DESCARACTERIZAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANETE EM MEIO URBANO CONSOLIADO



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Transcrição:

DESCARACTERIZAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANETE EM MEIO URBANO CONSOLIADO SUMÁRIO Luiz Paulo da Cunha 1 Caroline Vieira Ruschel 2 Introdução; 1 Contexto Histórico; 2 Áreas de drenagem, Faixa marginal de proteção com Área de Preservação Permanente; 3 Retificação de Cursos D água; 4 Estudo de caso - Ribeirão Schneider; Considerações finais; Referência das fontes citadas; Anexos RESUMO O objeto deste trabalho é vislumbrar a ocupação de áreas em nossas cidades tidas como de preservação, porém devido a ocupação, desenvolvimento e novas políticas e obras públicas de uso e ocupação do meio natural acabam por transformar esses espaços em locais onde a característica de preservação não faz mais sentido. Aplicação dessa hipótese será imputado ao estudo de caso numa gleba urbana sito justaposto à retificação do leito natural do Ribeirão Schneider, situado no Bairro Fazenda, na cidade de Itajaí-SC. Palavras-chave: Áreas de Preservação Permanente. Meio Urbano Consolidado. Retificação de canais. INTRODUÇÃO O Presente artigo propõe uma avaliação dos diversos dispositivos legais que incidem sobre os espaços descritos pelo artigo segundo o Novo Código Florestal, bem como avalia a aplicação dos limites ambientais determinados pelo dispositivo legal. A aplicação dos limites ambientais trazidos pela alteração do Código Florestal em áreas urbanas, com ocupação consolidada, é hoje um dos grandes desafios do Direito Ambiental, e fonte de discussões diversas. No Brasil, após quinhentos anos de ocupação, urbana e rural em áreas de várzeas, há apenas vinte anos temos uma legislação ambiental restritiva. A conciliação dessas circunstâncias fáticas com a preparação para o futuro de 1 Acadêmico do Curso de Direito da UNIVALI. E-mail: e-mail: elepece@gmail.com, tel: (047) 8422-3226. 2 Orientadora. Mestre. Professora do Curso de Direito da UNIVALI. E-mail: caroline.ruschel@univali.br 1365

obra. 3 Qualquer visita a essa propriedade evidenciava que ela não tinha nenhuma CUNHA, Luiz Paulo da; RUSCHEL, Caroline Vieira. Descaracterização de área de preservação permanente em nossas cidades é uma tarefa instigante para os órgãos ambientais, juristas, advogados, Ministério Público e Poder Judiciário. Abusos e exageros na defesa do meio ambiente passaram a acontecer, prejudicando o progresso econômico e social. Inúmeros casos tramitam no Judiciário. Alguns com sérias consequências para a coletividade. Sobre esse tema. Marc Dourojeanni, ambientalista e professor universitário (Peru), no artigo "Em nome da ecologia", veiculado no site de jornalismo ambiental "O Eco" (www.oeco.com.br), em 16/01/05, onde coloca que "nem todos os casos de abuso do nome da ecologia são minúcias. Um amplo trecho da estrada entre São Paulo e Curitiba foi paralisado por mais de um ano porque o trajeto por onde ia passar a estrada aninhava um casal de uma espécie de papagaio raro, ainda que não estivesse em perigo de extinção. Existiam, sem dúvida, várias alternativas "ecológicas" para esse problema, que teriam evitado o adiamento da obra. Muito pior é o caso de outro trecho dessa mesma estrada que não foi duplicado até hoje porque a proprietária do setor afetado alegou que sua terra era "Mata Atlântica". Suas queixas conseguiram impedir a importância ambiental nem valor "ecológico", sendo sua vegetação essencialmente formada por espécies florestais exóticas, frutíferas e ornamentais. A proprietária,, lutava muito bravamente por defender seu negócio e sua terra. O que não foi tão respeitável foi o apoio inapropriado que ela recebeu de alguns ambientalistas famosos que nunca visitaram o local, do Ministério Público e até da Justiça. Nesses anos todos, esse trecho não duplicado da estrada cobrou dezenas de vidas humanas e ocasionou prejuízos econômicos incalculáveis.". Por causa disso, a legislação ambiental deve ser interpretada com bastante técnica e razoabilidade, tudo por causa de um território nacional de dimensão continental, com biodiversidades infinitas, sem perder a ótica do desenvolvimento sustentável. Para o estudo de caso, temos que a obra hidráulica sofrida pelo Ribeirão Schneider, no idos de 1979-1981 denota claramente a hipótese lançada por este artigo. 3 MIRANDA, Anaiza Helena Malhardes. APP em área urbana consolidada. Boletim Eletrônico Irib. Nº 3230. Ano VIII. São Paulo, jan. 2008 1366

