mas outrora muito difundida na Europa. Mesmo sem ser um caso único, o comunitarismo de Vilarinho era, pelo menos, um caso invulgar. Os traços fundamentais deste sistema comunitário situam-se ao nível das condições económicas e da organização social. As condições económicas desta zona têm a ver, essencialmente, com a distribuição/exploração da propriedade. Assim, no que respeita à posse da terra, nesta comunidade rural, deparamos com uma propriedade privada, diferentemente repartida por vários detentores. Mas este tipo de propriedade tinha, no entanto, o seu complemento numa outra propriedade colectiva, constituída pelos logradouros comuns, onde todos os moradores vizinhos apascentavam os seus gados, roçavam os matos, cortavam lenhas, etc., de acordo com normas previamente definidas e democraticamente aceites. As actividades económicas de Vilarinho da Furna, desenvolveram-se num quadro típico de organização social, intimamente ligado às condições ambientais. Embora a natureza não exigisse uma única forma de adaptação, a escolhida, foi, certamente, das mais adequadas. A base dessa organização assentava na assembleia dos representantes das várias famílias da povoação, que reunia geralmente às Quintas-Feiras, embora o pudesse fazer noutros dias, sobretudo de noite, se assim o exigissem as circunstâncias. Essa assembleia, que em Vilarinho se chamava Junta, presidida por um Juiz, era a herdeira do antigo conventus publicus vicinorum (assembleia pública dos vizinhos) do reino visigótico. Era nessa assembleia que se analisavam, ARRAIANOS 11

até à exaustão, os problemas que a todos diziam respeito, e se decidiam, por vontade expressa da maioria, as soluções a adoptar. A Junta era a mais perfeita expressão da democracia popular. O Juiz ou Zelador, totalmente independente das autoridades administrativas oficiais, era obrigatoriamente escolhido para um reinado de seis escassos meses entre os homens casados da Junta, segundo a lista dos seus casamentos. Eram muitos e variados os trabalhos que se apresentavam à Junta, periódicos uns, extraordinários outros. Assim, ela tinha que tomar medidas acerca da reparação e abertura de caminhos, organização da vida pastoril, distribuição das águas de rega, divisão dos matos a roçar, madeiras a cortar, montarias aos lobos, marcação das vindimas, etc., etc., e, nos últimos anos da vida de Vilarinho, estabelecer a melhor estratégia de luta contra a Companhia construtora da barragem, o único inimigo que se lhe apresentou como invencível. A Companhia construtora da barragem chegou, montou os seus arraiais e meteu mãos à obra. Esta surge progressiva e implacavelmente. O êxodo do povo de Vilarinho pode localizar-se entre Setembro de 1969 e Outubro de 1970. De um ano dispuseram, pois, os habitantes de Vilarinho para fazer os seus planos, procurar novas terras e proceder à transferência dos seus móveis. As 57 famílias que habitavam esta povoação procuraram fixar-se noutras paragens, investindo geralmente na agricultura os parcos contos de uma escassa indemnização que receberam da então Companhia Portuguesa de Electricidade. Pelo conjunto de toda a aldeia, e respectivos terrenos de cultivo e maninhos, ofereceu a Companhia construtora da barragem, nada mais nada menos que 20.741.607$00, o que equivale a 5 escudos por metro quadrado, incluindo as casas. Se excluirmos as habitações e outras construções, foi pago meio escudo por cada metro quadrado de Vilarinho, o equivalente ao custo de meia sardinha, a preços da época. Mas, enfim, chegou o momento da partida e não havia tempo a perder. Cada um procurou levar consigo tudo o que pôde. Os telhados desapareceram de dia para dia. Apenas ficaram as paredes nuas... Amortalhada num espesso manto de neve, Vilarinho ficou pronta para ser coberta pelo mortífero lençol de água. Os habitantes de Vilarinho foram dispersos pelas mais variadas terras dos concelhos de Braga, Viana do Castelo, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Barcelos, Vieira do Minho, Terras de Bouro, etc., onde encontraram novas gentes, novos costumes. Da vida e recantos da aldeia comunitária não resta mais que um sonho. Sonho que é continuado no Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna, construído com as próprias pedras da aldeia comunitária, e que se espera venha a ser um importante Centro de Cultura (Antunes, 1985). Apesar da destruição da aldeia, que ocasionou a dispersão da população, a morte transformou-se no princípio de uma vida nova para os Desenraizados de Vilarinho da Furna. Os anos passaram e, hoje, essa população está organizada n AFURNA Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna, criada em Outubro de 1985, que tem por objectivo a defesa, valorização e promoção do património cultural, colectivo e/ou comunitário do antigo povo de Vilarinho. 12 ARRAIANOS/ CORRESPONDENTES ARRAIANOS / outono 05

