Processo nº 3827/1990 Acórdão de: 28-04-2009



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Transcrição:

PDF elaborado pela Datajuris Processo nº 3827/1990 Acórdão de: 28-04-2009 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA - a que sucedeu AB - intentou, no dia 20 de Dezembro de 1990, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra CC, a fim de haver dele 111 733,05 dólares americanos, correspondentes a 25 130 003$, e juros. R...&M..., Ldª requereu, no dia 23 de Fevereiro de 2004, na referida execução, a anulação da venda judicial de identificado imóvel por propostas em carta fechada, sob o fundamento de, como compradora, não ter sido informada do litígio sobre a existência de um contrato de arrendamento relativo ao imóvel. Anulado pela Relação o despacho que indeferiu o referido pedido de anulação na sequência de recurso de agravo, foi produzida a prova e, por despacho proferido no dia 29 de Fevereiro de 2008, foi o mesmo pedido julgado procedente e dispensada a requerente de depositar o valor do preço e respectivas despesas. Agravou o exequente, e a Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Dezembro de 2008, dando provimento ao recurso, revogou o despacho recorrido e declarou indeferir o requerimento de anulação da venda. Interpôs R...&M..., Ldª recurso de agravo para este Tribunal, com fundamento na contradição de acórdãos, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - deve ser fixado ao recurso, nos termos do artigo 758º, nº 1, do Código de Processo Civil, o efeito suspensivo, tal como ocorreu em relação aos outros recursos interpostos; - relevam os factos constantes dos anúncios e editais, auto de abertura das propostas e depoimentos das testemunhas fixados na sentença; - a afirmação do acórdão de que o arrendamento deve ter aparência suficiente é mera suposição, sem a dignidade de facto notório ou qualidade de factos provados, sobre os quais não recaiu meio de prova legal artigos 722º e 755º, nº 2, do Código Civil; - o fundamento do recurso é a errada aplicação do artigo 908º do Código de Processo Civil quanto à existência de ónus ou limitações que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, e o erro sobre a coisa transmitida em conformidade com o que foi anunciado e não a omissão de pronúncia quanto a esta última; - JF..., Ldª afirmou ser arrendatária do prédio rústico posto à venda na execução, o que o executado aceitou; - para decisão sobre o direito de preferência do arrendatário na venda, a acção executiva pode não ser o meio próprio para decidir as complexas questões que tal direito levanta, até porque não existem prejuízos irreparáveis para o preferente, uma vez que este pode sempre lançar mão da acção de preferência para satisfazer os seus direitos e interesses; - para esclarecer os proponentes compradores na apresentação das propostas e salvaguardar o princípio constitucional da confiança legítima dos cidadãos nos tribunais decorrente do artigo 2º da Constituição, uma vez que podem sofrer prejuízos irreparáveis, os elementos dos autos conduzem à conclusão da sua comprovação e têm de conduzir, pelo menos, à necessária e indispensável informação da existência de um título público de contrato de arrendamento e da posição das partes no contrato de plena aceitação; - o arrendamento do bem vendido cai no conceito de ónus ou limitação que excede os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, incluindo os direitos pessoais sobre a coisa, desde que eficazes em relação ao comprador, como é o caso da locação; - o acórdão não se pronunciou sobre o erro sobre as qualidades do objecto, apesar de ter sido um dos fundamentos do requerimento de anulação da venda e de ter sido a principal questão tratada na sentença, colocada pelo exequente no recurso de agravo, pelo que é nulo, nos termos dos artigos 668º, nº 1, alínea d), e 755º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil; - é facto notório que a existência de um direito de arrendamento, designadamente de natureza comercial na venda de um bem em juízo, não estando em causa o respeito pelos princípios de da boa fé, já que os tribunais gozam de fé pública pelo que têm de ser

