Impossibilidade de utilização de recursos públicos para abastecimento de veículos particulares de vereadores e para doação de coroas de flores



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Transcrição:

Impossibilidade de utilização de recursos públicos para abastecimento de veículos particulares de vereadores e para doação de coroas de flores CONSULTA N. 812.510 EMENTA: Consulta Câmara Municipal Utilização de recursos públicos I. Abastecimento de veículos particulares de vereadores. Ilegalidade, mesmo se a serviço da Administração na falta de veículo oficial. Configuração de contrato de locação. Confusão patrimonial. Difícil mensuração do quantum indenizatório. II. Doação de coroa de flores por ocasião da morte de amigos e familiares dos edis. Ilicitude. Afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade. Ausência de interesse público. Pareceres e decisões [...] a situação descrita pelo consulente configura verdadeiro contrato de locação de fato, porque, ainda que o veículo não seja permanentemente posto à disposição do órgão, a sua eventual utilização em serviço de interesse da Administração, mediante contraprestação (abastecimento), constituirá contrato de locação próprio da Câmara. Ademais, o uso intercalado do veículo ora em caráter particular, ora a serviço tornaria bastante difícil a mensuração do quantum a ser indenizado, o que redundaria em confusão patrimonial envolvendo o agente público e o órgão contratante. RELATOR: CONSELHEIRO ELMO BRAZ RELATÓRIO Tratam os autos de consulta subscrita pela Presidente da Câmara Municipal de Campo do Meio, Sra. Mariana Cabral Rocha, na qual indaga sobre a legalidade e possibilidade de vereadores abastecerem veículos particulares, na falta de veículo oficial da Câmara, e de fazerem doação, pela Câmara Municipal, de coroas de flores ocorrendo a morte de amigos e familiares dos edis. A Auditoria, por meio do Dr. Hamilton Coelho, manifestou-se a fls. 06-09, concluindo pela ilegalidade daquelas despesas. É o relatório. 175

PRELIMINAR Por ser a parte legítima e a matéria de competência desta Corte, nos termos do art. 212 do Regimento Interno (Resolução n. 12/2008), tomo conhecimento da presente consulta. MÉRITO No mérito, respondo a presente consulta nos termos do bem lançado parecer do douto Auditor Hamilton Coelho, nos seguintes termos: Constato que a possibilidade de abastecer veículos particulares de vereadores à custa da Câmara, ainda que para uso no interesse do órgão, foi declarada ilegal por este Tribunal em diversas oportunidades. Recentemente, em parecer emitido no Processo de Consulta n. 810.007, a prática foi mais uma vez afastada: Como bem salientou a douta Auditoria em seu pronunciamento a fls. 10, a situação descrita pelo consulente configura verdadeiro contrato de locação de fato, porque, ainda que o veículo não seja permanentemente posto à disposição do órgão, a sua eventual utilização em serviço de interesse da Administração, mediante contraprestação (abastecimento), constituirá contrato de locação próprio da Câmara. Ademais, o uso intercalado do veículo ora em caráter particular, ora a serviço tornaria bastante difícil a mensuração do quantum a ser indenizado, o que redundaria em confusão patrimonial envolvendo o agente público e o órgão contratante. Já a alternativa de pagamento de quota mensal, desvinculada da efetiva utilização, conferiria caráter remuneratório ao valor pago, hipótese que deve ser de plano rechaçada por contrariar o disposto no art. 37, inciso XI, da CR/88. Saliente-se, por oportuno, que o presente questionamento já foi enfrentado, em diversas oportunidades, por esta Corte de Contas, consoante se depreende das Consultas n. 676.645; 677.255; 694.113 e 702.848. (Rel. Cons. Eduardo Carone Costa, sessão de 03/02/10). Já a inusitada hipótese de aquisição de coroas de flores, com recursos do erário, por ocasião da morte de amigos e familiares dos edis, é insustentável em face dos princípios que regem a Administração Pública. Observo, de início, que limitação dos benefícios a amigos e familiares dos vereadores constituiria patente violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade, consignados