ESTUDO DOS IMPACTOS SOBRE MICROCLIMAS DA MICROBACIA DO RIACHO DO BOQUEIRÃO (SOBRAL CE)



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Transcrição:

Autoria: Lauro Pessoa Maia Júnior Mestrado Acadêmico em Geografia MAG Universidade Estadual do Ceará UECE Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Des. Científico e Tecnológico FUNCAP lauropmj@bol.com.br Coautoria / Orientação: Dra. Isorlanda Caracristi Professora do Curso de Geografia da Universidade Estadual Vale do Acaraú UVA Professora do Mestrado Acadêmico em Geografia MAG / UECE icaracristi@hotmail.com ESTUDO DOS IMPACTOS SOBRE MICROCLIMAS DA MICROBACIA DO RIACHO DO BOQUEIRÃO (SOBRAL CE) 1 INTRODUÇÃO Apesar de seu caráter intangível, o clima pode ser considerado como um recurso natural, assim como afirmam Santos (2000) e Ayoade (1996). Na medida em que se reconhece os padrões que caracterizam a manifestação do tempo, o clima passa a representar uma espécie de reserva relativamente confiável, para um dado lugar, do seu conjunto típico dos atributos e fenômenos atmosféricos, muitos dos quais fundamentais à sobrevivência humana e à estrutura organizacional da sociedade atual. Isto significa que o clima (AYOADE, 1996) configura-se num aspecto natural de primeira importância, relacionado não apenas ao bem-estar fisiológico do Homem, mas também a grande parte das atividades que este desenvolve, tais como a agropecuária, indústria, transportes, telecomunicações, dentre outras. Concorrendo para a confirmação da relevância assumida pelo clima, está o fato de sua estreita relação com a oferta de recursos hídricos. O reflexo desta relação pode ser expresso no grau de disponibilidade de água para necessidades das mais importantes, dentre elas, o abastecimento humano, irrigação e a produção de energia (TUCCI; BRAGA, 2003). Afora esta forte vinculação ao recurso hídrico, o clima ainda é considerado como um agente condicionante da dinâmica ambiental, posto que desencadeia toda a série de processos que levam à esculturação do relevo, formação dos solos, além do desenvolvimento e distribuição de animais e plantas (SANTOS, 2000). Não obstante a influência que o clima exerce sobre considerável parcela das atividades humanas, as interações que se estabelecem entre estes dois elementos também conduzem a interferências atuantes em sentido contrário, ou seja, que determinam alterações 1

no clima, a partir de ações antropogênicas (AYOADE, 1996). Em se tratando de impactos, a categoria climática de maior vulnerabilidade corresponde à dos microclimas, a qual mais sofre alterações pela ação depredatória do Homem (BOTELHO, 1994). Partindo dessas considerações, este trabalho pretende analisar os impactos ocorrentes sobre os microclimas do sistema ambiental formado pela microbacia do Riacho do Boqueirão, espaço submetido a um progressivo processo de desmatamento. A referida microbacia (correspondente a uma sub-bacia, em relação à bacia do Rio Acaraú) situa-se no noroeste do estado do Ceará, com os seus 111 km2 divididos entre os municípios de Sobral, Meruoca e Alcântaras (Figura 1). A maior parte de sua área (alto e médio cursos) está inserida no maciço residual úmido da Serra da Meruoca, identificado por Souza e Oliveira (2006) como um batólito granítico desnudado, cujos topos situam-se num nível médio de 750 m de altitude. Ainda segundo os autores, sua cobertura vegetal primária é constituída por uma floresta subperenifólia pluvionebular, atualmente bastante degrada devido ao desmatamento realizado sem critérios conservacionistas. O clima é predominantemente quente e úmido, com precipitações no verão e outono, cujas médias anuais superam os 1600 mm, para as cidades de Alcântaras e Meruoca, situadas no platô do maciço (SILVA, 1990 apud SOUZA; OLIVEIRA, 2006). No interior desse compartimento rochoso, a microbacia do Boqueirão conforma um vale em forma de V, profundamente entalhado. Em seu fundo plano, predominam as atividades relativas à pecuária e agricultura, sendo esta última praticada até mesmo sobre as vertentes íngremes. A jusante, o baixo-curso situa-se sobre uma estreita faixa dos terrenos rebaixados da depressão sertaneja, ocorrente entre o sopé da Serra da Meruoca e a planície fluvial do Rio Acaraú (onde deságua o riacho). Toda esta área é submetida ao clima semiárido, sendo sua cobertura vegetal originalmente representada pela caatinga e pela mata ciliar. No entanto, o conjunto dessa vegetação já foi praticamente destruído, dando lugar ao sitio urbano de Sobral e às áreas reservadas à sua futura expansão. Diante desse quadro de degradação, a ocorrência de impactos sobre os microclimas da área em estudo é bastante provável. Para a verificação dessa hipótese, serão aqui empregados os já mencionados conceitos de sistema ambiental, microbacia e microclima, todos fundamentados no paradigma representado pela Teoria Geral dos Sistemas. Um sistema ambiental corresponde, segundo Christofoletti (1999, p. 37), à [...] 2