Como proposta de pesquisa: É factível a possibilidade de descaracterização de Área de Preservação Permanente no meio urbano consolidado? Como hipótese desse trabalho buscou-se no atual ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de descaracterização de área de preservação permanente em meio urbano consolidado, onde uma certa gleba urbana não mais se apresenta como APP, uma vez que suas funções e características originais se dissolvem, fruto de políticas públicas e a expansão das áreas urbanas. Para tanto, no primeiro capítulo será apresentada uma linha de tempo onde observa-se desde a gênese da ocupação do solo em nosso país até os eventos mais recentes sobre esse tema. Já no segundo capítulo, será abordado a retificação de cursos d água, bem como as benesses que essa prática acarreta. Aspectos jurídicos sobre as ocupações de faixas marginais e o entendimento d ordenamento jurídico sobre a existências ou não dessas área de preservação permanente. No quarto capítulo teremos a exposição do estudo de caso onde, no braço morto do Ribeirão Schneider, em Itajaí-SC e a aplicabilidade da hipótese deste artigo. Como método de pesquisa, utilizou-se o método dedutivo, já que partiu-se de um fato específico (caso concreto), para demonstrar a aplicabilidade, de maneira geral, por analogia, o mesmo caso a situações semelhantes. 1 OCUPAÇÃO DAS ÁREAS URBANAS NO BRASIL Segundo a história do urbanismo brasileiro, o mesmo originou-se de práticas oriundas dos povos Ibéricos, para os quais a ocupação dos topos de morro, das áreas ciliares e várzeas era uma situação mais do que normal, e determinada segundo os padrões urbanísticos e sanitários da era medieval e moderna. A ocupação dos topos de morro era uma constante naqueles povos, sendo indicada como questão de segurança para os antigos grupamentos urbanos, de forma que todas as cidadelas medievais apresentam fortificações em topo de morro. Nas áreas às margens de rios e lagoas a situação não difere. A constante busca pela água nas atividades domésticas e agrícolas, sempre 1367

levaram os povos a buscarem ocupação em locais onde os recursos hídricos eram fartos e mais facilmente captados. 4 Nos países da Península Ibérica, Portugal e Espanha, onde a cultura moura foi mais difundida, por força dos longos anos de dominação árabe, as questões sanitárias se juntaram às necessidades de captação hídrica. Para esses povos a dispersão de esgoto sanitário nas águas correntes era uma prática salutar, em contraposição às cidades de origem romana e anglo-saxônica, nas quais as ruas possuíam uma única sarjeta ao centro, por onde escorriam os efluentes despejados das moradias, tanto pelas portas quanto pelas janelas, quando não era raro ocorrer o despejo de urinóis e bacias pelas janelas dos sobrados, colhendo algum desatento transeunte na rua abaixo. 5 Essa falta de cuidado e de respeito com os transeuntes, era prática repugnante aos povos mouros, cônscios de suas responsabilidades coletivas, de maneira que as casas passaram a ser construídas cada vez mais próximas das águas correntes, com as janelas dos fundos voltadas para o rio, e a frente para a rua, de forma a facilitar a dispersão das águas servidas e urinóis. Dessa forma, as cidades brasileiras, em especial as que receberam maior influência ibérica em sua colonização, promoveram a ocupação do solo com suas casas construídas às margens dos rios, e de costas para eles, escondendo-o da paisagem, reforçando a ideia de insalubridade dos mesmos. Somente em algumas cidades brasileiras na Região Norte e naquelas que receberam maior influência anglo-saxônica e germânica na sua colonização, se pode verificar a adoção do corpo hídrico como elemento urbanístico, incorporado à paisagem. Em virtude desse legado cultural, junto dos erros e acertos do ordenamento jurídico par ao tema, consideraremos a partir deste ponto a retificação de corpos hídricos urbanos, como enfoque nos seus benefícios e consequências. 4 BENEVOLO, Leonardo. História da cidade.tradução de Silvia Mazza. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. 5 Pereira, Paulo Affonso Soares Rios, Redes e regiões: a sustentabilidade a partir de um enfoque integrado dos recursos terrestres. 1a. Ed. Porto Alegre: AGE, 2000p. p 22 1368

2 CONTEXTO TÉCNICO 2.1 Retificação de Cursos D água O rio transforma energia potencial em cinética, ou seja, deriva da energia potencial proveniente da precipitação nos divisores d água e a converte em cinética sendo dissipada na erosão e deposição de sedimentos do leito e margens, além do atrito em partículas do fluido e com o leito, evaporação, etc. Esta dissipação de energia resulta num aumento na entropia 6. As intervenções humanas locais no curso d água, como a retificação, interferem no conjunto de suas características locais e o rio no seu conjunto. Pode-se afirmar, de maneira geral, que não existem cursos d água naturais retilíneos mas sim meandrados, isto é, o rio procura o seu equilíbrio, que também é dinâmico, aumentando a extensão, erodindo, depositando e diminuindo, consequentemente, a sua declividade longitudinal. O curso d água retilíneo é instável. 7 Os alongamentos de traçado devido aos meandros podem ser consideráveis, resultando em acréscimos frequentes de 10 a 20% no comprimento, podendo, em alguns casos, ultrapassar os 100% em rios excessivamente serpenteados. A natureza oferece facilidades para que um curso d água mude de direção: Disposição geológica local, sedimentos, acidentes geológicos, acidentes naturais, como: queda de árvores, desbarrancamentos, ou artificiais, com a intervenção humana. O mecanismo de formação do meandro compreende a capacidade em erodir, transportar e depositar material do meio fluvial, especialmente em curvas onde o gradiente de velocidade, aliado à conformação física e geológica do leito, causa correntes secundárias com movimento rotacional contra as margens, originando 6 Leopold, Luna B., Wolman M. G., River Flood Plains, some observations on their formation, U. S.Geological Survey, Professional Paper 282-B, 1957p. p. 86 7 Chitale. Proceedings of the American Society of Civil Engineers, Jan., no 96, HY1, 1970 1369

