Análise interdecadal e sazonal de ciclones extratropicais sobre a costa sul brasileira de 1957 a 2010

Documentos relacionados
ANÁLISE DOS DADOS DE REANÁLISE DA PRECIPITAÇÃO MENSAL NO PERÍODO DE 62 ANOS NO MUNICÍPIO DE IBATEGUARA-AL

CLIMATOLOGIA SINÓTICA DE EVENTOS EXTREMOS DE CHUVA NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

RELAÇÃO DOS VENTOS INTENSOS NA COSTA DO SUL DO BRASIL COM O LAPLACIANO DA PRESSÃO DE CICLONES EXTRATROPICAIS

SISTEMA DE IDENTIFICAÇÃO E DETERMINAÇÃO DA DISTÂNCIA DOS CICLONES DAS PRINCIPAIS CIDADES DA REGIÃO SUL DO BRASIL.

CARACTERÍSTICAS CLIMÁTICAS DOS SISTEMAS FRONTAIS NA CIDADE DE SÃO PAULO. Guilherme Santini Dametto¹ e Rosmeri Porfírio da Rocha²

INMET/CPTEC-INPE INFOCLIMA, Ano 13, Número 07 INFOCLIMA. BOLETIM DE INFORMAÇÕES CLIMÁTICAS Ano de julho de 2006 Número 07

INFLUÊNCIA DE FASES EXTREMAS DA OSCILAÇÃO SUL SOBRE A INTENSIDADE E FREQUÊNCIA DAS CHUVAS NO SUL DO BRASIL

Análise de um cavado móvel no sul da América do Sul através da ACE (Aceleração Centrípeta Euleriana)

VARIAÇÃO DIÁRIA DA PRESSÃO ATMOSFÉRICA EM BELÉM-PA EM UM ANO DE EL NIÑO(1997) Dimitrie Nechet (1); Vanda Maria Sales de Andrade

CORRELAÇÃO ENTRE DADOS DE VENTO GERADOS NO PROJETO REANALYSIS DO NCEP/NCAR E OBSERVADOS EM REGIÕES DO ESTADO DO CEARÁ.

A EXPANSÃO URBANA E A EVOLUÇÃO DO MICROLIMA DE MANAUS Diego Oliveira de Souza 1, Regina Célia dos Santos Alvalá 1

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO TEMPORAL DA TEMPERATURA DO AR NA CIDADE DE PORTO ALEGRE NO PERÍODO DE

MONITORAMENTO DOS CICLONES EXTRATROPICAIS NO HEMISFÉRIO SUL. Michelle Simões Reboita * Tércio Ambrizzi *

VARIABILIDADE CLIMÁTICA PREJUDICA A PRODUÇÃO DA FRUTEIRA DE CAROÇO NO MUNICÍPIO DE VIDEIRA SC.

Influência dos fenômenos ENOS na ocorrência de frentes frias no litoral sul do Brasil

Relações entre diferentes fases da monção na América do Sul

Estudo de tendência das temperaturas mínimas na Região Sul do Brasil

NTERAÇÃO ENTRE ATENDIMENTOS VOLMET, OCORRÊNCIAS DE TROVOADAS E NEVOEIRO NO AERÓDROMO INTERNACIONAL DE SÃO PAULO

ÍNDICE K: ANÁLISE COMPARATIVA DOS PERIODOS CLIMATOLÓGICOS DE E

BLOQUEIOS OCORRIDOS PRÓXIMOS À AMÉRICA DO SUL E SEUS EFEITOS NO LITORAL DE SANTA CATARINA

CARACTERIZAÇÃO DE EXTREMOS CLIMÁTICOS UTILIZANDO O SOFTWARE RClimdex. ESTUDO DE CASO: SUDESTE DE GOIÁS.