no art. 37 da Constituição da República e no art. 13 da Constituição Estadual. Nunca será redundante reiterar que a manutenção de estrutura burocrática e a concessão de benefícios ou prerrogativas especiais têm caráter de honraria ou prêmio reservado, prática abolida com a chegada da República, que fulminou todo e qualquer privilégio. Assim, só subsistem e se justificam na medida em que atendem ao interesse social, nunca o particular ou de classe. Nas palavras do administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, A Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade. É em nome do interesse público o do corpo social que tem de agir, fazendo-o na conformidade da intentio legis. Portanto, exerce função, instituto como visto que se traduz na idéia de indeclinável atrelamento a um fim preestabelecido e que deve ser atendido para o benefício de um terceiro. É situação oposta à da autonomia da vontade, típica do Direito Privado. De regra, neste último alguém busca, em proveito próprio, os 176

interesses que lhe apetecem, fazendo-o, pois, com plena liberdade, contanto que não viole alguma lei. (BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de direito administrativo. 26. ed. Malheiros: São Paulo, 2008, p.98) Fácil concluir, portanto, que recursos de natureza pública, auferidos do trabalho dos cidadãos em geral, não poderão ser despendidos em homenagens a amigos e familiares de ocupantes de cargos políticos. Ademais, a doação de arranjos, ainda que estendida a qualquer cidadão interessado e devidamente cadastrado, não contemplaria o interesse público porque, longe de configurar benefício social universalmente almejado, será questionável a depender de convicções de caráter religioso, estético, cultural ou íntimo. Assim, conclui o douto Auditor, pela ilegalidade da aquisição de combustível para veículos de propriedade de vereadores, mesmo se utilizados no serviço público, e pela ilicitude da aquisição de coroas de flores por ocasião da morte de amigos e familiares dos edis. É o meu voto. Na sessão do dia 07/07/10 pediu vista dos autos o Conselheiro Sebastião Helvecio. Retorno de Vista CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO RELATÓRIO Trata-se de consulta formulada pela Presidente da Câmara Municipal de Campo do Meio, acerca da legalidade e possibilidade de vereadores abastecerem veículos particulares, na falta de veículo oficial da Câmara, bem como de fazerem doação de coroas de flores, à custa do Poder Legislativo local, quando da morte de amigos e familiares dos edis. A consulta foi relatada pelo eminente Conselheiro Elmo Braz, na Sessão Plenária do dia de 07/07/2010, que, adotando entendimento esposado no parecer do douto Auditor Hamilton Coelho, assim concluiu: [...] pela ilegalidade da aquisição de combustível para veículos de propriedade de vereadores, mesmo se utilizados no serviço público, e pela ilicitude da aquisição de coroas de flores por ocasião da morte de amigos e familiares dos edis. Na ocasião, pedi vista da matéria logo após suas conclusões. Submeto, neste momento, meu voto para deliberação deste Colegiado. MÉRITO À guisa da primeira matéria aqui suscitada, peço vênia ao eminente Conselheiro Relator para dissentir. 177

Em que pese o entendimento assente desta Corte nas Consultas n. 676.645, 677.255, 694.113, 702.848 e 810.007, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone, sessão de 03/02/10, entendo ser possível a utilização de veículos particulares de vereadores e o respectivo ressarcimento das despesas com combustível, desde que estipulada uma quota mensal por vereador para o uso dessa verba, que deverá ser normatizada pela Câmara Municipal, mediante resolução aprovada pelo Plenário daquela Casa, indicando os casos, as condições de aplicação, bem como os procedimentos e prazos para as devidas prestações de contas, lembrando que, para a realização de tal despesa, deve haver dotação orçamentária. Como V. Exas. bem sabem, o exercício parlamentar é tarefa árdua que demanda entrega e dedicação ao munus público conferido. Esse munus, antes gratuito, com o tempo passou a ser