Quantificação dos Benefícios Ambientais e Compensações Financeiras do Programa do Produtor de Água (ANA): II. Aplicação



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Quantificação dos Benefícios Ambientais e Compensações Financeiras do Programa do Produtor de Água (ANA): II. Aplicação Henrique Marinho Leite Chaves, Benedito Braga, Antônio Félix Domingues, Devanir Garcia dos Santos Agência Nacional de Águas-ANA - Brasília, DF hchaves@ana.gov.br, benbraga@ana.gov.br, felix@ana.gov.br, devanir@ana.gov.br Recebido: 06/11/03 - revisado: 13/05/04 - aceito: 20/08/04 RESUMO O presente trabalho trata da aplicação da metodologia desenvolvida para a quantificação dos benefícios externos e compensações financeiras do Programa do Produtor de Água, da ANA. Este Programa, voltado à conservação de mananciais estratégicos, tem como estratégia a certificação e o pagamento de uma compensação financeira a produtores rurais participantes, em bacias prioritárias, cujo valor é proporcional ao percentual de abatimento de sedimentação na bacia, e ao custo de implantação da prática ou manejo. Para exemplificar a utilização do método proposto, o mesmo foi simulado em uma bacia rural do Distrito Federal, onde há um manancial de abastecimento público. A bacia do ribeirão Pipiripau, com área total de 18.884 ha tem, como usos predominantes, a agricultura convencional (grãos), pastagens degradadas, agricultura irrigada, horticultura e fruticultura (pomares), bem como áreas de vegetação nativa (cerrado, campo e matas ciliares). A área média das propriedades na bacia é de 130 ha. Considerando-se a situação inicial de uso e manejo do solo, bem como a projetada, com a implantação do Programa e, supondo que todos os produtores participassem do mesmo, o abatimento médio da sedimentação na bacia seria de 73%. Em termos de benefícios externos à propriedade, a implantação do Programa triplicaria a vida útil do reservatório de captação existente, permitiria uma economia de 74% dos custos de tratamento de água, resultando em uma redução de 73% na carga de poluentes, tais como mercúrio e pesticidas. Em termos de investimentos, o Programa demandaria R$ 1,2 milhão, com um valor médio de R$ 89,00/ha. A simplicidade e robustez da metodologia proposta, bem como a facilidade da certificação da implementação das práticas e manejos em nível de campo, permitem que o Programa seja aplicado de forma descentralizada, por comitês de bacia, usuários de água ou associações de produtores rurais. Os aspectos teóricos e metodológicos do Programa foram apresentados em um outro trabalho, neste mesmo fascículo (Chaves et al., 2004). Palavras-chave: Programa Produtor de Água. Todo sacrifício individual instituído em prol do bem comum deve ser compensado. Princípio do Direito Alemão INTRODUÇÃO Apesar de programas de conservação de água e solo terem sido implementados com relativo sucesso no Brasil nos últimos anos, (Roloff & Bragagnolo, 1997), os mesmos foram concebidos sem considerar, de forma explícita, os benefícios ambientais e econômicos fora da propriedade (Boerma, 2000). Entretanto, os impactos offsite de fontes difusas, tais como a sedimentação, ameaçam muitos mananciais brasileiros, com prejuízos superiores a US$ 1,0 bilhão/ano (Hernani et al., 2002). Alguns desses mananciais são supridores de demandas prioritárias, tais como o abastecimento humano. Apesar de não haver na legislação brasileira de recursos hídricos um tratamento específico para a poluição difusa rural (Martini & Lanna, 2003), os aspectos de descentralização da gestão e de articulação da gestão dos recursos de solo e água, contidos na Lei No. 9.433/97, permitem que acordos sejam realizados entre usuários de água e produtores, visando sua mitigação. Por outro lado, os programas agro-ambientais mais eficazes são exatamente aqueles que consideram, a priori, os efeitos ambientais fora da propriedade, bem como os que utilizam incentivos financeiros proporcionais aos benefícios ambientais gerados (Claassen et al., 2001). Considerando