- Mas eu, gosto. Feliz aniversário! Luis já estava com uma nova namorada, e Cecília já estava pensando em ir embora, quando encontrou Nilo.



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Transcrição:

NILO Esta história que vou lhes contar é sobre paixões. A paixão acontece, não se sabe quando nem porquê, e não podemos escolher os protagonistas da história. Seria tão bom se mandássemos no coração! Mas ele tem suas próprias razões, e como acredito que todo o amor vem de Deus, que é o próprio Amor, apóio a frase toda a maneira de amar vale a pena. Cecília conheceu Luis na casa do vizinho de sua melhor amiga. Luis era um gato! Muito alto, aos 17 anos media 1,93m, num corpo muito bem distribuído. Cabelos na altura do pescoço, castanhos claros bem lisos, olhos verdes, pequenos e rasgados, e o melhor: seus pais eram ricos! Mas na verdade, o que Cecília soube de cara era só sua aparência física, muito interessante, diga-se de passagem, mas como ele era petulante! Talvez por isso ela quis desafiá-lo, e pediu que ele a levasse para casa em sua moto. Mas sua majestade Luis não estava com vontade, e ela foi como sempre ia: a pé. Mas num dia, quando voltava para sua casa, Cecília descobriu que a moto que ficava na área de sua vizinha era de Luis. Ele conhecia sua vizinha, e havia combinado deixar sua moto estacionada na frente da casa dela, pois morava longe e a casa dela ficava bem próxima à escola onde ele estudava. Cecília pensou: Bem feito, se fôssemos amigos a moto poderia ficar aqui na garagem, afinal meu pai só a usa quando volta à noite... Enfim, por tanto se encontrarem acabaram fazendo amizade, a moto ficou em sua garagem, e amizade se tornou namoro. Ele a levava para sua casa nos finais de semana para namorarem, e sempre que chegavam, Nilo estava por lá. Ele era filho dos caseiros, mas por mais que tentasse conversar, Luis não lhe dava chance, sempre muito ocupado com sua própria vida. Mas uma tarde, enquanto passeava pela propriedade sozinha, Cecília enfim conversou com Nilo. Ele era um rapaz comum, moreno, pequeno, magro, com cabelos e olhos escuros, não chamava atenção de ninguém, ainda mais porque tinha um pequeno defeito em seu olho direito. Mas era um rapaz simpático, atencioso, simples. Nilo disse que de todas as garotas que já haviam estado ali, Cecília era a melhor garupeira, ela tinha um jeito muito legal de andar com ele na moto. Luis não gostou quando os viu conversando, e expressou bem isso, ameaçando despedir a ele e seus pais se ele se metesse com sua namorada. Por isso, passaram só a acenar um para o outro quando se viam, de passagem. Mas o namoro entre eles acabou, de uma maneira muito ruim para Cecília. Estava muito próximo o aniversário de Luis, e por isso ela decidiu vingar-se dele. Como os pais dele trabalhavam com flores, rosas principalmente, foi à sua festa levandolhe uma rosa de presente, e dizendo: - Já que você nunca me deu uma rosa, eu te dou. - Mas eu nem gosto de rosas...