processos erosivos e de deposição (o material é erodido da parte côncava, externa, transportado para jusante e depositado na parte convexa, interna). 8 Figura 1 - Corte transversal de rio - Detalhe / Esquema de erosão de margens. 9 Figura 2 - Linhas de fluxo na curva fluvial 10 8 Leopold, Luna B., Wolman M. G., River Flood Plains, some observations on their formation, U. S.Geological Survey, Professional Paper 291, 1957; p. 89 9 Linsley, Ray K., Franzini, Joseph B. Engenharia de Recursos Hídricos, 1964p. p. 161 10 Linsley, Ray K., Franzini, Joseph B. Engenharia de Recursos Hídricos, 1964p. p. 162 1370

Figura 3 - Processo de deposição e erosão nas curvas fluviais 11 Fargue, há três séculos, apresentou uma teoria para melhorar a navegabilidade do rio Garone (França), num trecho de 170km, com largura média de 10 a 150m, e capacidade de escoamento média e máxima de, respectivamente, 275 e 4.450m³/s (ordem de grandeza do rio Tietê, trecho urbano, São Paulo), definindo leis válidas para este rio de planície. Estas leis empíricas foram verificadas no Córrego de Bordeaux e validadas por métodos estatísticos recentes. A evolução de curvas meândricas pode ser esquematizada na figura a seguir e mostra o mecanismo de meandramento, com estágios de desenvolvimento do processo. 11 Linsley, Ray K., Franzini, Joseph B. Engenharia de Recursos Hídricos, 1964p. p. 162 1371

Figura 4 - Rio de meandro e retificação 12 Em linha geral, o canal retificado deve manter ou melhorar a relação hidráulica com o rio meandrado. Os estudos sobre meandros e retificação fluvial estão consolidados no exterior e datam do início do século XVIII, principalmente nos EUA. Retificar um rio, além da mudança geométrica do traçado, significa melhorar as condições de escoamento e estabilidade, possibilitar o rebaixamento da linha d água das cheias, viabilizar a navegação, recuperar o terreno marginal, etc. 13 A finalidade da retificação é: melhoria do traçado para a Navegação, Construção de Avenidas de Fundo de Vale ou Marginais, Recuperar o Terreno Marginal, Utilização da Várzea para a Agricultura Irrigada (rio São Francisco), Reversão (rio Pinheiros, SP), Utilização das Lagoas para Tratamento de Esgoto 12 Jamme, G. Travaux Fluviaux, 1974p. p. 86 13 Lencastre, Armando. Hidráulica Geral, Portugal, 1983p. p. 96. 1372

(São José dos Campos, SP), Aqüicultura, Controle de Cheias, Interligação de Sistemas de Reservatórios, etc. 14 A retificação pode ter um traçado retilíneo ou curvilíneo dependendo da sua finalidade e das características locais. O processo de retificação, devido ao dinamismo fluvial, ocorre na natureza, buscando o equilíbrio, no caso específico aumentando a declividade longitudinal. Observa-se na Figura 11 que é uma característica como produto da ação erosiva da hidrodinâmica fluvial, dado momento na existência do corpo hídrico onde meandros se encontrem, em direções opostas e produzam a retificação do leito original de maneira natural. Como produto dessa retificação natural, observa-se a formação dos chamado braço-moro, porção de terra originalmente delimitada pelo traçado original e depois de ocorrida retificação passa a ser delimitada pelo novo trecho de rio que a margeia. Considerando o acima exposto, sob o aspecto técnico, senão quando da própria ação hidráulica do rio, a alteração do seu(s) meandro(s) e consequente alteração do seu traçado, acarreta em um ganho na sua principipal funcionalidade: drenagem superficial. Conclui-se que, quando artificialmente produzida, essa retificação é detentora de muitos ganhos, ambientais e econômicos, o que torna simpática a disseminação dessa prática e aplicação no meio urbano e até mesmo fora deste. Logo será exposto, dentro da legislação vigente, solução ainda não muito difundida no país. 3 ASPETOS JURÍDICOS REFERENTES A OCUPAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM FAIXAS MARGINAIS DE PROTEÇÃO DE RIOS EM MEIO URBANO A preocupação com a contenção das ocupações em faixas marginais de proteção de rios e lagos, até a ultima década do Século XX, era uma preocupação de poucos, e, não obstante a existência de legislação que visava conter a 14 Ramos, Carlos Lloret. Erosão Urbana e Produção de Sedimentos. Drenagem Urbana, ABRH, 1995. 1373