esses aspectos, a Agência Nacional de Águas-ANA desenvolveu um programa voltado à conservação de mananciais estratéticos, onde os benefícios ambientais proprocionados por produtores participantes são, depois de devidamente certificados, compensados financeiramente, de forma proporcional ao abatimento da sedimentação na bacia. Este programa, intitulado Produtor de Água, foi desenvolvido seguindo as tendências atuais de programas agro-ambientais, ou seja, de aplicação voluntária, flexível e descentralizada. Em um outro trabalho, companheiro deste (Chaves et al., 2004), foram apresentados e discutidos os aspectos teóricos e metodológicos do Programa. O presente trabalho teve, por sua vez, o objetivo de exemplificar, através de uma simulação, a aplicação do 15

Quantificação dos Benefícios Ambientais e Compensações Financeiras do Programa do Produtor de Água (ANA): II Aplicação Programa à uma bacia hidrográfica rural do Distrito Federal, onde há um importante manancial de abastecimento. Neste manancial, o processo de sedimentação, além de aumentar consideravelmente os custos operacionais da estação de tratamento de água ali existente, chega a causar interrupções de abastecimento às cidades atendidas. Para facilitar a apresentação, o presente trabalho foi dividido nas seguintes etapas: i) Caracterização da bacia do ribeirão Pipiripau; ii) Simulação da aplicação da metodologia do Programa do Produtor de Água, e iii) Benefícios externos da implementação do Programa. CARACTERIZAÇÃO DA BACIA A bacia do Ribeirão Pipiripau, localizada na porção nordeste do Distrito Federal (Figura 1), possui, em seu exutório, um manancial de abastecimento, onde há uma estação de adução e tratamento de água (ETA-Pipiripau). Esta estação, da Companhia de Água e Esgotos de Brasília- CAESB, abastece as cidades de Planaltina e Sobradinho, cuja população é de 250.000 habitantes. A Figura 2 mostra o reservatório e a barragem de captação, operado a fio d água, com uma vazão derivada de 0,4 m 3 /s (CAESB, 2.000). Figura 1 - Localização da Bacia do Ribeirão Pipiripau no Distrito Federal A área de drenagem da bacia a montante da barragem de captação, cuja localização é 15 39'22" Lat. S e 47 35'54" Long. W, é de 18.884 ha. A bacia possui um relevo dominantemente plano a suave ondulado, com ligeiras rupturas de revelo causadas por falhas e outros lineamentos geológicos. A declividade média das vertentes da bacia é de 3,6%. Os solos predominantes são o Latossolo vermelho-escuro argiloso, o Cambissolo distrófico, Areias quartzosas álicas, o Latossolo vermelho-amarelo, e Solos Hidromórficos (CAESB, 2000). Os usos dominantes nas cerca de 100 propriedades da bacia são a agricultura convencional (grãos), pastagens, horticultura e fruticultura, com uma área total de 13.337 ha (71% da bacia). O manejo do solo é o convencional, sem preocupação com a manutenção da cobertura do solo nas áreas agrícolas, ou práticas mecânicas. A maioria das pastagens se encontra degradada, evidenciada por falhas na cobertura do solo, presença de plantas invasoras e indícios de erosão laminar. As áreas de reservas legais, formadas por vegetação nativa, somam 5.507 ha (29% da bacia). Esta última é composta por Cerrado e suas derivações, tais como: campo-cerrado, cerradão, mata ciliar, campo, e campo de murunduns (CAESB, 2000). A Figura 3 apresenta a distribuição dos principais usos do solo na bacia. A precipitação média anual na bacia é de 1.380 mm, e vazão média de longo prazo do ribeirão Pipiripau em seu exutório é de 1,65 m 3 /s. Como a maior parte dos produtores rurais da bacia não utiliza práticas e manejos conservacionistas, e como os solos são relativamente erodíveis, os mesmos sofrem um processo de erosão acelerada durante o período chuvoso (outubro a maio). O sedimento gerado nas glebas e fazendas é levado pelas enxurradas, chegando ao ribeirão Pipiripau. Na Figura 4 são apresentados dados de precipitação e turbidez da bacia, os quais evidenciam um severo processo de sedimentação na mesma. Os impactos da sedimentação