Esse património é fundamentalmente constituído pelas componentes histórico-cultural e sócio-económica. Daí as tarefas e/ou acções a desenvolver nas áreas da cultura, da formação, da investigação científica e do desenvolvimento económico-social. O que trará consigo, além do mais, a criação de um pólo de desenvolvimento regional, com incalculáveis benefícios para o próprio país. A aproximação do termo da construção da barragem, nos fins dos anos sessenta, levou a estabelecer um programa de salvaguarda do seu património cultural, já então mundialmente conhecido. Daí surgiu a ideia da construção do Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna. Vários anos se passaram e o Museu, feito com pedras da aldeia submersa, está finalmente construído, pela Câmara Municipal de Terras de Bouro, segundo projecto do saudoso Arq. Rosado Correia, a escassos Kms da antiga povoação de Vilarinho. A inauguração do edifício foi feita pelo Primeiro Ministro da altura, Aníbal Cavaco Silva, em 14 de Maio de 1989. Nesse Museu pretende-se, principalmente, documentar a vida de Vilarinho da Furna, nas suas semelhanças e diferenças com outras aldeias da região, nomeadamente de Terras de Bouro e da vizinha Galiza. E fazer dele um Centro Cultural polivalente, com as necessárias infra-estruturas para o desenvolvimento cultural e científico, ao serviço das populações em que se insere. Apesar de fortemente afectado com a barragem, o património de Vilarinho da Furna ainda conta com cerca de 3000 hectares de terrenos, dispersos pelas serras da Amarela e do Gerês. São terrenos comunitários que, devido às lutas contra as investidas dos Serviços Florestais, desde finais do século XIX, acabaram por se transformar numa propriedade privada dos descendentes dos outorgantes, naturais de Vilarinho, que constam de uma escritura de aforamento dos respectivos terrenos, feita pela Câmara Municipal de Terras de Bouro em 17 de Agosto de 1895. Neste momento, é preocupação dos antigos habitantes de Vilarinho da Furna proceder a um aproveitamento integral desse património. Para o que se prevê: - A reflorestação dos referidos terrenos, sitos na serra Amarela e no Gerês; - A criação de uma reserva faunística; - A implementação do Museu Subaquático de Vilarinho da Furna; - Um aproveitamento turístico que defenda e valorize o património ecológico existente. A implementação deste projecto, nas suas diversas componentes, reveste-se de singular interesse. De facto, trata-se de um projecto integrado, que transformará esta zona num importante pólo de desenvolvimento regional sustentável, com inestimáveis benefícios, não apenas para as populações aí residentes, mas para o próprio país, com inegáveis repercussões internacionais (Antunes, 1994). MANUEL DE AZEVEDO ANTUNES * LUCINDA COUTINHO DUARTE JOÃO PEDRO REINO *CEPAD Centro de Estudos da População Ambiente e Desenvolvimento - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. - Comunicação ao IV Congresso Ibérico sobre a Gestão e Planificação da Água Dezembro de 2004. ARRAIANOS 13

I MPOSTO POESIA ARRAIANO na memoria do Carlos Alfredo, xa para sempre habitante das terras arraianas escaravellas na néboa apegada ás ruínas e a mañá responde cun silencio de menta que percorre o castro Laboreiro a fronteira sabe das inguas que fermentan no salitre achega a luz unha pregunta de algas enfiadas no bagazo da mudez e responde a man ferida con números roubados á palabra impronunciábel BALDO RAMOS 14 ARRAIANOS/ IMPOSTO ARRAIANO / outono 05

