1 JOHAN HEINRICH PESTALOZZI E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A REFLEXÃO SOBRE A EDUCAÇÃO CRISTÃ Área Temática: Filosofia Cristianismo e Educação Inez Augusto Borges Drª em Ciências da Religião Escola Superior de Teologia Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, prédio 23, Consolação, CEP 01302-907, São Paulo SP Brasil inez@mackenzie.com.br Resumo Este artigo pretende mostrar a relação entre as idéias e a metas educacionais de Johan Heinrich Pestalozzi e sua fé nos princípios cristãos, particularmente suas idéias sobre como o amor pode ser uma metodologia para formar e transformar o caráter das crianças. Como cristão reformado, Pestalozzi defendia a idéia de que Deus criou o ser humano à sua própria imagem e por causa disso, cada ser humanos é digno de ser amado e de possuir as condições necessárias para desenvolver seu potencial e cada educador deve providenciar, não apenas um bom meio, mas sempre o melhor meio para realizar seu trabalho. Palavras-chave: Pestalozzi, educação, cristianismo, caráter. Abstract This article intent to show the connection between educational ideas and goals of Johan Heinrich Pestalozzi and his faith in the Christian s principles, particularly his ideas about how love can be a methodology for shaping and transforming character s children. As a Christian reformed, Pestalozzi defended that God created man in His own image and for that reason all human been is worthy to be loved and have necessarily conductions to expand his potential and each educator have to provide nor only the good way but always the better way to do this job. Keywords: Pestalozzi, education, Christianity, character. Johan Heinrich Pestalozz- Esboço biográfico Joham Heinrich Pestalozzi era filho de médico, mas perdeu o pai aos cinco anos de idade, passando a viver até a adolescência apenas com a mãe e uma criada. O historiador Lourenço Luzuriaga afirma que esta influência puramente maternal e feminina (...) lhe explica certos traços de caráter (LUZURIAGA, 1983, p. 173). Embora não seja muito clara esta observação do historiador, a mesma parece sugerir que a ausência do pai deixou marcas perceptíveis no caráter de Pestalozzi. A informação de Giles acrescenta alguns detalhes. Segundo ele, Pestalozzi cresceu
2 misantropo, tímido e desajustado e apesar das tentativas de ajustar-se socialmente, suas experiências escolares foram desastrosas (GUILES, 1987, p. 189). Entretanto, as particularidades de sua infância parecem superadas quando é considerada a grandiosidade da obra à qual dedicou toda a sua vida. Luzuriaga considera que Pestalozzi foi o maior gênio, a figura mais nobre da educação e da Pedagogia, o educador por excelência e o fundador da escola primária popular (p. 173), e transcreve a inscrição colocada em seu túmulo, na qual é chamado de: Salvador dos Pobres, Pregador do Povo, Pai dos Órfãos, Educador da Humanidade, Homem, Cristão, Cidadão (p. 175) De acordo com Luzuriaga, Pestalozzi foi o maior educador da História, tendo exercido profunda influência na formação de grandes filósofos e educadores. Como teria sido isso possível? Parte da resposta parece estar na influência decisiva que um tio-avô exerceu sobre o menino órfão de pai. Este tio era pastor protestante em uma pequena comunidade rural e Pestalozzi teve seu ideal de vida despertado ainda na infância, quando acompanhava este tio-avô em visitas aos pobres da comunidade. Decidido a acabar com as fontes da miséria em que via o povo se afundar, dedicou-se à educação de órfãos, investindo nesse projeto seus recursos e sua própria vida. Nas palavras de Giles, ele próprio viveu como mendigo para ensinar os mendigos a viver como homens (p. 189). Em sua luta contra as fontes da miséria, a questão pedagógica se tornou essencial. Apesar de abrigar e alimentar os órfãos, seu trabalho não possuía um caráter apenas assistencialista. Pelo contrário, preocupava-se com a educação a tal ponto que afirmava ser imperativo a todo aquele que desejasse ser considerado mestre, investigar qual o melhor, e não apenas qual o eficiente método para garantir o crescimento e o desenvolvimento harmonioso do aluno. É perceptível aqui a preocupação de Pestalozzi com a busca pelas melhores estratégias de ensino em todas as áreas da vida do educando. Não bastava ter bons métodos de ensino da linguagem ou da matemática, era necessário investir tempo em pesquisa e avaliação dos melhores meios para ensinar o ser humano a tornar-se verdadeiramente humano. Pesrtalozzi apresentou uma teoria chamada teoria dos três estados do desenvolvimento humano : o estado animal ou natural, o estado social e o estado moral. Nesta teoria, Pestalozzi defende que as religiões e as culturas, assim como os indivíduos acompanham este modelo de desenvolvimento. As religiões próprias do
