Integração de sistemas laser e fotogramétricos na modelação multiescala: o exemplo das gravuras rupestres da barragem de Belo Monte



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Transcrição:

Integração de sistemas laser e fotogramétricos na modelação multiescala: o exemplo das gravuras rupestres da barragem de Belo Monte Nuno CORTÊS 1,Hélder SANTOS 1, Gil GONÇALVES 2,3 Miguel ALMEIDA 1, Renato KIPNIS 4 1 Morph Lda / Grupo Dryas Octopetala, Coimbra 2 INESC, Coimbra 3 Departamento de Matemática, Coimbra 4 Scientia Consultoria Científica, São Paulo, Brasil (nmrcortes@gmail.com, helderbcsantos@gmail.com, gil@mat.uc.pt, miguel.almeida@dryas.pt, rkipnis@scientiaconsultoria.com.br) Palavras-chave: Laser scanning, Fotogrametria com luz estruturada, Integração de dados, ICP, Modelos 3D, Dados multisensor, Arqueologia, Gravuras rupestres Resumo: No contexto da Arqueologia, a utilização de tecnologias 3D de registo digital de alta resolução tem vindo a facilitar a caraterização dos achados. Em oposição a registos fotográficos e desenhos de campo, que por vezes omitem ou simplificam demasiado a realidade, as tecnologias 3D permitem obter um registo mais completo, detalhado e exato deste tipo de estruturas. No entanto, existem muitas situações em que é necessário utilizar diversos equipamentos que, pelas suas especificações de fabrico, apresentam diferentes limitações quanto ao grau de detalhe e exatidão. Neste artigo é apresentada uma metodologia utilizada na modelação multiescala de gravuras rupestres que, numa abordagem multisensor, integra um sistema fotogramétrico de luz estruturada (Breuckmann SmartSCAN 3D-HE) com um sistema de varrimento laser terrestre (FARO Focus 3D). Dada a diferença de resolução espacial da malha Breuckmann com a nuvem de pontos FARO, o registo destas duas entidades espaciais foi efetuado utilizando três passos adicionais: (1) melhoramento da densidade da nuvem de pontos FARO nas proximidades de cada gravura através de varrimentos adicionais; (2) melhoramento da texturização da cor da malha Breuckmann por forma a facilitar a identificação manual nas duas nuvens de pontos; (3) registo final das nuvens de pontos Breuckmann na nuvem de pontos FARO utilizando o algoritmo ICP (Iterative Closest Point) disponível no software JRC 3D Reconstructor com um EMQ (Erro Médio Quadrático) inferior a 1 mm. 1

1. Introdução A utilização de tecnologias inovadoras na modelação 3D, como a fotogrametria ativa e os sistemas de varrimento laser terrestre, tem permitido uma documentação digital mais detalhada dos sítios arqueológicos. Em comparação com os registos fotográficos e desenhos de campo que por vezes omitem ou simplificam demasiado a realidade observada, as tecnologias 3D permitem obter registos mais completos, detalhados e exatos dos achados arqueológicos. Para muitos dos projetos de maior complexidade, em que o volume dos dados a adquirir e os requisitos de resolução e precisão são muito exigentes, a modelação multiescala com diferentes níveis de detalhe constitui atualmente uma excelente solução. Neste artigo mostramos a integração de dados de um scanner fotogramétrico de luz estruturada (Breuckmann Smartscan 3D-HE) com um sistema de varrimento laser terrestre (FARO Focus 3D), com vista a produzir modelos digitais com integração de dados de diferentes índices de resolução e exatidão. A barragem de Belo Monte (Altamira, Pará, Brasil), que atualmente se encontra ainda em fase de construção, é um projeto de grande envergadura, onde na imensa área prevista de alagamento (superior a 500 km²) foram identificadas diversas ocorrências de gravuras rupestres com valor histórico-arqueológico. No contexto dos trabalhos arqueológicos associados a esta obra, a Morph, Lda. (Grupo Dryas Octopetala) realizou para a empresa brasileira Scientia Consultoria Científica, Lda. a documentação de um conjunto significativo de gravuras rupestres, em oito daqueles sítios de gravuras rupestres, localizados nas margens dos rios Xingu e Bacajá, com o objetivo de garantir pelo registo a preservação de um património que ficará irremediavelmente submerso. A realização deste trabalho tinha por fim garantir a documentação rigorosa das gravuras rupestres e os seus contextos de enquadramento, que o enchimento da barragem submergirá irremediavelmente. Nestes termos, eram requisitos do projeto produzir um conjunto de modelos digitais que permitissem: (1) conservar para memória futura um documento tão detalhado quanto possível de cada gravura, inclusive para efeitos de divulgação científica; (2) permitir aos investigadores a análise e estudo das gravuras a partir dos modelos digitais (oferecendo-lhes uma alternativa à inspeção in loco, tornada impossível pela submersão destes sítios), pelo que os modelos das rochas gravadas deveriam ter uma definição capaz de suportar estudos estilísticos acerca da gramática iconográfica e morfológicos, acerca dos aspetos técnicos das gravuras; e (3) documentar a relação espacial das rochas gravadas entre si e com o rio, a fim de permitir a realização de estudos de análise contextual, distribuição espacial, orientação das superfícies gravadas, etc. 2. Tecnologias utilizadas Dois equipamentos foram selecionados para efetuar esta aquisição, atendendo às suas características que os tornam complementares neste processo de documentação. Os dois objetivos que presidiram à sua seleção, a fim de cumprir os requisitos descritos, foram: - a obtenção de modelos de muito alta resolução da geometria das gravuras com uma resolução de 9 pontos por mm² e com exatidão de 50 µm, com o intuito de efetuar estudos estilísticos e tecnológicos a posteriori; - a obtenção de modelos de alta resolução da zona envolvente, com resolução de 1 mm e com exatidão de 6 mm, de forma a caraterizar o contexto geográfico em que estas foram produzidas. Como consequência destes objetivos, ficam definidas duas escalas de aquisição, uma de grande extensão e resolução moderada, e uma de pequena extensão e muito alta resolução. 2.1 Sistemas de varrimento laser terrestre Para a escala moderada foi utilizado o sistema de varrimento laser terrestre FARO Focus 3D, um scanner que efetua medições pelo princípio da diferença de fase. 2