ANÁLISE DA OCORRÊNCIA SIMULTÂNEA DE ENOS E ODP SOBRE O CARIRI CEARENSE

PRINCIPAIS SECAS OCORRIDAS NESTE SÉCULO NO ESTADO DO CEARÁ: UMA AVALIAÇÃO PLUVIOMÉTRICA

MUDANÇAS CLIMÁTICAS DOS EVENTOS SEVEROS DE PRECIPITAÇÃO NO LESTE DE SANTA CATARINA DE ACORDO COM O MODELO HADRM3P

VARIABILIDADE ESPAÇO-TEMPORAL DOS EVENTOS EXTREMOS DIÁRIOS DE PRECIPITAÇÃO PARA O ESTADO DE SÃO PAULO. Mercel José dos Santos, 12 Rita Yuri Ynoue 1

UMA ANÁLISE CLIMATOLÓGICA DE RE-INCURSÕES DE MASSAS DE AR ÚMIDO NA REGIÃO DA BACIA DO PRATA DURANTE A ESTAÇÃO FRIA.

ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO DA FREQUÊNCIA DE PRECIPITAÇÃO EM DIFERENTES INTERVALOS DE CLASSES PARA RIO DO SUL/SC

VISUALIZAÇÃO TRIDIMENSIONAL DE SISTEMAS FRONTAIS: ANÁLISE DO DIA 24 DE AGOSTO DE 2005.

TELECONEXÕES E O PAPEL DAS CIRCULAÇÕES EM VÁRIOS NÍVEIS NO IMPACTO DE EL NIÑO SOBRE O BRASIL NA PRIMAVERA

CARACTERIZAÇÃO PLUVIOMETRICA POR QUINQUÍDIOS DA CIDADE DE PIRENOPOLIS - GO

Análise de Tendências de Extremos para o Planalto Central

1. Acompanhamento dos principais sistemas meteorológicos que atuaram. na América do Sul a norte do paralelo 40S no mês de julho de 2013

ANÁLISE QUANTITATIVA DE EVENTOS EXTREMOS DE PRECIPITAÇÃO NA CIDADE DE FLORIANÓPOLIS - PARTE 1: CLIMA PRESENTE ( )

MATERIAIS E METODOLOGIA

ANÁLISE DE TENDÊNCIAS DE TEMPERATURA MÍNIMA DO BRASIL

ANÁLISE DO REGIME PLUVIOMÉTRICO DA ILHA DE SANTIAGO CABO VERDE DURANTE 1981 A 2009 E SUA RELAÇÃO COM A ZCIT

Rastreamento dos bloqueios ocorridos próximos à América do Sul em julho de 2008 e 2009 e sua influência sobre São Paulo e a região sul do Brasil

Caracterização da Variabilidade do Vento no Aeroporto Internacional de Fortaleza, Ceará. Parte 2: Análise da Velocidade

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A VARIABILIDADE DE BAIXA FREQU~NCIA DA CIRCULAÇ~O DE GRANDE ESCALA SOBRE A AM~RICA DO SUL. Charles Jones e John D.

CLIMATOLOGIA E SAZONALIDADE EM 33 ANOS DE EVENTOS TORNÁDICOS EM SANTA CATARINA

X Congresso Brasileiro de Meteorologia, Brasilia, outubro, 1998 O USO DE PREVISÃO CLIMÁTICA DE TEMPERATURA E O PROGNÓSTICO DE GEADAS

Relação entre a Precipitação Acumulada Mensal e Radiação de Onda Longa no Estado do Pará. (Dezembro/2009 a Abril/2010)

CONDICIONANTES METEOROLÓGICAS E GEOGRÁFICAS PARA A OCORRÊNCIA DE NEVE NO SUL DO BRASIL

MECANISMOS FÍSICOS EM MÊS EXTREMO CHUVOSO NA CIDADE DE PETROLINA. PARTE 3: CARACTERÍSTICAS TERMODINÂMICAS E DO VENTO

VARIABILIDADE DO VENTO NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO DURANTE A OCORRÊNCIA DA ZCAS

VARIAÇÃO DA AMPLITUDE TÉRMICA EM ÁREAS DE CLIMA TROPICAL DE ALTITUDE, ESTUDO DO CASO DE ESPIRITO SANTO DO PINHAL, SP E SÃO PAULO, SP

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE A PRECIPITAÇÃO REGISTRADA NOS PLUVIÔMETROS VILLE DE PARIS E MODELO DNAEE. Alice Silva de Castilho 1

PREVISÃO DE TEMPO POR ENSEMBLE: AVALIAÇÃO PRELIMINAR DE UM EVENTO DE TEMPO SEVERO

Utilização de imagens de satélite e modelagem numérica para determinação de dias favoráveis a dispersão de poluentes.

