A união entre técnica e musicalidade na metodologia de ensino do piano da professora Isabelle Vengerova. Introdução



Documentos relacionados
Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

EXPRESSÃO CORPORAL: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA

Isabelle vengerova e a concepção da prática dos acentos como estratégia de estudo da técnica pianística

Copos e trava-línguas: materiais sonoros para a composição na aula de música

O Princípio da Complementaridade e o papel do observador na Mecânica Quântica

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

RESUMO. Palavras-chave: Educação matemática, Matemática financeira, Pedagogia Histórico-Crítica

A DANÇA E O DEFICIENTE INTELECTUAL (D.I): UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA À INCLUSÃO

Dist. da linha saída à 1ª barreira

FILOSOFIA SEM FILÓSOFOS: ANÁLISE DE CONCEITOS COMO MÉTODO E CONTEÚDO PARA O ENSINO MÉDIO 1. Introdução. Daniel+Durante+Pereira+Alves+

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

Papo com a Especialista

UNIÃO EDUCACIONAL DO NORTE UNINORTE AUTOR (ES) AUTOR (ES) TÍTULO DO PROJETO

ao nível de domínio ou integração interna, maiores serão as possibilidade de que se tornem independentes do ambiente (Kaplan, 1987; Knapp, 1989;

Pedagogia Estácio FAMAP

ELABORAÇÃO DE PROJETOS

INSTRUTOR Zeh Blackie. CURSO DE GUITARRA Nível Básico. 7º Passo

O Planejamento Participativo

Montagem e Manutenção. Luís Guilherme A. Pontes

TONALIDADE X FREQUÊNICA

ESTÁGIO EDUCAÇÃO MUSICAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

História da Mídia Impressa na Educação

PERFIL DISC BREVE HISTÓRICO

VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010

PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO

Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática versus Estágio Supervisionado

ADMINISTRAÇÃO GERAL GESTÃO DO DESEMPENHO

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL LEVANTAMENTO DAS MEDIDAS REALIZADAS

JOGOS PARA O ENSINO MÉDIO1

CEREBELO PROFª. RESPONSÁVEL: NORMA M. S. FRANCO ORGANIZADOR: ANDRÉ R MENDONÇA

OS SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA DO PROFESSOR 1. Entendemos que o professor é um profissional que detém saberes de variadas

ADMINISTRAÇÃO GERAL MOTIVAÇÃO

Caderno de Postura. Prof. Luiz Mello

MÍDIAS NA EDUCAÇÃO Introdução Mídias na educação

1. Introdução. 1.1 Contextualização do problema e questão-problema

RESENHA resenha resumo resenha crítica Título: Identificação do resenhista: Referência: Dados sobre o(s) autor(es): Dados sobre a obra: Apreciação:

Áudio GUIA DO PROFESSOR. Idéias evolucionistas e evolução biológica

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

A INCLUSÃO DIGITAL NO ENSINO DE GEOGRAFIA E A UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS EM SALA DE AULA

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

DITADURA, EDUCAÇÃO E DISCIPLINA: REFLEXÕES SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

ARQUITETURA DE COMPUTADORES

INVENÇÃO EM UMA EXPERIMENTOTECA DE MATEMÁTICA: PROBLEMATIZAÇÕES E PRODUÇÃO MATEMÁTICA

JANGADA IESC ATENA CURSOS

Cotagem de dimensões básicas

5 Considerações finais

UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA MOODLE PARA O ENSINO DE MATRIZES E DETERMINANTES

DOENÇAS VIRAIS: UM DIÁLOGO SOBRE A AIDS NO PROEJA

Estruturando o Pré Projeto

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

VII E P A E M Encontro Paraense de Educação Matemática Cultura e Educação Matemática na Amazônia

ipea políticas sociais acompanhamento e análise 7 ago GASTOS SOCIAIS: FOCALIZAR VERSUS UNIVERSALIZAR José Márcio Camargo*

INVESTIGANDO O ENSINO APRENDIZAGEM MEDIADO POR COMPUTADOR - UMA METODOLOGIA PARA REALIZAR PROTOCOLOS

A mobilização de conhecimentos matemáticos no ensino de Física

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA CONTEMPORANEIDADE Amanda Sampaio França

REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO NA MATEMÁTICA ESCOLAR

Objetivo principal: aprender como definir e chamar funções.