POESIA I MPOSTO ARRAIANO Eí A-terrado Aferrouse á terra coma unha lapa. Veu a chuvia e atenascoulle as costas. Veu o vento e levoulle os ollos. Veu o trono e fendeulle a cabeza. Veu o lume e queimoulle o sangue. Pero só cando veu o tempo conseguiu arrincarlle a terra e ficou aferrado ao oco. SUSA BLANCO MONTECELOS Quedade coas ortigas da vosa riqueza. Co poderío do vento poniente, coa imaxe profana dos vosos deuses. Déixovos o soño que me roubastes, os anos mozos, o que teño de home, pra vosa estirilidade. Déixovos tamén aquela sonrisa e os ollos cheos de vida. Aquel meu ar. Só vos pido a lareira, un can de coellos, a cancela na corte, e o fumo repicante das xestas. Só quero escoitar ás silveiras sen sentir no corpo o proízo da noite, o vento da soidade. Troco o pan de trigo pola espiña, e o leite da figueira, pola vosa sabedoría. ANÓNIMO DA VILA ARRAIANOS 15

I MPOSTO POESIA ARRAIANO I O silencio do corpo e a calma. Aprender do que a pel cala. Ter a ousadía de vivir a modo repetindo xestos. ********* Buscar a beleza nas paisaxes divinas e nas humanas, nas palabras non pronunciadas. Buscar a beleza nun solpor en Fisterra, nos óleos dos primitivos flamencos ou na xeografía dos corpos nús. Buscar compulsivamente o intenso, con ansiedade, desorientada na busca e non topar máis que insatisfacción, precariedade e dor. ********* Hoxe perténceme este corpo coma onte outro ou mañá calquera distinto. Absurdo entregarse totalmente a este ir e vir, a este fluír, devir. Pero máis absurdo sería non facelo. VERÓNICA MARTÍNEZ Ya nada hay en mi firme como una roca: disgregado, hecho trizas me lleva abajo el río en donde aún de vez en cuando un dique con tu nombre intenta inútilmente contener el pasado. Levántate y anda! me repito a diario para poder recontar el calor que perdimos y nunca volverá. Resurgir de la tumba es difícil, sin más que café y silencio. Aún así, cavo. Nada hay ya en mí firme como una roca, salvo el recuerdo, intacto II El pan masticado y escupido en la mesa que moja la oscuridad mientras duermen los discípulos el cansancio de los días de sudor, ampollas y carne magra. El ratón que agoniza en la despensa, dentro de un ojo vuelto sobre si, como de fieltro ajado. Dios debe ser un peluche, quizá aquel que descuartizaron los perros en el patio de atrás, bajo la dorada luz de las uvas, hace ya tantos años. El vino, salpicando los bigotes y barbas, tiñendo de agrio la madera, sangre de cualquier alianza efímera y secreta en donde nadan cautelosos los dedos de los días. El periódico, antiquísimo, cubriendo como pan de hostia la voz de los cajones con su morse ilegible de moscas y de ángeles. 16 ARRAIANOS/ IMPOSTO ARRAIANO / outono 05