FREQUÊNCIA DA PRECIPITAÇÃO PLUVIAL NO MUNICÍPIO DE BANANEIRAS - PB

PADRÕES SINÓTICOS ASSOCIADOS A SITUAÇÕES DE DESLIZAMENTOS DE ENCOSTAS NA SERRA DO MAR. Marcelo Enrique Seluchi 1

II.5.1. MEIO FÍSICO. II Meteorologia. A. Introdução

Análise de um evento de chuva intensa no litoral entre o PR e nordeste de SC

Revista Brasileira de Geografia Física

NOTA TÉCNICA: CHUVAS SIGNIFICATIVAS EM JUNHO DE 2014 NA REGIÃO SUDESTE DA AMÉRICA DO SUL

R e vis t a B ras ile i ra de C li m a to lo g ia RESUMO

A PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA NO MUNICÍPIO DE ARAPIRACA/AL E OS EVENTOS EL NIÑOS/ LA NIÑAS UTILIZANDO O ÍNDICE IME.

COMPARAÇÃO DOS ELEMENTOS CLIMÁTICOS OBSERVADOS NAS ESTAÇÕES DOS AEROPORTOS DE GUARULHOS, CONGONHAS, CAMPINAS E SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

AS ESTIAGENS NO OESTE DE SANTA CATARINA ENTRE

MANUTENÇÃO DA CIRCULAÇÃO DE VERÃO SOBRE A AMÉRICA DO SUL: ESTUDO DE DOIS ANOS DE CONTRASTE

VARIAÇÃO DA PRODUTIVIDADE DO ARROZ DE TERRAS ALTAS INFLUENCIADOS PELA SECA METEOROLOGICA EM GOIÁS

Estudo de caso de um sistema frontal atuante na cidade de Salvador, Bahia

EVAPORAÇÃO EM TANQUE DE CIMENTO AMIANTO

CAPÍTULO 9. El Niño/ Oscilação Sul (ENOS) Nota: Para mais informações, consulte o PowerPoint: Kousky-Lecture-18-enso-cycle.ppt

INMET: CURSO DE METEOROLOGIA SINÓTICA E VARIABILIDADE CLIMÁTICA CAPÍTULO 4

Mineração de Dados Meteorológicos pela Teoria dos Conjuntos Aproximativos para Aplicação na Previsão de Precipitação Sazonal

VARIABILIDADE DE ÍNDICES DE PRECIPITAÇÃO E TEMPERATURA NA AMAZÔNIA OCIDENTAL

Comparação entre dados de precipitação obtidos por satélites e por pluviômetros no Vale do Paraíba

CARACTERIZAÇÃO DA VARIABILIDADE INTERANUAL DAS VAZÕES MÉDIAS MENSAIS NA AMERICA DO SUL

CORRELAÇÃO DE VARIÁVEIS METEOROLÓGICAS COM INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

VARIABILIDADE ESPAÇO-TEMPORAL DA TEMPERATURA MÉDIA DO AR NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE/BRASIL

Pablo Oliveira, Otávio Acevedo, Osvaldo Moraes. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

Propagação de Ondas de Frio na América do Sul e as Trajetórias de Ciclones e Anticiclones Extratropicais

VARIAÇÃO TEMPORAL DAS ONDAS DE CALOR NA CIDADE DE PELOTAS-RS

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DA TEMPERATURA E DA UMIDADE RELATIVA DO AR EM DIFERENTES LOCAIS DA CIDADE DE MOSSORÓ-RN.

XII SIMPÓSIO DE RECURSOS HIDRÍCOS DO NORDESTE AVALIAÇÃO DA PRECIPITAÇÃO NO OESTE DA BAHIA CONSIDERANDO AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

CARACTERÍSTICAS DE EPISÓDIOS DE RAJADAS DE VENTO NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE SALVADOR

Variabilidade na velocidade do vento na região próxima a Alta da Bolívia e sua relação com a precipitação no Sul do Brasil

Tendência Sazonal das Temperaturas mínimas e máximas no Rio Grande do Sul. Amazônia, Manaus, AM.