- Mas eu, gosto. Feliz aniversário! Luis já estava com uma nova namorada, e Cecília já estava pensando em ir embora, quando encontrou Nilo. Então puderam conversar despreocupadamente, pois ela não era mais a namorada. Ele disse que ficou muito chateado com o fim do namoro deles, pois gostava muito de vê-la, e que ela era muito legal, legal até demais para ele. E qual não foi a surpresa de Nilo quando Cecília lhe deu um beijo! Ela quis apenas agradecê-lo pelo seu carinho, e verdade seja dita, desaforar Luis, mas Nilo a abraçou com tanta vontade, com tanto ímpeto, que Cecília achou que valia a pena dar uns amassos naquele garoto. E para completar seu desaforo, levou Nilo para o quarto de Luis, onde antes eles sempre namoravam. Quando Luis os viu, até tentou fazer uma cena, mas sua nova namorada impediu-o, levando-o de volta para a sala, onde todos estavam, e Cecília então disse a Nilo: - Melhor irmos embora, não quero complicar você, me desculpe. - Que se dane! Se ele me mandar mesmo embora, melhor, ele é mesmo insuportável... Mas de qualquer maneira, valeu a pena! - Você me leva até o ponto de ônibus? - É claro, se você quiser, e não se importar de ser vista comigo... - E por que não haveria de querer? - Então vamos, disse Nilo com um lindo sorriso. No caminho foram conversando de mãos dadas, e enquanto esperavam pelo ônibus, trocaram mais alguns beijos, e enfim Nilo falou: - Parece um sonho; eu nunca pensei que você um dia fosse olhar pra mim... e eu gosto tanto de você! - Mas você nem me conhece! Só me via ia e voltando com o Luis. - Mas isso não me impediu de olhar você, pensar em você, sonhar com você. E agora meu sonho está aqui! E a beijou novamente. Mas Cecília falou: - É uma pena eu não ter conhecido você antes dele, afinal, ainda gosto dele. E você deve saber. - Eu sei, e nem poderia ser diferente. Mas valeu! Ou pensa que eu também não fiquei feliz por sacanear com ele? Ele não te merecia, bem feito pra aquele metido! - É mesmo. Olha, o ônibus vem vindo. - A gente vai se ver de novo? - Não sei, agora é complicado. Vai ser difícil eu voltar aqui, você entende, né? Quem sabe, depois que o tempo passar... - Não esquece de mim não, tá? Eu não vou esquecer você. E Cecília foi embora, com um gosto amargo na boca. Será que havia feito mal de alguma forma a Nilo? A alegria com que ele lhe acenava partiu seu coração já tão dolorido... É verdade, a vingança é uma faca de dois gumes... O tempo passou. Cecília nunca mais voltou àquela casa, nem encontrou mais o Nilo. Sequer lembrava dele, pois ele fazia parte de uma lembrança meio ruim, que ela quis esquecer. Ela se casou, teve filhos, seu casamento acabou, e então, num

carnaval, Cecília estava na avenida, vendo o carnaval da cidade, quando um grupo chamou sua atenção. Eram cinco ou seis meninas rodeando, brincando e rindo muito com um rapaz, que estava de costas para ela. Quando ele ficou de lado, ela pensou que fosse Nilo, e se aproximou um pouco do grupo, para ver melhor. Ele então se virou de frente para ela e acenou. Não era possível! Era mesmo o Nilo! E como estava lindo! Encorpado, vestia apenas uma jardineira branca, de jeans, que ressaltava ainda mais sua cor e beleza. Cecília ficou feliz por vê-lo tão bem, tão feliz com suas amigas, mas ele deixou-as e veio conversar com ela. Cumprimentoua com um beijo, e conversou com ela segurando seu braço, carinhosamente. Perguntou por seu marido pelo nome, e soube que estavam separados. - Mas como você soube que eu casei com ele? - Ah, eu tenho muitos amigos que conhecem vocês. Inclusive conheço ele, que é muito boa gente. - Então por que você nunca foi nos visitar? - Sei lá, achei melhor não ir. Sei que vocês eram muito visitados, e às vezes até pensava em ir, fazer um som com vocês, mas não sabia se você ainda se lembrava de mim. - E como ia esquecer? Você foi muito importante para mim naquele dia. Eu ainda gostava do Luis, e fui lá pensando que talvez pudéssemos voltar, nem sabia que ele já estava com outra. Se não fosse pelo seu carinho, eu teria ficado muito mal. Muito obrigada! - Não tem de que. Falando nisso, ele se casou com aquela namorada, sabia? - É mesmo? Que bom, ela parecia ser perfeita para ele! - E é mesmo, parece que se dão muito bem. Mas o que você vai fazer agora? - Sinceramente, nada. A noite está tão linda, mas acho que vou ter que voltar pra casa... - Se você quiser, estou indo tocar com uns amigos, quer ir? - Claro, adoraria! - Só não sei se ainda tem ônibus, já passa de uma da manhã, me distraí com o papo... E pegando Cecília pela mão, foram até o grupo onde antes ele estava, e ela não entendeu quando ele se despediu delas, carinhosamente, e foram apenas os dois para o ponto de ônibus. - Eu pensei que elas também fossem... - Não, elas têm outros planos. Olha o ônibus, vamos nesse mesmo. Vamos ter que andar um pedaço, tudo bem? - Claro, sem problema. Quando subiram, ele perguntou se o outro ônibus já tinha passado, e o cobrador confirmou. - É, nós vamos ter que andar um bocado, mesmo. E esse é o último ônibus. Só se der sorte de alcançar o que já passou, às vezes dá... - Tudo bem, não esquenta.