POESIA I MPOSTO ARRAIANO La luz volcada por el tiempo en los vasos terrestres a los que volvemos, ávidos y lentos, lentos y seguros, como quien vuelve al bar cuando, otra vez, la esperanza se marcha. El caliz - Lo apurarás. Y lo demás fue nada. III La nariz rota sangra el día. El treintañero pasado de coca esputa el día, una flema sólida y vidriosa. La amante despechada menstrua el día con barroco detalle de sillas y de coágulos Amanecida muerta, la niña de comunión cierra pesadamente el día, como un libro de párpados finísimos que los recién nacidos abren otra vez con sus feroces manos de santos implacables. Pero el poeta se baña en el día como en un barreño de jabón y ausencia merecida. Qué más podría pedir, a cambio de palabras? IV Y no sabreis su nicho como no supisteis su nombre - Jamás. Bajo tierra se agitará, en lo sordo, su esqueleto, la mano extendida buscando un pacharán. Pasan, arriba, la vida con su tráfago, los harapos lluviosos de días incontables, los amigos empeñados en olvidar a otros, la familia que duerme un sueño de justicia con las dos alas rotas. El reino arrebatado cual un rumor limpísimo de agua y de gusano filtrándose, tarso, metatarso, nada. Como un poema acaba bruscamente la vida al blanco de la página. V Y saliendo al balcón preguntó Pilatos al pueblo: A quién queréis que libere, a Luis Boullosa o a Barrabás? Y el pueblo le contestó: A Barrabás. LUIS BOULLOSA El quijotesco español, su cara ya en vestir de calavera, masculla solo en los bares, construye con esputos la única vida verdadera. La música secreta, la cerveza imposible, el paquete de Camel; la guardia pretoriana lo escolta en su descenso, lento, hacia la ausencia de luz. Algún día faltará del bar, habrá sido entregado a los familiares y a los perros. ARRAIANOS 17

I MPOSTO POESIA ARRAIANO Prós que saben que ti podes ser outra cousa, Prós que saben que o home pode ser outra cousa... Uxío Novoneyra FÉ... Negra é a historia que alumea iste teu nome, galego, chea de portas que se abren para pór un pé mar adentro. Historia escrebida por barcos que sempre voltan baleiros labrada por xentes que son eisiliados do progreso. Negra é a historia Galiza, que en ti escreben os tempos, chea de homes sen nome de vidas sen dono certo, séculos fai que estás parindo fillos que adopta o desterro. - Ises tempos xa pasaron!- Esí pregoaba o gaiteiro, agroma a semente nova, e en ti nace un novo tempo, un novo hino que rompe nos beizos dos que en ti cremos. E marchei erguendo orgullosa a nobre bandeira ó vento cheos o fardel e o espírito de soños, de devezos, certa de que a ti terra esgrevia había voltar tarde ou cedo. Atrás ficaban os versos de poetas insurreitos, acusando o maltrato dos emigrantes galegos. Non fixen caso de razóns dos que quixeron convencerme que a semente que na terra agroma ven dar a flor no deserto. Mais seguimos enxergando a secular carraxe dun pranto cotián de bolboretas. E non hai siña máis fera que levarmos o ser emigrantes gravado a ferro na testa, que onde queira que vaiamos iste alcume nos espera Novos tempos son chegados de mudarmos esta xeira, fannos falla máis ca nunca mans que labren a terra, letras que sementen a historia e valentes que fagan a ceifa, a nova Galiza é a utopía dos que florescemos nela. NOELIA RODRÍGUEZ 18 ARRAIANOS/ IMPOSTO ARRAIANO / outono 05

POESIA I MPOSTO ARRAIANO OS GANDULOS PAXARIÑOS Os paxariños travesos dan saltiños cara a árbore e a carón das súas pólas garulean cara ao ar Paxariños que cantades entre as gallas dun loureiro e brincades entre as follas do frondoso castiñeiro Cantigas de chíos-chíos comezan a entrar e dando grazas ao Ceo rechouchían sen parar Árbores da veciñanza ciumentos todos están e estenden as súas pólas para que veñan brincar E facendo garatuxas os gandulos paxariños picando de flor en flor garulean entre os piños con outros recén nacidos Alciprestes, mazairas e ciroleiros convidan os paxariños para que garden entre as flores o traballo dos seus niños Merlos, paporroibos, xílgaros paxaros da miña horta que picades no meu prado e soltades polas gorxas trinos e doces cantares que fan, da vida, ledicia e os pesares quitades CONCHITA SANZ FERREIRO (MEAUS DOS MISTOS) A tradición é a herdanza que os avós nos legaron no nome daqueles sabios que eles tamén herdaron. OUTRA HERDANZA AMEAZADA Non é a festa do porco a data dun ritual senón un feito ancestral de moi ansiada ventura, con ela chega a fartura sublime e vital do lar. Sacrificio sen Altar que ledo celebra o pobo con filloas e viño novo, nun ambiente familiar onde non pode faltar porco vello no cocido para que o ventre agradecido comece axiña a loubar. É a despensa do fogar e adorno da lareira, a festa máis pracenteira que todo o ano ten data. Sen santo, pero milagreira, que aleda e a fame mata. LOIS ANTÓN ARRAIANOS 19