FUNDAÇÃO ESCOLA TÉCNICA LIBERATO SALZANO VIEIRA DA CUNHA CURSO DE ELETRÔNICA E MECÂNICA


O PROCESSO DE INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: UM ESTUDO DE METODOLOGIAS FACILITADORAS PARA O PROCESSO DE ENSINO DE QUÍMICA

1. INTRODUÇÃO. [Digite texto]

MODELO PARA ELABORAÇÃO E FORMATAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS DO CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO - ES

NARRATIVAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES 1

1. Criar uma nova apresentação

IDENTIFICANDO AS DISCIPLINAS DE BAIXO RENDIMENTO NOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS AO ENSINO MÉDIO DO IF GOIANO - CÂMPUS URUTAÍ

CARTA ABERTA EM DEFESA DO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA

TÍTULO: AMBIENTE VIRTUAL PARA O ENSINO DE LÓGICA EM PORTADORES DE TDAH

Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos. Professora Mestranda Elaine Araújo

PROVA BRASIL E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Anexo F Grelha de Categorização da Entrevista à Educadora Cooperante

Henri Fayol ( ) Teoria Clássica da Administração. Contexto de Fayol: Para Fayol Administrar é:

PRINCIPAIS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PROFESSORES DE QUÍMICA DO CEIPEV. E CONTRIBUIÇÃO DO PIBID PARA SUPERÁ-LAS.

Elaboração de Projetos

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

ISSN PROJETO LUDICIDADE NA ESCOLA DA INFÂNCIA

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

MÉTODOS E TÉCNICAS DE AUTOAPRENDIZAGEM

Q-Acadêmico. Módulo CIEE - Estágio. Revisão 01

O PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO NO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DA CIDADE DO RECIFE

Base Nacional Comum Curricular Lemann Center at Stanford University

PROJETO DE PESQUISA: INDICAÇÕES PARA SUA ELABORAÇÃO

Índice. 1. Metodologia de Alfabetização Aprendizagem da Escrita Aprendizagem da Leitura...6

ELABORAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA: TEMA, PROBLEMATIZAÇÃO, OBJETIVOS, JUSTIFICATIVA E REFERENCIAL TEÓRICO

UMA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM ATRAVÉS DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO - CURSO DE FORMAÇÃO EM SHIATSU Por Márcia Gregato

Escalas I. Escalas - I. Escala Pentatônica Menor e Escala Penta-blues. Assista a aula completa em:

Data 23/01/2008. Guia do Professor. Introdução

SUPERVISOR DARLAN B. OLIVEIRA

OS SABERES PROFISSIONAIS PARA O USO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS NA ESCOLA

PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO. Prof. Msc Milene Silva

Um breve estudo sobre o Nado Borboleta.

O ESTUDO DO HANON NA MÚSICA POPULAR: UM NOVO OLHAR PARA A SUA TÉCNICA PIANÍSTICA

Gerenciamento da Integração (PMBoK 5ª ed.)

A educadora avalia a formação de nossos professores para o ensino da Matemática e os caminhos para trabalhar a disciplina na Educação Infantil.

Transcrição:

