Gols de bico, de cabeça, de voleio: Feitiço foi um atacante à frente de seu tempo



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Transcrição:

FE FE ITIÇO ITIÇO Gols de bico, de cabeça, de voleio: Feitiço foi um atacante à frente de seu tempo

Diga ao excelentíssimo senhor presidente que ele manda no Palácio do Catete, mas quem manda aqui no campo somos nós. O mágico L uís Macedo acordou em um dia qualquer de 1914 ávido para fazer o que mais gostava. O jovem criado no Bixiga, em São Paulo, era desde a infância um aspirante a esportista. Mas a bola que encantava o garoto de treze anos não era aquela pesada, chutada por imigrantes ingleses nos terrenos baldios da capital paulista. Luizinho gostava de bocha. E, naquele dia qualquer de 1914, ele tomou a direção da rua Rui Barbosa, onde gostava de praticar o jogo italiano, que jamais abandonou por toda sua vida. Mas aquele não era mesmo um dia qualquer. O proprietário do clube em que Luís jogava fechou as portas, de luto pela morte de uma filha. Luizinho gostava de bocha. Mas, naquele dia, conheceu uma nova paixão. Com o clube fechado, acabou indo ao Morro dos Ingleses acompanhar uma partida de futebol. Foi amor à primeira vista. Daquele dia em diante, o futebol ganhou espaço na vida do garoto, que começou a disputar partidas na várzea paulistana. Luís fez amigos e, como tinha talento, passou a ganhar admiradores. E admiradoras, também. Certa vez, durante uma partida, uma garota chamada Helena fez um comentário inocente: Ai, o Luizinho quando joga parece que tem um feitiço nos pés. A frase dita há quase cem 25

Os dez mais do Santos anos ganhou status de lenda. Não há registros, nem testemunhas vivas que possam atestar sua veracidade. Lenda ou verdade, nasceu ali o apelido que consagraria Luís Macedo. Feitiço. Tragédia na infância. Treze anos antes de Feitiço surgir para o futebol, a casa de número 26 da rua Álvaro de Carvalho recebeu com alegria o nascimento de Luís Macedo. Era 30 de setembro de 1901, quando a costureira Florisbella Pedroso Macedo deu à luz seu primeiro filho, fruto da união com o guarda civil Luís Fernandes Macedo. O início do novo século marcava uma época de prosperidade no centro de São Paulo. E, ainda que de forma incipiente, o futebol na capital começava a ganhar seu espaço. Foi em 13 de dezembro de 1901 que foi fundada a Liga Paulista de Foot-Ball, primeira entidade formada por clubes do esporte bretão no estado. Em 1902, com a participação de cinco times Mackenzie, Paulistano, São Paulo Athletic, Germânia e Internacional, foi disputado o primeiro Campeonato Paulista. O São Paulo Athletic, que não tem relação com o clube atual do Morumbi, foi o primeiro campeão. No ano seguinte, o São Paulo Athletic venceu novamente, chegando ao bicampeonato estadual. Aquele torneio foi marcado por um fato curioso: o surgimento dos primeiros apelidos no futebol brasileiro. O goleiro Jorge Miranda e o atacante Benedito Werneck Siqueira, ambos do Paulistano, viraram Tatu e Vevé. Luís Macedo ainda não era Feitiço e tinha apenas um ano e meio quando uma tragédia marcou para sempre sua vida. Era carnaval e, à época, uma das brincadeiras favoritas da população mais pobre era o lançamento das chamadas frutas de entrudo. A receita era simples: bastava pegar uma laranja ou limão, retirar a poupa e substituí-la por um líquido, geralmente água ou até mesmo urina. Depois, o buraco era tapado com cera e a fruta, ao ser lançada, explodia no corpo de seu alvo. 26