organização espacial resultante da interação dos elementos físicos e biológicos da natureza [...], que se configura em [...] uma expressão espacial na superfície terrestre, 3

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Figura 1 Mapa de localização / altimétrico da microbacia do Riacho do Boqueirão. Fonte: Oliveira (2009). 5

funcionando através da interação areal dos fluxos de matéria e energia entre os seus componentes. Quanto à categoria de microbacia, esta diz respeito a bacias de tamanho menor, que justamente por este fato, adéquam-se de maneira mais eficaz às necessidades de ordem logística, as quais sempre acabam por restringir a abrangência dos trabalhos de caráter ambiental (BOTELHO, 1999; BOTELHO; SILVA, 2007). Finalmente, emprega-se o conceito de microclima, que é concernente ao clima da camada de ar junto ao solo, e relaciona-se às [...] diferenças horizontais em pequenas áreas, causadas pelas diversas características do solo e sua humidade, por diferenças mínimas de declive do solo e pelo tipo e altura da vegetação que o cobre (GEIGER, 1990, p. 6). 2 OBJETIVOS Objetivo geral: Analisar os impactos da degradação do ambiente sobre a dinâmica microclimática do sistema ambiental representado pela microbacia do Riacho do Boqueirão. Objetivos específicos: a) analisar os modos pelos quais os diferentes aspectos ambientais condicionam a dinâmica de determinados microclimas manifestados na microbacia; b) examinar as interações dessa dinâmica com os processos atrelados às atividades humanas aí desenvolvidas, ressaltando os impactos decorrentes; c) propor medidas de mitigação dos impactos negativos, visando a uma utilização racional do referido sistema ambiental. 3 METODOLOGIA Uma consideração inicial é necessária. A análise da evolução dos microclimas desde estágios anteriores aos processos de degradação até o momento atual demandaria a oferta de dados relativos a todo esse período, e ainda gerados em escala espacial compatível. Como não se dispõe de algo dessa natureza, optou-se, a partir da obtenção própria de dados, pela comparação entre os microclimas de espaços próximos, sendo um desses espaços submetido à degradação, e o outro com suas condições naturais mais preservadas. 6

A microbacia foi dividida em três setores, cada qual representando um grupo diferente de microclimas, gerado a partir das condições ambientais específicas de cada setor. O primeiro setor (identificado como A ) é concernente aos terrenos rebaixados da depressão sertaneja; o segundo (B), corresponde às áreas do profundo vale em forma de V ; enquanto o terceiro (C) relaciona-se às porções mais elevadas, situadas nas adjacências dos platôs do maciço residual. Equivaleriam, respectivamente, às áreas do baixo, médio e alto cursos da microbacia. Em cada setor foram instalados dois postos meteorológicos, recebendo a identificação 1 aqueles colocados em espaços degradados, e 2 os estabelecidos em locais menos degradados, segundo a sistemática de comparação já mencionada. Cada posto foi dotado dos seguintes instrumentos analógicos: pluviômetro, termo-higrômetro e termômetro de máxima e mínima. O conjunto desses equipamentos é padronizado, como também o são os abrigos que os protegem, todos produzidos em madeira e pintados com a cor branca (Figura 2). 7