fora das propriedades são múltiplos. Além dos custos adicionais de operação e manutenção da ETA-Pipiripau, tais como a diminuição da vida útil do reservatório e o maior custo de tratamento de água, durante alguns eventos chuvosos há interrupções no fornecimento de água, em função da elevada turbidez da água, e de concentrações de poluentes tóxicos e cumulativos, encontrados no rio acima dos valores toleráveis. Dentre estes estão o mercúrio e inseticidas organoclorados e organo-fosforados, com concentrações de 0,0005 µg/l, 0,023 µg/l e 10 µg/l, respectivamente (CA- ESB, 2000). SIMULAÇÃO DA APLICAÇÃO DO PROGRAMA DO PRODUTOR DE ÁGUA NA BACIA Considerando-se apenas as áreas antropizadas da bacia do Ribeirão Pipiripau como passíveis de implantação do Programa, bem como suas etapas e critérios metodológicos, a simulação seguiu cinco etapas básicas, conforme definidas por Chaves et al. (2004): 16

Figura 2 - Barragem e reservatório de derivação da ETA-Pipiripau (CAESB). Figura 3 Bacia do Rio Pipiripau Uso e Manejo do Solo 17

Quantificação dos Benefícios Ambientais e Compensações Financeiras do Programa do Produtor de Água (ANA): II Aplicação 240 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 jan-94 abr-94 jul-94 out-94 jan-95 abr-95 jul-95 out-95 jan-96 abr-96 jul-96 out-96 jan-97 abr-97 jul-97 out-97 jan-98 abr-98 jul-98 out-98 jan-99 Data Dados Pluviometricos (mm) Turbidez (ut) Figura 4 - Precipitação e turbidez da água na bacia do Ribeirão Pipiripau, no período entre Jan. 94 e Jan. 99 (Fonte: CAESB, 2000). 1. Obtenção, para cada um dos tipos de uso e manejo atuais da bacia, dos valores do parâmetro Z, conforme sugeridos por Chaves et al. (2004); 2. Estimativa dos valores de Z para os manejos e práticas conservacionistas mais indicados para cada tipo de uso do solo; 3. Cálculo do percentual de abatimento de sedimentação, para cada classe de uso, de acordo com a equação [1]; 4. Estimativa dos valores de pagamento incentivado para cada um dos tipos de uso da bacia, de acordo com as faixas propostas por Chaves et al. (2004); 5. Análise dos benefícios ambientais e dos custos de implantação do Programa. Assim, supondo que todos os cem produtores da bacia viessem a participar do Programa, e que os mesmos permanecessem com o mesmo tipo de uso do solo, apenas adotando os manejos e práticas conservacionistas apropriados, teríamos as seguintes modificações: As áreas de agricultura convencional (sequeiro e irrigada) passando para a agricultura sob plantio direto, através do uso de herbicidas sistêmicos e plantio feito diretamente sobre as ervas e resteva, com maquinário apropriado (Derpsh, 2002); As áreas de pastagem degradada dando lugar à pastagem recuperada, através de preparo do solo, adubação verde e replantio de gramínea, em sistema de plantio direto (Bonamigo, 1999); As áreas de fruticultura, sob cultivo convencional, passando para o manejo conservacionista, com a manutenção da cobertura do solo (mulch) e terraços em nível (Bertoni & Lombardi Neto, 1990); As áreas de hortaliças convencionais dando lugar a canteiros em nível, com terraços. A Tabela 1 lista os diferentes tipos de uso do solo da bacia, e os respectivos valores de Z o (antes) e Z 1 (depois de implantado o Programa). O horizonte de implantação do Programa é de 4 anos. Por questões de facilidade e espaço, ao invés de realizar a estimativa do abatimento de erosão e de sedimentação por propriedade individual, como seria o caso do Programa na prática, este cálculo foi feito por tipo de uso do solo. Para tanto, supôs-se que propriedades com mesmo tipo de uso teriam performances ambientais semelhantes. Assim, o percentual de abatimento de erosão e sedimentação (P.A.E.) para cada tipo de uso foi calculado pela seguinte equação: P.A.E. (%) = 100 (1 Z 1/Z 0) [1] A derivação da equação [1], bem como as suposi- 18