Figura 1 FARO Focus 3D Este equipamento tem uma taxa de aquisição elevada até 976.000 pontos por segundo, com uma precisão média de aproximadamente 2 mm (FARO, 2011); é possível alterar os parâmetros de resolução e qualidade, permite variar a quantidade de pontos que recolhe no plano horizontal, dividindo a sua capacidade máxima de 40.000 por 2, 4, 5, 8, 10, 16, 20 e 32; a qualidade dos pontos é inversamente proporcional à taxa de aquisição dos pontos, podendo ser alterada entre 1 (máxima) e 8 (mínima). O FARO Focus 3D está equipado com uma câmara fotográfica de 2 MP (Mega Pixéis) que permite obter uma imagem mosaico com 70 MP que corresponde a uma vista de 360º na horizontal por 305º na vertical. O scanner é posicionado em vários locais de forma a captar toda a área de interesse, em cada varrimento são digitalizadas no mínimo três esferas calibradas com raio de 7,25 cm que posteriormente vão permitir registar todos os varrimentos num único sistema de referência local. 2.2 Sistemas fotogramétricos com luz estruturada Para a aquisição do modelo de pormenor das gravuras foi utilizado um scanner fotogramétrico Breuckmann SmartSCAN 3D-HE. Figura 2 - Breuckmann SmartSCAN 3D-HE Este scanner fotogramétrico com luz estruturada baseia-se na utilização de um ou mais sensores fotográficos em conjunção com um padrão de listas verticais projetado no objeto a adquirir, permitindo assim resolver o problema da triangulação (Salvi et al, 2004) e calcular as coordenadas 3D do objeto. Através da calibração das câmaras, com recurso a um painel fornecido pelo fabricante, são estimados os parâmetros internos e externos das câmaras e do projetor, o que permite produzir uma malha triangulada com uma precisão de dezenas de micrómetros, superior à de outros métodos. O scanner efetua a aquisição a uma distância de aproximadamente 1 m do objeto e com uma profundidade de campo que varia entre os 2 e os 35 cm, dependendo da lente utilizada. Para além da aquisição da geometria, é também adquirida uma imagem, com resolução de 2 MP, que é utilizada para atribuir cor ao modelo. Esta informação de cor é associada a cada vértice da malha triangulada. Os varrimentos obtidos são registados num único sistema de coordenadas, para permitir construir o modelo final, sendo o registo efetuado a partir da geometria dos varrimentos com uma sobreposição de pelo menos 50% entre varrimentos consecutivos: são dados três pontos iniciais e com recurso ao algoritmo ICP (Iterative Closest Point) é efetuado o registo. 3. Registo de nuvens de pontos com o algoritmo ICP 3.1 O algoritmo ICP O algoritmo ICP, inicialmente descrito por Besl e Mckay (1992), é o método iterativo mais utilizado para efetuar o registo de nuvens de pontos (K.-L. Low, 2004), ou outros dados espaciais. Dadas duas nuvens de pontos de R3, uma fixa (Q) e uma móvel 3