A união entre técnica e musicalidade na metodologia de ensino do piano da professora Isabelle Vengerova Tarcísio Gomes Filho Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) gomesfilho@uern.br Resumo: Este artigo consiste em um recorte da pesquisa sobre técnica pianística, orientada pelo Prof. Dr. Maurícy Martin, durante o curso de mestrado em música na Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. A abordagem metodológica, em relação aos movimentos utilizados na execução, tem como fundamentação os conceitos originados da escola pianística da professora Isabelle Afanasievna Vengerova (1877-1956), complementados pelo estudo de outros autores e da mecânica das mãos. Em um segundo estágio, a aplicação da técnica ocorreu em peças do repertório tradicional, com o objetivo de criar um modelo de estudo aplicável a outros repertórios. Uma dos principais resultados alcançados com a pesquisa foi a criação de um material de cunho didático e informativo voltado a alunos e professores de piano. A conclusão aponta os benefícios adquiridos por esta prática de execução e sugere aplicação em outras peças. Introdução O objetivo desta pesquisa foi gerar um material de cunho didático e informativo, sobre técnica pianística, voltado a alunos e professores de piano, além de divulgar as concepções sobre técnica pensadas pela professora Isabelle Afanasievna Vengerova (1877-1956) 1. Desenvolvemos um trabalho alicerçado na maior gama possível de conhecimentos dos meios físicos e anatômicos diretamente ligados à execução do instrumento e por conseqüência deste processo, a busca da sonoridade que implica no gesto em função do som a ser adquirido e do fraseado desejado. As idéias aqui apontadas foram fundamentadas na escola pianística da pedagoga russa Isabelle Vengerova 2 e complementados pelo levantamento bibliográfico de outros autores e pelo estudo da mecânica das mãos por meio da anatomia e fisiologia 3. Ao longo da pesquisa, a experiência com o Prof. Dr. Maurícy Martin, que representa no Brasil uma segunda geração da escola da professora Vengerova 4, envolveu a reflexão 1 A professora Vengerova nasceu em Minsk, na Rússia, em 1877. Sua formação aconteceu em Viena e em São Petersburgo. Teve como mestres Joseph Dachs, Theodor Leschetizky e Annette Essipoff. Lecionou em Kiev, São Petersburgo, Nova York e Filadélfia. De seu trabalho resultou uma geração de pianistas como, dentre outros, Samuel Barber, Leonard Bernstein, que além de compositores, eram pianistas atuantes, e Lucas Foss e Anthony di Bonaventura que são professores da Universidade de Boston. Vengerova faleceu em 7 de fevereiro de 1956, em Nova York (REZITS, 1995, p.39; SCHICK, 1982, p.1). 2 REZITS, 1995; SCHICK, 1982; GERIG, 1990. 3 Muitos dos conceitos sobre anatomia e fisiologia foram estudados no livro A técnica pianística Uma abordagem Científica do Prof. Dr. Cláudio Richerme (RICHERME, 1996). 24

sobre a performance do pianista, no que se refere à consciência corporal e ao uso adequado dos segmentos do corpo utilizados na execução, além do aprimoramento da escuta musical. Pressupostos teóricos A pesquisa incorporou dois pressupostos teóricos que se completam em linha de pensamento: A idéia defendida pelo professor José Alberto Kaplan de que tocar piano ou qualquer outro instrumento não se constitui em uma ciência, mas que, todavia, não há razões que invalidem a pretensão de que sua técnica de execução e seu ensinamento possam estar alicerçados em premissas de caráter cientifico (KAPLAN, 1978, p.12) e a idéia defendida pelos professores Mirian Ciarlini e Maurílio Rafael sobre a necessidade de conhecimento do corpo, uma vez que a noção correta de sua constituição permite o seu melhor uso (CIARLINI; RAFAEL, 1994, p.32). Os princípios da técnica pianística Segundo Robert Schick, ex-aluno de Vengerova, o método de ensino por ela organizado, tinha como base fundamental a produção do som, o desenvolvimento do controle do toque, a flexibilidade e a velocidade (SCHICK, 1982, p.12). Os pontos fundamentais são: 1. O uso do pulso 5 Dentre todos os aspectos que representam a escola de Vengerova esta é a que mais a caracteriza. O pulso é utilizado como ativador da velocidade de ataque das teclas e está diretamente ligado à produção de acentos e controle da sonoridade. Robert Schick comenta que no método de Vengerova, o estudante é primeiramente introduzido aprendendo como tocar um acento em cada nota. Isto é, primeiro inicia-se tocando acentos em cada nota para que o aluno aprenda a usar o movimento do pulso e também para que consiga executar notas numa sonoridade forte sem a utilização da força nos dedos, e sim recorrendo à velocidade do ataque. 1.1 A Flexibilidade do pulso 4 O Prof. Dr. Maurícy Martin teve acesso a esta técnica quando passou a estudar, nos Estados Unidos, na Boston University, com o Prof. Anthony di Bonaventura, discípulo da Profª Vengerova que ainda hoje trabalha em cima das idéias por ela elaboradas. 5 Estamos usando o termo pulso em lugar de punho, por ser mais corriqueiro no meio pianístico. 25