recompensado pecuniariamente. Hoje, com caráter retributivo e alimentar, reveste-se de natureza remuneratória (lato sensu), pago [...] exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação [...], nos termos do disposto no 4º do art. 39 da Constituição Cidadã. No entanto, o próprio texto constitucional, em seu art. 37, 11, abre a possibilidade aos agentes políticos de terem direito a parcelas indenizatórias, desde que previstas em lei, mas não computadas para efeito do teto de remuneração estabelecido para tais agentes. De caráter meramente ressarcitório, a parcela indenizatória visa a compensação por uma redução do patrimônio jurídico do agente, sofrida em razão do exercício de funções próprias da posição pública ocupada. Resgata, portanto, os gastos realizados pelo agente político no exercício de suas atribuições e em detrimento de seu patrimônio jurídico. O poder público deve, então, arcar com tais gastos e ressarcir o parlamentar. Todavia, a realização de despesas por este agente deve estar diretamente relacionada ao exercício da função e, consequentemente, vinculada ao atendimento do interesse público municipal. Com efeito, em face de sua autonomia administrativa, financeira, política e legislativa, pode a Câmara Municipal instituir parcela indenizatória, desde que demonstre a necessidade da utilização de tais recursos pelos vereadores no efetivo exercício da atividade parlamentar e respeitados os preceitos constitucionais e infraconstitucionais pertinentes. Cumpre à Câmara observar, todavia, que a instituição de tal parcela destinada ao ressarcimento de gastos feitos pelos parlamentares municipais, assim como a criação de qualquer tipo de despesa pública, deve ser pautada nos princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade, da razoabilidade, da economicidade no trato da coisa pública e, fundamentalmente, no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Assim, mais do que a identificação exaustiva de um a um dos gastos ocorridos, próprios de ressarcimento, cabe à Câmara a observância da finalidade pública destes, de modo a relacionar a possibilidade de indenização com a realização das despesas no efetivo exercício da atividade parlamentar. 178

Em pesquisas feitas relacionadas ao tema, deparei-me com a Deliberação n. 2.446, de 15 de junho de 2009 (atualizada até 17 de maio de 2010), 1 expedida pela Mesa da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, que regulamentou a aplicação da verba indenizatória em razão de atividade inerente ao exercício do mandato parlamentar de seus deputados. O caput do art. 2º da referida norma dispõe que os deputados estaduais fazem jus a uma verba indenizatória por despesas realizadas até o limite mensal de R$20 mil. No que se refere, especificamente, às despesas com combustível e aluguel de veículos, o art. 3º, da supracitada deliberação, estabelece que cada um desses gastos são indenizáveis até o limite inacumulável de 25% da verba indenizatória mensal, ou seja, até o limite de R$5.000,00. Vejamos o que diz a redação do citado dispositivo, in verbis: Art. 3º São indenizáveis, em razão de atividade inerente ao exercício do mandato parlamentar, os seguintes grupos de despesas: [...] II combustível e lubrificante até o limite inacumulável de 25% (vinte e cinco por cento) da verba indenizatória mensal; III manutenção e despesas gerais com veículos; IV locação e fretamento de veículos até o limite inacumulável de 25% (vinte e cinco por cento) da verba indenizatória mensal; Pareceres e decisões No que é pertinente ao uso de veículo particular, de propriedade do deputado, a ser empregado no exercício da atividade parlamentar, bem como à respectiva indenização das despesas decorrentes de sua utilização, vale aqui transcrever o que rezam os 2º, 3º, 5º e 6º do indicado art. 3º, in litteris: 2º Para fins do disposto no inciso II do caput deste artigo, o Deputado poderá empregar veículo de sua propriedade ou utilizado em razão do exercício da atividade parlamentar. 3º Para a indenização das despesas a que se referem os incisos III e IV do caput deste artigo, deverá constar o número da placa do automóvel no documento de pagamento. [...] 