Renin Angiotensin Aldosterone System and Cardiovascular Homeostasis



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Sistema Renina Angiotensina Aldosterona Artigo e de Homeostase Revisão / Review Cardiovascular Article Sistema Renina Angiotensina Aldosterona e Homeostase Cardiovascular Renin Angiotensin Aldosterone System and Cardiovascular Homeostasis Anderson Martelli a * Resumo Os seres vivos são dotados de inúmeros sistemas biológicos para a manutenção da homeostase cardiovascular. Esses sistemas são compostos por um conjunto de substâncias que permitem ao indivíduo responder a variações do meio interno ou estímulos externos. Dentre os vários sistemas enzimáticos de controle responsáveis pela regulação cardiovascular, um dos mais importantes é o sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA). A presente revisão faz uma abordagem relevante sobre os aspectos histomorfológicos das células justaglomerulares que compõe o aparelho justaglomerular e os mecanismos de síntese e liberação de renina, uma enzima proteolítica sintetizada, armazenada e secretada por estas células. Uma vez sabendo que o SRAA desempenha importante função na regulação da pressão arterial e na homeostase eletrolítica e como a renina participa na primeira eta pa da ativação desse sistema, compreender as estruturas histológicas e o papel desempenhado por esta enzima é de fundamental importância no entendimento dos mecanismos fisiológicos de restauração e controle da pressão arterial. Palavras-chave: Sistema renina-angiotensina. Aldosterona. Células justaglomerulares. Pressão Arterial Abstract Living organisms are endowed with numerous biological systems for the maintenance of cardiovascular homeostasis. These systems are comprised of a number of substances that allow the person to respond to variations in the internal environment or external stimuli. Among the various enzyme systems responsible for controlling cardiovascular regulation, one of the most important is the Renin Angiotensin Aldosterone System (RAAS). This review is an important approach to the histopathological aspects of the juxtaglomerular cells that compose the juxtaglomerular set and the mechanisms of synthesis and release of renin, a synthesized proteolytic enzyme, stored and secreted by these cells. Once aware that RAAS plays an important role in regulating blood pressure and in electrolyte homeostasis, and as renin participates in the first step of activation of that system, to understand the histological structures and the role played by this enzyme is of paramount importance in understanding the physiological mechanisms of restoration and blood pressure control. Keywords: Renin-Angiotensin System. Aldosterone. Juxtaglomerular Cells. Blood Pressure a Especialista em Laboratório Clínico Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Biólogo da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Itapira - SP. E-mail: martelli@fcm.unicamp.br. * Endereço para correspondência: Rua Duque de Caxias, 229 Centro, Cep: 13974-345 - Itapira SP. 1 Introdução Os seres vivos são dotados de vários sistemas biológicos para a manutenção da homeostase cardiovascular. Tais sistemas são compostos de um conjunto de peptídeos, enzimas e pró-hormônios, que atuam em muitos casos de maneira redundante, e que permitem ao indivíduo responder a variações no meio interno ou responder a estímulos externos 1. Entre os vários sistemas enzimáticos de controle responsáveis pela regulação cardiovascular, um dos mais importantes é o sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA) 1,2. Este sistema consiste numa cascata de reações, no qual os pontos limitantes são o substrato primário (angiotensinogênio) e duas enzimas (renina e enzima conversora de angiotensina I), que, em última análise, representam a principal via de produção de angiotensina II (peptídeo efetor do sistema) 1. A renina é caracterizada por ser uma enzima proteolítica, sendo sintetizada, armazenada e