ções relativas ao abatimento da sedimentação, encontramse no artigo teórico, companheiro deste (Chaves et al., 2004). Tabela 1 - Tipos de uso e manejo da bacia do Ribeirão Pipiripau, e respectivos valores do parâmetro Z, antes (Z 0) e depois (Z 1) da implantação do Programa. Tipo de Uso e Área % Z 0 Z 1 Manejo (ha) Agricultura 8.004 60 0,25 0,03 (grãos) Pastagem 4.565 34 0,25 0,12 Hortaliças 547 4 0,50 0,25 Pomares 133 1 0,37 0,11 (fruticultura) Agric. Irrigada 128 1 0,25 0,03 (grãos) Total 13.377 100 A Tabela 2 apresenta os percentuais de abatimento de erosão e de sedimentação (PAE) esperados pela adoção das práticas e manejos conservacionistas, bem como os respectivos valores de pagamento incentivado aos produtores participantes (VPI). Tabela 2 - Percentuais de abatimento de erosão esperados em cada um dos usos da bacia do R. Pipiripau Tipo Uso de Área (ha) Z 0 Z 1 PA E (%) VPI R$/h a Agricultu ra (grãos) 8.004 0,25 0,03 88 100 Pastagem 4.565 0,25 0,12 52 75 Hortaliças 547 0,50 0,25 50 50 Pomares (fruticult.) 133 0,37 0,11 75 70 Agric. 128 0,25 0,03 100 Irrig. 88 Média Ponderada= 73 89 Conforme indica a Tabela 2, o percentual esperado de abatimento de erosão e sedimentação variou de 50 a 88% em função do tipo de uso, com uma média ponderada de 73% na bacia. Conforme sugerido por Chaves et al. (2004), os valores dos incentivos financeiros, proporcionais aos abatimentos de erosão, variaram de R$ 50 a R$ 100/ha, com um valor médio ponderado de R$ 89/ha. Considerando que o tamanho médio das propriedades é de 130 hectares, o valor médio a ser pago a cada produtor participante seria de R$ 11,6 mil. Em termos globais, o pagamento incentivado somaria R$ 1,19 milhão, a serem pagos durante o horizonte de implantação do projeto. BENEFÍCIOS EXTERNOS DA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA Os resultados da simulação indicam que, se a maioria dos produtores rurais de uma bacia como a do Ribeirão Pipiripau participasse de um programa agroambiental como o Produtor de Água, os ganhos ambientais fora da propriedade seriam consideráveis. Conforme indica a Tabela 2, um valor médio de 73% de abatimento de erosão, e conseqüentemente, de sedimentação, poderia ser obtido, relativo à condição inicial. Considerando que a vida útil remanescente (T, em anos) de um reservatório é dada por (Carvalho et al., 2000): T = V u / V s [2] onde V u (m 3 ) é o volume útil remanescente do reservatório, e V s (m 3 /ano) é o volume de sedimento anual retido no reservatório. Supondo que não houvesse modificação na eficiência da retenção do reservatório nem na composição do sedimento afluente, e dividindo a vida útil antes (T 0) pela vida útil depois da implantação do Programa (T 1), teríamos: T 0 / T 1 = (V u/v s0) / (V u/ 0,27 V s0) [3] O coeficiente 0,27 (ou 27%) resulta do abatimento de 73% da sedimentação, sob a nova condição. Simplificando a equação [3], teríamos: T 1 = 3,7 T 0 [4] ou seja, a vida útil remanescente do reservatório depois de implantado o Programa seria 3,7 vezes superior à vida útil na condição anterior. Benefícios relativos à qualidade da água também seriam significativos, com a implantação do Programa. Considerando que a quantidade de sólidos em suspensão no rio durante eventos erosivos é uma função linear da erosão média na bacia a montante, ou seja (USDA-NRCS, 1983): S.S. = K s. A [5] onde S.S. (t/ha) é a quantidade média de sólidos em suspensão, A (t/ha) é a perda de solo média na bacia, e K s uma constante menor que 1. Considerando que o abatimento de erosão após a implantação do Programa foi de 73%, teríamos SS 1= 0,27 SS 0, ou seja, o valor médio dos sólidos em suspensão após a implantação do Programa 19