(P), este método calcula uma transformação rígida F, composta por uma rotação R e uma translação t, minimizando a função objetivo: para todos os pares de pontos correspondentes e Na sua conceção inicial o algoritmo compreende os seguintes passos: 1. Obtenção inicial de pares homólogos (q i,p i), através do input dado pelo utilizador. Esta fase tem como objetivo a determinação dos parâmetros iniciais da transformação F do método iterativo (ou seja e ; 2. Para cada ponto (p i) duma amostra da nuvem de pontos móvel é calculado o ponto mais próximo (q i) na nuvem fixa; 3. Calcular o registo (rotação R e translação t) associado aos pares homólogos obtidos; 4. Aplicar o registo à nuvem de pontos móvel P e determinar o erro médio quadrático obtido. Os passos 2 a 4 são iterados até que o valor de EMQ atinja um valor predefinido. Um dos critérios iniciais para o sucesso do registo das nuvens de pontos consiste na definição de um conjunto de pares iniciais o mais preciso possível, de forma a evitar que o processo iterativo convirja para uma solução errada. Desde que foi inicialmente proposto, têm surgido em diversos softwares diferentes variantes do algoritmo. 3.2 O algoritmo ICP no OPTOCAT e no JRC Reconstructor Nas aplicações utilizadas no projeto, OPTOCAT V9.01.06 e JRC Reconstructor V2.8.1.284, este algoritmo é implementado de formas diferentes. A fim de escolher qual destes dois pacotes de software poderia satisfazer melhor os requisitos do projeto foi feita uma análise comparativa entre as duas implementações (Quadro 1). Tendo em conta o Quadro 1 observa-se que a implementação do algoritmo ICP no JRC Reconstructor coloca à disposição do utilizador um maior número de parâmetros, permitindo ao utilizador um melhor controlo do processo de integração Quadro 1 Comparação entre ICP no JRC e no OPTOCAT Parâmetros JRC OPTOCAT Pré-registo (1ª iteração efetuada pelo utilizador) Subamostragem (estático) (dinâmico) Raio de pesquisa (dinâmico) (estático) Valor de paragem (absoluto, relativo) (absoluto) Bloqueio de translação Número mínimo de pontos homólogos Diferença de normais Número máximo de iterações Número mínimo de iterações Área de sobreposição 4. Metodologia A localização das gravuras ao longo das margens do Rio Xingu e Bacajá obrigou a fazer um cuidadoso planeamento dos tempos de execução. Só assim foi possível terminar as tarefas de campo no tempo previsto, na medida em que as distâncias entre os locais de interesse patrimonial e a cidade eram muito consideráveis e o acesso aos sítios particularmente demorado (consumindo em alguns dos sítios cerca de ½ dia de trabalho). A Figura 3 ilustra a metodologia utilizada na integração dos diferentes dados 4

com vista à modelação multiescala das gravuras rupestres. Os procedimentos utilizados podem agrupar-se em duas fases sequenciais: campo e gabinete. 4.1 Procedimentos de campo Figura 3 Metodologia utilizada no processo de integração Para os diferentes sítios, sempre que possível, as aquisições foram efetuados em simultâneo evitando gastos desnecessários em viagens e em recursos humanos, apesar das aquisições fotogramétricas serem um processo mais demorado que os varrimentos com o laser scanner. 4.1.1 Laser Scanner A metodologia seguida em campo para a obtenção de dados com o laser scanner contemplou o posicionamento de um conjunto de referências (esferas calibradas) que permitiram referenciar todos os varrimentos num único sistema de referência, com as esferas colocadas sempre que possível a cotas diferentes e com boa distribuição geométrica, quer horizontal, quer vertical. As aquisições de campo com o scanner FARO Focus 3D revelaram-se simples devido às dimensões reduzidas do equipamento, fácil de instalar, mesmo que por vezes em sítios de difícil acesso. Como um dos objetivos do varrimento laser scanner era integrar as malhas fotogramétricas no modelo global do sítio, foi efetuado um varrimento adicional frontal a cada um dos painéis de gravuras rupestres, e assim dar informação aos investigadores acerca da sua posição em relação ao meio que as envolve. O FARO Focus 3D permite alterar a resolução dos varrimentos assim como a qualidade dos dados: quanto maior for resolução e a qualidade maior é o tempo de varrimento, pelo que para uma execução em tempo útil se optou por utilizar 1/4 da sua capacidade máxima e o terceiro nível da qualidade que correspondente a 10.000 pontos (espaçamento de 6 mm a 10 metros de distância) no horizonte e um tempo aproximado de execução de 8 minutos. 4.1.2 Scanner fotogramétrico Para operar em campo o scanner 3D fotogramétrico, sensível à luz natural, foi necessária a utilização de uma estrutura de cobertura para reduzir a luminosidade. Foi também necessário utilizar uma fonte de alimentação externa. Por outro lado, a estratégia de registo selecionada foi a da utilização da geometria dos varrimentos. Esta estratégia adequou-se à natureza do objeto a adquirir, que apresenta relevo variado e tornou desnecessária a fixação de uma grande quantidade de alvos, tornando mais expeditas as operações de campo e limpos os modelos finais. Os sucessivos varrimentos foram efetuados em fiadas com uma sobreposição aproximada de 50%. Esta sobreposição permitiu garantir que toda a superfície era coberta sem falhas, e com áreas de superfície comum suficientes para conseguir o registo dos varrimentos de cada painel. Foi também efetuada uma calibração do equipamento em intervalos regulares com recurso a um painel de referência, para evitar a degradação da qualidade dos dados adquiridos em campo. 5