implantação de construções nas margens dos rios, essas leis eram, simplesmente, a ser desconsideradas pelos Municípios. Já em 1934 o Código de Águas, timidamente, abraçou parte da questão, ao estipular um faixa de 15 metros de largura a cada margem como área non aedificandi. 15 Os objetivos do Código de Águas não eram ambientais, mas administrativos, e determinavam a criação de SERVIDÕES DE TRÂNSITO para os agentes da administração pública em 10 metros nos terrenos localizados às margens de correntes não navegáveis ou flutuáveis, e faixa de 15 metros, contados a partir do ponto médio de cheias nos terrenos banhados por correntes navegáveis. Como se verifica, o objetivo da criação dessas faixas não edificantes nem de longe possuem o condão de proteção ambiental, mas simplesmente de ação administrativa de limpeza dos corpos hídricos, de ações emergenciais, e sanitárias. Por outro lado, o Código das Águas estabeleceu uma limitação à edificação nesses terrenos, mas não cita a manutenção das matas ciliares nas mesmas. Por sua vez a Lei 6.766/79, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que veio a substituir o famoso Decreto-lei nº 58, entendeu por bem enfrentar a matéria, estabelecendo como área não edificante uma faixa de 15 metros de largura ao longo de todos os corpos hídricos que cortassem terrenos a serem loteados ou objeto de condomínios. 16 Ao estabelecer essa faixa como livre de edificações a lei de parcelamento de solo urbano repetia os limites do Código de Águas, e ampliava a faixa estabelecida, então pelo Código Florestal. A Área de Preservação Permanente APP, é a nomenclatura indicada pelo Código Florestal de 1965 para identificar as áreas que devem ser mantidas com cobertura vegetal. 15 Decreto nº 24.643, de 10 de junho de 1934 16 MACHADO, PAULO AFFONSO LEME. Direito ambiental Brasileiro. 2001p p.54 1374

A Natureza Jurídica da APP Área de Preservação Permanente, está no próprio Código Florestal, por meio do artigo primeiro, parágrafo segundo, inciso II, quando dispõe: II Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos art. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, acessibilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Não obstante, no período de tempo compreendido entre 1965 e 1979, ou seja, durante 14 (quatorze) anos, a estipulação da largura mínima em cinco metros das faixas marginais de proteção de corpos hídricos, com largura de calha de até 10 metros, levou a adoção da regra em quase todas as legislações urbanísticas brasileiras, e muitos estados e municípios simplesmente não aplicavam a norma da Lei 6.766/79, mas anotavam em suas leis edilícias e urbanísticas, o limite de 5 metros. Para alguns doutrinadores, os limites de 15 metros a cada margem, indicados pela Lei 6.766/79 teria vigido apenas ate o ano de 1986, quando promulgada a Lei 7.511/86, que estabeleceu novos limites ambientais. Interessante trazer à colação que o artigo quarto, inciso II da Lei 6.766/79, ao criar a faixa non aedificandi de 15 metros ao longo de cada margem dos corpos hídricos, faz ressalva explícita quanto a maiores exigências estabelecidas por legislação específica. Dessa forma, inquestionável a aplicação da norma desde sua edição, e vigente até o presente momento, afastável, tão-somente, em face da aplicação de norma específica ambiental. Não parece ser o melhor entendimento. Um parâmetro não se confunde com o outro. Embora tratem de limites de ocupação de margens de rios, o artigo segundo do Código Florestal trata da PRESERVAÇÃO de matas ciliares e demais vegetação em APP, já a Lei 6.766/79 trata, especificamente, de uso do solo para EDIFICAÇÃO urbana. 17 Os objetos de ambas as leis são diversos: um é ambiental o outro urbanístico. Essas duas ciências, embora com estreita correlação no meio das cidades, não espelham a mesma visão. 17 Drª Anna Luiza Gayoso P. Paraíso Procuradora do Estado Assessora Jurídica Chefe da SEMADUR PORTARIA SERLA nº 324 em 25 de agosto de 2003. 1375

