O LIVRO DOS POEMAS* 1

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Transcrição:

O LIVRO DOS POEMAS* 1 * N. R. Obra publicada em 1932 pela Casa Ávila, em Aracaju/SE. 27

O POEMA DE EUNALI ESTES POEMAS FORAM ESCRITOS NA VILA DE SOCORRO, ESTADO DE SERGIPE, EM 1932 Quando Eunali chegou, entre nuvens doiradas, Minha alma descantou um poema divino, E sondando o azul, as estranhas veladas, Eu li na minha vida um sidéreo destino. Quando Eunali chegou, alvissareiro sino Cantou na catedral das mais sublimes fadas, E um rastro de luz, um sinal sibilino, Revelou à minha alma as visões mais sagradas. Quando Eunali chegou, os pálidos luares Dos olhos tristes seus, dulcíficos olhares, Guiaram do meu estro a branca nau perdida, E dentre as mágoas sutis de um passado já morto, Libertado senti, de candura absorto Meu pobre coração a sorrir para a vida Quando Eunali partiu, na luz daquele dia, Bela como o luar na paisagem adormida, Eu fiquei a chorar na voz d Ave-Maria. Ouvindo essa oração de luzes toda ungida. Quando Eunali partiu, qual gaivota ferida Minha alma soluçou um salmo de agonia, E uma onda de dor, de roxo colorida, Banhou a minha face extasiada e fria. Ó ventos que passais nas amplidões dos mares Estrelas que brilhais nos lúridos colares Da via láctea azul, maravilhosa, infinda Levai ao Pai, Senhor Supremo do Universo, A minha grande dor transfigurada em verso Na mágoa mais atroz, na saudade mais linda. 29

Quando Eunali morreu, num silêncio profundo, Na convulsão atroz da mais cruel desdita, A minha alma de luz, qual mariposa aflita Ficou a voejar na tristeza do mundo, Quando Eunali morreu, num silêncio profundo. Como luz que se esvai da lâmpada velada, Do sacrário do amor na capela bendita, Eunali adormeceu, piedosa e contrita, Piedosa e contrita a minha doce amada, Como luz que se esvai de lâmpada velada. Perdido entre festões do meu amor extinto, Olhando o loiro sol recobrindo o vale, Em êxtases eu sinto a saudade de Eunali, Sorvendo do amargor o tétrico absinto, Olhando o loiro sol recobrindo o vale, Perdido entre festões do meu amor extinto. Grande Deus, grande Deus, eis-me ao fim da jornada. Olhos postos no Além desta plaga encantada E que tudo destrói e transmuda em pó. Grande Deus, grande Deus, ó minha luz sagrada, Como é triste viver eternamente só Exposto ao vendaval cruel da caminhada. A sofrer dentro da alma as torturas de Jó! 30

ELOGIO DE ORFEU DEDICADO A HERMES FONTES Áureo templo de luz o Parthenon sagrado Das deusas siderais, do deus Amor, falenas, Num mistério de dor, ficou só, mergulhado Na partida de Orfeu, - inspiração de Atenas. Inteira a Grécia toda, a Hélade formosa, Canaã secular dos luminosos deuses, Entoou ao luar qual matrona chorosa A menina mais sutil dos hinários do Elêusis. Na floresta do amor, radiosa, a Manhã Adormeceu também, abandonando Pan As ninfas divinais de solitário lago, Ofertando a Orfeu adormecido e excelso, Imagem tutelar do sonho preexcelso, Sua flauta pagã, - melod Também quando partiu o poeta da Fonte Em demanda do Azul, abandonando a Terra 1, O Sol do apogeu não mais beijou o monte, Nem a lua surgiu, iluminando a serra. Terna mãe piedosa, a Terra, sempre boa, Que nos guarda o horror do derradeiro anseio, De flores boreais lhe teceu a coroa Dos grandes imortais da luz da Glória em meio. E ele dormiu assim, sublimado e contrito, Ente os braços da Terra que o abrigo lhe deu, 1 N. R. Decidiu-se por manter as iniciais maiúsculas, como preferiu o poeta Freire Ribeiro. No primeiro verso da segunda estrofe, por exemplo, o substantivo comum fonte (grafado com inicial maiúscula) é uma clara alusão ao nome do poeta (Hermes Fontes) e, também, ao poema que o distinguiu entre tantos poetas, A Fonte da Mata (1930). Perceptível é, ainda, a adjetivação construída a partir do nome do poeta grego, Anacreonte. O recurso da liberdade poética foi utilizado para construir o par de rimas anacreontes/hermes Fontes, o que também envolve uma honrosa comparação entre o poeta da Antiga Grécia e o poeta sergipano. 31