Quantificação dos Benefícios Ambientais e Compensações Financeiras do Programa do Produtor de Água (ANA): II Aplicação seria 27% do valor de SS da condição anterior. Reduções semelhantes foram obtidas em pequenas bacias hidrográficas rurais após a implementação de um programa de conservação do solo no Estado do Paraná (SEPLAN-PR, 2003). Partindo-se de uma avaliação dos benefícios ambientais deste programa, onde os custos operacionais de tratamento de água em micro-bacias de abastecimento passaram de US$ 7,5 para US$ 1,7 por 10.000 m 3 de água tratada, em função da redução de 66% da erosão original (SEPLAN-PR, 2.003), teríamos, para a ETA-Pipiripau, uma redução de 74% dos custos de tratamento de água. Uma vez que a carga de poluentes transportados pelo sedimento é diretamente proporcional à taxa de erosão e sedimentação (McElroy et al., 1976; Helling et al., 1971), um abatimento de 73% da erosão do solo, em função da implantação do Programa, deveria resultar em um abatimento na poluição de origem difusa. Assim, considerando que a sedimentação média na bacia, com a implantação do Programa (Y 1) seria 27% da sedimentação na condição anterior (Y 0), teríamos, depois de dividirmos a carga de poluentes após a implementação do Programa (Y i1) pela carga na situação anterior (Y i 0): Y i 1 /Y i 0 = Y 1 /Y 0 = 0,27 [6] Ou seja, a carga de poluentes, transportados pelo sedimento após a implantação do Programa, seria 27% daquela na situação anterior. Considerando que em algumas épocas do ano as concentrações observadas de mercúrio, de organo-clorados e de organo-fosforados na água do Ribeirão Pipiripau atingem valores superiores aos toleráveis para abastecimento urbano (CAESB, 2000), a redução da carga poluidora, em função do abatimento de sedimentação, diminuiria consideravelmente os riscos de contaminação da água e, conseqüentemente, da população atendida. A redução dessa carga poluente também proporcionaria benefícios para a ictiofauna do Ribeirão Pipiripau. Além disso, reduções significativas na turbidez da água, que são bastante elevadas na bacia (Figura 4) aumentariam significativamente as chances de sobrevivência e reprodução dos peixes daquele rio (Lloyd, 1987). CONCLUSÕES Se aplicado a uma bacia rural supridora de água, como a do Ribeirão Pipiripau (DF), o Programa do Produtor de Água aportaria benefícios significativos, destacando-se: Um aumento de 3,7 vezes na vida útil remanescente do reservatório de captação da ETA- Pipiripau; Uma redução de 74% dos custos de tratamento de água; Redução da ordem de 70% da poluição da água por mercúrio e inceticidas organo-clorados e organo-fosforados; Redução significativa dos riscos de interrupção de abastecimento de água; Redução dos riscos de contaminação da população das cidades de Planaltina e Sobradinho por poluentes altamente tóxicos e cumulativos; Redução da sedimentação e da poluição do Rio São Bartolomeu, do qual o ribeirão Pipiripau é a- fluente; Melhoria das condições de sobrevivência da ictiofauna local. Por sua vez, as compensações financeiras aos produtores, geralmente tomadas como custos de projeto, também gerariam benefícios importantes, tais como: Aumento das produtividades agrícola e pecuária, através do melhor manejo do solo e da água; Aumento da renda da atividade rural; Diminuição das perdas de solo nas glebas, aumentando assim a sustentabilidade da produção; e Melhoria da auto-estima dos produtores rurais participantes, pelo reconhecimento de seu papel na gestão dos recursos hídricos regionais. Considerando que o investimento na bacia em tela seria da ordem de R$ 1,2 milhão, os benefícios ambientais e econômicos acima expostos certamente cobririam os custos, uma vez que os benefícios, ao contrário dos custos, seriam continuados. A simplicidade e robustez da metodologia, dada pela estimativa relativa, e não absoluta, dos níveis de abatimento de sedimentação, bem como a facilidade da certificação da implementação das práticas e manejos em nível de campo, através de fichas-padrão (ANA, 2003), permitem que o Programa seja aplicado de forma descentralizada, como resultado de acordos entre produtores, comitês de bacia, e setores usuários (Martini & Lanna, 2003). A metodologia permite também que metas ambientais locais (abatimento de erosão na propriedade) sejam calculadas em função de metas globais (abatimento de sedimentação na bacia), estabelecidas a priori, através de cálculo retroativo e ponderado. Um abatimento médio da erosão e da sedimentação de 73%; 20

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