4.2 Procedimentos de gabinete Os trabalhos de gabinete iniciaram-se ainda no Brasil, em simultâneo com o avanço dos trabalhos de campo. Foi feito um registo prévio de todos os varrimentos laser e um registo em baixa resolução das malhas Breuckmann evitando assim que ficassem dados por adquirir. Já em Portugal foram registados os varrimentos do Laser Scanner por sítio, obtendo os seguintes resultados estatísticos: - Erro médio entre 1,5 e 3,2 mm; - Desvio padrão entre 1,2 e 3,7 mm; Após o registo das nuvens de pontos num único referencial, estas foram exportadas para o JRC Reconstructor e neste software foi efetuada uma reamostragem volumétrica com espaçamento de ponto de 0,5 cm para sítios com menos de 20 varrimentos e de 1 cm para sítios com mais de 20 varrimentos. Depois da produção da nuvem de pontos simplificada foi efetuado um seccionamento (secção I, II,...) de forma a não conter mais de 20 milhões de pontos, a fim de permitir uma visualização eficaz dos modelos em computadores com 2 GB de RAM. Foram adicionadas etiquetas a cada gravura na nuvem laser como mostra a imagem seguinte (Figura 4). Figura 4 Modelo final dos dados laser com a localização das gravuras Em relação aos dados fotogramétricos, estes foram processados em alta resolução com o software de processamento do fabricante, o qual permite efetuar o registo das malhas que constituem o painel, recorrendo à própria geometria da malha, utilizando o algoritmo ICP. Esta metodologia requer que as sucessivas malhas adquiridas tenham uma sobreposição suficiente para que este registo tenha sucesso. Considera-se como adequada uma sobreposição próxima dos 50%. Este valor tem ainda a vantagem de permitir capturar a superfície com mais do que um varrimento, minimizando assim as falhas de aquisição. Para o registo dos 75 painéis, na máxima resolução, foi obtido um erro médio quadrático que variou entre os 38 e os 77 µm. Figura 5 Gravura com cor original (esquerda) e gravura com correção da cor (direita) 6