I MPOSTO POESIA ARRAIANO Óscar Canal REGRESO DO TUÑO Chegounos, Tuño, a nave de partir pola distancia, a de entregando irme en baldíos esteiros; e por mares que ignoras, dos que foxes, vir perderme. Apuro entón os últimos barqueiros, a pel que destaparas desta terra deitando illós de límpidas areas entre o fondo e as ribas do silencio. Deixo que pases, que me leves morto até os muíños, onde viva e rode sen deixarte, ou por ramas reflectidas dos bidos que non van e te acompañan. E vexo que me parto, que se rompen os anos de encontrarme e de perderte, fóra de min e nese que xa vai chegando novamente ao mar distante. El, que perto viñera ver as fontes por deixar os esteiros preparados, pois que o meu xa me ten abandonado, ningún estraño corpo deixará: irá do val herboso que se perde nun río repartindo nas levadas, sen vento, sen ribeiras achegadas, en ondas de subir e regresarmos. ANXO ANGUEIRA (Val de Ramirás, 1989) 20 ARRAIANOS/ IMPOSTO ARRAIANO / outono 05

CINEMA F ILMOTECA A RRAIANA UN ASPECTO da cultura arraiana, que sorprende polo seu descoñecemento xeral e pola súa riqueza, é o relativo á grande cantidade e calidade de documentos filmados na nosa terra. Imos hoxe centrarnos nalgúns deses filmes. Simplemente os enumeraremos. Evitaremos intencionadamente comentalos ou xulgalos. Que cada un tome as súas decisións; non somos críticos cinematográficos; somos, nin máis nin menos, arraianos. CAPÍTULO I. O Cinema do Laboreiro, Soajo e Gerês. Castro Laboreiro CASTRO LABOREIRO A Cruz de Ferro Jorge Brum de Canto, 1968. 149 Castro Laboreiro Ricardo Costa, 1979. 85 Viagem ao Princípio do Mundo Manoel de Oliveira, 1997. 95 SOAJO Lobos da Serra Jorge Brum de Canto, 1942. 97 A Cruz de Ferro GERÊS A caçada no Gerês Fournier, 1908 Vilarinho das Furnas António Jorge Dias, 1971. 75 Vilarinho das Furnas César Guerra Leal, 1972 Vilarinho ressuscitou. João Soares Tavares, 1983. 12 Lobos da Serra De Castro Laboreiro ao Lindoso. João Soares Tavares, 1986. 30 Uma aldeia na Serra Amarela João Soares Tavares, 1987. 25 PRÓXIMO CAPÍTULO O cinema de Trás-os-Montes POR XULIO MEDELA, CORRESPONDENTE ARRAIANO EN LOBEIRA Viagem ao Princípio do Mundo ARRAIANOS 21