respeitados os procedimentos e diligências que acautelem e protejam os interesses e direitos dos compradores, nomeadamente à informação verdadeira, completa e elucidativa; - aos interessados na compra de bens em processo executivo deve ser dado conhecimento de toda a situação jurídica envolvente dos mesmos e não apenas dos previstos no artigo 890º, nº 4, do Código de Processo Civil, quer através dos anúncios legalmente previstos ou de outras formas de meios de comunicação com os interessados; - a norma do artigo 890º do Código de Processo Civil tem de ser interpretada em conformidade com os artigos 2º de 202º, nº 2, da Constituição, donde decorre o princípio da confiança legítima, e os tribunais devem assegurar a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos; - a norma do artigo 890º do Código de Processo Civil seria inconstitucional se interpretada no sentido de que se dispensava o tribunal de prestar as informações no sentido de esclarecer os compradores de bens na venda judicial de vícios ou defeitos que os desvalorizassem ou pudessem desvalorizar; - os anúncios pressupunham inexistir ónus ou limitação sobre o bem em venda, e na diligência da abertura das propostas e antes da sua abertura, e não foi prestada informação de que um terceiro invocara judicialmente o direito de arrendatário; - ficou implícito não existir contrato de arrendamento, ou seja, que o comprador compraria o imóvel livre de pessoas e bens e, só após a venda, foi a recorrente informada da situação, altura em que ficou ciente de ter comprado o imóvel não livre de pessoas e bens; - resulta da prova produzida, nomeadamente da testemunhal, que o recorrente tinha a convicção errónea quando fez a proposta de que o terreno estava livre, como também era essencial para ele que o terreno estivesse livre do arrendamento; - só esse engano pode explicar que as duas propostas apresentadas tenham tido valores tão díspares, a de 12 500 por quem conhecia do contrato de arrendamento e 420 000 da recorrente, por o desconhecer; - o exequente admite que qualquer outro preço que venha a ser oferecido em futura venda será provavelmente inferior ao oferecido pela recorrente, o que não ocorreria se não tivesse havido erro sobre as qualidades do objecto - estão preenchidos os requisitos para que a venda seja julgada inválida, sendo o erro vício o de vontade, pelo facto de o comprador não estar completamente esclarecido, na ignorância ou falta de representação exacta, ou numa falsa representação acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva para a formação da vontade, e sendo tal um erro grosseiro e essencial para o declarante, ou seja, o proponente, se suficientemente esclarecido, nunca teria feito a proposta que fez, pelo que existe erro-vício por parte do comprador; - é facto notório que o arrendamento desvaloriza em forte grau a coisa transmitida, sendo que existem no processo todos os elementos para se concluir, para este efeito, existir um arrendamento, conforme posição das partes contratuais e documento que titula o contrato, pelo que há erro quanto às qualidades da coisa transmitida; - pressupondo os anúncios publicados que não existiam ónus ou limitações sobre o bem em venda, e na diligência na abertura de propostas, e antes da sua abertura, não tendo sido prestada informação verdadeira, completa e elucidativa acerca do ónus existente, existe erro sobre as qualidades do objecto por desconformidade com o que foi anunciado; - fundando-se a anulação da venda judicial por erro sobre a coisa transmitida em erro vício do adquirente sobre as qualidades da coisa vendida, resultante da falta de conformidade com o que foi anunciado, e na existência de ónus ou limitação que não foram tomados em consideração, que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, nos termos do artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil, preenchidos estão todos os requisitos para a venda ser anulada; - o acórdão é nulo por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, e por ter feito errada interpretação dos artigos 755º, 890º e 908º do Código de Processo Civil. Respondeu o recorrido em síntese de conclusão de alegação: - o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a existência do arrendamento não ter de ser publicitada nos anúncios de venda do imóvel, não havendo qualquer nulidade por falta de pronúncia; - não ficou provada a existência de contrato de arrendamento sobre o prédio vendido, tendo sido proferido despacho no auto de abertura das propostas no sentido de que dos documentos juntos se não podia concluir ser JF..., Ldª arrendatária, e o recurso de agravo por ela interposto foi julgado improcedente; - na revista não pode reapreciar-se a matéria de facto, pelo que não pode relevar a