Figura 2 Exemplar de abrigo meteorológico e seus instrumentos. O registro dos dados iniciou-se no dia 04 de março de 2010, pretendendo-se que ocorra até o final do mês de setembro do mesmo ano, o que basicamente compreende as estações de outono e primavera, períodos de máximas e mínimas precipitações sobre o Nordeste brasileiro, respectivamente. O procedimento de registro é realizado por moradores locais treinados, sendo as medições efetuadas diariamente às 09 horas (tomando como referência o horário de Brasília). O método análise dos dados está fundado no entendimento do ritmo climático, correspondente ao [...] encadeamento, sucessivo e contínuo, dos estados atmosféricos e suas articulações no sentido de retorno aos mesmos estados (MONTEIRO, 1976, p. 30). Serão também considerados os esclarecimentos complementares apresentados por 8

Mendonça e Danni-Oliveira (2007), acerca da matéria. Todo o conjunto de dados obtidos será ainda confrontado com mapas temáticos da microbacia (em processo de elaboração). Tais mapas indicarão, dentre outros aspectos, a porcentagem de cobertura vegetal de cada um dos setores aqui definidos. 4 RESULTADOS PRELIMINARES O processo de obtenção dos dados encontra-se numa fase inicial. Até o momento (junho de 2010), dispõe-se das informações relativas aos meses de março, abril e maio. Em função do muito curto período de observação, ainda não é possível a realização de análises mais conclusivas. Entretanto, considera-se que algumas tendências de comportamento dos diferentes microclimas já podem ser identificadas. Os gráficos 1, 2 e 3 apresentam as séries de dados referentes à precipitação sobre os diferentes setores, e às temperaturas máximas e mínimas para cada posto meteorológico. A representação gráfica das séries de temperatura expõe em tons de vermelho as informações relativas aos postos situados em locais mais degradados, e em tons de verde, as mensuradas nos ambientes mais preservados de cada setor. Algumas interrupções em séries de temperatura do setor A decorrem da ausência de dados, gerada no período entre a ocorrência de defeitos nos instrumentos e sua substituição. Os dados coletados sobre umidade do ar não foram incluídos e apresentados em gráficos neste trabalho, porém serão lançados em etapa seguinte, na fase de conclusão da pesquisa. Uma comparação geral entre todos os setores mostra que o início do período chuvoso (retardado, neste ano, em função da ocorrência do fenômeno El niño) promoveu uma redução nas amplitudes térmicas diárias, a partir do rebaixamento das temperaturas máximas. Nos setores A e B, logo após a diminuição nos valores de precipitação, nota-se uma tendência de crescimento das amplitudes térmicas. O mais significativo aumento ocorre no posto A1, situado nos arredores da cidade de Sobral, e representante dos espaços mais degradados da microbacia. Já o setor C, localizado nas porções mais elevadas e, de maneira geral, mais preservadas, não apresentou a mencionada tendência de crescimento das amplitudes térmicas imediatamente após a diminuição das chuvas. 9

A comparação específica entre os dois postos meteorológicos de um mesmo setor indica que o comportamento dos microlimas estudados manifesta-se de uma maneira mais particular, no interior de cada um dos setores. 10

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Gráficos 1,2 e 3 Precipitação e temperaturas máximas / mínimas (todos os setores). Nos postos do setor A, a frequência de dias nos quais a temperatura máxima foi superior no posto A1 é semelhante à frequência em que foi superior no posto A2, ou seja, não há uma predominância da ocorrência de dias relativamente mais quentes sempre em um determinado posto. Entretanto, os maiores extremos nas temperaturas máximas (picos superior e inferior) ocorreram no posto A1. A falta do controle térmico exercido pela vegetação pode ocasionar esta maior amplitude nas temperaturas máximas deste posto. Quanto às temperaturas mínimas, verifica-se que estas são frequentemente maiores no posto A2, como consequência do mencionado fenômeno de controle térmico, que pode ocorrer aqui. Este posto está localizado nas proximidades de uma área de pé-de-serra, com vegetação ainda preservada. A presença de cobertura vegetal, e o consequente aumento na umidade relativa do ar que proporciona, impedem tanto o excessivo aquecimento durante o dia, quanto a demasiada perda de calor durante a noite. Torna-se necessário ressaltar que o posto A1 situa-se em plena depressão sertaneja, enquanto o A2 foi implantado na transição entre este espaço e as vertentes da Serra da Meruoca. Isso se deveu à inexistência de espaços preservados na área de abrangência da depressão, no interior da microbacia. Quanto ao setor B, parece haver outros processos que se sobrepõem à manifestação do fenômeno de controle térmico por parte da vegetação. As temperaturas máximas do posto B1 (área desmatada), foram quase que constantemente inferiores às máximas de B2 (área vegetada), ao passo que as mínimas do posto B1 foram rotineiramente mais elevadas que as de B2. Este fato poderia ser explicado por possíveis maiores velocidades do vento na área desmatada. Embora as máximas sejam superiores em B2, não seria correto afirmar que o microclima deste posto seja caracterizado por temperaturas mais elevadas, dado que suas temperaturas mínimas são inferiores às de B1. Porém, as amplitudes térmicas diárias de B2 têm sido visivelmente maiores. No que se refere à umidade relativa, esta apresentou valores e variações praticamente idênticos em ambos os postos, devido à maior proximidade entre os mesmos, quando comparada à situação do setor A. No setor C, os dois postos meteorológicos também se situam em locais relativamente próximos. Devido ao contexto geral de maior conservação da vegetação desse espaço, o desmatamento de caráter local no lugar de implantação do posto C1 não acarretou alterações pelo menos em grau compatível com a sensibilidade dos instrumentos nas 12