O mágico Foi essa brincadeira, segundo o livro-reportagem Feitiço do Bixiga, que culminou na morte de Luís Fernandes Macedo, pai do jogador. De acordo com relatos dos filhos de Feitiço, naquele carnaval, o avô trabalhara durante todo o dia, sob um sol intenso no centro de São Paulo. Caminhando até sua casa, vestido com a roupa de guarda civil, ele foi alvejado por inúmeras frutas de entrudo. O contato do líquido frio com o corpo quente teria causado uma gripe. Logo o problema passou a pneumonia, e Luís Fernandes Macedo morreu, deixando o filho recém-nascido aos cuidados da mãe. Cerca de cinco anos depois, Florisbella envolveu-se com outro homem e teve um segundo filho. Sozinha e com dois filhos pequenos, ela teve de fazer a opção por um deles e escolheu o mais novo. Luizinho foi morar com a avó no Bixiga, região de São Paulo que não é e jamais foi oficialmente reconhecida como um bairro. Mas que se tornou uma das marcas da maior cidade do Brasil. Um terno por um artilheiro. Foi no Bixiga que Luizinho cresceu e teve contato com a bocha. Mas era nos campos de futebol que Feitiço ganhava cada vez mais fama, ainda que restrita aos públicos pequenos que acompanhavam as disputas na terra batida. A primeira oportunidade em um time amador foi no Jaceguai, do próprio Bixiga, quando estava para completar quatorze anos. Mas Feitiço era só uma promessa com um apelido engraçado e sem muito jeito de jogador. Por isso, coube-lhe apenas uma vaga no terceiro time, formado por jovens que ainda davam os primeiros passos no esporte. Mas, no dia em que estrearia na terceira formação, o destino trabalhou a favor. Feitiço se atrasou, chegou ao campo quando o jogo do segundo time já estava no fim. Restava apenas assistir à partida dos titulares. Mas, logo nos primeiros minutos, um dos atacantes do time machucou-se. O jovem se ofereceu para compor a equipe. E, diante de olhares incrédulos, entrou em campo. O Jaceguai ganhou por 3 a 0, com três gols de Feitiço. 27

Os dez mais do Santos Dali em diante, a ascensão na várzea paulistana foi meteórica. Do terceiro time para titular absoluto e dali para craque da equipe em um único jogo. E, pouco depois, uma proposta para jogar no Ítalo Luzitano de Pinheiros, um então gigante entre os amadores do esporte inglês, cada vez mais popular no Brasil. Convite aceito e, ao preencher a ficha de inscrição, o jovem Luís Macedo criou uma marca que o carregaria para o restante da carreira. Por pura brincadeira, ele assinou a ficha como Luiz Matoso mudando a grafia do nome e inventando outro sobrenome. Até hoje, há quem jure que o nome de batismo de Feitiço era Luiz Macedo Matoso. Mas os registros pessoais mostram o nome com s e o último sobrenome jamais fez parte de qualquer documento do jogador. Apesar de ter mudado seu nome, Feitiço não mudou a forma de jogar. Continuou fazendo o que melhor sabia fazer em um campo de futebol: gols. Muitos gols. Em 1916, antes de completar quinze anos, fez 52 e foi o artilheiro da temporada na várzea. Virou um dos destaques dos campeonatos amadores, e era questão de tempo até que surgisse o interesse de um clube maior. O São Bento, da zona central de São Paulo, foi o primeiro a manifestar interesse no jovem artilheiro. E, para convencê-lo, o diretor Átila Dias ofereceu um terno usado. Feitiço aceitou a proposta, imaginando-se elegante com uma roupa nova em folha. Quando soube que o terno não fora comprado especialmente para ele, foi tirar satisfações. Ganhou um ingresso de cinema, também de Átila Dias, e esqueceu a raiva pelo terno usado. E Feitiço foi jogar no São Bento, onde começaria sua história na elite do futebol brasileiro. Uma carroça de gols. O São Bento era um time modesto, mas que tinha pretensões de meter-se entre os gigantes do futebol paulista. E as pretensões passam pelos pés daquele atacante forte, exímio cabeceador e que tinha um jeito diferente de pegar na bola usando o bico da chuteira sempre que possível, mesmo em chutes mais complicados, como os voleios. 28

O mágico Feitiço assiste ao pontapé inicial da inauguração de São Januário. Em campo, ele comandou o Santos nos 5 a 3 sobre o Vasco Feitiço chegava para fazer história na equipe da região central de São Paulo e, pelo que se viu no primeiro jogo, um amistoso contra o Minas Gerais, a passagem seria promissora: três gols na vitória por 4 a 1. Em jogos do Campenato Paulista, no entanto, a glória demoraria um pouco mais. Nos dois primeiros confrontos, diante de Palestra Itália e Corinthians, o São Bento foi derrotado e não fez um único gol. Mas Feitiço iria se redimir na terceira partida, ao marcar três vezes na vitória por 5 a 0 sobre o Internacional. Ele terminaria o campeonato com doze gols, sendo artilheiro maior do São Bento, oitavo colocado. 29