afirmação da recorrente sobre a existência do contrato de arrendamento; - JF..., Ldª só afirmou ser arrendatária a respeito da parte do prédio urbano, e o que foi vendido foi um prédio rústico distinto e independente do prédio urbano àquela arrendado; - tem fundamento a afirmação no acórdão no sentido de que o próprio arrendatário reconhece que o arrendamento corresponde a um prédio urbano; - a existência do arrendamento não cabe no conceito de limitação que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, dada a previsibilidade da sua ocorrência e a facilidade com que poderiam ser detectados indícios da sua existência caso o comprador tivesse empregue diligência mínima de conhecimento do bem, pois é facto notório, de conhecimento geral, que qualquer prédio poderá ser objecto de arrendamento, sem que isso represente a existência de um ónus ou limitação anormal, porque é a mais frequente utilização de um imóvel; - o interessado em comprar um prédio tem o ónus de se informar e inteirar sobre a existência ou não de qualquer situação de arrendamento, perfeitamente normal que pode ocorrer; - a lei não exige que nos anúncios para a venda seja referida a existência ou não de arrendamento, o que é sintomático e demonstrativo de se tratar de uma situação normal e não que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria artigo 890º do Código de Processo Civil; - ainda que após a venda se tivesse reconhecido a existência de um arrendamento sobre o prédio rústico vendido, o arrendamento não caberia no conceito de ónus ou limitação que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, não havendo fundamento para a anulação da venda artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil; - não ficou provada a existência do arrendamento sobre o prédio rústico vendido, e, após a venda, tal se não reconheceu; - a anulação judicial por parte do comprador com base no erro-vício apenas pode ocorrer verificando-se erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil; - o prédio rústico vendido à recorrente foi anunciado para venda, sendo manifesta a conformidade entre o prédio anunciado para venda e o prédio vendido, do que resulta que a descrição dele feita no processo de execução, contida nos anúncios, não induziu a recorrente em erro; - a forma pela qual a venda do imóvel foi anunciada obedeceu às formalidades legais previstas no artigo 890º do Código de Processo Civil, que não exige que dos anúncios conste que o imóvel a vender se encontra arrendado; - o alegado erro-vício da recorrente não resultou de falta de conformidade do que foi transmitido com o que foi anunciado, pois os anúncios não faziam nem tinham de fazer referência de o prédio a vender estar ou não arrendado, improcedendo a alegação da recorrente sobre haver fundamento para a anulação com base em erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado; - violar-se-ia o mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito democrático, do qual se exige que haja previsibilidade do direito, se se entendesse anular a venda por os anúncios de venda não incluírem elementos que a lei não exige artigo 2º da Constituição; - os anúncios cumpriram a lei, não havendo fundamento legal para anular a venda por omissão nos anúncios de informação que estes não tinham que conter; - outro entendimento viola o dever de obediência à lei por parte dos tribunais e os princípios ínsitos na ideia do Estado de direito democrático, da legalidade, da certeza, da segurança jurídicas artigos 8º do Código Civil e 2º e 203º da Constituição; - a venda judicial é forçada em que o Estado se substitui ao dono da coisa penhorada, não lhe sendo exigível que tenha conhecimento ou preste informações sobre se o bem a vender está ou não arrendado; - o interessado em comprar um prédio é que deve tomar as cautelas e informar-se dos riscos inerentes ao negócio, não podendo fazer-se recair sobre o tribunal uma obrigação que é do próprio comprador; - o artigo 824º do Código Civil explicita os termos em que são transmitidos os bens vendidos em execução judicial, pelo que o comprador sabe que se eventualmente houver qualquer outro ónus ou limitação que não é abrangido nesta disposição legal, compra o bem com esse ónus ou encargo; - o comprador só poderá a pedir a anulação da venda se se verificar alguma das situações previstas no artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil, que não ocorre no caso; - não se verificam os pressupostos do artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil, devendo ser confirmado o acórdão,