5º O valor que exceder o limite mensal estabelecido nos incisos II, IV e V do caput deste artigo não será considerado para fins de indenização de despesas. 6º Na aplicação do disposto no 5º deste artigo, será considerado o mês de competência indicado no documento fiscal ou, na ausência dessa indicação, a data de emissão do documento (grifos nossos). Quanto às despesas com peças, manutenção mecânica e elétrica, lanternagem, pintura, reforma, impostos, taxas e seguro de veículo, o inciso V do art. 4º da deliberação em epígrafe, determina que só serão ressarcíveis aquelas que forem de propriedade do Deputado. Espelhando-se nas casas legislativas federais e estaduais, inúmeras Câmaras Municipais têm editado normas locais instituidoras de verbas indenizatórias sob as mais diversas nomenclaturas. 1 Disponível em <http://hera.almg.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=njmg&f=g&l=20&n=&p=1&r=1&u= http://www.almg.gov.br/njmg/ chama_pesquisa.asp&sect1=image&sect2=thesoff&sect3=pluroff&sect6=hitimg&sect7=linkon&sect8=dirinjmg&sect 9=TODODOC&co1=E&co2=E&co3=E&s1=&s2=2446&s3=&s4=>. Acesso em: 04/ago./2010. 179

A criação de tipos de parcela indenizatória, seja sob o nome de verba de gabinete, verba de pronto atendimento, ou verba indenizatória do exercício parlamentar, por si só não representa ofensa à norma constitucional ou infraconstitucional. Respeitadas as nuances existentes entre elas, de fato, todas decorrem de um propósito comum que é dotar os parlamentares de certa autonomia em seus gabinetes para a realização de gastos compreendidos como de natureza própria da função parlamentar. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles: A administração financeira, a contabilidade e a elaboração e execução do orçamento da Câmara, que irá integrar o do Município, são de responsabilidade do presidente. 2 Nesse contexto, merece transcrição o prejulgado n. 11 do Tribunal de Contas do Estado de Roraima: CÂMARA MUNICIPAL E VERBA DE GABINETE PARA OS VEREADORES. Respeitando a autonomia dos Poderes Municipais, deve o Tribunal de Contas do Estado de Roraima incentivar a obediência aos princípios e limites que circunscrevem a remuneração dos vereadores de forma a manter o equilíbrio da execução orçamentária mediante a compatibilização da despesa com a arrecadação efetivamente verificada, evitando-se a promoção de dispêndios estranhos às finalidades da função constitucional de legislar, causadores do desperdício do dinheiro público. É incabível a fixação de verba de gabinete para a Câmara Municipal, em face do regramento constitucional advindo da Emenda Constitucional n. 019/98. É sugerido ao Presidente do Legislativo Municipal que insira na proposta orçamentária a que tem direito a previsão dos recursos necessários ao pleno funcionamento dos gabinetes dos vereadores, cuja execução compete extensivamente ao órgão legislativo. 3 Baseando-me em outros precedentes, como o da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul 4 e da Prefeitura Municipal de Valinhos SP, 5 que, de forma percuciente, regulamentaram o uso de veículos particulares próprios dos seus agentes públicos e o respectivo reembolso das despesas dele decorrentes, certifiquei-me de que a criação de parcelas indenizatórias para o ressarcimento de gastos realizados pela edilidade, comprovadamente no exercício da atividade parlamentar, é factível. Coadunando-me aos precedentes citados que ora faço juntar a este voto, a título de exemplo e parâmetro, entendo que as despesas com combustível, locação e manutenção de veículos, são despesas de natureza corrente, destinadas ao custeio geral da atividade pública e, como tal, devem ser programadas dentro do plano orçamentário da Câmara como um todo. Nesse contexto, urge destacar que, ainda que surja a necessidade eventual e extraordinária de aquisição de algum bem ou serviço que fuja ao planejamento efetuado, existem, para isso, instrumentos próprios na legislação vigente que permitem a realização excepcional de 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 641. 3 TCE/RR. Decisão n. 023/00, Processo n. 0238/99 Consulta, Sessão Ordinária de 21 de junho de 2000. Fundamentação Legal: Emendas Constitucionais n. 019/98 e 025/00; art. 1º, inciso XI, e art. 252, IV, do RITCE/RR. 4 Resolução de Mesa n. 784/2007, atualizada até a Resolução de Mesa n. 966, de 23 de março de 2010. Disponível em <http://www. al.rs.gov.br/legiscomp/arquivo.asp?rotulo=resolução de Mesa n. 784&idNorma=768&tipo=pdf>. Acesso em: 04/08/2010. 5 Decreto n. 6.374, de 25 de julho de 2005. Disponível em: <http://www.valinhos.sp.gov.br/arquivos/leis/dec6374%20-%20 regulamenta%20lei%203886.pdf>. Acesso em: 04/08/2010. 180