Os dez mais do Santos O desempenho de Feitiço atraiu a cobiça do Palestra Itália, que tentou a todo custo levar o atacante para seus quadros. Mas o artilheiro ficou no São Bento. Diz a lenda que um dos diretores do clube era delegado e ameaçou prender o jogador se ele mudasse de equipe. Feitiço ficou, e passou a marcar ainda mais gols. Em 1923, seu segundo ano no São Bento, Feitiço não deu chance à concorrência e foi artilheiro do Paulista com dezoito gols em seis jogos três deles em uma vitória por 4 a 2 sobre o Santos. No ano seguinte, a história se repetiu: o atacante do São Bento novamente foi o líder em gols, com quatorze. Mas faltava um título. E, em 1925, o São Bento teria a chance de disputar a taça. O rival na decisão era o Paulistano, do mito Friedenreich, que acabara de voltar de uma excursão pela Europa, com direito a goleada de 7 a 2 sobre a seleção da França. Feitiço não se intimidou. Na final, marcou um belo gol de cabeça, de fora da área, para abrir o placar. A torcida do Paulistano e os dirigentes não se contiveram diante da humilhação. A equipe deixou o gramado antes do fim do jogo, e o São Bento acabou campeão. O artilheiro, pelo terceiro ano seguido, foi Feitiço, com dez gols marcados. Pelo título e pela artilharia, o atacante recebeu sua primeira grande premiação: uma carroça. Desiludido com a falta de perspectivas financeiras e com uma família para cuidar já estava casado e tinha um filho, Feitiço voltou a ser Luís Macedo, e trabalhou durante mais de um ano fazendo pequenos carretos pela região central de São Paulo. Aos 25 anos, campeão paulista pelo São Bento e Brasileiro de Seleções por São Paulo, Feitiço já havia colocado um ponto final na carreira. E relutava ao ser convidado para voltar aos gramados. A Vila enfeitiçada. Antônio Araújo Cunha não desistiu ao ouvir o primeiro não. Nem o segundo, nem o terceiro. Conselheiro e um dos fundadores do Santos, ele queria ver Feitiço com a camisa do alvinegro praiano. Mas o atacante sempre se esquivava. Afinal, já ganhara mais com sua carroça do que jogando futebol. 30

O mágico Mas um dia, sem um motivo especial talvez levado pela curiosidade e pela saudade dos gramados, Feitiço aceitou o convite de Cunha para visitar a cidade de Santos. Dali para conhecer o clube, ficar encantado e aceitar vestir a camisa santista, o processo foi muito mais rápido. O Santos fora fundado em 1912 e ainda buscava seu primeiro título paulista. Material humano não faltava ao time da baixada. O esquadrão começava com um grande goleiro, Tuffy, que depois ainda faria história no Corinthians. E, no ataque, o grande ídolo era Araken Patuska, filho do primeiro presidente do clube e principal jogador do Santos naquela época. A estreia de Feitiço aconteceu na Taça Cruz Azul, contra o Palestra Itália, campeão paulista de 1926. Mantendo a tradição de fazer grandes estreias, o atacante marcou o terceiro e decisivo gol na vitória por 3 a 2. O desafio serguinte seria estrear diante de 10 mil santistas, na Vila Belmiro. E a estreia de Feitiço diante da multidão santista, um amistoso contra o Guarani, tornou-se um jogo para a história do futebol brasileiro. Mas de um jeito muito diferente daquele que todos os torcedores na Vila Belmiro esperavam. O Santos começou o jogo com uma linha de ataque que mesmo os mais jovens propagam como uma das maiores da história do clube: Omar, Camarão, Feitiço, Araken e Siriri. Aos 11 minutos, o placar apontava 2 a 0 para os santistas. No fim da primeira etapa, 5 a 1. Torcida e jogadores já se olhavam pensando em uma goleada para a história, talvez chegando aos dois dígitos. Mas o Guarani lutou e virou o jogo para 6 a 5 na segunda etapa. Feitiço não marcou uma única vez e levantou dúvidas na torcida, naquele 10 de abril de 1927. O resultado abalou de tal forma o clube que, desde aquele dia, uma revanche contra o clube campineiro era questão de honra. Mas a diretoria do Guarani nunca aceitou repetir um amistoso, preferindo que a virada histórica perdurasse. A chance, então, viria apenas no Campeonato Paulista, em 21 de agosto daquele mesmo ano. Era a oportunidade de Feitiço que já se firmara como titular e ganhara a 31