secretada pelas células justaglomerulares localizadas no rim, sistema este que será detalhado mais adiante. Já se passou mais de um século após a descoberta desta enzima por Robert Tigerstedt e Bergman, quando em 1898, eles demonstraram que a injeção de extrato salino renal continha um fator hipertensor que chamaram de Renina, que determinava vasoconstrição e possivelmente estivesse implicado na gênese da hipertensão arterial 3,4. Tal descoberta demonstrou ter clara relação com a hipertensão arterial, quando foi postulada no trabalho de Richard Bright, aproximadamente 60 anos depois, sua ligação com problemas renais 5. No entanto, como seus experimentos não puderam ser confirmados, a renina ficou esquecida até 1934, quando foram divulgados os clássicos estudos de Harry Goldblatt, que a colocaram novamente em lugar de destaque no mundo científico. Em 1940, Braun-Menéndez na Argentina e Page e Helmer nos Estados Unidos, comprovaram ser a renina uma enzima 3,4 que atua sobre um substrato protéico do plasma, catalisando a formação de um peptídeo hipertensor, o qual foi designado como hipertensina pelo grupo argentino, e angiotonina pelos americanos 5. Estes termos persistiram por 20 anos, passando então a Martelli A. UNOPAR Cient Ciênc Biol Saúde 2010;12(4):51-5 51

comunidade científica a adotar os nomes de angiotensina para a substância pressora e de angiotensinogênio para o substrato presente no plasma 5. 2 Análise Histomorfológica do Aparelho Justaglomerular e a Síntese de Renina Próximo ao corpúsculo renal localiza-se a arteríola aferente de diâmetro relativamente largo, não apresentando membrana elástica interna e suas células musculares lisas apresentam-se significativamente desenvolvidas e modificadas. Essas células foram denominadas de células justaglomerulares 6-9. Histologicamente, essas células justaglomerulares apresentam núcleos esféricos e citoplasma carregado de grânulos de secreção e próxima a elas é possível observar um epitélio celular denominada de mácula densa localizadas no túbulo distal do néfron, ambas formando o aparelho justaglomerular (Figura 1) 2,6,7,10. glomerular estática e dinâmica, síntese dos componentes da matriz extracelular e uma série de outras substâncias 11,12, capazes de controlar a filtração glomerular através de sua capacidade de contração e relaxamento, participando também do processo de depuração de macromoléculas circulantes, tais como imunocomplexos 11. Ao microscópio eletrônico as células justaglomerulares apresentam também características de células secretoras de proteínas, com abundância de retículo endoplasmático rugoso e aparelho de Golgi desenvolvido 7. Segundo Junqueira e Carneiro 7, os grânulos de secreção intracelulares medem cerca de 10 a 40 nm e reunem-se em aglomerados que parecem constituir a forma madura de secreção. São estas células justaglomerulares que vão sintetizar e armazenar a enzima renina. 3 Renina e seu Papel Fisiológico no Sistema Renina Angiotensina Aldosterona Arteríola aferente Células justaglomerulares Camada perietal da cápsula de Bowman Túbulo distal Mácula densa do túbulo distal Arteríola eferente Pólo vascular Camada visceral da cápsula de Bowman A Capilares glomerulares Arteríola TCD JG Endotélio B O SRAA (Figura 2) desempenha importante função na regulação da pressão arterial e da homeostase eletrolítica 13-15 com sua cascata bioquímica sendo iniciada com a liberação de renina pelas células justaglomerulares renais 2,16-18. PRO-RENINA Mácula densa Fonte: Baseado em Junqueira e Carneiro 7 C Em B um corte histológico mostrando na parede da arteríola aferente células musculares lisas modificadas denominadas de células justaglomerulares (JG) produtoras de renina. No quadrante C, corte transversal de um túbulo distal mostrando um conjunto de células epiteliais estreitas formando a mácula densa e em D, uma fotomicrografia de um glomérulo renal onde é possível observar o citoplasma das células justaglomerulares ricos em grânulos de