A Lei ambiental indica as áreas de interesse ambiental que devam ser protegidas da intervenção humana, preservando-se a vida silvestre e natural nos seus espaços, a preservação dos recursos hídricos, a estabilidade geológica e o fluxo gênico. 18 A Lei urbanística trata de áreas que não podem sofrer, em hipótese alguma, edificação, dentro dos critérios da engenharia civil, sendo a intenção do diploma legal garantir segurança humana na ocupação dos espaços urbanos, evitando o convívio de pessoas em áreas de instabilidade. São critérios de segurança humana na ocupação do solo, associados à critérios de melhoria da paisagem urbana e da saúde coletiva. Ou seja, o Código Florestal trata em preservação das matas ciliares, visando a garantia das funções ambientais dos espaços e vegetação ciliar, conforme já indicado acima; A Lei de Parcelamento do Solo Urbano indica as restrições edilícias nesses espaços, visando a segurança, a saúde social e a harmonia arquitetônica nas ocupações humanas. Ou seja, o Código Florestal trata em preservação das matas ciliares, visando a garantia das funções ambientais dos espaços e vegetação ciliar, conforme já indicado acima; A Lei de Parcelamento do Solo Urbano indica as restrições edilícias nesses espaços, visando a segurança, a saúde social e a harmonia arquitetônica nas ocupações humanas. Esse é o entendimento de vários doutrinadores, como Fernando Alves Correia 19, a fim de apresentar a distinção entre o Direito Ambiental e o Direito Urbanístico: O direito urbanístico não tem como fim direto e imediato a proteção do ambiente, mas a fixação de regras jurídicas de uso, ocupação e transformação do território, o que significa que o mobil ambiental, embora presente, não constitui a idéia condutora da regra jurídica, e, 18 BAENINGER, Rosana. Redistribuição espacial da população e urbanização: mudanças e tendências recentes.in: GONÇALVES, Maria Flora et AL.(Orgs.). Regiões e cidades, cidades nas regiões. São Paulo: Unesp; Anpur, p. 272-288, 2003. 19 Fernando Alves Correia: A propriedade no Direito Ambiental ADCOAS, IBAP E APRODAB ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES DE DIREITO AMBIENTAL DO BRASIL; capitulo 7 Direito Ambiental Imobiliário, item 3.7/3.10 1376

ao contrario, as normas jurídico-ambientais são intrinsecamente preordenadas aos fins de tutela do ambiente. Em segundo lugar, no que concerne à substância, há matérias que constituem o núcleo central do direito do ambiente e que, de modo algum, se podem confundir com as do direito urbanístico (proteção da fauna e da flora; prevenção da poluição nas suas diferentes modalidades; a matéria da responsabilidade civil por danos ao ambiente; a matéria do ilícito ambiental, que de índole criminal, que de índole administrativa; o contencioso do direito ambiental; o direito organizatório do ambiente; a matéria do Direito Internacional Público e Privado do Meio Ambiente. Frente ao apresentado até aqui denota-se que a grande dificuldade do operador do Direito e aglutinar a aplicação da legislação ambiental, que a partir de 1986 expandiu para 30 metros de largura os limites mínimos para as faixas marginais de proteção, quando todo o histórico da ocupação urbana no Brasil determinou a ocupação sistemática das áreas topo de morro e áreas de várzea, inclusive incentivando as correções de traçado, canalizações e capeamentos de corpos hídricos. Muitas dessas intervenções nos corpos hídricos não somente eram estimuladas pela Lei, como eram realizadas pelo próprio Poder Público, havendo na União e em alguns estados, em diversas épocas, órgãos específicos para patrocinar e efetivar essas intervenções. No Novo Código Florestal, LEI Nº 12.727, de 17 de outrubro de 2012, temos: Art. 1 XXVI - área urbana consolidada: aquela de que trata o inciso II do caput do art. 47 da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009: II área urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos; E no seu Art. 4º., I temos: 1377

I - as faixas marginais de qualquer curso d água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: Em razão do veto presidencial, não se obtem deste documento legal a faixa de proteção nem os parâmetros para estabelecimento da mesma. Considerando o previsto nesses artigos, sendo que o primeiro remete a Lei 11.977/2009 e sua definição de área urbana consolidada, e a ausência de delimitação de APP nos cursos d aguas naturais, denota um amadurecimento por parte do nosso ordenamento jurídico, haja vista que, nada mais obvio, que cada município é soberano no planejamento do uso e ocupação de seu solo, cabendo a este a capacidade de parcelamento, sob a ótica da lógica jurídica, a ocupação do solo de seu território. Segundo o Art. 37 da Constituição da República a validade dos atos administrativos está ligada em primeiro lugar à LEGALIDADE do ato. Neste ponto valendo indicar os ditames legais para o licenciamento de projetos de construção em cotejo com a regularização do uso sustentável do solo urbano. Especificamente quanto aos requerimentos de projetos de construções e de parcelamento de solo urbano, a Administração Pública exerce controle e fiscalização sobre os munícipes. Segundo José Afonso da Silva esse controle se dá por meio de um sistema de INSTRUMENTOS DE CONTROLE URBANÍSTICO, os quais poderiam ser explicados como... todos aqueles atos e medidas destinados a verificar a observância das normas e planos urbanísticos pelos seus destinatários, privados especialmente. O eminente doutrinador prossegue indicando que esses instrumentos são aplicados em três momentos, a saber, in verbis: a) antes da atuação do interessado, que é o mais importante, dito controle prévio, que se realiza pela aprovação de planos e projetos, pelas autorizações e pelas licenças; b) durante a atuação do interessado, dito controle concomitante, que se efetiva pelas inspeções, comunicações e fiscalização; c) finalmente, depois da atuação do interessado, o que se dá pelo controle sucessivo ou a posteriori, mediante ato de vistoria, de conclusão de obra ou habite-se. 20 20 Silva, José Afonso da, DIREITO URBANISTICO BRASILEIRO - ed. Malheiros, 2ª edição. Pág. 385. 1378