3 estado natural caracterizam-se pela identificação com as forças da natureza, a magia, as superstições e o medo do castigo que possa ser provocado pela ira das divindades. A religião social ou institucional é marcada pela predominância das relações de poder, de intimidação e de hipocrisias, sendo super-dimensionado o valor do comportamento externo enquanto a individualidade é pouco considerada. A religião moral, segundo Pestalozzi, é aquela que conduz à autonomia moral, pois representa a valorização da interioridade e integridade, através do reconhecimento da essência divina presente em cada ser humano e da proposta de um estilo de vida responsável e autônomo. A religião moral definida por Pestalozzi é aquela que propicia a liberdade de não escravizar-se aos próprios instintos e a autonomia de transcender a moral social, permitindo ao ser humano agir responsavelmente conforme a única moral verdadeira e possível que é aquela assumida pela consciência individual. Pestalozzi afirma que apenas o sistema de ensino propiciado pelo verdadeiro Cristianismo, representando um apelo à vida individualmente responsável diante de Deus e dos semelhantes, pode auxiliar o ser humano em sua busca pela autonomia moral. De acordo com esta teoria dos três estados, a valorização da educação cristã é bastante clara em Pestalozzi. Ele defende que a educação deveria ter como meta a elevação do ser humano à verdadeira dignidade de um ser espiritual, alvo este que pode ser atingido apenas através da educação motivada pelo amor. Mas não é qualquer tipo de amor. Pestalozzi define o amor sacrificial e incondicional, conforme pregado no Cristianismo bíblico, como sendo o maior referencial de amor que serve de ligação entre o processo educativo e o Cristianismo. Para ele, o Cristianismo é um alto acervo de experiências morais que ajudam na educação da humanidade e a finalidade última do Cristianismo (...) consiste em educar a Humanidade (GUILES, 1987, p. 194). Pestalozzi dedicou seus esforços, tempo, recursos financeiros e sua própria família à vivencia de suas idéias pedagógicas. Fundou orfanatos e educou meninos e meninas pobres e abandonados, procurando formar o caráter de cada um. Mais do que ensinar a ler, escrever e transmitir outros conteúdos considerados relevantes para a formação intelectual, Pestalozzi interessava-se pela formação integral, pela construção da personalidade individual da criança. Para isso, desenvolveu uma proposta fundamenta em três princípios básicos: 1 - o amor, 2 - a percepção e o exercício da moral e 3 - a linguagem e a verbalização da moral.
4 Em busca do melhor método A fé, a esperança e o amor são as principais virtudes cristãs. Entretanto, quando estas características foram descritas como sendo basilares para a vida do cristão, o amor já foi destacado como sendo a principal delas: Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, porém o maior destes é o amor (1 Coríntios 13:13). Atualmente, também tem sido enfatizada uma Pedagogia da Esperança (FREIRE, 1992) e mesmo uma pseudo-pedagogia do amor (CHALITA, 2003). Entretanto, nenhuma dessas propostas tem a força da argumentação de Pestalozzi sobre este assunto. Conforme dito anteriormente, Pestalozzi afirmava ser tarefa dos educadores buscar não apenas os bons métodos, mas os melhores métodos. Assim como o apostolo Paulo desafia os cristãos e buscarem os melhores dons e conclui que o melhor dos dons é o amor (I Co 13), Pestalozzi conclui que o melhor dos métodos pedagógicos é o amor. O educador deveria inspirar-se primeiramente no amor de Deus pelos seres humanos, cuja característica principal é a incondicionalidade. Em seguida, o amor maternal deveria ser tido como um modelo para todos aqueles que desejassem educar crianças, procurando desenvolver o potencial e a dignidade próprios da natureza do ser criado à imagem e semelhança de Deus. Sob esta perspectiva, Pestalozzi trabalhava com a firme convicção de que mesmo as crianças mais pobres eram portadoras de tesouros interiores que deveriam ser descobertos e estimulados por meio da educação amorosa. Em suas palavras; confiante nas faculdades da natureza humana que Deus colocou nas crianças mais pobre e mais desprezadas eu não tinha apenas aprendido em experiências anteriores que esta natureza desdobra as mais formosas potencialidades em meio ao lodo da rudeza, do embrutecimento e da ruína, mas via, nas minhas próprias crianças, irromper essa força viva, mesmo em meio à toda sua brutalidade (Apud INCONTRI, 1996, p.. 90). As diversas abordagens à obra de Pestalozzi enfatizam o amor como traço marcante em seu próprio caráter e não apenas em sua Pedagogia. A motivação básica por trás de suas idéias, empreendimentos e estudos é muito mais que uma