temperaturas máximas e mínimas aí registradas, quando comparadas às do posto C2 (circundado por vegetação preservada). A umidade relativa apresenta os índices mais elevados entre todos os microclimas estudados, e seus valores nos dois postos também não apresentam diferenciações significativas entre si. O conjunto dessas observações pode sugerir que, na escala dos microclimas analisados, a natureza dos impactos provocados pela ação humana pode assumir diferentes aspectos. A modificação dos padrões de comportamento dos valores temperatura e umidade relativa resulta, além das interferências humanas, da interação dessas interferências com as características geoambientais de caráter local e de escalas superiores. Como resultado dessas interações, no ambiente microclimático, são inúmeras as possibilidades de geração de novas e diferentes formas de comportamento ou organização dos fatores climáticos. A análise do modo de comportamento específico dos fatos estudados aqui demandará, portanto, mais tempo e uma maior quantidade de dados para a apresentação de considerações mais conclusivas. REFERÊNCIAS AYOADE, J. O. Introdução à Climatologia para os trópicos. Tradução de Maria Juraci Zani dos Santos. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. Título original: Introduction of Climatology for the tropics. BOTELHO, C. L. Estudos regionais e outros temas. Fortaleza: BNB, 1994. BOTELHO, R. G. M. Planejamento ambiental em microbacia hidrográfica. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S. da.; BOTELHO, R. G. M. (Org.). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. cap. 8, p. 269-300. BOTELHO, R. G. M.; SILVA, A. S. da. Bacia hidrográfica e qualidade ambiental. In: VITTE, A. C.; GUERRA, A. J. T. (Org.). Reflexões sobre a Geografia Física no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. cap. 6, p. 153-192. CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de sistemas ambientais. São Paulo: Edgard Blücher, 1999. GEIGER, R. Manual de Microclimatologia: o clima da camada de ar junto ao solo. Tradução de Ivone Gouveia, Francisco Caldeira Cabral e A. Lobo de Azevedo. 2. ed. 13

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. Título original: Das klima der bodennahen luftschicht: ein lehrbuch der Mikroklimatologie. MENDONÇA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I. M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2007. MONTEIRO, C. A. F. Teoria e clima urbano. 1976. 181 f. Tese (Livre-Docência) Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1976. OLIVEIRA, I. de P. Localização da bacia hidrográfica do Riacho do Boqueirão. Fortaleza, 2009. 1 mapa. Escalas variam. SANTOS, M. J. Z. dos. Mudanças climáticas e o planejamento agrícola. In: SANT ANNA NETO, J. L.; ZAVATINI, J. A. (Org.). Variabilidade e mudanças climáticas: implicações ambientais e socioeconômicas. Maringá: UEM, 2000. cap. 4, p. 65-80. SOUZA, M. J. N. de.; OLIVEIRA, V. P. V. de. Os enclaves úmidos e sub-úmidos do semi-árido do Nordeste brasileiro. Mercator, Fortaleza, n. 9, p. 85-102, 2006. Departamento de Geografia da UFC. Disponível em: <http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/view/91/63>. Acesso em: 09 mar. 2010. TUCCI, C. E. M.; BRAGA, B. Clima e recursos hídricos. In:. (Org.). Clima e recursos hídricos no Brasil. Porto Alegre: ABRH, 2003. cap. 1, p. 1-30. 14