secreção (cabeça da seta) contendo renina. Figura 1: Corpúsculo Renal. Na ilustração A encontramos no pólo vascular, as arteríolas aferente e eferente e um conjunto de células formando a mácula densa. As células da mácula densa contêm um aparelho de Golgi (organelas secretoras intracelulares) bastante desenvolvido, sugerindo que essas células possam secretar substâncias direcionadas para as arteríolas aferente e eferente 2. Também fazem parte do aparelho justaglomerular células com citoplasma claro, denominada células mesangiais extraglomerulares 7. São células multipotentes, capazes de realizar de maneira integrada diversas e especializadas funções biológicas como manutenção da arquitetura D Kalicreína Plasmina Tonina E lastasa tpa Catepsina G ECA Catepsina G Quimasa CAGE Tonina tpa RENINA ANGIOTENSINÓGENO ANGIOTENSINA I ANGIOTENSINA II Catepsina G Tonina E lastasa tpa A renina liberada pelas células justaglomerulares atua no substrato angiotensinogênio formando decapeptídeo angiotensina I, esta sofre ação da enzima conversora de angiotensina (ECA) e outras proteases, sendo convertida nos endotélios vasculares e/ou enzimas solúveis do plasma no octapeptídeo angiotensina II. Figura 2: O Sistema Renina Angiotensina Aldosterona (SRAA) Atualmente este sistema tem sido objeto de intensa investigação principalmente com o advento da biologia molecular, permitindo a confirmação de que não se trata apenas de um sistema endócrino tradicional 3,13,16 e sim de amplas possibilidades funcionais e teciduais, na medida em que foram detectados e identificados RNAs mensageiros para renina em inúmeras estruturas e órgãos como nos vasos sanguíneos, miocárdio, adrenais, cérebro, rim e órgãos do sistema reprodutor 3. A renina, na maioria das espécies, é codificada por um único gene. No homem o gene REN está localizado na região 52 Martelli A. UNOPAR Cient Ciênc Biol Saúde 2010;12(4):51-5

1q32 18. É uma proteinase composta por aproximadamente 350 aminoácidos 2,5,19 e por dois lobos homólogos que na sua fenda interna possui dois resíduos de ácido aspártico com atividade catalítica 20, sendo esta sintetizada e armazenada nas células justaglomerulares do rim, 2,5,19 (além do aparelho justaglomerular) liberada através das arteríolas aferentes e transformando-se em renina ativa principalmente nos tecidos 3. Essa enzima pertence à família das aspartilproteases, responsável pela clivagem do angiotensinogênio, um glicopeptídeo que serve de substrato para a renina, que por sua vez é uma proteína de peso molecular de aproximadamente 60 kda, produzido em vários tecidos, como no adiposo, fígado, cérebro e outros órgãos 3. A renina participa na primeira eta pa da ativação do SRAA clivando a ligação entre os resíduos de aminoácidos 10 e 11 (ligação Leu Val) da parte N-terminal dessa proteína plasmática o angiotensinogênio 9,16 resultando a liberação do decapeptídeo angiotensinai 2,5,10. A renina apresenta especificidade muito grande pelo seu substrato, o angiotensinogênio 16. A forma ativa da renina é uma glicoproteína inicialmente sintetizada como preproenzima com 406 aminoácidos, que por sua vez é processada em pró-renina, forma inativa da proteína. A pró-renina é, então, finalmente ativada por uma enzima que até o momento não está bem caracterizada 1,5. Cabe lembrar que a pró-renina representa 80% a 90% de toda renina circulante no plasma humano, porém não tem papel fisiológico ou patológico bem definido. Posteriormente, sob ação da enzima conversora de angiotensina (ECA) contida no endotélio vascular e/ou por enzima solúvel no plasma, a angiotensina I é convertida no octapeptídeo angiotensina II (Figura 2), substância ativa responsável pelos principais efeitos fisiológicos associados ao SRAA 10,16,17,21,22. A angiotensina II, entretanto, pode também ser gerada a partir de uma série de outras peptidases capazes de clivar a ligação entre o aminoácido 8 e 9 (ligação Phe His) do decapeptídeo 21. A formação de angiotensina II, através de