Reconhecimento de Paternidade a posteriori: efeitos nos contratos onerosos entre ascendentes e descendentes



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Transcrição:

Reconhecimento de Paternidade a posteriori: efeitos nos contratos onerosos entre ascendentes e descendentes Luiz Fernando Pimenta Gil A procriação é um fato natural. Todo ser humano possui um pai e uma mãe, ainda que tenha sido utilizada a fertilização assistida 1. Não se pode olvidar que a filiação é um fato jurídico do qual decorrem inúmeros efeitos. Os filhos de pais casados não precisam ser reconhecidos em decorrência da presunção de paternidade estabelecida no direito material. Entretanto, o filho havido fora do casamento não é beneficiado pela presunção legal de paternidade. Necessário que busque o vinculo jurídico de parentesco através do reconhecimento, que pode ser voluntário, também denominado perfilhação, conforme estabelecido no artigo 1.609 do Código Civil, ou judicial, através de ação de investigação de paternidade. Independente da forma, o reconhecimento é irrevogável e produz inúmeros efeitos de ordem patrimonial e moral. Dentre eles, destaca-se o estabelecimento da relação jurídica de parentesco entre pai e filho. De acordo com o tratadista de direito civil Caio Mário da Silva Pereira, os efeitos do reconhecimento, embora se produzam a partir do momento de sua realização, são, porém, retroativos ou retrooperantes (ex tunc), gerando as suas consequências, não da data do ato, mas retroagindo até o 1 Cf. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2005. p. 243.

dia do nascimento do filho, ou mesmo de sua concepção, se isto condisser com seus interesses 2. Mas como ficam os aqueles atos regularmente consumados e que dependem do consentimento expresso dos outros descendentes, como o caso de venda de ascendente a descendente, quando realizados antes do reconhecimento da paternidade, considerando os efeitos retrooperantes do reconhecimento da paternidade e a redação do artigo 496 do Código Civil que assim dispõe: É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido? A questão não é pacífica. Sustentando a validade do ato, a doutrinadora Maria Helena Diniz, preleciona que Os descendentes, cuja anuência se exige, são os herdeiros necessários do alienante ao tempo da celebração do contrato; logo, se a venda se deu antes do reconhecimento da filiação, o reconhecido não poderá invalidá-la (RT, 606:231), por não ter consentido naquele negócio 3. Caio Mário da Silva Pereira também interpreta o citado dispositivo na mesma linha de raciocínio acima exposto: Os descendentes, a cujo consentimento se requer, são os herdeiros necessários ao tempo do contrato, vale dizer, os mais próximos em grau, salvo o direito de representação; e não se excluem os havidos fora do matrimônio, que, para efeitos sucessórios todos equiparam. Os não reconhecidos no momento da venda não têm de ser ouvidos, porque somente o ato de 2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 31. 3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 184.

reconhecimento tem o feito de converter uma situação fática em status jurídico 4. Não diferentes as palavras Débora Gozzo: A partir do momento em que o filho é [...] reconhecido, [...] não há que se cogitar da desnecessidade do seu assentimento quando da realização da venda entre ascendente e descendente [...]. Todavia, a sua anuência só será exigida se o seu reconhecimento tiver ocorrido antes da celebração do contrato. Se assim não fosse, provocar-se-ia uma instabilidade deveras prejudicial ao tráfico dos negócios jurídicos, realizados em sociedade. Este é o motivo pelo qual, embora o reconhecimento produza efeitos ex tunc, ele não poderá atingir uma situação jurídica perfeita anterior à sua declaração 5. Sobre essa matéria, Carlos Roberto Gonçalves, citando decisão do Supremo Tribunal Federal, informa que a norma do artigo 496 do Código Civil, que reproduziu o artigo 1.132 do extinto Código de Bevilácqua, apenas se refere aos descendentes existentes, aos que se achavam nessa situação no momento da venda. Afirmou a aludida corte, ancorada na lição de Francisco Morato: [...] não se refere nem pode referir-se aos que ainda não nasceram, nem tampouco aos que, embora nascidos, não estiverem de fato e de direito na posse do estado de descendentes; pelo que os atos regularmente consumados com a anuência dos descendentes existentes não se invalidam; pela superveniência de filhos ilegítimos, por ato espontâneo dos pais ou por sentença 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 114. 5 GOZZO, Débora. Ação de nulidade de venda a descendente. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 35.