II É a seguinte a factualidade considerada pelo acórdão recorrido: 1. Na acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, que AA- a que sucedeu AB instaurou no dia dia 20 de Dezembro de 1990, contra CC, procedeu-se à venda judicial por propostas em carta fechada de um prédio rústico da executada. 2. Os anúncios, publicados nos dias 5 de Dezembro de 2003 e 6 de Dezembro de 2003, inseriram o seguinte: nos autos nº..., execução ordinária, em que é exequente AAe e executados CC e outro, foi designado o dia 12 de Fevereiro de 2004, pelas 14 horas, neste Tribunal, pela a abertura de propostas que sejam entregues até esse momento, na secretaria deste Tribunal, pelos interessados na compra do imóvel abaixo identificado quais deverão ser superiores a 70% ao valor base de 349 000 euros, conforme estabelece o artigo 889º, nº 2,do Código de Processo Civil: Imóvel Prédio rústico, situado no lugar do... e com a descrição nova nº..., da dita freguesia..., do referido concelho... Do imóvel penhorado é fiel depositário AM, residente na Rua...,... 3. No dia 12 de Fevereiro de 2004 foi lavrado auto de abertura de propostas do seguinte teor: No dia 12 de Fevereiro de 2004, neste 1º juízo cível da Comarca..., onde se encontravam C..., Juíza de Direito, comigo escrivã M..., à hora designada, ela Juíza ordenou que se iniciasse a diligência nos presentes autos de execução ordinária 3827/1990 e em que são exequente AA e executados CC, residente na... Iniciada a diligência, verificou-se que não se encontram presentes qualquer uma das partes, ou respectivos mandatários, credores inscritos ou outros que devessem manifestar, de alguma forma, interesse na diligência a realizar. Verificou-se que se mostram juntas duas propostas apresentadas, respectivamente por R...&M... Ldª e DD. A Juíza ditou o seguinte despacho: Não obstante a nulidade invocada por JF..., Ldª, a qual se arroga arrendatária do imóvel penhorado a folhas 60 dos autos, dos documentos juntos não podemos extrair que a referida JF..., Ldª seja arrendatária do referido bem a que neste momento está a proceder-se à venda. Assim, ir-se-á proceder à abertura das propostas na presença dos respectivos proponentes, sendo que a proponente R...&M..., Ldª que se mostra representada pelos seus legais representantes, FM e GM, e o segundo proponente se encontra pessoalmente neste acto, verificando-se que a proposta apresentada por R...&M..., Ldª é de valor de 420 000 e a proposta apresentada por DD é de valor de 12 500, ambas relativas à aquisição do imóvel a vender, a seguir identificado: Prédio rústico, situado no lugar do..., freguesia..., Concelho..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2348, rústico e descrito na competente conservatória como parte do prédio com a descrição antiga sob o nº... e com a descrição nova nº..., da dita freguesia de Pedroso, do referido concelho... Uma vez que não se encontram presentes exequente, executado ou credores reclamantes, foi imediatamente aceite a proposta apresentada por R...&M..., Ldª pelo supra valor de 420 000, nos termos do estabelecido no artigo 894º, nº 1, do Código de Processo Civil. Nesta altura foi a proponente notificada para no prazo de 15 dias efectuar o depósito na Caixa..., nos termos do artigo 897º do mesmo diploma. Mais foi notificada a proponente de que nestes autos se mostra interposto um recurso de agravo, interposto por JF..., Lª, a qual se diz arrendatária do imóvel vendido, recurso esse admitido com efeito devolutivo a subir diferidamente com o recurso interposto depois de concluída a adjudicação, venda ou remição do bem, tendo os representantes legais da proponente cuja proposta foi aceite declarado ficar bem cientes. 4. JF..., Ldª arroga-se arrendatária do imóvel penhorado, cuja venda foi anunciada e, como tal, titular do direito de preferência na sua alienação. III A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente pode ou não impor ao recorrido a anulação do acto de venda judicial do prédio penhorado na acção executiva em causa. Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - regime adjectivo aplicável à venda executiva e ao recurso; - está ou não o acórdão da Relação afectado de nulidade? - limites ao conhecimento da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça;

- regime legal da publicidade da venda em execução e da anulação desta em virtude da existência de ónus ou limitações; - verificam-se ou não no caso os pressupostos de anulação do - ocorrem ou não os pressupostos da anulação do acto de venda executiva em causa? - o acórdão interpretou alguma normas que aplicou em termos de dever considerar-se a sua inconstitucionalidade? Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões. 1. Comecemos por uma breve referência ao regime processual aplicável à venda executiva e ao recurso. Ainda não é aplicável ao caso em análise o novíssimo regime processual da acção executiva decorrente do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro. Estamos perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa instaurada antes da entrada em vigor, no dia 1 de Janeiro de 1997, da reforma do Código de Processo Civil a que se deu o nome de Código de Processo Civil Revisto (artigo 16º do Decreto-Lei nº 329- A/95, de 12 de Dezembro). Conforme decorre do referido artigo, a regra é no sentido de que o novo regime processual só era aplicável aos processos iniciados depois de 1 de Janeiro de 1997. Todavia, aos procedimentos de natureza declarativa enxertados em execuções pendentes, deduzidos na sequência de prazos iniciados após 1 de Janeiro de 1997, são aplicáveis as disposições da lei nova, incluindo as relativas ao respectivo processamento, segundo as disposições que regem o processo declarativo ordinário ou sumário (artigo 26º, nº 1, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro). Acresce que, nas próprias acções executivas pendentes na referida data, sem que se tivessem ordenado ou iniciado as diligências necessárias para a realização do pagamento, era aplicável a lei nova, incumbindo ao juiz optar entre a venda judicial mediante propostas em carta fechada ou a arrematação em hasta pública, embora neste caso devessem ser aplicadas as revogadas disposições sobre essa modalidade de venda (artigo 26º, nº 3, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro). Face ao referido regime, considerando que no dia 1 de Janeiro de 1997 ainda se não haviam iniciado as diligências para a venda do imóvel penhorado, à acção executiva passou a ser aplicado o regime do Código de Processo Civil Revisto, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997. Acresce que, como esta acção executiva foi instaurada antes de 15 de Setembro de 2003, não lhe é aplicável a alteração da lei decorrente do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (artigo 21º, nº 1). O despacho judicial que anulou a venda judicial em causa, de que foi interposto recurso de agravo para a Relação pelo exequente, e de cujo acórdão a arrematante do prédio ora recorre para este Tribunal, foi proferido no dia 28 de Fevereiro de 2008. E aos recursos das decisões proferidas na acção executiva em causa, alias todas proferidas depois de 1 de Janeiro de 1997, incluindo a que está aqui em causa, é aplicável o regime processual decorrente do Código de Processo Civil Revisto, salvo o que se prescrevia nos artigos 669º, nºs 2 e 3, 670º, 725º e 754º (artigo 25º, nº 1 do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro). Mas como esta acção executiva foi instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008, ao recurso em análise não é aplicável o regime decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. É-lhe aplicável o regime processual anterior ao implementado pelo mencionado Decreto-Lei, ou seja, o decorrente do referido Código de Processo Civil Revisto (artigos 11º e 12º). 2. Continuemos, ora com a análise da subquestão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade. A recorrente alegou que a Relação se não pronunciou sobre o erro sobre as qualidades do objecto da venda apesar de ter constituído um dos fundamentos do requerimento de anulação da venda e de ter sido a principal questão tratada na sentença, colocada pelo exequente no recurso de agravo. E, por isso, concluiu ser nulo aquele acórdão por omissão de pronúncia, invocando o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil. O recorrido respondeu no sentido de o acórdão recorrido se haver pronunciado sobre a existência do arrendamento, não ter de ser publicitado nos anúncios de venda de imóvel, e

que não havia nulidade por falta de pronúncia. No recurso em apreciação, a Relação conheceu das questões que lhe foram postas pelo recorrente, designadamente, por um lado, da contradição na afirmação de a lei impor determinados elementos e deverem mencionar-se outros e se dever determinar a anulação da venda por falta destes. E, por outro, que não havia fundamento para a anulação da venda e que esta só poderia questionar-se se fosse indiscutível a existência de um arrendatário instalado no bem vendido, e que a mera hipótese era manifestamente insuficiente para o efeito. Conheceu, pois, das questões que lhe foram postas pelo recorrente, o exequente, cumprindo assim o disposto nos artigos 660º, nº 2, primeira parte, e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil. Expressa a lei que o acórdão da Relação é nulo quando deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil). O juiz, ou o colectivo de juízes, deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil) Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito. Aproximando o referido conceito do objecto do litígio, dir-se-á que as questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio relevantes para a decisão da questão de saber da validade ou nulidade do acto de venda do prédio penhorado por propostas em carta fechada por défice de publicidade ou erro sobre os