Eny da Rosa Barboza Natalia Fedorova Universidade Federal de Pelotas Centro de Pesquisas Meteorológicas

ANÁLISE DE TENDÊNCIAS NA TEMPERATURA E PRECIPITAÇÃO EM LONDRINA, ESTADO DO PARANÁ

INFLUÊNCIA DO OCEANO PACÍFICO NA PRECIPITAÇÃO DA AMAZÔNIA OCIDENTAL

Análise da Freqüência das Velocidades do Vento em Rio Grande, RS

Variabilidade temporal de índice de vegetação NDVI e sua conexão com o clima: Biomas Caatinga Brasileira e Savana Africana

ESTUDO SOBRE OCORRÊNCIAS DE NEVOEIRO NO AEROPORTO INTERNACIONAL DO RIO DE JANEIRO/GALEÃO ANTÔNIO CARLOS JOBIM

ESTUDO DO COMPORTAMENTO DA PRECIPITAÇÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, GRANDE FLORIANÓPOLIS-SC

XII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Foz de Iguaçu-PR, 2002

Climatologia de índices de extremos de chuvas sobre a bacia Amazônica

Estudo da ilha de calor urbana em cidade de porte médio na Região Equatorial

SINAIS DE LA NIÑA NA PRECIPITAÇÃO DA AMAZÔNIA. Alice M. Grimm (1); Paulo Zaratini; José Marengo

Boletim Climatológico Anual - Ano 2010

RELATÓRIO FINAL DE BOLSA FERRAMENTA PARA DETECÇÃO DE EVENTOS EXTREMOS DE PRECIPITAÇÃO

PADRÕES ATMOSFÉRICOS E A PREVISÃO NUMÉRICA DO CLIMA NA AMÉRICA DO SUL ANÁLISE ESTATÍSTICA

Simulação de Evento de Tempo Extremo no Estado de Alagoas com o Modelo Regional BRAMS

Figura 1 Localização da bacia do rio São Francisco. Fonte:< Acessado em 01/02/2009.

ASPECTOS METEOROLÓGICOS ASSOCIADOS A EVENTOS EXTREMOS DE CHEIAS NO RIO ACRE RESUMO

DETERMINAÇÃO DE FREQUÊNCIAS DE EVENTOS EXTREMOS DE CHUVA NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL

AQUECIMENTO GLOBAL, EL NIÑOS, MANCHAS SOLARES, VULCÕES E OSCILAÇÃO DECADAL DO PACÍFICO

Decomposição da Inflação de 2011

Palavras-chave: chuva média; chuva de projeto; fator de redução de área.

Transcrição:

Artigo Original DOI:10.5902/2179460X16222 Ciência e Natura, Santa Maria, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 98 103 Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM ISSN impressa: 0100-8307 ISSN on-line: 2179-460X Análise interdecadal e sazonal de ciclones extratropicais sobre a costa sul brasileira de 1957 a 2010 Interdecadal and seasonal analysis of extratropical cyclones over southern Brazilian coast from 1957-2010 Maurício Granzotto Mello 1, Michel Nobre Muza 2 e Mário Francisco Leal Quadro 2 1 Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, CPTEC/INPE; Cachoeira Paulista, SP 2 Curso Técnico de Meteorologia, Departamento Acadêmico de Saúde e Serviços, DASS/IFSC; Florianópolis, SC Resumo Este trabalho apresenta a ocorrência e o tempo de vida dos ciclones extratropicais na costa do Brasil, apresentando uma análise sazonal e interdecadal. Os dados dos eventos de ciclones extratropicais foram obtidos através de um esquema de detecção de sua trajetória a partir de dados da reanálise 1 do NCEP. No presente trabalho, foi elaborado uma seleção da ocorrência de ciclones com persistência igual ou superior a 24 horas, para o período de 1957 a 2010, em uma área correspondente a latitudes de 15 S a 45 S e longitudes de 20 W a 60 W. O comparativo interdecadal e sazonal proposto está baseado em pesquisas recentes, que sugeriram modulação da variabilidade interdecadal nas séries temporais de dados meteorológicos. Durante este período de 54 anos, a estação com maior ocorrência de ciclones foi o inverno, com 822 eventos. Porém, analisando-se a série temporal em períodos distintos é possível identificar a variabilidade interdecadal e sazonal. Palavras-chave: ciclone extratropical, tempo de vida, análise, sazonal, interdecadal, Brasil. Abstract This work presents the occurrence and the lifetime of extratropical cyclones over the coast of Brazil, presenting a seasonal and interdecadal analysis. The data of extratropical cyclones events were obtained through a detection scheme for trajectory data from NCEP reanalysis-1. In the current work, was made a selection of cyclones with persistence equal or major than 24 hours, for the period 1957-2010, in an area correspondent to 15ºS to 45ºS latitude and 20ºW to 60ºW of longitude. The interdecadal and seasonal proposed comparative is based in recent research of interdecadal variability. During this 54 years period, winter was the season with most occurrence of cyclones, there was 822 events. However, analyzing the time series in distinct periods is possible identify the interdecadal and seasonal variability. Keywords: extratropical cyclone, lifetime, analysis, sazonal, interdecadal, Brazil.

Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 98 103 99 1 Introdução A influência dos Andes no deslocamento de anticiclones e na formação de ciclones extratropicais no leste da América do Sul foi estudada por Gan e Rao (1994). Os mecanismos dinâmicos que favorecem a formação dos ciclones extratropicais são um cavado de níveis médios e a disponibilidade de umidade na costa sul do Brasil (Seluchi, 1995). Reboita et al. (2012) mostraram duas regiões favoráveis a formação de ciclones sendo uma na costa sul e outra na região sudeste. Murray e Simmonds (1991) desenvolveram um esquema numérico para detectar a trajetória de ciclones extratropicais para o Hemisfério Sul a partir de dados de reanálise. O esquema numérico foi testado com dados observados em distribuição irregular sobre a Terra e com dados observados dispostos em pontos de grade. Bitencourt et al. (2010) e Reboita et al. (2010) aplicaram a metodologia desenvolvida por Simmonds e Murray (1999) em dados da reanálise 1 do NCEP (National Center for Environmental Prediction) (KALNAY et al., 1996) para detectar ciclones extratropicais na costa centro-sul do país. O procedimento é eficiente para detectar baixas pressões fechadas relativas independente de sua intensidade (MURRAY; SIMMONDS, 1991 e BITENCOURT et al., 2010). Uma análise interanual da frequência de ciclones extratropicais na costa sul do Brasil foi realizada em Mello et al. (2012). Porém, o objetivo do presente trabalho é investigar a ocorrência e o tempo de vida da variação sazonal e interdecadal dos ciclones extratropicais na costa sul do Brasil. 2 Material e Método O presente trabalho utilizou a metodologia aplicada em Bitencourt et al. (2010) para obtenção de dados de ocorrência de ciclones entre os anos de 1957 a 2010. A área de seleção dos ciclones foi 15 S e 45 S e 20 W e 60 W (Fig. 1). Foram considerados apenas os sistemas de baixas pressões fechadas à superfície, ou seja, com centros definidos de acordo com Simmonds e Murray (1999). Além disso, neste trabalho não se considera a diferença de intensidade dos ciclones. Foram selecionados os ciclones com tempo de vida igual ou superior a 24 horas. Desta forma, não foram quantificadas outras baixas transitórias de curta duração. Assim, determinou-se de forma objetiva o ciclo de vida dos ciclones, bem como o intervalo de ocorrência entre dois ciclones. Apresenta-se, também, uma análise sazonal à ocorrência de ciclones pelas estações do ano (verão, outono, inverno, primavera). O estudo sobre a variabilidade interdecadal da ocorrência de ciclones extratropicais foi realizado para três períodos referentes aos anos de 1957 a 2010: 1º período de 1957 a 1975 (maior ocorrência de La Niña); 2º período de 1976 a 1999 (maior ocorrência de El Niño); e, 3º período de 2000 a 2010 (período mais recente). Figura 1 - Os ciclones extratropicais foram identificados dentro da uma área correspondente a latitudes de 15 S e 45 S e longitudes de 20 W e 60 W, delimitada na figura 3 Resultados e discussão A distribuição espacial dos ciclones extratropicais baseado nos três períodos interdecadais estabelecidos mostra a sua localização inicial, apresentando áreas preferenciais de ciclogênese. Na distribuição espacial, apresentada pela Fig. 2, pode-se observar que uma quantidade representativa de ciclones extratropicais ocorreu à leste do continente sul-americano, costa sul-brasileira, leste da Argentina e Uruguai, sendo esta uma região de forte atividade ciclogenética (GAN e RAO, 1994; REBOITA et al., 2012). A quantidade de ciclones no período de 1957-1975 foi de 1090 ciclones (média de 57,37 por ano), no período de 1976-1999 foi de 1370 (média de 57,08 por ano) e no período de 2000-2010 foi de 661 (média de 60,09 por ano). Interessante observar que as regiões favoráveis à formação de ciclones (costa sul e sudeste do Brasil) são mais evidentes principalmente para os períodos de 1957-1975 (Fig. 2a) e 1976-1999 (Fig. 2b). Quanto ao posicionamento médio dos ciclones extratropicais da pesquisa, o valor médio da longitude e da latitude é de aproximadamente 46 W e 30 S, respectivamente. Murray e Simmonds (1991) apresentaram valor semelhante de latitude, entre 20 S e 30 S. a)