judicial em ação de investigação de paternidade. Não seria possível exigir, como requisito formal de um ato, o consentimento de filhos que ainda não eram filhos em face do direito e que, portanto, não podiam ser chamados a se manifestar. 6 Verifica-se com clareza que é indispensável que o parentesco visado pelo texto do artigo 496 exista na data da venda. Segundo essa corrente, o reconhecimento a posteriori não poderá atingir negócios pretéritos, pois, como dito, não pode alcançar os atos que se tornaram perfeitos, uma vez que realizados segundo às exigências da época. Se assim não fosse, como ficariam a certeza, a segurança e a estabilidade dos negócios jurídicos? A propósito, em brilhante voto, o Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Dr. Mauro Soares de Freitas, a respeito da matéria ora debatida, assim se manifestou: ementas ora colacionadas: [...] tem-se que a venda do imóvel realizou-se tendo como partes ascendente e descendentes. Assim, para que o ato seja válido, necessário o consentimento dos demais descendentes, conforme determinação legal. Na compra e venda em questão, houve o consentimento além dos demais requisitos para a validade do ato jurídico. Conforme disposto pelo julgador a quo, à época do negócio, o apelante ainda não era reconhecido como filho do falecido, o que inviabilizaria o seu consentimento. Em sendo assim, não há que se falar em anulação do negócio realizado vez que se configura ato jurídico e perfeito. Os Tribunais também têm se manifestado a respeito, conforme 6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 211.

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ANULAÇÃO - ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1132 DO CÓDIGO CIVIL ANTERIOR - AUTORAS QUE FORAM RECONHECIDAS COMO DESCENDENTES DO VENDEDOR APÓS A REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO INTENÇÃO FRAUDULENTA QUE NÃO PODE SER DESDE LOGO PRESUMIDA - PAGAMENTO DO PREÇO QUE FOI ANOTADO NA ESCRITURA DE VENDA - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM DE FORMA VEEMENTE A SIMULAÇÃO DO ATO - AÇÃO IMPROCEDENTE - RECURSO IMPROVIDO. (TJSP - APELAÇÃO CÍVEL n 066.283-4/8 - Rel. ELLIOT AKEL) COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - Anulação de escritura pública - Impossibilidade - Autores que tiveram a paternidade reconhecida após o negócio jurídico - Falta de prova da simulação Ação julgada improcedente - Sentença confirmada - Apelo não provido. (TJSP - APELAÇÃO CÍVEL n 133.616.4/1 - Rel. Alexandre Germano) Nota-se que se o negócio jurídico cumpriu todas as exigências legais da época em que se consumou, não há que se falar em anulação, em prestígio ao principio da segurança jurídica e ao ato jurídico perfeito. O reconhecimento posterior de filho não é causa para anular a compra e venda realizada entre ascendente e descendente, uma vez que, enquanto não reconhecido o filho, não seria possível exigir como requisito formal o seu consentimento, pois não eram filhos em face do direito e, por conseqüência, não podiam ser chamados a se manifestar 7. Não obstante, o entendimento esposado não é incontestável. O próprio Supremo Tribunal Federal exarou entendimento de que o reconhecimento de paternidade tem efeitos retroativos ao momento do nascimento do 7 Cf. RE 103.513-MG, rel. Min. Francisco Rezek, DJU. 21-3-1986.

filho (com eficácia ex tunc). Assim, a venda de ascendente a descendente, para ser válida, precisa da concordância de todos os descendentes, e isso demonstra que o negócio jurídico, efetivado sem consentimento do filho reconhecido judicialmente, ainda que tenha sido a posteriori, deve ser anulado. Essa proibição, segundo entendimento sustentado por essa corrente, é para resguardar o princípio da igualdade das legítimas contra a defraudação que resultaria de dissimular, sob a forma da compra e venda, uma doação que beneficiaria a um em prejuízo dos outros. Por todo o exposto, deve-se ter em mente que o efeito retrooperante sempre merece limitações, considerando as situações jurídicas constituídas segundo as regras vigentes ao momento em que se consumaram, tudo em prestigio à proteção legal concedida às situações jurídicas, ao ato jurídico perfeito e notadamente à segurança jurídica ou estabilidade das relações jurídicas que deve sempre prevalecer. A segurança jurídica é um direito fundamental que se caracteriza pela normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático-jurídica, tudo em respeito a realidades consolidadas. Anular ou revogar ato praticado segundo as regras e à realidade do momento apenas em nome da restauração da legalidade ou da melhor satisfação do interesse público nem sempre é o que deve ser feito. É importante que o aplicador do direito afaste os possíveis desvirtuamentos legislativos e passe a utilizar o melhor método hermenêutico na subsunção da norma ao caso para a busca da verdadeira justiça. Bibliografia DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2006.

GOZZO, Débora. Ação de nulidade de venda a descendente. São Paulo: Saraiva, 1988. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil Rio de Janeiro: Forense, 2005.. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos.rio de Janeiro: Forense, 1985. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2005.