motivos determinantes da vontade de comprar atinentes ao objecto. Julgada procedente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia pela Relação, se for caso disso, impõe-se a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão (artigos 731º e 762º, nº 2, do Código de Processo Civil). A ora recorrente não podia recorrer do despacho proferido pelo tribunal da primeira instância anulatório do acto da venda, porque teve aí ganho de causa, ou seja não ficou na posição de vencida (artigo 680º, nº 1, do Código de Processo Civil). Em consequência, só podia prevenir a solução de revogação do despacho recorrido pela Relação, verificados os respectivos pressupostos, se, como recorrida, requeresse a ampliação do recurso de agravo (artigo 684º-A, nº 1, do Código de Processo Civil). Como a ora recorrente não requereu a ampliação do recurso de agravo do referido despacho, e não colocou, como é natural à Relação qualquer questão que ela devesse decidir, certo que se limitou, na resposta ao recurso do ora recorrido, sustentar o acerto do despacho recorrido, não tem legitimidade para arguir a nulidade do acórdão em apreciação, que, aliás, não existe. 3. Prossigamos, agora com uma breve referência aos limites ao conhecimento da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça. A regra é a de que cabe às instâncias apurar a factualidade relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. Com efeito, não tem este Tribunal, em regra, competência funcional para alterar, designadamente ampliar a matéria de facto, certo que, em regra, só conhece de matéria de direito (artigos 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). A referida excepção apenas ocorre se a Relação, na fixação dos factos disponíveis, infringir alguma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de algum facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, nº 2 e 755º, nº 2, do Código de Processo Civil). Tendo em conta o quadro de facto disponível, em que as instâncias basearam as decisões que proferiram, não se verifica a mencionada excepção. Em consequência, não pode este Tribunal sindicar a decisão da matéria de facto das instâncias, que consta de II, nem, em virtude do défice de factos para o efeito, considerar a existência de contrato de arrendamento para o exercício da indústria relativo ao prédio vendido celebrado entre o executado e JF..., Ldª. Todavia, no acórdão, referiu a Relação, por um lado, a existência de uma escritura pública relativa ao discutido arrendamento sobre um prédio urbano, que tem por objecto o exercício da actividade industrial de fabrico e comercialização de passanamarias E, por outro, que a pretensa arrendatária afirma ter sido o imóvel objecto de desanexação,

criando-se um prédio rústico e um prédio urbano e só a este corresponder o arrendamento. Perante a mencionada referência pela Relação ao referido contrato de arrendamento constante de escritura pública existente no processo, o que significa acrescentamento de matéria de facto ao quadro que consta de II, este Tribunal tem de considerar esse acrescentamento. 4. Vejamos agora a síntese do regime legal da publicidade da venda em execução e da anulação desta em virtude da existência de ónus ou limitações. Ao regime da publicidade da venda por propostas em carta fechada reporta-se o artigo 890º do Código de Processo Civil. A venda é publicitada por meio de editais, anúncios e inclusão na página informática da secretaria de execução. Os editais são afixados pelo agente de execução, com antecedência de dez dias, nas portas da secretaria da execução e da junta de freguesia em que os bens se situem, bem como na porta dos prédios urbanos a vender, e os anúncios são publicados em dois números seguidos de determinados jornais (nºs 2 e 3). Nos editais e nos anúncios mencionam-se, por um lado, o nome do executado, a secretaria por onde corre o processo, o dia, a hora e local da abertura das propostas, a identificação sumária dos bens, o valor base da venda e o valor anunciado para a mesma, correspondente a setenta por cento daquele, e a advertência de que a sentença está pendente de recurso, se for caso disso (nºs 4 e 5). Estas são as indicações que, nos casos normais devem obrigatoriamente constar dos editais e dos anúncios. Mas dado o escopo finalístico deste normativo, que é o de anunciar ao público o que o tribunal vai alienar, neles deve fazer inserir outros dados pertinentes, susceptíveis de influir no juízo sobre o conteúdo das propostas de aquisição dos bens, ou seja, com interesse para os proponentes, que sejam conhecidos no processo. A omissão de inserção nos editais e anúncios relativos à venda dos bens implica, em princípio, a