O CRIME DE LORDE ARTUR SAVILE. Um Estudo sobre o Dever Moral



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Transcrição:

n.contos 29/1/16 11:31 Página 9 O CRIME DE LORDE ARTUR SAVILE Um Estudo sobre o Dever Moral I Era a última recepção de Lady Windermere antes da Páscoa, e Bentinck House estava ainda mais concorrida do que era habitual. Seis ministros, vindos da sessão da Câmara, ostentavam as suas faixas e insígnias, lindas mulheres vestiam elegantíssimas toilettes e, ao fundo da galeria de pintura, estava a princesa Sofia de Karlsruhe, uma senhora de acentuadas feições tártaras, com pequenos olhos negros e maravilhosas esmeraldas, conversando em mau francês, num timbre agudo de falsete, e rindo descomedidamente a tudo quanto lhe diziam. Era, na verdade, uma extraordinária miscelânea de gente. Sumptuosas mulheres de lordes falavam afavelmente com violentos radicais, pregadores populares tocavam ao de leve nas abas dos casacos de eminentes cépticos, um perfeito bando de bispos perseguia de sala em sala uma

n.contos 29/1/16 11:31 Página 10 10 Oscar Wilde prima-dona opulenta de carnes, e na escadaria estavam de pé muitos reais académicos, disfarçados de artistas. Chegou-se a dizer que a sala da ceia estava a transbordar de génios. De facto, era uma das melhores noites de Lady Windermere. A princesa demorou-se até depois das onze e meia. Logo que ela saiu, Lady Windermere voltou para a galeria de pintura, onde um conhecido economista político explanava solenemente a teoria científica da música a um indignado virtuoso da Hungria, e principiou a conversar com a duquesa de Paisley. Era admiravelmente formosa, com o seu alto pescoço de marfim, os grandes olhos azuis e os fartos anéis de cabelo dourado. Eram or pur 1, não essa pálida cor de palha, que actualmente usurpa o gracioso nome de ouro, mas ouro como o tecem os raios de sol, ou se oculta em estranho âmbar; e davam ao seu rosto algo da elevação de uma santa e, não menos, do fascínio de uma pecadora. Era um curioso estudo psicológico. Cedo na vida, descobrira a importante verdade que nada se parece tanto com a inocência como a indiscrição; e, por uma série de descuidadas leviandades, algumas absolutamente inofensivas, adquiriu todos os privilégios de uma personalidade. Mais de uma vez, tinha mudado de marido; na verdade, tivera três maridos mas, como nunca mudou o seu amor, o mundo deixara há muito de falar de escândalo a seu respeito. Estava agora com quarenta anos, sem filhos e com uma desordenada paixão pelo prazer, que é o segredo da perene mocidade. 1 Ouro puro.

n.contos 29/1/16 11:31 Página 11 O Crime de Lorde Artur Savile e Outros Contos 11 De repente, olhou arrebatadamente pela sala e disse na sua voz clara de contralto: Onde está o meu quiromante? Seu quê, Gladys? exclamou a duquesa sobressaltando-se. O meu quiromante, duquesa; actualmente, não posso viver sem ele. Querida Gladys! É sempre tão original! murmurou a duquesa, procurando recordar o que era realmente um quiromante. Vem ler a minha mão duas vezes por semana continuou Lady Windermere, e é muito interessante o que diz. Meu Deus! disse a duquesa baixando a voz, é afinal uma espécie de bruxo. Que horror! Espero que seja um estrangeiro. Isso seria uma atenuante... Devo, na verdade, apresentar-lho. Apresente-o! Não diz que ele está cá? e começou a olhar em volta, com o seu pequeno leque de tartaruga e o xaile de renda, como a preparar-se para o ver. Realmente, está cá; não pensaria em dar uma reunião sem ele. Diz-me que tenho a mão genuinamente psíquica e que, se o meu polegar fosse um pouco mais curto, seria uma pessimista declarada e teria ido para um convento. Oh, compreendo! disse a duquesa, sentindo um grande alívio. Prediz o futuro *, não é? E infortúnios, também... respondeu Lady Windermere, e bastantes. Para o ano que vem, por exem- * He tells fortunes, no original (só assim se percebe o jogo de palavras com infortúnios (misfortunes). (N. T.)