Eles desceram no meio do nada. Estava escuro, mas havia lua cheia, o que aos poucos foi clareando o caminho quando seus olhos se acostumaram. - Olha, vamos pegar um atalho pra andar menos, tá? Não se preocupe, nem fique com medo. É mais seguro por aqui do que pela estrada. E entraram mato adentro, mas em nenhum momento ele soltou sua mão. Ela caminhava atrás dele, de cabeça baixa, tentando não tropeçar muito. De repente, ele parou e olhou para o céu, dizendo: - Olha que noite linda! Veja como as estrelas estão brilhando! Ela olhou, espantada com tanta sensibilidade da parte dele. Os dois sozinhos, no meio do mato, olhando as estrelas e a lua cheia. - Tinha que ser assim. É um presente de Deus. Não acredito que estou aqui com você, desejei tanto isso, desde aquele dia! E se inclinando docemente, ele a beijou. Havia tanta ternura naquele beijo, tão diferente daquele ímpeto há tanto tempo, que Cecília se emocionou. - Desde aquele dia? - Sim, desde aquele dia. Eu te disse que nunca ia te esquecer. - Mas já faz onze anos! - E agora, aqui estamos, não é? Foram seguindo o caminho, agora abraçados. Ela nem perguntou nada quando chegaram a uma casa aparentemente vazia, e foi somente então que ele a soltou, para abrir a porta. - De quem é essa casa? - De um amigo meu, que toca comigo numa banda. Ele foi viajar e pediu que eu tomasse conta. Eu moro aqui perto, você quer ir lá em casa? - Não, imagine! Só perguntei por perguntar. - Infelizmente não posso te oferecer nada, não sabia que traria alguém para cá. Aquilo acabou de tranqüilizar Cecília. Afinal, era carnaval. Era muito comum que se descolasse um cantinho para se levar garotas. - Água é tudo o que eu quero. Tem água na torneira? ela perguntou sorrindo, e ele gentilmente a serviu. Foram então para o quarto, onde ele colocou uma música, e mostrou a ela as propagandas da banda onde tocava, comentando a respeito de seu trabalho, de suas viagens. Então ele parou de falar, e olhou-a intensamente dentro dos olhos, com um fogo, uma paixão, que ela não pensava ser possível. Onze anos... Não foi preciso dizer nada. Sua ternura foi se transformando no antigo ímpeto, mas sem deixar de ser terno e atencioso um só instante. Cecília se sentia uma rainha, cortejada, cuidada, adorada. Fizeram amor por todo o resto da madrugada com doçura e paixão, dois garotos que cresceram e se encontraram, depois de tanta vida. Assistiram juntos o amanhecer, tomaram seus banhos juntos, conversavam e riam, felizes e completos. - Estou morto de fome, quer que eu vá buscar alguma coisa na padaria pra gente comer? O que você quer? - Não, obrigada, não quero nada. Tenho que ir para minha casa.