nulidade a que se reporta o artigo 201º, nº 1, a arguir no prazo de dez dias a contar da data em que o interessado dela conheceu, em conformidade com o que se prescreve no nº 1 do artigo 205º, ambos do Código de Processo Civil. Ao regime da anulação da venda refere-se, por seu turno, o artigo 908º do Código de Processo Civil, que estabelece: Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, no processo de execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, caso em que é aplicável o disposto no artigo 906º do Código Civil (nº 1). Trata-se de encargos ou ónus que incidam sobre o direito objecto de transmissão, como é o caso, no que concerne a bens imóveis, dos direitos reais de gozo, designadamente, o de usufruto, de servidão. Acresce que o normativo em análise visa, além do mais, salvaguardar os interesses dos adquirentes de bens em acções executivas, e, conforme foi referido no acórdão recorrido, a existência de arrendamento influencia negativamente o valor de mercado dos prédios. Tendo em conta o escopo finalístico da lei, a circunstância de ser frequente a utilização dos imóveis por via do arrendamento não exclui da sua abrangência os direitos pessoais de gozo que sobre eles incidam. A conclusão é, por isso, no sentido de que constitui limitação que excede os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, por exemplo, o direito pessoal de gozo sobre o prédio vendido, designadamente o derivado de contrato de arrendamento que seja eficaz em relação ao comprador por força do artigo 1057º do Código Civil. O segundo fundamento de anulação do acto da venda executiva é o erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi objecto dos editais e dos anúncios. Abrange, por não haver razões para a restrição, o erro sobre o objecto propriamente dito e sobre as suas qualidades. Uma das vertentes do erro, entendido como a falsa de concepção de uma coisa ou de um facto, é o erro-vício de vontade a que alude o normativo de processo civil em análise. São situações de conformidade entre a vontade negocial real e a declarada, mas em que a mesma se formou sob erro do declarante, por exemplo relativamente ao objecto mediato do contrato outorgado. Trata-se do erro que atinge os motivos determinantes da vontade referido ao objecto do

negócio, gerador de anulabilidade, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu, a que se reporta o artigo 251º do Código Civil. A remissão deste normativo da lei de processo em análise para o artigo 906º do Código Civil pretende que se aplique nas situações a que se reporta o regime da convalescença do contrato, ou seja, que desaparecidos os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito, fica sanada a anulabilidade do contrato, salvo se a existência dos ónus ou limitações já houver causado prejuízo ao comprador. A questão é decidida pelo juiz, ouvidos o exequente, o executado e os credores interessados, depois de examinadas as provas que se produzirem, salvo se os elementos forem insuficientes, caso em que o comprador é remetido para a acção competente, a intentar contra os credores a quem tenha sido ou deva ser atribuído o preço da venda (nº 2). No caso, a questão relativa à causa da anulabilidade da venda executiva foi decidida pelas instâncias, ou seja, não remeteram o recorrente para a acção competente. 5. Atentemos, ora, sobre se ocorrem ou não na espécie os pressupostos da anulação da venda executiva em causa. Recorde-se que o recorrente motivou essencialmente o recurso na errada aplicação do artigo 908º do Código de Processo Civil quanto à existência de ónus ou limitações que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, e o erro sobre a coisa transmitida em conformidade com o que foi anunciado. O tribunal não está, porém, limitado pela qualificação jurídica pelas partes dos factos assentes (artigo 664º do Código de Processo Civil). Tendo em conta o que resulta dos factos provados, tal como foi entendido nas instâncias, não pode dar-se por assente a existência de contrato de arrendamento celebrado entre o executado e JF..., Ldª, que tenha por objecto mediato o prédio penhorado e que foi alienado na acção executiva. Por isso, inexiste fundamento legal para considerar a existência de ónus ou limitação que não foi tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ou de erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado. Assim, a conclusão é no sentido de que a pretensão de anulabilidade do acto de venda executiva não pode fundar-se no disposto no nº 1 do artigo 908º do Código de Processo Civil. Excluída a referida causa de anulação do acto de venda executiva, por virtude de os factos provados não revelarem a