Q uerido amigo Aser: estaba eu con 38 na cama e ti fuches o 39 coas túas presas de falarmos no Deva, no meu Deva. Botei fóra os 38 e púxenme a remediar o meu retraso contigo, que se debeu a unha enxurrada de lixo burocrático dese tan importante que non admite espera, é dicir, dese lixo que en catro días está máis reseso que el Fuero Juzgo, poño por caso e por farol de erudición. Pedíchesme foto na que se vexa, dis ti, a miña condición de Rei das Troitas. Blasfemaches, Aser, tes unha lingua pecadenta e váiseche caer podre! Ninguén pode ser Rei das Troitas e sabes ben que as teño declaradas Miñas Señoras. Toda a leria que deitaron trobadores, xograres e segreis co conto da amada é materialismo miserento en comparanza co que eu sinto polas das pintas. Teño algunha foto miña na liturxia da cana, ou con algún cambito xeitoso de troitas, pero vouche mandar unha que me fun facer no Pedregal de Irimia, no nacemento mesmo do Pai Miño. Aí me tes axeonllado en Terra Santa e pensaba pór un aire máis devoto e recollido, pero veu o diaño a me tentar cunha visión de troitas picando a esgalla e saín con cara de pillabán irreverente. Cómpre recordarmos que teño escrito que o peor que lle pode pasar a calquera lugar de Galicia é estar lonxe do Miño e que unha foto do nacemento do Miño contén potencialmente Ladra, Parga, Búbal, Avia e mil marabillas máis, entre elas e no podio das máis fermosas o meu Deva. E vouche dicir que a outra única Terra Santa na que me puxen de xeonllos foi en Bonn, diante da casa de Beethoven. Xa ves que teño moi bo gusto nas miñas latrías. O meu Deva digo porque é meu e nel fixen o noviciado alá van cincuenta anos e nel sigo, ma non troppo porque no verán anda estragadiño coas secas naturais e mais do andazo minicentraleiro, e neste ano en boa parte do curso unha troita non podería ir río abaixo de pé, como quere o cantar, porque levaría a auga polo embigo. Ó meu Deva resérvolle tódolos anos a honra da Inauguración de Curso en non lla dar sería pecado mortal, 7,5 na escala de Richter Astete. E digo o meu Deva porque che hai outros. Por exemplo de A Cañiza baixa ó Miño de Arbo un Deva que tampouco non está, seica, nos seus mellores tempos. Outro Deva, de moito salmón, baixa dos Picos de Europa ó Cantábrico. Outro haino en Teruel ou, polo menos, hai topónimo Riodeva. En Inglaterra temos un Dee que nas DE RIOS... O RIO DEVA, O MEU DEVA táboas de Tolomeo era Deba. Todo é, polo que parece, céltico e preséntanos a auga coma obxecto de culto, xa que Deva ven sendo da mesma raíz indoeuropea que aínda temos en divino, divo... Aquela era xente de bo gusto. E agora eu tiña que deitar unha lea xeográfica e erudita de que o Deva está formado polo Deva ou Grande, que arrinca de Outeiro de Augas, a carón de Penagache, a Penna Catti dos documentos medievais de Celanova, e polo de Górgua ou de Crespos, que nace na aba de Penagache. E logo metería moita noticia de que xa antes do ano 1000 os monxes de Celanova falan das piscarias de Brabela, onde a miña aboa tiña un muíño e onde teño eu pescado algunha peza de primeira. Pero todo eso ten agora por riba os metros de auga que 22 ARRAIANOS/ DE RÍOS.. / outono 05