A Terra, - do Espaço, um pequeno finito, Maior do que a Terra, Hermes Fontes, o Orfeu. Poetas que passais e sofreis pelo mundo As dores tão cruéis da sorte mais ingrata, Vinde ver na floresta, em murmúrio profundo, A fonte que ficou desditosa, na mata. Vinde ver e chorai... A eterna constância Da Fonte a soluçar, melodiosa e calma, Parece nos falar dessa segunda infância Que o Poeta nos diz, com queixumes na alma, Vinde ver e chorai! Fazei odes anacreontes Proclamando ao luar da suprema agonia Aquele que se foi, o Orfeu Hermes Fontes, - Herma de Pensamento, Fonte de Poesia!... 32

POEMA DA MINHA TERRA Minha terra feliz tem no alto de um morro Uma igreja ancestral, poderoso brasão, Onde vive a rezar a Virgem do Socorro Padroeira e madrinha do meu coração. Minha terra feliz de piedosa gente Que só vive a sonhar e não pensa no mal, Uma grande alegria imorredoira, sente Quando sobe de preço o alqueire do sal 2. Minha terra ao luar é saudade infinita, É saudade cruel entre as mágoas mais frias, Quando alguém assim fala, em profunda desdita: Faz muito que morreu Antônio Simão Dias... Minha terra é também alegria doirada Alegria a cantar em profunda ilusão, Quando diz Abelardo, uma doce toada Batendo um busca-pé para soltar em São João. Minha terra de luz, a pequenina aldeia, Onde vivi a sós, no silêncio, ao luar, Parece compreender a minha dor, alheia Ao que vai dentro em mim, quando estou a cantar. Minha terra de amor, de palmeiras virentes 3, De céu azul sem fim, abençoando o mar, Inunda de ventura os corações descrentes, 2 N. R. O município de Socorro, em termos mineral, é um dos mais ricos de Sergipe. Existe muito próximo à sede uma usina de sal-gema. Mas é o sal marinho que tem uma fantástica história. O município já chegou a ter mais de 380 salinas, sendo o maior produtor do estado. Não é à toa que o nome do rio que separa Aracaju de Socorro é conhecido como Rio do Sal. O rio e as linhas de trem eram muito usados pelos produtores de sal. Hoje, apenas quatro salinas ainda resistem. (Disponível em https://rbsnews.wordpress.com/2011/04/23/antigas-salinas-em-nossa-senhora-do- -socorro/ ). 3 1. Que verdeja; VERDEJANTE 2. Fig. Florescente, próspero. [F.: Do lat. virens, entis. Sin. ger.: viridente. (Disponível em http://www.aulete.com.br/virente 33

Descentes de prazer que só sabem chorar. Minha terra de fé onde não vive a mágoa, A mágoa milenar de profunda raiz, Tem um poço de amor a que chamam - Olhos da água Que só banha de luz a quem vive feliz. Minha terra de paz, misteriosa terra Onde vivem a sorrir divinais corações, Nas noites de luas, miraculosa, encerra O planger eternal dos fatais violões. Minha terra é pra mim a relíquia sagrada, A relíquia do amor num sacrário de arminho, Quando vejo um alguém de cabeça nevada, Recordando talvez meu antigo carinho. Minha terra de paz, minha vida, meu tudo, Evangelho de luz e de recordação, Não te posso dizer o que sinto, pois, mudo, Não mais pode falar este meu coração. 34

SOB A LUZ DO MEU CÉU Sob a luz do meu céu, num silêncio divino Consultei certa vez o meu grande destino, O destino cruel que martiriza a vida Dos que vivem a sonhar na quadra reflorida Da primavera em flor, de excelsa mocidade Banhada pela luz de estranha claridade. E esperei o falar dos astros sibilinos, Peregrinos do azul e no azul peregrinos... E uma estrela falou na altura iluminada Mostrando o amanhã incerto do meu Nada: -Hás de ser um Poeta. Um divino tristonho Procurando na vida o mistério de um sonho, De um sonho que virá dentro da tarde morta, Na hora vesperal que a existência conforta, E esse sonho, essa luz que te prediz a sina Há de ser a mulher, a rosa purpurina Do jardim eternal do supremo desejo Onde a mágoa se esvai na volúpia de um beijo. Mas a estrela mentiu... Hoje em dia, na terra, A minha alma a sofrer constantemente erra À procura do bem que me deu o Destino, Sob a luz do meu céu, num silêncio divino... *** 35