Leschetizky dava grande importância à flexibilidade do pulso, para ele o livre movimento do pulso era uma estratégia para conservar a elasticidade da mão. Chiantore ao descrever a prática de Leschetizky alega que, este comportamento pode ser uma versão ampliada da suave vibração que Liszt e Chopin haviam conhecido (CHIANTORE, 2001, p.635). Neste contexto, o professor Cláudio Richerme afirma que: (...) muitos teóricos se referem a essa flexibilidade como uma importante característica técnica de certos grandes pianistas, especialmente na execução de oitavas e de acordes (RICHERME, 1996, p.178). 1.2. A produção de acentos por meio do pulso Deve-se levantar o pulso, até o ponto onde não se perca a curvatura dos dedos, que por sua vez, não devem também perder o contato com as teclas. O pulso irá se dirigir rapidamente para baixo, transferindo, ao mesmo tempo, a energia para a ponta dos dedos abaixando a tecla ou as teclas desejadas (SCHICK, 1982, p.22). Desta maneira, o acento é obtido não pela força do dedo que pressiona a tecla, nem pela percussão do mesmo e sim pela velocidade gerada no ataque. O dedo apenas se mantém com o tônus mínimo necessário para não perder a flexão de suas três articulações 6 e poder conduzir a energia do impulso gerado à tecla. As fotos a seguir demonstram os movimentos do pulso na execução dos acentos. Foto 1 Preparação para o acento Foto 2 Conclusão do acento 2. A posição da mão Segundo Schick, Vengerova pensava o posicionamento da mão da seguinte maneira: O terceiro dedo (o mais longo) próximo às teclas pretas, o segundo e o quarto dedos um pouco atrás, o quito dedo sobre o meio do caminho entre a tecla branca e a preta, e o 6 Sobre as três articulações dos dedos ver Richerme (RICHERME, 1996, p.38). 26

polegar colocado lateralmente sobre a tecla. As articulações são arcadas, e a mão deve conservar o plano ajustado a não inclinar em direção ao polegar ou ao quinto dedo (SCHICK, 1982, p.22). comenta que: O professor Cláudio Richerme (1996) dá a esta posição o nome de posição básica e A posição básica exige contrações musculares, assim como qualquer outra posição sobre o teclado também exige, embora em locais e dosagens diferentes. (...) a contração dos extensores do pulso só se mantém enquanto os dedos estiverem relaxados. A uma pequena força que o dedo fizer para baixo, os extensores do pulso são os primeiros músculos a se relaxarem (...) (RICHERME, 1996, p.123). Esta posição coincide com a posição funcional do pulso. Segundo Kapandji, ela se corresponde com a máxima eficácia dos músculos motores dos dedos, sobretudo, dos flexores (KAPANDJI, 2000, p.172). 2.1. Os dedos 2 a 5 Estes se movimentam a partir da flexão da primeira articulação, a articulação metacarpo falângea, enquanto a segunda e terceira articulações, também permanecem flexionadas. Estas últimas articulações devem estar flexíveis, e a ponta do dedo deverá abaixar a tecla verticalmente (RICHERME, 1996, p.99 100). Foto 7 Posição dos dedos 2.2. O polegar Em se tratando de um dedo diferente dos demais por se posicionar deitado sobre a tecla, o seu movimento para abaixá-la é de abdução. Todavia, como nos demais dedos sua movimentação se inicia na primeira articulação a carpo metacárpica. 27