despesas sem a regular realização do procedimento licitatório (arts. 24 e 25, Lei n. 8.666/93 dispensa e inexigibilidade) ou que não possam se sujeitar ao processo normal de aplicação (art. 68, Lei n. 4.320/64 regime de adiantamento/suprimento de fundos). O que não se pode consentir é a transformação da excepcionalidade em regra. A partir do momento em que uma despesa torna-se habitual e regular, passa a ser também previsível. Para tanto, deve ser incluída no planejamento orçamentário, evitando-se a excepcionalidade de procedimento que, não raramente, se mostra antieconômica ao erário e violadora do princípio da eficiência administrativa. Como dito, insisto na criação de parcelas indenizatórias para o ressarcimento de gastos oriundos da utilização direta e efetiva de veículos particulares próprios dos vereadores, realizados na prestação de serviços à municipalidade. O que reprovo, todavia, é que a instituição de tais parcelas malsine o papel do vereador no exercício do seu munus, bem como represente ofensa aos princípios básicos da administração pública e às regras pertinentes à responsabilidade da gestão fiscal do orçamento. Pareceres e decisões Frise-se que a geração de despesa obrigatória de caráter continuado há de vir acompanhada de estimativa trienal do impacto orçamentário-financeiro do novo gasto; demonstração da origem dos recursos para o seu custeio; comprovação da não afetação das metas fiscais e apresentação de medidas de compensação financeira (aumento da arrecadação ou corte de despesas) para os períodos seguintes. Ademais, devem-se observar os ditames previstos tanto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000) quanto na Lei Geral do Direito Financeiro (Lei n. 4.320/64). Ignorados esses preceitos quando da geração de despesa, além de inquiná-la de vício de origem, sendo considerada não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio, tipifica a conduta do agente público ordenador como crime contra as finanças públicas (art. 359-D, CP), podendo ainda caracterizar ato de improbidade administrativa, cujas cominações, constitucionalmente previstas, são a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível (art. 37, 4º, CR/88). Assim, cabe ao agente público ordenador de despesas ater-se à responsabilidade por ele assumida, agindo com cautela na criação de novos gastos e pautando sempre a sua atuação nos princípios basilares da administração pública, como a legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, economicidade e supremacia do interesse público. As verbas de natureza indenizatória se instituídas, seja sob que nomenclatura for, devem estabelecer um limite mensal máximo e não cumulativo para a realização de tais despesas por cada parlamentar. A estipulação de uma quota mensal por vereador não significa a vinculação do quantum a ele, a propriedade sobre o valor reservado. O dinheiro é público. A res é pública. Daí, reside a impossibilidade da sua cumulatividade em uma espécie de conta corrente própria 181