outras peptidases, que não a enzima conversora de angiotensina, tem sido referida na literatura como vias alternativas de geração de angiotensina II. Vários estudos têm mostrado que essas vias alternativas seriam mais importantes na formação da angiotensina II em nível tecidual (Figura 2). Segundo estudos 21,23 a primeira descrição bioquímica de uma dessas vias foi feita por Boucher demonstrando que a tonina obtida a partir da glândula salivar de rato, era capaz de clivar a angiotensina I gerando a angiotensina II. A partir desse estudo inicial, outras peptidases capazes de clivar angiotensina I em angiotensina II foram descobertas como a tripsina, calicreína, catepsina G e a quimiotripsina localizada na pele de humanos e ratos 21,23. Observa-se, assim, que várias proteases presentes em locais diferentes do organismo são capazes de gerar angiotensina II, a partir da angiotensina I ou do próprio angiotensinogênio. Mais recentemente, uma serina-protease denominada quimase, tem recebido muita atenção pela sua grande importância como via alternativa de geração de angiotensina II em vários locais, particularmente no coração e nos vasos sanguíneos 21,22,24. Segundo Resende e Mill 21, a quimase está localizada preferencialmente em grânulos citoplasmáticos de mastócitos e no interstício cardíaco e a enzima conversora de angiotensina está presente principalmente nas células endoteliais, com os sítios catalíticos expostos para a superfície vascular. Assim, em condições mais próximas às fisiológicas, a enzima conversora de angiotensina teria maior acesso à angiotensina I presente no plasma, do que a quimase 21, o que intensifica a conversão de angiotensina I em angiotensina II por esta via. Além da angiotensina II, outras angiotensinas produzidas têm ações específicas e entre as melhores caracterizadas estão as angiotensina III; angiotensina IV 18 ; e angiotensina 1-7 18,24. As ações reguladoras da angiotensina II são mediadas por receptores de superfície celular que estão acoplados por meio da proteína G, a efetores, incluindo a fosforilase C e a adenilciclase, apresentando quatro classes farmacologicamente distintas de receptores para as angiotensinas: AT1, AT2, AT4 e AT1-7 18. Os receptores AT1 estão localizados na membrana plasmática das células-alvo para a angiotensina II como as células da musculatura lisa vascular, adrenais, miocárdicas e cerebrais e parece ser o mediador das principais ações fisiopatológicas, sendo por meio dele que o SRAA influencia a pressão arterial 18. Com o advento da biologia molecular, todas as proteínas que compõem o SRAA tiveram seus genes codificadores estudados, sendo que o da renina foi o primeiro. Um estudo descrito por Tavares 25 em Utah do polimorfismo do gene da renina em uma grande população de irmãos com alta prevalência de hipertensão arterial primária foi incapaz de demonstrar alguma associação da renina com a hipertensão. Ainda segundo o autor, trabalhos conduzidos em outros países também encontraram ausência de associação da renina com a hipertensão humana. Porém, o gene que codifica o angiotensinogênio tem sido o único que atende aos critérios mais exigentes da análise genética, sugerindo sua participação na hipertensão humana 26. 4 Fatores que Influenciam a Síntese e Liberação de Renina O controle da secreção da renina pelas células justaglomerulares renais é efetuado predominantemente por três vias: duas com ação renal e outra ao nível do sistema nervoso central 5,27. Múltiplos fatores podem influenciar a secreção de renina e seus níveis plasmáticos. Enumerá-los se faz necessário ao Martelli A. UNOPAR Cient Ciênc Biol Saúde 2010;12(4):51-5 53