A legislação edilícia e urbanística de um município se compõe de duas classes de normas, quais sejam, as normas definidoras de controle técnico-funcional das construções, que integram os códigos de edificações e normas de posturas, e normas definidoras do controle urbanístico da atividade construtiva, que integram as leis municipais de parcelamento do solo e zoneamento urbano. Contudo todas essas normas devem apresentar compatibilidade com as normas gerais brasileiras, a Constituição da República, a Constituição do Estado, o Código Civil, e demais legislação infraconstitucional federal. Além do mais devem atender à Lei Orgânica Municipal e a Lei do Plano Diretor. A legislação urbanística prevê, como algures dissemos, o controle sobre a atividade edilícia da parte da autoridade municipal em duas formas: uma que tem em mira as construções isoladas e se propõe a assegurar-lhes a plena correspondências às exigências higiênicas, estéticas e de incolumidade pública e de idoneidade à função, a que cada qual se destina (controle técnico estético), e outra que se propõe realizar, no desenvolvimento das construções, a plena correspondência dos edifícios aos ditames do plano regulador e determina ordem nas obras, capaz de fazer com que a zona de assentamento nasça, engrandeça ou se transforme de modo racional e em perfeita harmonia com a evolução dos serviços públicos em cada zona (controle urbanístico). Os requerimentos de autorizações e licenças para a construção possuem um trâmite próprio que se inicia pelo protocolo do requerimento acompanhado do projeto que se pretende aprovar e prova da titularidade da área. A tramitação do procedimento administrativo pressupõe o exame das questões técnico-funcionais, estéticas e de urbanismo, quando são apresentadas as exigências de adequação à Lei pelo Poder Público, e somente após, verificada a conformidade do projeto ou plano com as exigências legais, poderá e deverá ser outorgada a autorização ou a licença para a edificação. 21 Como se pode verificar não se trata de discricionariedade administrativa a outorga de licença ou de autorização são ATOS VINCULADOS da Administração 21 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo: Ed. Malheiros, 2ª edição página 385[24] Obra já citada, pág. 385 1379

Pública, atreladas à Lei e à alguns princípios. Como bem explanou MARCIA WALQUÍRIA BATISTA DOS SANTOS in verbis: As licenças são informadas por alguns princípio gerais: (a) NECESSIDADE é obrigado requerê-la nos termos que o exercício da atividade a exija, no sentido de ser indispensável, valendo dizer que a Administração não poderá dispensá-la ou substituí-la por outra exigência; (b) CARATER VINCULADO que se manifesta no momento da outorga, em que a construção demonstra estar em total acordo com as exigências legais; (c) TRANSMISSIBILIDADE transmissão automática aos herdeiros e em caso de alienação; (d) AUTONOMIA pelo que impede à Administração discutir a propriedade dos terrenos para os quais se solicita a licença; e (e) DEFINITIVIDADE dentro do prazo de vigência que determina a lei e sem embargo da possibilidade de invalidação e de revogação em certas circunstâncias. 22 Dessa forma, é inegável que a Administração Pública, no controle das construções e parcelamentos do solo, age SOB CARATER VINCULADO às normas edilícias e urbanísticas. E as licenças de construções possuem caráter DEFINITIVO, ou seja, dentro da vigência que determina a lei e sem embargo da possibilidade de invalidação e de revogação em certas circunstâncias 23 Dessa forma, uma vez aprovada a ocupação do solo, e deferido o alvará definitivo de ocupação, vulgarmente conhecido como habite-se, não mais poderá determinar o Poder Público a demolição daquela obra, bem como restou fixado ao titular da propriedade, o direito de ocupação da área, segundo o projeto implantado. Além da ocupação consolidada no espaço urbano, e da perda da função ambiental da faixa marginal do corpo hídrico, no trecho do corpo hídrico a ser analisado, em concreto, se torna obrigatório ao operador do Direito entabular uma terceira análise, qual seja a aplicação da lei ao tempo da ocupação, ou seja o exame do Direito Intertemporal, em cotejo com as determinações constitucionais. 22 MARCIA WALQUÍRIA BATISTA DOS SANTOS : O Direito de Construir e Limitações à Propriedade, publicada na obra Curso de Direito Administrativo Econômico, Ed.Malheiros, Vol. II, pág. 664/665 23 MARCIA WALQUÍRIA BATISTA DOS SANTOS : O Direito de Construir e Limitações à Propriedade, publicada na obra Curso de Direito Administrativo Econômico, Ed.Malheiros, Vol. II, pág. 668/669 1380