100 Mello et al.: Análise interdecadal e sazonal de ciclones extratropicais sobre a costa sul... extratropicais foi 2007 (Fig. 3c), com 74 ciclones; o ano com menor quantidade foi 1969 (Fig. 3b), com 47. a) b) b) c) c) Figura 2 - Distribuição dos ciclones extratropicais de acordo com a sua localização inicial, em pontos, para os períodos de 1957-1975 (a), de 1976-1999 (b) e de 2000-2010 (c), respectivamente A seleção da ocorrência de ciclones teve como objetivo estabelecer os principais casos, observando o tempo de vida de cada caso. Na Figura 3 é mostrada a frequência anual de ciclones no período em estudo. Os resultados mostraram um total de 3121 ciclones ao longo dos 54 anos analisados. O ano com maior ocorrência de ciclones Figura 3 - Distribuição de frequência de ciclones extratropicais para os três períodos interdecadais da pesquisa 1957-1975 (a), 1976-1999 (b), 2000-2010 (c), respectivamente A correlação entre a ocorrência de ciclones e os eventos do El Niño Oscilação Sul (ENOS) para todo o período analisado foi 0,134. A interação entre a ocorrência anual de ciclones extratropicais (eventos de escala sinótica) com o El Niño Oscilação Sul (ENOS) foi investigada com o coeficiente de correlação linear entre a anomalia da mediana da quantidade de ciclones a cada ano e a mediana do índice do ENOS (CPC-NCEP, 2013) de cada ano, resultando em um coeficiente positivo e mostrando uma fraca relação. Entretanto, Pezza e Ambrizzi (2003)

Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 98 103 101 mostraram que em anos de La Niña o Atlântico Sudoeste apresenta os ciclones mais intensos. A seleção de ciclones possibilitou um cálculo do tempo de vida de cada evento. Observou-se que em 35,23% dos casos, o tempo de vida foi de 2 dias. Porém há um caso que se destaca, com 10 dias de duração, iniciado em 8 de agosto 2003. A Figura 4 mostra o percentual da persistência de ciclones extratropicais por dia de duração. Nota-se que em 86,87% dos casos os ciclones tiveram um tempo de vida de até 3 dias. Assim, 13,13% ultrapassaram os 3 dias de duração. Esta seleção de ciclones extratropicais de acordo com seu ciclo de vida permitiu apontar o tempo de vida superior a média apontada por Murray e Simmonds (1991). mais de 90,36% dos ciclones atingem o Sul do Brasil em intervalo de até 7 dias. Períodos longos, sem ocorrência do sistema na região, são menos frequentes e intervalos superiores a 10 dias envolvem menos de 5% dos casos analisados. O intervalo máximo encontrado foi de 32 dias entre 24 de fevereiro e 28 de março de 1964. Além disso, para intervalos acima de 14 dias encontrou-se 70 casos em 54 anos de dados. Com relação à sazonalidade em concordância com Gan e Rao (1994) a estação com maior ocorrência de ciclones é o inverno, com 822 ciclones, entre os anos de 1957 a 2010. A média de ciclones extratropicais para este período no inverno é de 15,22. O outono foi a estação com menor incidência de ciclones para o período, 759 ciclones (média de 14,06). A Figura 6 apresenta a média de ciclones extratropicais para os períodos interdecadais escolhidos (1957-1975; 1976-1999; 2000-2010), nas quatro estações do ano. Observa-se a variabilidade interdacadal que, entre 1957-2010 o inverno foi a estação com maior incidência de ciclones, já entre 2000-2010 o outono foi a estação com maior incidência. Figura 4 - Tempo de vida de ciclones em percentual com relação ao tempo de permanência de cada evento, de 1 a 10 dias Com isso, esta pesquisa apresenta também a duração dos intervalos entre os ciclones selecionados, calculandose a diferença temporal entre um ciclone extratropical e o posterior. Isto é, foi possível analisar a duração do intervalo entre dois ciclones. Figura 6 - Médias das quantidades de ciclones para cada um dos períodos analisados, em cada estação do ano (verão, outono, inverno e primavera) Figura 5 - Persistência dos intervalos em percentual (%). Percentuais acumulados de 1 a 7 dias, de 1 a 14, de 1 a 21 dias e assim por diante Dos ciclones selecionados na área de 15 S e 45 S e 20 W e 60 W, 50% deles ocorreram em intervalos de 1 dia. A Figura 5 apresenta o histograma da duração dos intervalos para todo o período analisado. Nota-se que A média de ciclones é semelhante em todas as categorias (Fig. 6). Está é a hipótese nula na análise de significância estatística. Para inferir se esses resultados são estatisticamente consistentes foi usado o teste de diferença de duas proporções (WILKS, 2007). A hipótese de que esta diferença é significativa foi verificada usando teste t de Student. Por exemplo, verificou-se a diferença entre a maior ocorrência de ciclones no inverno na categoria do período de 1957-2010. A hipótese que a maior ocorrência é significativa estatisticamente pode ser aceita ao nível de 90% do referido teste, mas não para 95%. Nota-se também um aumento da ocorrência de ciclones no verão e outono em comparação ao inverno e à primavera no período de 2000-2010, que é significativa ao nível de 95% de confiança. Além disso, pode-se observar que entre 1957 a 1975 (Fig. 6) havia maior ocorrência de ciclones no inverno