5 curiosidade acadêmica. O que o move é realmente um desejo de conhecer o ser humano e seus interesses por encontrar melhores e mais eficazes métodos de educação não se restringe ao espírito cientifico e filosófico; sua intenção de ajudar o povo e mudar a sociedade ultrapassa, e muito, a consciência política e noção de justiça social, pois ele era movido pelo amor irreprimível em direção ao próximo (INCONTRI, 1996, P.91). Ao descrever esta ênfase em uma Pedagogia do amor, Incontri afirma que as idéias de Pestalozzi nunca poderiam ser reduzidas a um sistema filosófico ou a uma ciência empírica. Não é possível ensinar num curso de Pedagogia ou qualquer outro, técnicas eficientes para que o educador aprenda a amar verdadeiramente o educando e assim obtenha o sucesso na formação integral de seus alunos. O amor como ação pedagógica somente é possível se precedido por uma empatia e até por uma reverência em relação à própria condição humana. Para Pestalozzi, o amor materno é um exemplo para que educadores desenvolvam sua capacidade de amar seus educandos. Mas este amor materno é apenas um símbolo do amor Ágape que se origina em Deus e é este o que gera o amor pelos semelhantes. Segundo esta concepção, a educação é uma prática humanizante, que transforma os seres humanos naquilo que eles realmente devem ser, mas apenas o amor, que é inseparável da relação com Deus, é capaz de tal façanha. Para ele, a manifestação do amor é a salvação do mundo! Amor é o fio que liga o globo terrestre. Amor é o fio que liga o homem a Deus. Sem amor, o homem está sem Deus, e sem Deus e sem amor, o que é o homem? (...) Não é homem, é inumano o homem sem Deus e sem amor. (apud INCONTRI, 1996, p. 92) Mas é necessário esclarecer ainda outra característica do amor ao qual Pestalozzi se refere. É um amor incondicional, que não leva em conta os méritos do estudante, mas também não é um amor cego e permissivo. Ele fala de um amor iluminado e reflexivo, que estimula as aptidões e que disciplina o comportamento rumo ao desenvolvimento máximo das potencialidades, com vistas à superação da existência e com ênfase na transcendência espiritual do ser humano. Este amor como primeira estratégia pedagógica somente faz sentido diante da perspectiva de uma educação integral e transformadora. Não pareceria relevante diante da proposta de educação centrada na formação intelectual e na
6 transmissão e aquisição de conteúdos acadêmicos. É na educação que vê o ser humano como um ser moral e que busca desenvolver esta característica, que o educador aproveita as oportunidade e exigências acadêmicas para formar o homem todo. Para a formação humana, segundo este tipo de amor exigente, refletido e iluminado, são insuficientes as admoestações e correções, bem como a concessão de prêmios e castigos ou punições. Também não é suficiente estabelecer normas e ordens para que estas sejam cumpridas de forma mecânica. É necessário juntar esforços - o educador aliado ao educando, numa cadeia ininterrupta de providencias derivadas de um mesmo princípio, um mesmo espírito e um mesmo objetivo. O princípio norteador da educação deve fundamentar-se na consciência de que existem leis imutáveis da natureza humana. O espírito norteador das ações deve ser o espírito de benevolência e firmeza. O objetivo das providencias pedagógicas deve ser o da elevação do ser humana à sua verdadeira dignidade de ser espiritual. Com estas recomendações, fica esclarecida a função da educação: não se trata de aperfeiçoar as ações escolares, mas de preparar para a vida. Tampouco se refere à tarefa de desenvolver o hábito da obediência cega ou a diligência comandada, mas de desenvolver as competências necessárias para o agir autônomo e responsável. A busca da autonomia está intimamente relacionada a duas tarefas educacionais distintas: é necessário auxiliar a criança a descobrir sua condição de ser humano e com isso identificar o que ela tem de comum com todos os demais componentes dessa humanidade e depois reconhecer a forma particular como cada um deverá realizar-se como ser humano. Pestalozzi afirma a necessidade de ser em mente que o aluno, independentemente da camada social a que pertença e da profissão a que aspire, participa de certos elementos da natureza humana que são comuns e constituem o fundamento das forças humanas. Por outro lado, cada um tem sua forma específica de expressar os traços dessa humanidade que deve refletir os traços da imagem divina e o educador não tem o direito de limitar o desenvolvimento de nenhuma das capacidades individuais dos estudantes. Assim, É justamente o que há de comum e eterno nos homens, e que pode ser buscado, cutucado e acendido, sempre da mesma forma por intermédio do amor que vai servir de base para a auto-construção do