As licenças administrativas que deferem a ocupação do solo urbano, uma vez plenas e completas, geram direito para o titular do imóvel, e somente por limitação legal podem ser afastadas. Dessa forma, se ao tempo que em se deu a ocupação do solo urbano, a mesma ocorreu legalmente, em face da Lei vigente à época dos fatos, a legalidade dessa ocupação se entende por hígida, ato jurídico perfeito, sendo o seu titular acobertado por garantia constitucional ínsita no Art. 5º inciso XXXVI da CR/88. Segundo Alexandre de Moraes: 24 O ato jurídico perfeito: É aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários a sua formação, debaixo da lei velha. Isto não quer dizer, por si só, que ele encerre em seu bojo um direito adquirido. Do que está o seu beneficiário imunizado é de oscilações de forma aportadas pela lei nova. Assim, a licença de ocupação do solo urbano, sob a égide de lei velha, se torna ato jurídico perfeito, e deve ser respeitada, também quando do exame da aplicação de limitações urbanísticas e ambientais. Não se trata de direito adquirido, como bem salientado acima, mas de ato jurídico que terá força da formula interpretativa legal. As limitações urbanísticas e ambientais são atos legais, por óbvio, mas não podemos, em face do artigo segundo do Código Florestal, levar às áreas urbanas com ocupações consolidadas, que não se prestam à sua função ambiental, a insegurança de não mais poder o titular da propriedade fazer o uso do imóvel autorizado, há muito, extirpando ou diminuindo o valor da propriedade, e, em não raras hipóteses, tornando o imóvel totalmente inútil ao uso urbano, classificando todos os seus limites como área não edificante. O Direito Ambiental não é soberano, por si só, embora hoje, sob os drásticos efeitos da hecatombe planetária experimentada pela humanidade, face às alterações climáticas, poucos ainda se insurjam quanto a sua importância. No entanto, nossas 24 Moraes, Alexandre de. DIREITO CONSTITUCIONAL, 21ª Edição Editora Atlas 1381

cidades, como dissertado no início deste parecer, se formaram mediante a ocupação prioritária em áreas hoje classificadas como de preservação permanente. Pertinente ao exposto acima, aplica-se o entendido ao caso concreto a ser explicitado no capítulo que segue. 4 - ESTUDO DE CASO - RIBEIRÃO SCHNEIDER Desde o século XVII, vicentistas, açorianos, alemães e italianos ocuparam as terras da foz do rio Itajaí-Açu e nela se estabeleceram como pescadores, agricultores e comerciantes. No entanto, a cidade começou a ser efetivamente organizada após a vinda de Agostinho Alves Ramos, por volta de 1823, que se estabeleceu na rua Lauro Müller, antiga Rua da Praia. As primeiras edificações surgiram ao longo desta rua, da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, hoje Igreja da Imaculada Conceição (construída em 1840) e a Praça da Matriz, hoje Praça Vidal Ramos, ambas voltadas para o rio 25. A mais antiga área urbana é a do bairro Fazenda, propriedade pertencente ao tenente-coronel Alexandre José de Azevedo Leão Coutinho, ali estabelecido desde 1793 26. Na metade do século XIX, antes da construção dos guias correntes [molhes e espigões] do rio Itajaí-Açu, as águas do mar banhavam as terras a leste da cidade [conforme depoimento de antigos moradores da região], formando uma enseada, onde pescadores descendentes de portugueses se dedicavam à pesca. Historicamente, sendo Itajaí uma planície natural de inundação do rio Itajaí-Açú e não diferentemente a área de drenagem do Ribeirão Schneider, ainda que não contribuinte para a bacia hidrográfica do primeiro, temos eventos de inundações recorrentes no bairro Fazenda. Com a intensa urbanização da área de entorno nas últimas décadas, conjugada à inexistência de rede de escoamento sanitário, atividades indústrias e lançamento dos efluentes destas, já no final da década de 1970, esse mecanismo de drenagem hídrica urbana já sofria apresentava acelerado estágio de eutrofização. 25 HEUSI, N. A fundação de Itajaí. Blumenau: F. C. Dr. Blumenau, 1983. 26 MEDEIROS F, A. L. A organização e ocupação do espaço geográfico do bairro Fazenda, município de Itajaí. Itajaí: UNIVALI, 1989. 1382