102 Mello et al.: Análise interdecadal e sazonal de ciclones extratropicais sobre a costa sul... e primavera comparativamente ao verão e outono com significância estatística ao nível de 5%. A hipótese de tendência de aumento de ocorrência de ciclones no outono e uma diminuição no inverno e primavera dos períodos interdecadais estudados pode ser aceita com significância de 90%, mas não para 95%. A elaboração desta análise, sazonal e interdecadal de ciclones, se faz relevante devido à importância destes sistemas para o tempo e clima da região subtropical do país. Cardoso et al. (2012) mostram que a estes sistemas meteorológicos estão ligados à ocorrência de precipitação, ventos fortes e agitação marítima. Portanto, este trabalho corrobora com o conhecimento da variabilidade de atuação dos ciclones extratropicais no Atlântico Sudoeste. 4 Conclusão As baixas pressões relativas a dados da reanálise 1 do NCEP estudadas nesta pesquisa possibilitaram uma análise do ciclo de vida dos ciclones extratropicais e mostraram que em 86,87% dos casos os ciclones tiveram um ciclo de vida de 3 dias. Entretanto, 90,36% dos ciclones atingem a região Sul do Brasil em intervalos de 7 dias. A distribuição espacial mostrou que grande parte dos ciclones extratropicais neste período ocorreu ao longo da costa brasileira. A porção continental com ocorrência representativa de ciclones é o estado do Rio Grande do Sul, Uruguay e leste da Argentina local de grande atividade ciclogenética. Este estudo mostra a ocorrência dos ciclones associados a variabilidade sazonal a interdecadal dos ciclones nesta região. A média dos ciclones extratropicais nos diferentes períodos sazonais do ano mostra que de 1957 a 2010, o inverno foi o período de maior ocorrência, com 26,34% do total, na qual há média de 15,22 ciclones por inverno. Porém, há uma tendência significativa de aumento da média dos ciclones extratropicais no verão -outono quanto comparados os períodos de 1957-1975 para 2000-2010. Agradecimentos Os autores agradecem o Dr. Daniel Bitencourt por ter cedido os dados a esta pesquisa, tal como ao IFSC por ter possibilitado a realização desta pesquisa. O autor agradece, também, ao Grupo de Desenvolvimento em Assimilação de Dados, da Divisão de Modelagem e Desenvolvimento do CPTEC/INPE, por possibilitar a apresentação do mesmo no V Simpósio Internacional de Climatologia, da Sociedade Brasileira de Meteorologia, em Florianópolis/SC. Referências BITENCOURT, D. P. et al. Relating winds along the Southern Brazilian coast to extratropical cyclones. Meteorological Applications, Londres, v. 18, n. 2, p.223-229, 17 set. 2010. CARDOSO, C.S.; BITENCOURT, D.P.; MENDONÇA, M. Comportamento do vento no setor leste de Santa Catarina sob influência de ciclones extratropicais. Revista Brasileira de Meteorologia, São Paulo, v. 27, n. 1, p.39-48, mar. 2012. Trimestral. Climate Prediction Center National Centers for Environment Prediction (CPC-NCEP). Cold and Warm Episodes by Season. Oceanic Niño Index (ONI). Disponível em: <http://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/analysis_ monitoring/ensostuff/ensoyears.shtml>. Acesso em: 20 ago. 2013. GAN, M. A.; RAO, Vadlamudi Brahmananda. The influence of the Andes Cordillera on Transient Disturbances. Monthly Weather Review, Washington, v. 122, n. 6, p.1141-1157, jun. 1994. Mensal. KALNAY, E. et al. The NCEP/NCAR 40-Year Reanalysis Project. Bulletin Of The American Meteorological Society, Washington, v. 77, n. 3, p.437-471, mar. 1996. MELLO, M. G.; SILVA, M. S.; MUZA, M.N. Análise interanual de ciclones no litoral brasileiro, de 1957 a 2010. In: XVII Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2012, Gramado/RS. Anais XVII Congresso Brasileiro de Meteorologia. Disponível em: <http://www.cbmet2012.com/anais/pdfs/4xkk.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2013. MURRAY, R. J.; SIMMONDS, I. A numerical scheme for tracking cyclone centers from digital data. Part I: development and operation of the scheme. Australian Meteorological Magazine, Melbourne, v. 39, n. 3, p.155-166, jul. 1991. PEZZA, A. B.; AMBRIZZI, T. Variability of Southern Hemisphere Cyclone and Anticyclone Behavior: Further Analysis. Journal Of Climate, Washington, v. 16, n. 7, p.1075-1083, abr. 2003. REBOITA, M. S.; ROCHA, R. P.; AMBRIZZI, T. Climatologia de Ciclones sobre o Atlântico Sul Utilizando Métodos Objetivos na Detecção destes Sistemas. In: IX CONGREMET, Congresso Argentino de Meteorologia, Buenos Aires, AR, Outubro 3-7, 2005. REBOITA, M. S. et al. Regimes de precipitação na América do Sul: uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de

Ciência e Natura, v. 37 Ed. Especial SIC, 2015, p. 98 103 103 Meteorologia, São Paulo, v. 25, n. 2, jun. 2010. Trimestral. REBOITA, M. S.; KRUSCHE, N.; AMBRIZZI, T. e ROCHA, R. P. Entendendo o Tempo e o Clima na América do Sul. Terrae Didatica, Campinas, vol.8, n.1, pp. 34-50. 2012. Semestral. SELUCHI, M. E. Diagnóstico y prognóstico de situaciones sinópticas conducentes a ciclogénesis sobre el este de Sudamérica. Geofísica Internacional, México, v. 34, n. 2, p.171-186, 1995. Trimestral. SIMMONDS, I.; MURRAY, R. J.. Southern Extratropical Cyclone Behavior in ECMWF Analyses during the FROST Special Observing Periods. Weather And Forecasting, Washington, v. 14, n. 6, p.878-891, 22 mar. 1999. Bimestral. WILKS, D. S.. Statistical methods in the atmospheric science. 2. ed. San Diego: American Press, 2006. ISBN 978-0-12-751966-1.