entendimento da participação de cada um deles: O principal estímulo para liberação de renina é a queda da pressão de perfusão renal (arteríola aferente) 3,5,10 e a hiperperfusão tem efeito inverso, o que significa afirmar que uma sobrecarga salina, excesso de mineralocorticóides e síndrome de Cushing diminuem a liberação da renina, enquanto a hipoperfusão renal verificada em algumas formas de hipertensão arterial como a renovascular e a maligna, hipovolemia, cirrose hepática, insuficiência cardíaca e síndrome nefrótica aumentam a liberação de renina 3. O segundo mecanismo intrarenal que controla a liberação de renina é via mácula densa. A mácula densa situa-se adjacente às células justaglomerulares, sendo composta por células epiteliais especializadas. Uma mudança na reabsorção de NaCl pela mácula densa resulta na transmissão de sinais químicos às células justaglomerulares próximas, que alteram a síntese e liberação de renina. Um aumento do fluxo de NaCl através da mácula densa inibe a liberação de renina, enquanto a diminuição no fluxo de NaCl estimula a liberação de renina 5,10. Os sinais químicos que atuam no caminho da mácula densa podem envolver tanto a adenosina quanto prostaglandinas. A adenosina é liberada quando o transporte de NaCl é incrementado, e as prostaglandinas quando o transporte de NaCl é diminuído. Neste sentido, a adenosina, atuando através de um receptor A1, inibe a liberação de renina, enquanto as prostaglandinas estimulam a liberação da renina 10. O terceiro mecanismo, β- adrenérgico, é mediado pela liberação de norepinefrina pelos nervos simpáticos. A ativação dos receptores β1-adrenérgicos nas células justaglomerulares aumenta os níveis de secreção de renina 3,5,10. Segundo Meyer 5 e Rego 27 os mecanismos fisiológicos que regulam a libertação de renina podem ser influenciados também por um conjunto de agentes farmacológicos. São exemplo disso os anti-inflamatórios não-esteróides, fármacos que inibem a formação de prostaglandinas e que levam a um decréscimo na liberação da renina Há controle da secreção de renina pelos níveis de AII, através de alça de feedback negativo. O uso de inibidores da ECA (IECA) e de antagonistas dos receptores AT1 da AII (ARAII) provoca, obviamente, aumentos significantes dos níveis circulantes de renina 3,5. 5 Conclusão O SRAA é um dos principais sistemas envolvidos na regulação da pressão arterial e da homeostase eletrolítica, com sua cascata bioquímica iniciada com a liberação de renina pelas células justaglomerulares renais. Atualmente este sistema tem sido objeto de intensa investigação. Com a utilização das técnicas de biologia molecular desenvolvidas nos últimos 50 anos a partir da descoberta da estrutura do DNA por Watson e Crick, novos estudos vêm permitindo a confirmação de que não se trata apenas de um sistema endócrino tradicional e sim de amplas possibilidades funcionais teciduais. No SRAA, a renina participa da primeira eta pa de ativação clivando o angiotensinogênio em angiotensina I. Estudos realizados neste sentido concluíram ausência de associação da renina com a hipertensão arterial humana, porém, o gene codificador do angiotensinogênio tem sido o único que atende aos critérios mais exigentes da análise genética, sugerindo participação importante na hipertensão arterial. Apesar de o SRAA estar sendo investigado há quase 100 anos e grandes avanços terem ocorrido na compreensão da fisiologia deste sistema, um longo caminho ainda deve ser percorrido, com o desenvolvimento de novas técnicas que direcionem na elucidação de sua regulação, ou nas propriedades de um de seus componentes que podem estar associados ao desenvolvimento e/ou manutenção da hipertensão arterial. Referencias 1. Gomes KRM. Padrão de expressão gênica e localização tecidual no rato de um novo membro do Cluster gênico da enzima conversora de angiotensina I: variante-4. São Paulo: USP; 2007. 2. Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Elsevie; 2006. 3. Rodrigues CIS, Almeida FA. Valor e limitações das dosagens de renina plasmática na prática clínica. Rev Bras Hipertens 2002;9(2):203-5. 4. Rigatto KV, Böhlke M, Irigoyen MC. Sistema Renina Angiotensina: da fisiologia ao tratamento. Rev Soc Cardiol 2004;13(3):427-33. 5. Meyer E. 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