Frente a esse panorama, a gestão municipal à época decide por recuperar o Ribeirão, promovendo sua limpeza (atendendo os parâmetros técnicos-legais da época) e, como medida preventiva, visando optimizar o escoamento das aguas por ele carreadas, promoveram uma obra hidráulica de retificação do meando mais a jusante de seu traçado, como mostrado logo adiante na Figura 6. Para execução desta obra, foram desapropriadas com fins de utilidade púbica, algumas áreas privadas, com o objetivo de criar canteiro de obras para a viabilizar a execução das citadas retificação e revitalização do ribeirão, como observa-se nos decretos a seguir: DECRETO Nº 2230, DE 7 DE AGOSTO DE 1980 - DECLARA DE UTILIDADE PÚBLICA PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO, ÁREA DE TERRAS QUE ESPECIFICA, DESTINADA AO ALARGAMENTO E RETIFICAÇÃO DO RIBEIRÃO SCHNEIDER. 27 DECRETO Nº 2400, DE 14 DE ABRIL DE 1981 - DESAPROPRIA ÁREA DE TERRAS NECESSÁRIA PARA RETIFICAÇÃO DO RIBEIRÃO SCHNEIDER. 28 DECRETO Nº 2444, DE 29 DE JULHO DE 1981 - DESAPROPRIA ÁREA DE TERRAS NECESSÁRIAS AO ALARGAMENTO E RETIFICAÇÃO DO RIBEIRÃO SCHNEIDER. 29 27 DECRETO Nº 2230, DE 7 DE AGOSTO DE 1980 - DECLARA DE UTILIDADE PÚBLICA PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO, ÁREA DE TERRAS QUE ESPECIFICA, DESTINADA AO ALARGAMENTO E RETIFICAÇÃO DO RIBEIRÃO SCHNEIDER 1980 - O Prefeito Municipal de Itajaí, usando de suas atribuições e de acordo com disposto no art. 5º, letra "i" Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, DECRETA: Art. 1º Fica declarada de utilidade pública para fins de desapropriação, em regime de urgência, pela Prefeitura Municipal de Itajaí, necessária para alargamento e retificação do Ribeirão Schneider, uma área de terras com 51,90 m², de propriedade de João Mário Machado. Art. 2º A presente declara de utilidade pública é extensiva as benfeitorias localizadas nas áreas acima descritas. Art. 3º As despesas decorrentes da execução deste Decreto correrão por conta da dotação especifica do orçamento vigente. Art. 4º Este Decreto entrará em vigor a partir na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. ENGº AMÍLCAR GAZANIGA - Prefeito Municipal 28 DECRETO Nº 2400, DE 14 DE ABRIL DE 1981 - DESAPROPRIA ÁREA DE TERRAS NECESSÁRIA PARA RETIFICAÇÃO DO RIBEIRÃO SCHNEIDER. O Prefeito Municipal de Itajaí no uso de suas atribuições e de acordo com que dispõe o art. 5º, letra "i" Decreto- Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, DECRETA: Art. 1º Fica declarada de utilidade pública em regime de urgência pela Prefeitura Municipal de Itajaí, para retificação do Ribeirão Schneider, área de terras com área de 121,38 m², situado na Rodovia Osvaldo Reis, no lugar Fazenda, neste município, de propriedade de Adolfo Lessa de Souza. Art. 2º A presente declaração de utilidade pública é extensiva às benfeitorias existentes na área de terra acima descrita, ora expropriada. Art. 3º As despesas decorrentes da execução deste Decreto correrão por conta da dotação especifica do orçamento vigente. Art. 4º Este Decreto entrará em vigor a partir na data de sua publicação. ENGº AMÍLCAR GAZANIGA - Prefeito Municipal 1383

Finalizada essa intervenção, atualmente o Ribeirão Schneider recebe obra de alargamento de alguns trechos e instalação de gabião, dispositivo composto de rochas e tela metálica com o intuito de contenção das margens e redução de sedimentos e detrito nas mesmas, porém sem que seu atual traçado seja modificado. 4.1 Situação e Localização do ribeirão Schneider: Figura 5 - Sitauação geográfica do município de Itajai 30 29 DECRETO Nº 2444, DE 29 DE JULHO DE 1981 - DESAPROPRIA ÁREA DE TERRAS NECESSÁRIAS AO ALARGAMENTO E RETIFICAÇÃO DO RIBEIRÃO SCHNEIDER - O Prefeito Municipal de Itajaí, no uso de suas atribuições e de acordo com que dispõe o art. 5º, letra "i" Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, DECRETA: Art. 1º Fica declarada de utilidade pública, em regime de urgência pela Prefeitura Municipal de Itajaí, para alargamento e retificação do Ribeirão Schneider, área de 105,5 m², situada na Rodovia Osvaldo Reis, bairro Fazenda, neste município, de propriedade do Espólio de Ernest Georg Erickson. Art. 2º A presente declaração de utilidade pública é extensiva às benfeitorias existentes na área de terras acima descrita, ora expropriada. Art. 3º As despesas decorrentes da execução deste Decreto, correrão por conta da dotação especifica do orçamento vigente. Art. 4º Este Decreto entrará em vigor a partir na data de sua publicação. AMÍLCAR GAZANIGA - Prefeito Municipal 30 Fonte: Google Maps. 1384