7 ser particular, inclusive do ponto de vista intelectual Aapud INCONTRI, 1996, p 97) O amor e a educação integral A educação integral do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus depende do desabrochar de todas as potencialidades contidas nesse modelo com o qual o ser humano foi criado. Esta integralidade da ação educativa depende, em primeiro lugar, do amor dos educadores e do grau de lucidez desse amor. A importância atribuída por Pestalozzi à educação integral é mais facilmente percebida quando considerada a hierarquia estabelecida por ele entre educação moral e intelectual. Para ele, a formação moral é mais importante que a formação intelectual. A razão disso é que a curiosidade intelectual, o desejo pelo aprendizado acadêmico é conseqüência dessa atitude de amor direcionado para uma finalidade útil, tanto para o sujeito quanto para a sociedade. É o caráter do estudante que determinará, não apenas o interesse pelos estudos, mas também a motivação correta para este interesse. A educação do caráter, viabilizada pelo amor, deverá formar homens e mulheres cuja motivação é servir a Deus no serviço ao próximo. Isto quer dizer que o ser moral de Pestalozzi é o ser humano engajado em seu auto-aperfeiçoamento ; é aquele em quem o ímpeto do amor se tornou mais forte que o egoísmo e a lei social (INCONTRI, 1996, p. 98). Somente quando este impulso se torna a base do conhecimento, a educação intelectual se desenvolve de forma plena e atinge os resultados desejáveis para a educação integral. A auto-realização ou o desenvolvimento mais elevado do potencial de cada pessoa é compreendido como parte da formação moral, pois o impulso de autodesenvolvimento deve ser sempre um impulso de doação de si mesmo à humanidade. Buscar o desenvolvimento máximo da própria capacidade deve ser compreendido como um ato de amor e serviço ao próximo. Ao contrário de Immanuel Kant, para quem o homem moral é aquele que age por dever, constrangido por um imperativo categórico auto-imposto, para Pestalozzi, a verdadeira moralidade é a da espontaneidade do
8 impulso amoroso, do amor ágape, que se estende, indistintamente, por toda a humanidade. Considerações Finais Partindo das reflexões sobre a proposta educativa de Pestalozzi, toda a prática educativa dos dias atuais deveria ser repensada. A ênfase dada à busca ou a transmissão de conhecimento sem sentido, sem conexão com as características do indivíduo que aprende ou com a finalidade que será dada ao conhecimento adquirido não tem nenhuma relevância na visão educacional que pretende formar, primeiro, o caráter e depois a inteligência. O aprendizado deveria ser motivado pelo desejo amoroso de ser útil a si mesmo e à sociedade. Atualmente a educação tem priorizado uma formação para o mercado de trabalho. O interesse básico é o suprimento das necessidades mais elementares da vida. O aprendizado pelo prazer do autodesenvolvimento em busca de melhores maneiras de servir ao próximo e à sociedade parece uma utopia difícil até mesmo de compartilhar com outros educadores que também exercem sua função motivados por necessidade de sobrevivência e não por amor à tarefa de formar homens e mulheres criados para expressar a imagem de um Deus amoroso. Por outro lado, se houver uma mínima abertura no sentido de considerar a relevância da educação para a construção da personalidade moral autêntica, reflexiva, capaz de identificar as possibilidades de auto-expressão criativa e criadora, sempre com vistas à glória do Deus Criador, a função de educar pode tornar-se - ou voltar a ser - estimulante e desafiadora, neste contexto desumano e mecanicista, característico do século XXI. Referencias Bibliográficas CHALITA, Gabriel. Pedagogia do Amor: a contribuição de histórias universais para a formação de valores das novas gerações. São Paulo: Editora Gente, 2003.
9 FREIRE, Paulo Pedagogia da esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. GILES, Thomas Ranson. História da Educação. São Paulo: E.P.U., 1987. INCONTRI, Dora. Pestalozzi Educação e Ética. São Paulo, Editora Sscipione, 1997. LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo, Editora Nacional, 1983.