existência do referido contrato de arrendamento, resta averiguar se existe falta de informação do tribunal, nos anúncios ou na decorrência da actividade processual subsequente, que implique a anulação daquele acto. Nos editais e anúncios em causa não foi feita qualquer referência à circunstância JF..., Ldª se arrogar arrendatária do prédio, apesar de nessa altura já ser conhecida no processo essa arrogância, com influência no valor dos bens anunciados para venda. E nem depois disso, ou seja, em tempo útil para os interessados, incluindo a recorrente, de formar correctamente a sua vontade com vista à apresentação das propostas, não procedeu o tribunal à publicação da informação sobre a mencionada circunstância. Com efeito, no acto de abertura das propostas, no dia 12 de Fevereiro de 2004, é que o tribunal declarou que não obstante a nulidade invocada por JF..., Ldª, não podia extrair dos documentos juntos que ela fosse arrendatária do imóvel. A referida omissão de informação, relevante no âmbito da publicitação da venda em execução para que a recorrente pudesse formar correctamente a sua vontade com vista à apresentação da respectiva proposta, constitui nulidade com relevância no quadro da acção executiva, a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil. Impõe-se por isso, ao invés do que foi decidido no acórdão recorrido, a anulação do acto de venda executiva em causa. 6. Vejamos agora a solução para a questão da inconstitucionalidade invocada pela recorrente e pelo recorrido, este em jeito de prevenir decisão em sentido contrário do que alegou. Certo é que nos factos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (artigo 204º da Constituição). Dado que acima se afirmou, no sentido da procedência do recurso de agravo, prejudicada fica a análise da questão da interpretação da lei ordinária em desarmonia com a

Constituição, que a recorrente invocou no recurso (artigos 660º, nº 2, primeira parte, 713º, nº 2, e 726º do Código de Processo Civil). Acresce que a interpretação aqui operada dos artigos 201º, nº 1 e 890º do Código de Processo Civil não infringe algum princípio do Estado de direito ou da independência dos tribunais, a que se reportam os artigos 2º e 203º da Constituição, referida pelo recorrido. 7. Finalmente a síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei. Não obstante a acção executiva em causa haver sido instaurada no dia 30 de Dezembro de 1990, à fase objecto de apreciação e aos recursos é aplicável o regime processual que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997. É, porém, excluída a aplicação aqui do regime decorrente da alteração do regime da acção executiva decorrente dos Decreto-Leis nºs 38/2003, de 8 de Março, e 226/2008, de 20 de Novembro. Além disso, é aplicável ao recurso o regime antecedente ao implementado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. Como o recorrente não requereu a ampliação do recurso de agravo do despacho proferido no tribunal da primeira instância, que lhe foi integralmente favorável, e, por isso, não interpôs recurso, não pode impugnar o acórdão da Relação por omissão de pronúncia. O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar, no recurso de agravo, a fixação da matéria de facto pela Relação que não derive da interpretação de declarações negociais ou de ofensa de normas expressas de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Mas pode dar relevo à afirmação da Relação no sentido da existência de uma escritura pública relativa ao arrendamento que foi invocado por terceiro com vista a que lhe fosse reconhecido o direito de preferência na venda. A existência de arrendamento sobre o prédio que foi vendido judicialmente em acção executiva é susceptível de integrar o conceito de ónus ou limitação a que se reporta o artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil. Conhecida no processo ao tempo da emissão dos anúncios a que se reporta o nº 4 do artigo 890º do Código de Processo Civil a arrogância de terceiro de ser arrendatário do prédio a vender, neles deve ser inserida essa informação, por relevar na formação da vontade de adquirir por parte dos interessados. A omissão da referida informação integra a nulidade prevista no artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil e implica a nulidade do acto da venda. Procede, por isso, o recurso. Vencido, é o recorrido responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). IV Pelo exposto, dando provimento ao recurso, anula-se o acto da venda mencionado sob II 3, e condena-se o recorrido no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 28 de Abril de 2009. Salvador da Costa (relator) Ferreira de Sousa Armindo Luis