do edil. A parcela é indenizatória e não remuneratória. O que pode existir de fato é uma previsão de um limite orçamentário máximo para gastos mensais daquela natureza que, caso não utilizados pelo vereador, permanecem na conta única do orçamento, e não vinculados a uma conta específica do edil. Entre os fundamentos básicos que caracterizam a natureza indenizatória de tais verbas está exatamente a sua eventualidade. A transmutação da vantagem de eventual para habitual caracterizaria uma forma irregular de remuneração indireta, o que é, manifestamente, vedado pela norma constitucional. Por isso, não deve haver entrega regular e mensal dos valores ao vereador. A movimentação financeira de tais recursos, quando efetivamente necessários ao exercício parlamentar, deve obedecer às normas pertinentes à gestão orçamentária e financeira da administração, observando os estágios normais da despesa pública, precedida de procedimento licitatório quando o volume dos gastos assim exigir. Os valores continuam geridos pelo agente ordenador e não pelo vereador, competindo a ele a responsabilidade pelo controle e a fiscalização das despesas efetuadas, verificando e comprovando a real necessidade pública da realização dos gastos, tudo em observância às regras de responsabilidade fiscal e orçamentária. Quanto ao segundo quesito, acompanho o voto proferido pelo eminente Relator, nos termos do bem lançado parecer da Auditoria, a fls. 16-17. Conclusão: diante do exposto, concluo, em tese, pela possibilidade do uso de veículos particulares de vereadores e a respectiva indenização pelas despesas dele decorrentes, desde que comprovadamente utilizados no exercício da atividade parlamentar. É o voto de vista. Na oportunidade, manifestaram-se os Conselheiros Eduardo Carone Costa e Antônio Carlos Andrada: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA: Bem mencionado no parecer do Auditor Hamilton Coelho, quero destacar a seguinte passagem, que consta do voto do Relator, por isso que eu tenho em mãos isso aqui. Constato que a possibilidade de abastecer veículos particulares de vereadores à custa da Câmara, ainda que para uso no interesse do órgão, foi declarada ilegal por este Tribunal em diversas oportunidades. Recentemente, em parecer emitido no Processo de Consulta n. 810.007, a prática foi mais uma vez afastada: Como bem salientou a douta Auditoria em seu pronunciamento a fls. 10, a situação descrita pelo consulente configura verdadeiro contrato de locação de fato, eis que, ainda que o veículo não seja permanentemente posto à disposição do órgão, a sua eventual utilização em serviço de interesse da Administração, mediante contraprestação (abastecimento), constituirá contrato de locação próprio da Câmara. Ademais, o uso intercalado do veículo ora em caráter particular, ora a serviço tornaria bastante difícil a mensuração do quantum a ser indenizado, o que redundaria em confusão 182

patrimonial envolvendo o agente público e o órgão contratante. Já a alternativa de pagamento de quota mensal, desvinculada da efetiva utilização, conferiria caráter remuneratório ao valor pago, hipótese que deve ser de plano rechaçada por contrariar o disposto no art. 37, inciso XI, da CR/88. Saliente-se, por oportuno, que o presente questionamento já foi enfrentado, em diversas oportunidades, por esta Corte de Contas, consoante se depreende das consultas n. 676.645; 677.255; 694.113 e 702.848. (Rel. Cons. Eduardo Carone Costa, sessão de 03/02/10). Com isso quero dizer que, nos termos em que foi formulada, estou respondendo à consulta. Ela foi formulada restritivamente nos seguintes termos: indaga sobre a legalidade e possibilidade de vereadores abastecerem veículos particulares na falta de veículo oficial da Câmara. É isso que o consulente indaga. Portanto, nesses termos, acompanho o Conselheiro Relator porque assim tenho votado. CONSELHEIRO PRESIDENTE, EM EXERCÍCIO, ANTÔNIO CARLOS ANDRADA: Eu também acompanho o relator, peço vênia ao Conselheiro Sebastião Helvecio. Entendo que a natureza do mandato do parlamentar estadual é um pouco diferente da do vereador, uma vez que aquele, obrigatoriamente, tem que se deslocar para a capital onde vai exercer o mandato mantendo o vínculo com diversos municípios, sendo o trânsito e a necessidade de viajar próprios da função diferentemente do vereador. Entendo que essa prerrogativa dada ao parlamentar estadual não é cabível ao exercício da vereança. Por isso, acompanho também o Conselheiro Elmo Braz. Pareceres e decisões A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 25/08/10 presidida pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Elmo Braz. Vencido, em parte, o Conselheiro Sebastião Helvecio. 183