ESTUDO DE CASO DE POSSÍVEL TORNADO NA SERRA GAÚCHA EM 21 DE JULHO DE 2010 Na noite da quarta-feira, 21/07/2010, segundo a Defesa Civil do município de Canela, 488 casas foram danificadas, caíram e postes foram derrubados e 250 árvores de grande porte - como araucárias, ciprestes e sequoias - foram arrancadas na cidadade que fica na serra gaúcha. Felizmente, de tanta destruição, o balanço do órgão aponta que não houve vítimas graves. Onze pessoas tiveram ferimentos leves, como escoriações, e foram atendidas no hospital local. Ninguém precisou ser internado. Os moradores disseram ter presenciado uma forte ventania que durou menos de 1 minuto. A estação automática do INMET registrou rajada de 124 km/h. Mas como estava a atmosfera naquele momento para que favorecesse a ocorrência de um fenômeno meteorológico tão rápido e destrutivo? Para responder a essa pergunta serão analisados campos de variáveis meteorológicas do escoamento atmosférico naquele momento. Primeiramente analisa-se a imagem de satélite (Figura 1). Na imagem chama a atenção a ausência de topos muito frio que caracterizariam uma supercélula, as quais são, tipicamente, as causadoras de tempestades severas com tal poder de destruição. Ao invés disso, tem-se apenas topo entre -40 C e -50 C. Figura 1 Imagem Realçada das 23:30 GMT do dia 21/07/2010. Passa-se então a anlisar a carta sinótica de superfície (Figura 2), onde encontra-se uma frente fria justamente sobre a região da tempestade. Na carta de altitude (Figura 3) tem-se o jato subtropical e polar norte acoplados sobre o RS, favorecendo fortes ventos em altitude na região da Serra Gaúcha. Nas análises da Figura 4 nota-se divergência em 250 pouca a sul da
serra gaúcha, umidade elevada na faixa frontal e levantamento em 500 hpa no nordeste do RS. Todos fatores que possuem contribuição positiva para a formação e desenvolvimento de tempestade severas. Figura 2: Carta Sinótica de Superfície das 00Z do dia 22/07/2010. Figura 3: Carta de Altitude com análise dos jatos de altos níveis às 00Z do dia 22/07/2010.
Figura 4: Análises das 00Z do dia 22/07/2010 em baixos, médios e altos níveis. É provável que as variáveis meteorológicas que começam a fornecer mais pistas sobre o ambiente atmosférico que favoreceu a tempestade são os índices de instabilidade. Na Figura 5 nota-se que exatamente sobre a região onde a tempestade se formou, no nordeste do estado
do RS, tinha-se uma combinação de índices elevados, como K, SWEAT, TT, CT e LI. Cada um desses índices individualmente indica algum tipo de instabilidade, a combinação de todos com valores elevados é algo pouco frequente e que indica alta probabilidade de formação de tempestade severa. Destaca-se que apenas a CAPE não apresentava um valor significativo, mas era compensado pelos valores expressivos dos outros índices. Figura 5: Índices de instabilidade atmosférica às 00Z do dia 22/07/2010. A sondagem de Porto Alegre (Figura 6) das 00Z do dia 22, além dos elevados índices citados acima mostra um forte cisalhamento do vento, inclusive com o tração da hodógrafa saindo da área do gráfico. Essa questão da contribuição do cisalhamento do vento está discutida abaixo.
Figura 6: Sondagem atmosférica de Porto Alegre às 00Z do dia 22/07/2010. E para concluir são mostrados alguns índices mais específicos utilizados na previsão de tordadogênese. Na Figura 7 observa-se um forte cisalhamento do vento entre 0 e 1 km com valores acima de 20 m/s na área de interesse, o que é fator altamente favorável à rotação de correntes ascendentes e consequente tornadogenese. Agregue-se a isso o campo de helicidade relativa à tempestade (Figura 8) que, notávelmente, apresenta máximos e significativos valores sobre a serra gaúcha. Por fim, na Figura 9, o campo de energia-helicidade confirma uma atmosfera tornadogênica no nordeste gaúcho com valores significativos do índice energia-helicidade.
Figura 7: Cisalhamento do vento entre 0 e 1 km Às 00Z de 22/07/2010. Figura 8: Helicidade Relativa à tempestade entre 0-3 km às 00Z de 22/07/2010.
Figura 9: Índice de Energia-Helicidade entre 0-3 km às 00Z de 22/07/2010. Essa análise da nebulosidade, do escoamento, da instabilidade e da estrutura da atmosfera no momento de ocorrência da destruição por ventos em Gramado/Canela mostra que é possível que os estragos tenham sido causados por tornado, inclusive não se descartase a possbilidade de que tenha sido mais de um destes, haja vista à distância entre as cidades de Gramado e Canela, dificilmente percorrida por um único tornado. No entanto, o reconhecimento da possibilidade de ter ocorrido a tornadogênese no nordeste gaúcho não exclui a possibilidade de ocorrência também de uma ou mais micro-explosões, apenas considerando os campos meteorológicos. Cabe ainda uma última consideração a respeito do padrão atmosférico no momento da ventania. Este se refere à imagem de satélite que não mostra convecção muito profunda, típica de supercélulas tornádicas. Isso faria deste possível evento tornádico um evento não-clássico. É possível que o forte cisalhamento em baixos níveis tenha compensado a relativamente pouca profundidade da célula favorecendo a rotação das correntes ascendentes, caracterizando o tornado.