retén a presa de Frieira. E habería máis lea xeográfica e histórica, pero prefiro ir pechando o folio con un par de recordos. O primeiro, os bos tempos de pernas áxiles, anos mozos e río coma Deus manda para arrincar de Entrerríos, onde se xuntan Grande e Górgua, e me meter pola Bouza, ó pé de San Pedro da Torre, e chegar ó pé de Quintela de Leirado por pozas e penedos nos que non escachei as pernas e a cachola porque non as escachei: é a única razón convincente que vos podo dar. Tería que facer por volver a unha poza que remataba nun cadoiro polo que eu agatuñaba e, para me non mollar as partes nobres, suxeitaba o peto dos waders cos dentes. A alternativa era un arrodeo longo por unha encesto na que inzaban uns toxos arnais que metían medo. De todo aquelo saín ileso, pero non volvín, xa antes de que escarallaran o río, porque un día un vello xuroume que andaba moito lobo. O can do vello levaba carranca no pescozo, pero a min a carranca resultábame incómoda e deixei de andar por alí. De máis abaixo, en Entrerríos, téñovos un conto chusco ó que lle cómpre o prolegómeno toma palabro, que somos de Grego! de que eu son bisneto do Tortuga, emigrante con bo éxito económico en Buenos Aires, e Tortugas fomos e seguimos sendo e a miña abó foi unha institución en Cortegada e arredores. O caso é que eu estivera na Universidade de La Laguna e trouxera coche, TF 4651-M. Un día á tardiña recollía eu os trebellos de pesca e pasou por alí un home co que botei a típica parolada de pican, non pican, o río xa non é o que foi, hai moito fillo de nai... e o home desculpou a súa curiosidade por saber de ónde era aquela matrícula TF que el nunca vira. Eu díxenlle que era Tortuga e Fillos e o home, sen a menor sorpresa nin dúbida, asentíu Poden moito!. Non lle quixen dar a desilusión de que Dona Isolina non tiña matrícula propia e que aquelo non pasaba de Tenerife. PD.- Repasei o pasado número de ARRAIANOS e decateime de que xa contara algúns dos lances que agora repito. Pero nin estou chocho, nin me arrepinto e non borro nada, e mais digo aquelo de ex abundantia cordis os loquitur : a boca fala do que nos enche o corazón. Aínda máis, esquecín dicirvos que o Deva é o único río ó que lle perdoo os capotes, moitos capotes, que eu fago. JUAN J. MORALEJO LICENCIADO EN TROITOLOXÍA POLA UNIVERSIDADE DO DEVA DOUTORADO EN REOLOXÍA POLA UNIVERSIDADE DO TAMBRE ACADÉMICO CORRESPONDENTE DA REAL ACADEMIA DE TROITOGRAFÍA E REOSCOPIA DE LENINGRADO ARRAIANOS 23

DE RIOS... O CANAL DE ESCUDEIROS E ncóntrase no curso baixo do río Arnoia e constitúe unha obra de arquitectura en desuso, dende hai moitos anos, que permite achegarse a unha paraxe natural ben descoñecida nun dos cursos fluviais máis fermosos de Galicia. Para acceder a el hai que chegar ata esta aldea no concello celanovés de Ramirás e dende alí baixar a pé uns 2 Km ata a beira do río nun vehículo todo terreo pode chegarse ata moi preto do seu comezo. Iniciamos entón unha ruta fascinante que nos leva a seguir o curso das augas máis caudalosas e rápidas do río Arnoia. A súa orixe remóntase aos anos 50, construído para abastecer de electricidade a extracción de estaño e volframio das seculares minas de Escudeiros. O punto de partida sitúase na presa do Cachón, un dique feito para servir de arranque desta canalización paralela ao río de arredor de 2 Km. O remate está no lugar da Bomba xa na estrema das parroquias de Escudeiros e Poulo e dos concellos de Ramirás e Gomesende onde aínda se conservan, ao pé do río, os restos da antiga fábrica de luz. Do outro lado do río, en toda a extensión do canal, está o concello de Cartelle. Escudeiros presenta a peculiaridade de ser unha parroquia na cal todas as casas se concentran nun mesmo núcleo. Nela hai elementos do patrimonio etnográfico e artístico de especial valor. Pero un elemento singularizador de seu constitúeno, dende tempos remotos, as minas, de estaño e volframio, agachadas coma tesouros na súa serra O Valdaspre, San Francisco, O Garabello, A Central e que se deberían converter en recurso de proxección paisaxística, antropolóxica... na actualidade. Xusto por baixo da boca da mina da Central, onde a corga de Filgueiró completa o caudal do pozo do Cachón, parte un caneiro de factura industrial que beirea a marxe esquerda do curso fluvial. duns dous metros de ancho, cun valado de pedra sobre a banda do río dun metro de altura polo que se pode ir a pé. Xa que logo constitúe un balcón privilexiado para percorrer este espectacular tramo do Arnoia. Discorre sempre parello ao río, a unha altura de 5-6 metros no inicio e logo esta vai aumentando ata chegar a uns 20 metros, xa no tramo final, onde se precipitaba con forza na devandita fábrica da Bomba. 24 ARRAIANOS/ DE RÍOS... / outono 05