n.contos 29/1/16 11:31 Página 12 12 Oscar Wilde plo, corro um grande perigo, tanto em terra como no mar; irei viver num balão e levantar todas as tardes o meu jantar num cabaz. Está tudo escrito no meu dedo polegar ou na palma da mão. Eu é que me esqueço. Mas, seguramente, isso é tentar a Providência, Gladys? Minha querida duquesa, decerto a Providência pode resistir por esta vez à tentação. Entendo que todos deviam mostrar as mãos, ao menos, uma vez por mês, para saberem o que não devem fazer. Na verdade, todos o deviam fazer. É tão agradável estar prevenido! Bern, se ninguém vai procurar e trazer o senhor Podgers, irei eu. Permite que eu vá, Lady Windermere? disse um alto e elegante jovem que estava ao pé, ouvindo a conversa, com um divertido sorriso. Muito obrigado, Lorde Artur, mas receio que não o conheça. Se ele é tão prodigioso como diz, Lady Windermere, não me poderei enganar. Olhe, não se parece lá muito com um quiromante. Quer dizer, não é misterioso, nem esotérico, nem de aspecto romântico. É um homem pequeno e robusto, com uma engraçada e calva cabeça e uns grandes óculos de aros de ouro, como um médico de aldeia ou um procurador da província. Estou, na verdade, aborrecida, mas não tenho culpa. As pessoas são tão insípidas! Todos os meus pianistas se parecem exactamente com os poetas e todos os meus poetas se parecem exactamente com os pianistas; e lembro-me de que, na época passada, tendo convidado para jantar um conspirador terrível, um homem que tinha mandado muita gente para o outro mun-

n.contos 29/1/16 11:31 Página 13 O Crime de Lorde Artur Savile e Outros Contos 13 do e que trazia sempre uma cota de malha e um punhal sob a manga, sabe que quando ele veio, parecia mesmo um bondoso e velho sacerdote, e passou a noite a chalacear, cheio de graça? Realmente, era muito divertido, mas eu fiquei desapontada. E, quando me informei sobre a cota de malha, apenas se riu e disse que era sobretudo para usar em Inglaterra por causa do frio. Ah, aqui está o senhor Podgers! Agora, senhor Podgers, preciso que me descreva a mão da duquesa de Paisley. Duquesa, deve tirar a luva. Não, a da mão esquerda não; a outra. Querida Gladys, na verdade não julgo que seja mesmo preciso disse a duquesa, desabotoando lentamente a luva de pelica, um pouco manchada. Nada é mais interessante disse Windermere on a fait le monde ainsi 1. Mas eu faço as apresentações. Duquesa, este cavalheiro é o senhor Podgers, o meu caro quiromante. Senhor Podgers, a duquesa de Paisley e, se diz que ela tem o monte da Lua maior do que o meu, nunca mais tornarei a acreditar em si. Estou certa, Gladys, de que não há nada disso na minha mão disse a duquesa gravemente. Vossa Excelência tem toda a razão disse o senhor Podgers, olhando de relance para a pequenina e gorda mão de dedos curtos e bem feitos, o monte da Lua não está desenvolvido. Mas, a linha da vida é excelente. Amavelmente, encurva no pulso. Três linhas distintas na rascette 2! Deve viver até a uma idade avançada e ser extremamente feliz. Ambição muito moderada, linha do intelecto não exagerada, linha do coração... 1 Fizemos o mundo assim. 2 (Em quiromancia) a parte da mão em que as linhas se situam transversalmente.