Nas passagens de polegar, este pode se comportar de duas maneiras: Ativamente, quando passa por baixo dos dedos, realizando o movimento de flexão e passivamente quando os demais dedos é que passam por cima dele. 3. Uso do toque não percussivo Robert Schick afirma que no método de Vengerova: A ponta do dedo deve estar em contato com a tecla todo o tempo. O toque básico de Vengerova é preparado não percussivamente (SCHICK, 1982, p.23). Sobre o uso deste toque, Richerme pondera: Do ponto de vista fisiológico, são grandes as vantagens do toque não percussivo de dedo sobre o percussivo. Elevar os dedos e mantê-los altos significa um consumo extra de energia muscular. E o tempo gasto para elevar o dedo e tornar a abaixá-lo até encostar a tecla é um fator contrário à agilidade. (RICHERME, 1996, p. 97) 4. O relaxamento, ou seja, a racionalização do uso energia O termo relaxamento tem causado polêmicas quando se fala de técnica pianística. Todavia, quero deixar claro que na verdade, estou tratando da racionalização do uso de energia e de uma boa coordenação do sistema muscular. É sabido que sem a contração muscular, é impossível haver movimento ativo de qualquer segmento do corpo humano. Assim sendo, na técnica de execução do piano, deve-se evitar a contração simultânea de músculos antagonistas no movimento pretendido, para que estes não causem a imobilização por fixação, das articulações utilizadas. 5. O uso do peso do braço, e a transferência do mesmo pelos dedos em passagens específicas. O uso do peso do braço seja ele imóvel ou em movimento não quer dizer que o mesmo esteja passivo, pois para o seu uso se faz necessária à contração 7 ativa de músculos motores dos dedos, bem como de outros segmentos do braço. Além disso, quando se utiliza o peso do braço, na verdade, trata-se de parte do peso. O dedo ao receber o peso do braço, está dividindo-o, no mínimo, também com a outra extremidade que sustenta o braço inteiro, no caso o ombro. Na transferência de peso, a sustentação do peso do braço é direcionada para o 7 A contração muscular não esta necessariamente ligada à fixação muscular. 28

dedo e durante a execução, transferida de um para o outro, ou para vários dedos (um acorde, por exemplo). 6. Quiet upper arm Esta expressão diz respeito a não utilização da parte superior do braço, ou seja, do ombro na produção do som. O pulso é que está diretamente ligado à produção sonora. É evidente que o antebraço também participa da produção, ou numa visão mais minuciosa, até o braço inteiro, mas nunca o impulso virá do ombro. Estes seis tópicos compõem o centro da escola de Vengerova. Nossa pesquisa voltouse primeiramente para a experimentação destes e num segundo plano, para a aplicação na execução de peças. Metodologia de trabalho Aplicação da técnica Os itens relacionados à técnica anteriormente citados necessitam de uma iniciação por meio de exercícios. Nesta iniciação, tomei por base a própria metodologia trabalhada, durante o decorrer desta pesquisa, nas aulas com o Profº. Dr Maurícy Martin e do constante contato com seus alunos. A metodologia abarca a seqüência discriminada a seguir. Todavia, por considerarmos o item 3 de suma importância, este será o único detalhado. 1) Consciência dos estados de relaxamento e tensão nos segmentos do corpo utilizados na execução; 2) Posição da mão no teclado; 3) A produção dos acentos por meio do pulso: O aluno deve ser introduzido neste sistema de técnica e produção do som aprendendo como tocar um acento em cada nota com a posição básica (arcada) dos cinco dedos. O primeiro exercício de iniciação ao estudo desta técnica é chamado playing in ones, (SCHICK, 1982, p. 22) e a sua aplicação ocorre inicialmente em cinco notas. A finalidade é obter um acento em cada nota pela velocidade do ataque, conseguindo desta maneira um som forte sem o uso de força nos dedos. 29

Figura 1 Playing in ones Após dominado este exercício, passa-se então a realizar os acentos em grupos de duas notas, depois em três, quatro e oito notas. Desta maneira o aluno começa a executar pequenos grupos de notas e diferenciar sonoridades entre sons fortes e suaves. A intenção é que depois se consiga executar um trecho musical com um só gesto descendente, correspondente a thesis, seguido de gesto ascendente para as demais notas. Deste modo o emprego do acento irá corresponder ao acento musical e a idéia correta do fraseado. Figura 2 Acentos em dois, três e oito No que concerne a aprendizagem a metodologia da professora Vengerova, pode se pensar numa aproximação do modelo T.E.C.L.A. de Swanwick 8 (2003). Após os exercícios de consciência corporal a seqüência se desenvolve em: T Técnica (manipulação do instrumento e audição); E Execução (tocar); A Apreciação (Neste caso, a própria sonoridade obtida). Os itens C (Composição) e L Literatura (história da música) são aplicados na medida em que o repertório passa a ser trabalhado. Também em concordância com este educador musical, o processo de aquisição da técnica está sempre voltado à escuta, parâmetro principal do trabalho, uma vez que cada gesto deve ser empregado em função do som a ser adquirido. 8 O modelo T.E.C.L.A. de Swanwick se caracteriza pela seqüência T- Técnica (manipulação do instrumento, notação simbólica, audição) E- Execução(tocar, cantar) C- Composição (criação, improvisação) L- Literatura (história da música) A- Apreciação (reconhecimento de estilos/ forma/ tonalidade/ graus). 30