Nas gravuras onde as condições de iluminação não permitiram a obtenção de imagens coerentes, estas foram exportadas e tratadas em software de processamento de imagem obtendo modelos com cor mais homogénea (Figura 5) (H. Santos et al., 2015). 4.3 Integração dos dados fotogramétricos com os dados laser Estando os dados de cada sensor devidamente referidos a um sistema de referência independente, torna-se necessário referir ambos os tipos de dados a um sistema comum, que permita visualizá-los em conjunto. Para tal foi utilizado o software JRC 3D Reconstructor, que permite efetuar a integração de diversos tipos de dados, utilizando o algoritmo ICP. Para facilitar este processo de integração, foi prevista em campo a realização de varrimentos adicionais com o laser scanner nas proximidades das gravuras, melhorando a resolução da nuvem de pontos junto das mesmas. Para integrar os dados laser com os dados fotogramétricos foi necessário transformar as malhas fotogramétricas em nuvens de pontos estruturadas (com distribuição regular no sistema de coordenadas esférico), essa transformação recorreu a uma funcionalidade do JRC Reconstructor, Virtual Scan, que a partir de um determinado ponto de vista cria uma nuvem de pontos estruturada com espaçamento de 1 mm (Figura 6). Essa nuvem é registada no varrimento laser (Figura 6) com o posicionamento mais favorável, primeiro é efetuado o pré-registo ( Pre-registration ) e de seguida o registo fino ( Registration ). Figura 6 Nuvens de pontos laser (esquerda) nuvens de pontos Breuckmann (direita) O processo de registo foi repetido para todos os painéis mas nem sempre este teve sucesso, por vezes o algoritmo não convergiu para uma solução com EMQ reduzido, como mostra o Quadro 2. Quadro 2 Resultados do registo fino das nuvens laser com nuvens fotogramétricas Registo Fino Número de painéis Média Desvio padrão Não converge 20 6,00 mm 2,53 mm Converge 54 0,90 mm 0,28 mm Verificou-se que os resultados obtidos quando o registo teve sucesso foram substancialmente melhores (EMQ < 1 mm) que os resultados obtidos pelo método do pré-registo (EMQ 6 mm). Nos casos em que não houve convergência no registo fino, consideraram-se os valores de EMQ do pré-registo, tendo sempre o cuidado de inspecionar visualmente se a malha fotogramétrica estava devidamente entrelaçada com a malha Laser. Como exemplo apresentam-se duas imagens com as diferenças entre os modelos para as situações de convergência e não convergência (Figura 7). Para terminar o registo das malhas Breuckmann, as matrizes de transformação das nuvens registadas com as nuvens do laser scanner foram copiadas para as malhas 3D fotogramétricas ficando assim todos os dados num único sistema de coordenadas. O projeto final contempla os dados laser apresentados em nuvens não estruturadas e seccionadas, as malhas fotogramétricas e uma localização das mesmas nas nuvens de pontos. 7

Figura 7 Inspeção às nuvens laser com os painéis Breuckamann, convergência sem sucesso (esquerda) e convergência com sucesso (direita) 5. Conclusão A metodologia multisensor adotada permitiu obter um conjunto de modelos 3D que documentam de forma detalhada as áreas definidas nas duas escalas de aquisição e com resultados de integração que cumprem os objetivos do projeto. A integração dos dois sistemas foi conseguida, em 73% dos casos com o algoritmo do IPC a convergir e com um erro médio de 0,90 mm. Nos casos em que o algoritmo não convergiu (27%) obtivemos um erro médio de 6,0 mm, tendo-se então procedido nesses painéis a uma inspeção visual e verificação do entrelaçamento das malhas Breuckmann com as malhas do laser scanner de forma a avaliar a integração. A não convergência do algoritmo para um EMQ reduzido entre as nuvens fotogramétricas dos painéis e as nuvens laser scanner podem estar relacionadas com diversos fatores desde a distância e ângulos do laser scanner em relação às gravuras, a cor e a refletividade da rocha, todas podendo ter afetado a medição da distância e causado ruído na nuvem de pontos. A não convergência do algoritmo também pode ter sido causada pela deriva das aquisições fotogramétricas. A utilização de alvos/referências artificiais poderia ter facilitado o processo de pré-registo mas estes iriam introduzir nos varrimentos elementos externos e a sua remoção causaria falsa informação nos modelos fotogramétricos e nas nuvens de pontos laser, para além de dificultar e atrasar o processo de aquisição no terreno. Finalmente, importa referir que os modelos multiescala produzidos com base nos procedimentos descritos neste artigo responderam integralmente aos objetivos do projeto, cumprindo os requisitos enunciados, nomeadamente proporcionando aos investigadores: a inspeção (geométrica e fotográfica) dos painéis gravados com precisões milimétricas ou sub-milimétricas, para efeitos de estudos estilísticos e técnicos das próprias gravuras à escala do painel, da gravura ou do traço (piquetado, martelado, por abrasão, etc.); a análise à escala do sítio da distribuição, orientação preferencial e relação espacial dos painéis gravados entre si e com os demais elementos relevantes da paisagem envolvente, nomeadamente com o rio. Referências Bibliográficas FARO (2011). Laser Scanner Focus 3D User Manual. FARO Technologies Inc. J. Salvi, J. Pagés, J. Batlle (2004). Pattern Codification Strategies in Structured Light Systems. Pattern Recognition 37(4), pp 827-849.l. P.J. Besl, H.-D. McKay (1992). A method for registration of 3-D shapes, Pattern Analysis and Machine Intelligence K.-L. Low (2004). Linear least-squares optimization for point-to-plane ICP surface registration. Technical Report TR04-004, Department of Computer Science, University of North Carolina at Chapel Hill. H. Santos, N. Cortês, G. Gonçalves, M. Almeida (2015). Correção de cor em imagens em sistemas fotogramétricos de luz estruturada. VIII Conferência Nacional de Cartografia e Geodesia. 8