A natureza agreste, virxinal é o que mellor o define. Ademais das diferentes clases de animais que podemos atopar, aves, peixes e mamíferos, engádeselle que ao longo de todo o traxecto damos cun riquísimo arboredo autóctono. Entre as especies que o conforman están os castiñeiros agrupados en vizosos soutos, carballos, salgueiros, freixos, sobreiros, bidueiros, amieiros; variedades froiteiras e ornamentais coma o erbedeiro, o escambrón (de froito vermello e flores brancas), a figueira, o abruñeiro, cerdeiras bravas, avelairas, fentas, uces... O son das pólas mestúrase co murmurio da auga, que foi labrando o seu paso na garganta da pedra durante milleiros de anos e que nos funde e confunde coa natureza máis primitiva. Logo deste traxecto recollido e harmonioso polo máis enxebre da nosa terra, ao deixar o leito fluvial e ascender pola aba do monte aínda un se pode regalar coa estensa paisaxe que se enxerga na volta da serra da Seixosa: os socalcos do Ribeiro, o alto dos Castros, a serra da Fonte Branca, o Val de Ramirás, as Terras de Celanova... Esta ruta é un bo exemplo do descoñecemento dos valores do noso territorio así como do desinterese e falta de ideas dun sector da clase dirixente para aproveitar e promover os recursos cos que contamos. Agardamos que o novo contexto político permita que esta realidade cambie de rumbo e se converta nun camiño de vida para o interior de Galicia. Para a promoción e o aproveitamento deste traxecto, entre ARRAIANOS 25

outros aspectos, cómpre, de inicio, limpar o mato e arranxar os accesos. Non esquezamos que se trata dun caneiro aínda en bo estado, que precisa dunha adecuada posta a punto. Logo sería de interese consideralo nun proxecto global de expansión económica (turismo, caza, pesca...) que abranguese esta parte final do río Arnoia. O punto de partida pode situarse na área da Pontenova e no seu paseo fluvial, que chega á altura da capela de San Bertolomeu, na parroquia de Vilar de Vacas, de onde cumpriría atravesar o río cunha pontella cara á zona do Algoio. Despois do tramo do canal de Escudeiros seguimos atopando enclaves moi salientables, seguindo a carreira imparable das augas: a maxia do monte do Seoane, que circunda o curso do río e onde aflúe, da outra banda, o peculiar río do Gato, despois do que vén a boca da mina da Figueira e os noutrora tan importantes muíños da Chancela lugar polo que é necesario rehabilitar a antiga ponte que unía as dúas beiras do río. Aínda se podería falar do Seime, da Cela onde, a dicir dos vellos, maduraban os mellores viños do Ribeiro e doutros máis lugares deste río que suca unhas terras cheas de engado e de historia, denantes de pasar polo illó do Inquiao, en Remuíño, e se xuntaren as augas co Miño un pouco máis abaixo. O potenciamento deste percorrido debe ser parte dunha iniciativa, na que converxa o financiamento público e o privado que, dende o eido que agora o contemplamos, supoña concibir un proxecto global de restauración, promoción e posta en valor dunha serie de recursos do rico patrimonio tradicional adaptados aos novos tempos. Entre os elementos con valor estratéxico que cabe considerar, en relación co dito, susceptibles dunha intervención que os faga recobrar funcionalidade no presente están as adegas e os muíños, ben abundantes no tramo considerado desta conca fluvial. A isto debe engadírselle un programado e didáctico conxunto de rutas pola serra que teñan as minas como filón vertebrador, obviamente sen descoidar os múltiples elementos con valor etnográfico e arquitectónico das diferentes aldeas da contorna. Convén observar, en derradeiro termo, que estamos perante un marco xeogr fico que neste sentido conta con moitas potencialidades que é obrigado levar á práctica xa. Unha terra que leva sido obxecto de atención e de cultivo literario por parte de importantes escritores galegos de diferentes xeracións, como son de Otero Pedrayo, Méndez Ferrín ou Anxo Angueira. Un río que é natureza en estado puro para se mergullar nela con todos os sentidos. XOÁN CARLOS DOMÍNGUEZ ALBERTE 26 ARRAIANOS/ DE RÍOS.. / outono 05