Considerações finais Após o contato com estes princípios concluímos que o método dos acentos ajuda os dedos a adquirirem independência e resistência. Em relação à transferência de peso, esta auxilia no toque legato, pois ao transferir o peso da ponta do dedo para o próximo, enquanto o acento é removido, fica mais fácil obter este tipo de toque. Outro ponto importante é a consciência corporal. Com este domínio é possivel relaxar sempre que for preciso e com o relaxamento do pulso e do antebraço, evita-se a rigidez que pode causar a desigualdade rítmica em uma passagem. Sobre o uso do pulso, fica mais fácil tocar um acento onde quer que se deseje, além dos os movimentos da própria técnica já auxiliarem no fraseado e no controle da dinâmica. Este método pode ser utilizado para o estudo de qualquer peça do repertório pianístico. Aconselhamos sua aplicação como estratégia de estudo, sendo as passagens trabalhadas lentamente para que se observe com atenção cada gesto empregado e também de mãos separadas, para que haja independência e maior segurança entre os movimentos. Em relação ao ensino do instrumento, tendo por base os princípios aqui detalhados, exige do professor uma postura voltada não somente à transmissão dos conteúdos, ou um fazer apenas técnico, mas também a aspectos psicológicos dos alunos, uma vez que os princípios desta técnica não são de assimilação imediata, e por isso um acompanhamento voltado ao diálogo e ao encorajamento é essencial. Referêcias CHIANTORE, Luca. Historia de la técnica pianística. Madrid: Alianza Editorial, 2001. CIARLINI, Myrian RAFAEL, Maurílio. O piano. Campina Grande: Edições LIAA, 1994. FONTAINHA, Guilherme Halfeld. O ensino do Piano: Seus problemas técnicos e estéticos. São Paulo: Carlos WEHRS, 1956 GERIG, Reginald. Famous pianists & their technique. 3 ed. Washington: Robert B. Luce, 1990. GOMES FILHO, Tarcísio. O idioma pianístico de Heitor Villa-Lobos Técnica aplicada em quatro peças. Dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2004. 31

HAMIL, Joseph; KNUTZEN, Kathleenn. Bases biomecânicas do movimento humano. Tradução Lília B. Ribeiro. São Paulo: Manole, 1999. KAPANDJI. A. I. Fisiologia Articular: Esquemas comentados de mecânica humana. Vol. I 5ed. São Paulo: Panamericana, 2000. KAPLAN, José Alberto. O ensino do piano: ponderações sobre a necessidade de um enfoque cientifico. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 1977.. O ensino do piano: o domínio psico-motor nas práticas curriculares da educação músico-instrumental. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 1978.. O ensino do piano: reflexões sobre a técnica pianística. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 1979.. Teoria da aprendizagem pianística. Porto Alegre: Movimento, 1987. LEIMER, Karl GIESEKING, WALTER. Piano Technique. New York: Dover, 1972. NETTER, Frank H. Atlas de Anatomia Humana. 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. PERLAFSKY, Israel. Introdução à pedagogia do piano. São Paulo: Irmãos Vitale, 1954. REZITS, Joseph. Beloved Tyranna: The Legend and Legacy of Isabelle Vengerova. Bloomington, Indiana: David Daniel, 1995. RICHERME, Cláudio. A Técnica Pianística: uma abordagem científica. São João da Boa Vista: AIR Musical, 1996. SÁ PEREIRA, Antônio. O ensino do piano. São Paulo: Ricordi, 1964. SCHICK, Robert D. The vengerova system of piano playing. Pennsylvania: Pennsylvania State Press, 1982. SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003. 32