Viagem de Santo António



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Transcrição:

Ficha de transcrição / São Pedro do Sul / Viagem de Santo António Viagem de Santo António Classificação: Conto Assunto: No tempo das ceifas, em Manhouce, dois lavradores vão juntos colher o centeio confiando que um Santo António de barro lhes há-de guardar o gado. Depois do Santo partido têm que encontrar substituto para a procissão de 13 de Junho! Com manha duns e sacrifício doutros, há sempre solução. Região: Distrito: Viseu Concelho: São Pedro do Sul Localidade: Manhouce Entrevistado: Nome: Mestre Silva Data de nascimento: 1922 Residência: Manhouce Vídeo: Entrevista: Apresentação pública Estória estória (Associação Criar raízes) Data de Recolha: 2007 Filmagem: José Barbieri Duração: 0:08:17 Transcrição: Transcritor: Ana Sofia Paiva Data de Transcrição: Novembro 2011 Palavras: 1.055 Última actualização: Novembro 2011

Viagem de Santo António Um As ceifas, em Manhouce Antigamente, Manhouce vivia Primeiro, viveu da pastorícia. Depois viveu da agricultura antiga, que era tudo à mão. Semeavam o centeio mais até ainda do que milho! Porque dava menos trabalho. O centeio semeiase em Novembro (Outubro e Novembro) para colher em Julho para colher em Junho, aliás! Em Julho é para malhar mas, para colher, em Junho. E era preciso Eles faziam Faziam serviço comunitário, isto é: Hoje é a tua ceifa? Vai toda a gente da aldeia à ceifa! Porque assim, dividido por todos, era mais fácil. Depois é uma ceifa daquele? Vai a aldeia toda para aquele! Foi assim até que estava as ceifas quase a acabar. Mas ficou a maior ceifa para o fim. Ficou Diz ele: - Agora é que está mau porque é preciso mais gentes, mais braços a trabalhar a terra, mais Agora é que está mau Como é que há-de ser? Eram sempre duas pessoas que iam guardar os rebanhos. Duas pessoas. Disse: - Olha, os pastores vêm ajudar a ceifa. - E quem é que carga o gado? Diz ele assim: - Pois, não sei Quem há-de ser?... Vai um assim mais esperto: - Vocês, aquando falta uma cabeça de gado, não vão rezar o responso ao Santo António e não lhe rezam-lhe? Rezam-lhe para aparecer a cabeça de gado? É mandar o Santo António acolá! E diz ele assim:

- E olha que tu tens razão Mas como é que como é que se há-de fazer? Ele não caminha! - É prendê-lo a uma cabra, ou a um bode grande e mandá-lo para o monte, que ele guarda o gado. Pronto. Assim foi. Combinaram todos e vêm duas pessoas para a ceifa. (Elas também queriam ficar porque era uma ceifa que acabava mais depressa, mais cedo, e eles botavam a cabra ao forno e tudo. E depois, no fim, havia festa. Era logo. Era logo ) Então arranjaram o bode maior. Era o bode maior. Levaram uma cordinha fina mas comprida. E, dum lado, começaram dum lado botaram-lhe o Santo António às costas do bode, uns a prender e os outros a amarrar o Santo às costas do bode. Amarraram aquilo bem amarradinho e e botaram o gado fora e botaram o bode! - Vai! Guarda o gado! Hoje é por tua conta! Pronto. E lá foi! E o bode lá foi para o monte. Pronto. O Chegaram ao Chegou-se ao monte O bode era sentia aquilo às costas, ia pesado não estava bem Começou aos pulos, a cabriolar por cima das fragas Quebrou o Santo todo! O Santo ficou todo quebrado, não se aproveitou nada do Santo! Alguns ainda foram procurar, encontraram um naquinho dum pé, um naquinho da cabeça mas não tinha mais nada! Quebrou o Santo todo. Pronto. Vieram embora, diz: - Não se diz nada. A gente vai para a festa agora, não se diz nada. O gado veio à noite e eles contaram. Eles são as pessoas à porta do curral e as cabras já conhecem o seu curral: entram e eles contam. - Está tudo bem, está tudo certo: o gado veio todo. Só detrás é que vinha o bode com a corda de arrastos é que vinha o bode com a corda de arrastos! Mas Santo? Que é dele! Não vinha, não veio Pronto.

Tudo passou. Foram para a festa, cantaram, brincaram como quiseram. Pronto. Chegou-se ao dia 13. Tinham acabado as ceifas. O Santo António, o dia de Santo António, é dia 13. Chegou-se o dia 13. Dia 13 é dia de festa. O padre disse: - Dia 13 é uma festa de Santo António! -avisou na igreja. Pronto. Diz ele assim Há uma comissão que faz o peditório e que organiza a festa É uma comissão, diz que são é os mordomos. Os mordomos é os que faz o peditório e organizam a festa. Mas faltava o Santo! E eles não sabiam como é que haviam de arranjar. - Como é que se há-de arranjar?... Vai um lá muito esperto: - Olha O marrequinha da Tia Júlia é pequenino e é gordinho, é coradinho, a quase como o Santo! Quase como o Santo! E se a gente lá fosse? Foram lá dizer à senhora. - O marrequinha da Tia Júlia E olha que és capaz de dizer bem Foram lá dizer-lhe. Ele aceitou. Aceitou! Foram escondidos para a sacristia pôr o santo no andor. Puseram-no no andor. Ele, assentado, ia bem! Estava bem! E, de longe, era bonito, até parecia o Santo! Tinha o cabelo cortado à tigela E depois Foram pôr o santo no andor. Mas as pernas não cabiam; ficaram as pernas de fora. Ficaram as pernas de fora, ficaram presas. Vai um assim: - Vai, vai buscar um lençol! Amarraram-lhe um lençol e ficou as pernas ao menos amarradas, cobertas com o lençol. Foram para a festa! Saiu a procissão e o marrequinho lá ia, todo coradinho! E o padre a rezar lá na procissão, e as raparigas a cantar Pronto fizeram a procissão! Mas Havia o cemitério. Eles deram a volta ao cruzeiro e depois havia o cemitério e o cemitério é quadrado: fazia uma esquina para o morro. E o morro encheu

de silvas, que era um silvado enorme! Assim. Uma pessoa ainda passava: livrava da senda as silvas, ainda passava. Mas o andor, que era quatro? Tinha que passar a jeito? Eles viraram dum lado, viraram do outro, não passava não passava E a procissão toda parada à espera, o padre e tudo. E a procissão não passava eles romperam pelas silvas fora! Romperam vumba! As silvas, meu amigo, rasgaram o lençol, rasgaram as pernas! Já era sangue a sair e ele estava a queixar, para se querer queixar, vai um assim: - Shhhh E ele aguentou. Aguentou. Não o deixou gritar, porque senão ele gritava mesmo! Depois lá conseguiram então ir até à igreja. Chegaram à igreja, foram fazer uma água com malvas. Foram para a sacristia fazer uma água com malvas para lhe lavar as pernas bem lavadinhas, e para curar. E desamarraram-no depois e ele, o santo, estava atrapalhado. Quando se viu em pé, fora do andor e em pé, diz assim: - Puxa, que aqui nesta terra nem o Diabo pode ser santo! Pronto. Mas para aquela vez valeu. Mestre Silva, Manhouce, S. Pedro do Sul, 2007