- Está na hora de irmos, não é? Que pena, acabou tão rápido! - Mas agora eu já sei o caminho. Quer que eu volte? - E você voltaria? - Mas é claro! Ou você acha que vamos esperar mais onze anos? - Então venha, vou te mostrar onde é minha casa, assim você sempre poderá me achar. Se eu não estiver, minha mãe sabe onde estou, e você pode me esperar. Apesar de não querer entrar na casa dele, ela foi apresentada orgulhosamente por ele como uma antiga amiga à sua família, pai, mãe, irmãos, que a olhavam curiosos. Nilo ainda insistiu que ela tomasse pelo menos o café da manhã, o que a deixou rubra de vergonha, mas ele apenas sorria feliz. Levou-a até o ponto de ônibus, perguntando se ela queria que ele a acompanhasse até sua casa, mas como Cecília recusasse, ele orientou-a sobre todos os ônibus e horários para quando ela voltasse. Cecília foi embora nas nuvens, novamente olhando-o acenar feliz, após tanto tempo, um garoto feio que se transformou num lindo homem, mas com o mesmo sorriso feliz de menino. Sua vontade era voltar na mesma noite, mas o carnaval já havia acabado, e quarta-feira de cinzas não é uma boa pedida. Deixou a semana passar, sonhando acordada com cada detalhe daquela linda noite. Mas na sextafeira da próxima semana, ela se preparou e foi ao seu encontro. Queria esperar até sábado, mas não se continha mais. No caminho, ficou pensando se teria coragem de bater à porta da casa da mãe dele, mas não havia outra opção. E se ele tivesse ido viajar a trabalho? Quando desceu do ônibus, para sua surpresa, ele vinha vindo em sua direção. Era uma tarde quente de verão, e o sol batia naquele homem tão lindo, tão seu. Ela ficou parada, esperando por ele, e quando ele a viu abriu aquele sorriso de menino, cumprimentou-a com seu jeito carinhoso, mas não demonstrou verdadeira alegria. Cecília sentiu que havia alguma coisa errada, mas esperou que ele dissesse o que era. Nilo disse que estava indo à padaria para comprar pão para o lanche da tarde, e foram juntos. Mas quando chegaram à casa da mãe dele, não a convidou a entrar, pedindo que esperasse por ele. Quando Nilo voltou, sua mãe vinha atrás dele, e surpreendida por ver Cecília, cumprimentou-a friamente, e disse: - Já sabe, né, Nilo? - Pode deixar, mãe, só vou até o ponto, conversar um pouco com ela e já volto. E se afastou rapidamente levando Cecília pela mão. - Estou atrapalhando, Nilo? Você precisa fazer alguma coisa? - Não, tudo bem, vem, vamos conversar. Voltaram para a casa onde haviam realizado um sonho, mas agora Cecília se sentia uma intrusa, e não sabia o motivo. - O que está acontecendo, Nilo? - Vem, me abraça. E com um suspiro a enlaçou, beijou cada ponto de seu rosto, e levou-a novamente até o quarto, mas dessa vez não falaram sobre trabalho. Mas Cecília sentia que havia algo muito errado, e quando acabaram de fazer amor ela perguntou:

- Vai, Nilo, se abre. Não dá mais. Estou até me sentindo mal. Ele então abaixou a cabeça, parecia que realmente havia algo muito errado, e disse sem olhá-la: - Eu fiquei noivo, no último fim de semana. - Ah, obrigada pela informação. - Espera, deixa eu contar. Eu estava namorando uma menina há quase um ano, mas não a amo. Depois que nos encontramos, fui no outro dia mesmo terminar com ela para nós dois podermos ficar juntos em paz. Mas no sábado ela foi à minha casa, disse que estava grávida, e minha mãe me obrigou a ficar noivo dela. Eu acho que é mentira dela, que ela nem está grávida, só falou isso pra não acabarmos o namoro. De qualquer jeito, como as nossas famílias insistiram, ficamos noivos, mas quando a barriga não crescer, desmancho o noivado. Cecília não sabia o que pensar. Queria ir atrás dessa chata e dar-lhe uns tapas, isso é coisa que se faça? Mas, seria verdade? - Mas ela só falou que está grávida? - Não, levou um exame. Disse que já sabia, mas como eu tinha querido terminar o namoro, foi fazer o exame para me provar. - É, então não tem jeito. - Ela pode estar mentindo, sei lá, ter pego a urina de alguma colega grávida... - Você acha que ela seria capaz disso? - Sei lá... estou tão confuso... - Se você acha que ela é esse tipo de pessoa, melhor ficar bem longe dela. - Não, ela é uma pessoa legal. Mas tinha que acontecer isso justo agora? - Tudo bem, tudo bem, não fica assim. Valeu pelo sonho realizado, pelos momentos lindos que vivemos. Podemos ser amigos. Ela agora precisa muito de você, e quando seu filho nascer, você vai sentir a maravilha de ser pai, e vai ver que vale a pena. Se assim é, é porque tem que ser assim. E sem dizer mais nada, tristes se vestiram, e se despediram no mesmo ponto de ônibus onde há tão pouco tempo se despediam alegres, achando que continuariam uma linda história de amor. Desta vez ele se virou de costas e saiu caminhando de cabeça baixa pela rua, deixando de acenar como das outras duas vezes. Cecília então chorou. Os meses se passaram, e ela não teve mais notícias, o que confirmou o fim do sonho. Então, um dia, um carro parou em sua porta, e Cecília surpresa viu Nilo descer do carro com uma criança. Estava de volta aquele seu jeito vigoroso, alegre. Ela os recebeu com um só abraço, enlaçando a ambos, e os convidou a entrar. - Vim trazer o meu menino pra você conhecer. - Ele é lindo, Nilo, parece muito com você. Quantos meses ele tem? - Sei lá, acho que seis... - Que pai mais relaxado... quando ele nasceu? - Ah, verdade. Ele está com oito, vai fazer nove meses. - Eu te apresentaria os meus, mas eles estão passeando com a avó. Estou sozinha, agora, mas acho que logo eles chegam. E como vai a vida? Ainda tocando?

- Não, agora estou trabalhando com carteira assinada, sabe como é a responsabilidade, não é? Afinal, você também é mãe. - E é muito bom, não é? Eu não disse que quando ele nascesse tudo mudaria? O rosto de Nilo então se transformou. - Mas não mudou. Não há um só dia em que eu não penso em você. Escuta, posso colocar o nenê na cama? Ele não gosta muito de colo. - Claro, vem aqui, ponha ele na minha cama, que é maior. A gente coloca uns travesseiros, umas almofadas, pra ele não cair. Assim que Nilo colocou o bebê na cama, abraçou-a sofregamente. - Ah, que saudade! Não agüento mais ficar sem você! Cecília sentiu seu corpo se desmanchar com aquele abraço, e as mãos de Nilo a procuravam com tanta sede... Mas então o nenê começou a chorar, como se soubesse que algo estava errado. Foi então que ela entendeu que realmente eles estavam errados. - Pare, Nilo. Não dá. Olha só, você agora tem uma família... acabou. - Você não disse que seríamos amigos? - Amigos, sim. Mas pelo jeito não dá. Nos queremos muito pra isso funcionar. Pegue seu filho, Nilo. Vá pra sua casa, pra sua esposa, fique com sua família. Cuide deles, eles precisam de você. E Nilo foi embora. Cecília sabia que não se é feliz a custa da infelicidade dos outros, e ela não queria ser culpada por desmanchar uma família. Encontram-se novamente dois anos depois por acaso numa padaria, ele lindo como sempre, aparentando estar muito bem financeiramente, mas ela apenas lhe apresentou seu namorado, e despediram-se novamente, com a frase com que ele sempre se despedia: - Até de repente!